Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2540/22.1JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Nos termos das disposições conjugadas nos arts. 400.º, n.º 1, als. e) e f), 414.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, não é admissível recurso parra o STJ quanto às penas não superiores a 5 nem a 8 anos de prisão aplicadas na decisão condenatória do tribunal de primeira instância confirmadas pelo tribunal da relação, ainda que in mellius (dupla conforme) e, no caso da al. e), mesmo que in pejus.
II – E, como tem sido jurisprudência uniforme e constante do STJ, tal irrecorribilidade abrange a medida dessas penas e a apreciação das demais questões suscitadas no recurso a elas direta e exclusivamente referidas, sem que daí resulte qualquer violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso.
III - Porém, essa conclusão não poderá prejudicar o dever de retirar da eventual procedência de outras questões apreciadas no recurso quanto às penas recorríveis as consequências legalmente impostas relativamente àquelas, numa interpretação aplicativa extensiva, que se tem por necessária, adequada e sem oposição daquela orientação, das disposições conjugadas dos arts. 402.º e 403.º, n.º 3, do CPP.
IV – O “meio insidioso” previsto no art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP, pese embora tenha como referente a “utilização do veneno” não obsta à classificação como tal da utilização de outros meios e/ou condutas, cujas concretas circunstâncias sejam valorativamente análogas à utilização do veneno, nomeadamente quanto ao modo sub-reptício, inesperado, traiçoeiro de atuação/utilização, capaz de deixar a vítima totalmente desprotegida perante a agressão imprevista e imprevisível, instantânea ou prolongada de que seja alvo, apta a pôr a sua vida em perigo ou mesmo a matá-la, e sem qualquer hipótese de defesa, um simples esboçar que seja dela, se daí, desse exemplo padrão, puder indiciar-se ou extrair-se o tipo especial de culpa reclamado pela cláusula geral do n.º 1 do art. 132.º do CP, que se reconduz à possibilidade de, sobre o autor do crime de homicídio, pela sua conduta ilícita particularmente desvaliosa e atitude ou personalidade desviante por ela revelada, formular um particular e acentuado juízo de censura e/ou de perversidade.
V – Como sucede no caso em apreço, na medida em que as circunstâncias em que o arguido atuou se traduzem numa atuação gratuita, inesperada, traiçoeira e impeditiva de qualquer reação, muito menos defensiva, da(s) vítima(s), disparando uma arma de fogo à “queima roupa” e “pelas costas”, numa exígua casa de banho de estabelecimento de diversão noturna, contra as pessoas que ali se haviam dirigido e encontravam concentradas na satisfação de necessidades fisiológicas, sem as conhecer ou com elas ter tido qualquer contacto ou desaguisado anterior.
VI – O regime penal especial para “jovens adultos” consagrado no DL n.º 401/82, de 23/09, em concretização do art. 9.º do CP, conjugado com o seu art. 19,º, sendo embora de ponderação obrigatória pelo tribunal, em cumprimento do “poder- dever” que a lei lhe impõe, quando o arguido à data da prática dos factos tenha idade entre os 16 e os 21 anos, como aqui ocorreu, e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com essa idade, não é de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
VII – No caso em apreço, como no acórdão recorrido se demonstrou exuberantemente, o modo de execução dos crimes por que o recorrente foi condenado, as fatais e irreversíveis consequências deles resultantes, o seu comportamento anterior, contemporâneo e posterior ao seu cometimento, sem qualquer manifestação de arrependimento e persistência numa atitude belicosa, afrontadora da autoridade, de insubmissão a regras, de desprezo e indiferença pelo sofrimento dos outros e de consciente e voluntário desperdício das várias oportunidades de que beneficiou no sentido de o reconduzir para um percurso de normal enquadramento normativo e de socialização, não permitem, na verdade, afirmar a existência de sérias razões para acreditar que da atenuação especial das penas sofridas resultariam vantagens para a sua reinserção social, antes as afastam.
VIII - E a tal conclusão não basta opor a ausência de antecedentes criminais, cujo significado e relevância para este efeito, numa pessoa da idade do arguido, é diminuta, senão mesmo irrelevante, face ao pouco tempo de imputabilidade vivido e aos anteriores confrontos com o sistema de justiça por ele vivenciados no âmbito tutelar educativo, nem ao favorável ambiente e apoio familiar, que, embora afetuoso e solidário, se mostra também condescendente e incapaz de conter a sua impulsividade e propensão transgressora, como evidenciam os factos objeto deste processo e dos processos tutelares educativos referidos no acórdão recorrido.
IX - A determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos arts. 40.º, 70.º e 71.º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única ou conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu art. 77.º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”.
X – Constitui jurisprudência uniforme e constante do STJ que, se a fundamentação do acórdão recorrido revelar o cumprimento daquelas operações e o respeito pelas referidas finalidades e critérios, o tribunal de recurso deve, em princípio, abster-se de qualquer modificação na medida concreta da pena, salvo desconformidade com as regras da experiência ou manifesta injustiça, por desproporcionalidade ou desnecessidade.
XI – Mostrando-se o acórdão recorrido bem fundado e tendo em conta as finalidades das penas, em particular as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, entre os quais, o da vida, valor supremo de um Estado de direito, fundado na dignidade e na inviolabilidade da pessoa e da vida humana, constitucional e legalmente consagrado, que aqui foi alvo de duplo atentado.
XII - As penas de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, al. i), do CP e 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, e única ou conjunta de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico daquela pena com as de 8 (oito) anos, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, correspondentes aos crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, de roubo agravado, na forma tentada, e de detenção de arma proibida, por que também foi condenado, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.
XIII - Mostram-se, além disso, mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se do acórdão, de 26-10-2023, proferido no processo 911/21.0JALRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2540/22.1JAPRT.P1.S1.


(Recurso)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão, de 17.04.2023, do Juízo Central Criminal … (JCC…) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi o arguido AA, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) A- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, n.º 2, al. i) do Código Penal e 86º, n.º 3 da Lei das Armas, condenando-o na pena de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.


B- Julgar o arguido AA autor material e na forma tentada de um crime de homicídio qualificado agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, n.º 2, al. i) do Código Penal e 86º, n.º 3 da Lei das Armas, condenando-o na pena de 8 (oito) anos de prisão.


C- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al.s c) e e) da Lei n.º 5/2006 de 23.02 e, consequentemente, condena-o na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.


D- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de roubo qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f) do Código Penal, condenando-o na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.


E- Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em A) a D), condenar o arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 19.05.2023, recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que, por acórdão de 27.09.2023, o julgou parcialmente procedente, nos termos do seguinte dispositivo, que igualmente se transcreve:


«Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo arguido AA e, quanto ao mais, concedendo parcial provimento ao recurso pelo mesmo interposto, fixar a pena única resultante dos crimes em concurso em 21 anos e 6 meses de prisão, mantendo-se no restante a decisão recorrida».


3. Ainda inconformado, interpôs o arguido AA, em 27.10.2023, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«CONCLUSÕES


I. A discordância do arguido prende-se com três aspetos:


a) A não aplicação do regime especial para jovens


b) A aplicação da qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do código penal


c) A medida das penas parcelares e da pena única que se mostram exageradas e desproporcionais


A - Da não aplicação do regime especial para jovens


II. À data da prática dos factos, o arguido tinha 17 anos, pelo que a lei impõe ao Tribunal que pondere a aplicação ou não deste regime especial.


III. É um facto que a aplicação deste regime não é obrigatória e muito menos automática; Porém, a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, não deixa de ser o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, não se fundando e nem exigindo uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 03/03/2005 e de 11/04/2007, in http://www.dgsi.pt).


IV. Tendo presente o percurso de vida do recorrente AA não menosprezando a gravidade da sua conduta, as consequências gravíssimas que teve e o alarme social, deverá ser-lhe aplicado o regime penal dos jovens, evitando uma reação penal demasiado severa na fase de desenvolvimento e amadurecimento da sua personalidade.


V. Nunca é demais referir que quando praticou os factos tinha completado 17 há um mês; está em plena fase de construção da sua personalidade e não pode deixar de se considerar possível e viável a ressocialização de alguém tão jovem.


VI. O relatório social do arguido não sendo o desejável, permite aferir uma possibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à sua reinserção social, totalmente aconselhável em face da juventude e do percurso do arguido até à presente data.


VII. Naturalmente que face à gravidade dos factos em causa, o arguido terá necessariamente de cumprir tempo de reclusão; O que se pretende na situação do AA é que a aplicação do regime especial para jovens, permita a diminuição da moldura penal em causa, e que não lhe “mate” qualquer possibilidade de um dia ser alguém que vive de acordo com o Direito e as regras em sociedade.


VIII. Condenar um jovem de 17 anos a 21 anos e 6 meses de cadeia – muito mais do que o seu tempo de vida é claramente segrega-lo de forma quase definitiva da sociedade e impedir que algum dia possa estar ressocializado - Pelo que mal andou o Tribunal ao não aplicar ao arguido o regime especial para jovens delinquentes.


B – Quanto à qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do CP:


IX. O arguido foi condenando pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo artigo 132.º n.º 2 alínea i) do CP.


X. A qualificativa prevista na alínea i) do artigo 132º do CP refere-se à utilização de “veneno ou outro meio insidioso”.


XI. Resultou provado que o arguido cometeu o homicídio com recurso a uma arma de fogo.


XII. A doutrina e a jurisprudência são unanimes em excluir as armas da alínea i) do artigo 132º do CP.


XIII. Resulta assim cristalino que a qualificativa da alínea i) do artigo 132º do CP não pode operar nos presentes autos.


XIV. Resta a qualificativa do nº 3 do artigo 86º da Lei das Armas que implica que a pena mínima e máxima aplicável ao crime, é aumentada de 1/3, pelo que a moldura penal aplicável seria de 10 anos e 6 meses a 21 anos e 3 meses.


C - Da medida das penas parcelares e da pena única


XV. Pelo homicídio de que foi vítima BB, o tribunal aplicou ao arguido uma pena de 19 anos e 6 meses; Pela tentativa de homicídio 8 anos de prisão; Pela tentativa de roubo 3 anos e 6 meses e pela detenção de arma proibida 1 ano e 6 meses de prisão.


XVI. Em cúmulo 21 anos e 6 meses de prisão.


XVII. O recorrente não aceita cada uma das penas concretas parcelares em que foi condenado, porquanto as mesmas ultrapassam a medida da culpa.


XVIII. Analisada a decisão recorrida, designadamente no que toca com a determinação das penas concretas para cada crime, importa apontar que o tribunal sopesou minguadamente as circunstâncias favoráveis que recaem sobre o recorrente.


XIX. Com efeito, a decisão recorrida, apenas dá enfoque às circunstâncias que clamam por necessidades de prevenção geral e especial, sendo praticamente omissos os factos que contendem com as atenuantes que militam a favor do recorrente.


XX. Desde logo, importa enfatizar que o recorrente se apresentou voluntariamente na PJ do Porto; (veja-se despacho de 1º interrogatório perante JIC).


XXI. Não possui antecedentes criminais.


XXII. Tem o apoio incondicional da sua família, que é fundamental, em especial tratando-se de um jovem ainda em formação.


XXIII. Face ao exposto, não obstante as necessidades de prevenção geral e especial que o caso dos autos convoca, somos do entendimento que as penas parcelares aplicadas ao recorrente são excessivas e ultrapassam a medida da culpa.


XXIV. Assim, pugna-se pela aplicação ao recorrente de uma pena de 14 anos de prisão pelo crime de homicídio consumado


XXV. Quanto ao crime de homicídio na forma tentada, pugna-se pela aplicação de uma pena de 5 anos de prisão (tendo em conta que o mínimo é 2), -adequada ao caso dos autos.


XXVI. Quanto ao crime de roubo qualificado na forma tentada, considerando que o limite mínimo da moldura penal é de 9 meses, uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão seria a justa e adequada.


Quanto ao crime de detenção de arma proibida:


XXVII. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 1 ano e seis meses de prisão.


XXVIII. O tribunal a quo convoca o facto do recorrente ter cometido um crime com arma de fogo - “Na verdade, não pode escamotear-se o facto de o arguido cometer o crime de homicídio consumado e tentado usando, para o efeito, a aludida arma, na linha de um quadro de actuação de violência, que perpetua, usando a mesma arma, para a prática do crime de roubo” para afastar a aplicabilidade da pena de multa e encontrar a pena concreta a aplicar.


XXIX. Relembra-se que o recorrente foi condenado por um crime de homicídio qualificado consumado, com a agravação do artigo 86º, da Lei n.º 5/2006 de 23 fevereiro.


XXX. A qualificação do crime de homicídio nos termos do aludido artigo 86.º, visa punir o cometimento do crime com recurso a uma arma proibida traduzindo uma reação do legislador à proliferação de condutas criminosas praticadas com armas, pelo que na dosimetria da medida concreta a aplicar ao recorrente pelo crime de detenção de arma proibida, não pode servir de agravante o facto de este ter cometido o crime de homicídio com recurso a arma de fogo.


XXXI. No caso o tribunal faz uma dupla agravação da conduta do recorrente pela detenção e usa da arma de fogo, i.e.: qualifica o crime de homicídio pelo artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 e, nessa medida aumenta os seus limites mínimos, e ainda agrava o crime de detenção de arma proibida pelo facto de ter sido cometido um crime com uso da arma ilegalmente detida.


XXXII. Destarte entende o recorrente que a decisão ora colocada em crise viola o princípio da proibição da dupla valoração, ínsito no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, nos termos do qual não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto.


XXXIII. Ou seja, o tribunal aplicou ao recorrente, individuo de 17 anos, sem antecedentes criminais e devidamente inserido social e familiarmente, uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, o que extravasa em muito a medida da sua culpa.


XXXIV. Assim, no que concerne com o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente e ser o mesmo condenado na pena de oito meses de prisão.


Da pena única


XXXV. A medida concreta da pena do concurso constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na fixação da medida das penas parcelares, em função da culpa e da prevenção.


XXXVI. Em concomitância com o exposto, tendo por base a doutrina e jurisprudência trazida à colação, e o peticionado supra relativamente às penas parcelares a aplicar, nos seguintes termos:


a. pela prática, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º do Código Penal, e 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão;


b. pela prática, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º do Código Penal, e 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na forma tentada, na pena de 5 anos de prisão;


c. pela prática de um crime de roubo qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;


d. pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 8 meses de prisão.


XXXVII. Nestes termos deve ser aplicada ao recorrente a pena unitária de dezasseis prisão.


XXXVIII. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º, 77.º e 132.º do CP.


Nestes termos, revogando-se a decisão recorrida nos termos sobreditos, far-se-á Justiça!».


4. O recurso foi admitido por despacho da Juiz Desembargador relator, de 8.11.2023, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


5. O Ministério Público junto do TRP, respondeu, em 10.11.2023, ao recurso do arguido, suscitando a questão da sua eventual rejeição por falta de motivação, na medida em que se traduz em peça idêntica à do recurso interposto da decisão da 1ª instância, suscitando em ambos as mesmas questões já cabalmente analisadas e decididas no acórdão do TRP, e concluindo no sentido de «(…) que se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas (…)».


6. No mesmo sentido responderam, em 28.11.2023, os assistentes CC e DD.


7. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 13.12.2023, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:


«(…) 8 – Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de dever ser:


8.1 - parcialmente rejeitado, por legalmente inadmissível, nos sobreditos termos, o recurso interposto pelo arguido AA, a tanto não obstando o despacho que o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 414.º, n.º 2 e n.º 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.; e,


8.2 - julgado improcedente o recurso, no que respeita às questões relativas à não aplicação do regime especial para jovens, à qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, e à medida das penas parcelar e única aplicadas».


8. Observado o contraditório, apenas os assistentes, por requerimento de 20.12.2023, responderam ao parecer do Ministério Público, a ele aderindo.


9. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:


A) À aplicação do regime penal especial para jovens, estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 [conclusões II a VIII];


B) À qualificação dos crimes de homicídio nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal (CP) [conclusões IX a XIV], e,


C) À medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas [conclusões XV a XXXVIII].


2. Antes delas, porém, deverá conhecer-se da questão prévia suscitada no parecer emitido pelo Ministério Público neste STJ, qual seja a da rejeição parcial do recurso, por inadmissibilidade legal2


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido, que confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, de facto e de direito, salvo quanto à medida da pena única de prisão, que reduziu de 25 (vinte e cinco) para 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão (transcrição, sem notas de rodapé):


«(…)


2. FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Factos a considerar


2.1.1. No acórdão recorrido foi considerada provada a seguinte factualidade:


“1º -No dia 29 de maio de 2022, cerca das 03:51 horas da madrugada, o arguido dirigiu-se, na companhia de EE e FF ao estabelecimento de diversão noturna denominado “.....”, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., nesta Comarca de Porto Este.


2º- O arguido dirigiu-se para o camarote 9 (que a gerência do referido bar designa por camarote 10) da zona VIP do referido estabelecimento, onde se manteve na companhia de outras pessoas.


3º- Nessa noite, depois de terem estado em outros estabelecimentos de diversão noturna, GG, BB, HH e II resolveram deslocar-se até ao Bar P...., em ..., seguindo GG com HH numa viatura e BB e JJ noutro veículo.


4º- Pelas 04:42 horas, GG chegou ao referido bar na companhia de HH.


5º- Pelas 04:48 horas, chega ao P.... Bar, a vítima BB, na companhia de JJ.


6º- As vítimas GG, BB e as testemunhas HH e JJ dirigiram-se para a zona VIP do bar, para o ….


7º- Durante o tempo em que se mantiveram no referido estabelecimento, não houve qualquer troca de palavras entre o arguido e as vítimas BB e GG.


8º- Durante o tempo em que se manteve no interior do referido estabelecimento, o arguido manteve contacto com diversas pessoas, designadamente, com KK, a quem disse “hoje estou maluco!”.


9º- Todos ali permaneceram até às 06:11 horas, sem qualquer contacto entre as vítimas e o arguido e sem que ocorresse qualquer conflito no interior do bar, altura em que a vítima BB se deslocou para a casa de banho masculina do referido estabelecimento, sendo seguido por GG.


10º- Cerca de três minutos depois, pelas 06:14 horas do referido dia 29.05.2022, o arguido dirigiu-se também à casa de banho masculina do referido estabelecimento, munido e na posse de uma arma de fogo de calibre 6,35mm e respetivas munições, não se tendo apurado em que momento e de forma o arguido entrou na posse da mesma, mas tendo-o feito, pelo menos, em momento anterior à sua entrada na casa de banho masculina.


11º- A referida divisão é um espaço muito exíguo, com cerca de 1,5 metros de largura e três metros de comprimento.


12º- No interior da casa de banho masculina do referido estabelecimento, entre as 06:14 horas e as 06:15 horas apenas ali se encontravam as vítimas BB e GG e o arguido.


13º- No interior da referida casa de banho, sem que houvesse qualquer discussão ou conflito, o arguido empunhou a arma de fogo calibre 6,35mm acima referida, apontou na direção da cabeça da vítima BB, que se encontrava de costas para si e em posição inferior e disparou a mesma a curta distância (dada a exiguidade do espaço), atingindo-o na cabeça, na região occipital direita.


14º- De seguida, o arguido efetuou um disparo na direção de GG, que o atingiu na zona do peito, na vertente anterior do sexto espaço intercostal direito.


15º- Pelas 06:15:03 horas, alertado pelos sons dos disparos da arma de fogo, entra na referida casa de banho LL, segurança do referido estabelecimento, que viu o arguido a empunhar a referida arma de fogo e que tentou de imediato fugir do local.


16º- LL tentou persegui-lo, mas o arguido conseguiu fugir para o exterior do bar, onde o arguido caiu ao chão, tendo deixado cair a arma de fogo, momento em que o seu carregador se soltou.


17º- O arguido conseguiu fugir do local levando consigo a arma e respetivo carregador.


18º- De seguida, quando seguia apeado a correr na Avenida ..., em frente ao estabelecimento de restauração “M.. . .......”, o arguido colocou-se à frente do veículo de marca Peugeot, modelo 208, de cor preta, com a matrícula ..-QN-.., conduzido por MM, colocou as mãos sobre o capot do mesmo, obrigando a mesma a imobilizar o veículo que conduzia na via pública, empunhou a referida arma de fogo na sua direção dizendo “Pára o carro! Pára o carro! Sai do carro!”.


19º- Assim que o arguido se colocou na lateral do seu veículo, MM de imediato arrancou, fugindo do local.


20º- Apesar de terem chegado ao local os competentes meios de socorro, ambas as vítimas foram conduzidas ao Hospital … com vida e em estado muito grave, onde a vítima BB veio a falecer no dia 30.05.2022.


21º- A vítima BB apresentava um ferimento compatível com agressão com arma de fogo, com porta de entrada na região occipital direita, tendo sido assistido no local pela VMER, tendo sido constatada paragem cardiorrespiratória com primeiro ritmo de assistolia, tendo tido recuperação da circulação espontânea após 15 minutos de suporte avançado de vida.


- O projétil disparado pelo arguido seguiu um trajeto com ponto de entrada cervical superior póstero-lateral esquerdo, interessando as peças vertebrais C2 e C3, incluindo trajeto intracanalar com potencial lesão medular, e com imagens sugestivas de laceração da artéria vertebral direita e trajeto de saída na região cervical superior ântero-lateral direita com hematoma em planos profundos e projétil alojado em planos subcutâneos.


23- A vítima BB apresentava um quadro de edema cerebral difuso com isquemia supra e infratentorial abrangendo inclusivamente o tronco cerebral. Adicionalmente, clinicamente doente sem reflexos que traduzam integridade do tronco cerebral, sendo, assim, um doente sem possibilidade mínima de recuperação neurológica tendo em conta achados clínicos e imagiológicos, inexistindo medidas a oferecer por Neurocirurgia que o beneficiassem, tendo sido feita a remoção do projétil da região cervical anterior direita.


24º- Apesar dos cuidados médicos que lhe foram prestados e de ter sido sujeito a cirurgia, a vítima BB acabou por falecer no dia 30.05.2022.


25º- Por força do disparo efetuado pelo arguido na sua direção, a vítima BB sofreu dores, desconforto e as lesões descritas e examinadas no relatório de fls. 499-510, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, designadamente:


— Cabeça:


Na região frontal, à esquerda da linha média, apresenta uma escoriação com crosta hemática de coloração castanha escurecida, arredondada, com 0,6 por 0,6 cm de maiores dimensões. Na região inferiormente ao supracílio direito apresenta uma equimose de coloração avermelhada, irregular, com 1,2 por 0,4 cm de maiores dimensões. Na região inframentoniana, à esquerda da linha média, apresenta uma escoriação de fundo avermelhado, irregular, sensivelmente linear, com 2,5 cm de comprimento. Presença de escorrência de coloração avermelhada pelo pavilhão auricular direito.


Meninges: Presença de hemorragia subaracnoideia do tronco cerebral, faces superior e inferior de ambos os hemisférios cerebelosos e sulco lateral esquerdo. Congestão das leptomeninges.


Encéfalo: Forma e tamanho conservados. Sulcos cerebrais rasos e circunvoluções alargadas, aspetos compatíveis com edema cerebral. Vasos da base íntegros. Consistência amolecida. Na superfície das diferentes secções de corte, observa-se congestão marcada e tecido encefálico com aumento da substância branca e diminuição da substância cinzenta, aspeto compatível com edema cerebral. Ventrículos com revestimento liso e brilhante, de dimensões normais, com líquor límpido e incolor.


— Pescoço: No terço proximal da face póstero-lateral esquerda do pescoço apresenta uma solução de continuidade, com bordos irregulares, infiltrados de sangue e com coloração enegrecida, com 0,6 por 0,6 cm de maiores dimensões, apresentando uma orla de contusão excêntrica com 0,7 cm de comprimento na região anteroinferior e 0,2 cm de comprimento na região posterior, aspetos compatíveis com orifício de entrada de projétil de arma de fogo de cano curto. A referida solução de continuidade situa-se a 5 cm ao lóbulo esquerdo, a 10,5 cm da protuberância occipital, a 9,5 cm da linha média posterior e a 7,5 cm do ângulo da mandíbula esquerdo. Na face lateral direita do pescoço apresenta uma solução de continuidade de orientação oblíqua, dirigida inferoanteriormente, suturada com 2 pontos de fio de seda de cor preta, com 1 cm de comprimento, situando-se a extremidade proximal a 6 cm de distância do lóbulo direito e a 2 cm do ângulo da mandíbula e a extremidade distal a 7 cm de distância do lóbulo direito e a 8 cm da proeminência da cartilagem tiroideia, aspeto compatível com procedimento cirúrgico.


Tecido celular subcutâneo: Presença de solução de continuidade com bordos irregulares e infiltrados de sangue, subjacente à solução de continuidade descrita no hábito externo, no terço proximal da face póstero-lateral esquerda, com 0,2 cm de diâmetro, aspetos compatíveis com a passagem de projétil de arma de fogo de cano curto. Presença de infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo na metade direita da face antero-lateral do pescoço, subjacente à solução de continuidade suturada, na mesma localização, descrita no exame do hábito externo.


Músculos: Presença de solução de continuidade com bordos irregulares e com infiltração sanguínea, nos músculos posteriores do pescoço, à esquerda, subjacente à solução de continuidade descrita no hábito externo. Presença de infiltração sanguínea dos músculos do plano superficial e profundo da face anterolateral direita e posterolateral direita do pescoço. Presença de solução de continuidade da porção lateral direita do músculo platisma, de bordos irregulares e infiltrados de sangue, compatível com a passagem de projétil de arma de fogo de cano curto. Presença de solução de continuidade do músculo esternocleidomastoideu direito, de bordos irregulares e infiltrados de sangue, compatível com a passagem de projétil de arma de fogo de cano curto.


Vasos: Presença de laceração, com bordos infiltrados de sangue, da artéria vertebral direita em região adjacente à vértebra C3, à direita, compatível com a passagem de projétil de arma de fogo de cano curto.


— Coluna vertebral e medula:


Vértebras e estruturas articulares: Presença de fratura da lâmina lateral esquerda da vértebra C2, aspeto compatível com passagem de projétil de arma de fogo de cano curto, com trajeto tangencial ao pedículo direito da 3ª vértebra cervical.


Meninges e medula: Presença de hemorragia subdural marcada ao nível da medula cervical. Medula da região cervical com edema marcado. Sem outras alterações macroscópicas aparentes.


26º- Ao exame necrópsico, foi observada solução de continuidade no terço proximal da face póstero-lateral esquerda do pescoço, com características morfológicas de orifício de entrada de projétil de arma de fogo de cano curto, com trajeto penetrante através dos músculos posteriores do pescoço, lâmina esquerda da 2.ª vértebra cervical, com trajeto intracanalar e tangencial ao pedículo direito da 3ª vértebra cervical, artéria vertebral direita e músculos do pescoço anteriores direitos.


27º- Foi também observada solução de continuidade suturada, na região anterior direita do pescoço, com aspetos compatíveis (e segundo informação clínica) com extração de projétil de arma de fogo de cano curto dos tecidos subcutâneos, pelo que considerando as características morfológicas do orifício acima referido, as lesões traumáticas descritas e o local onde o projétil foi recuperado (segundo a informação clínica fornecida e atrás transcrita), é possível definir um trajeto do projétil no corpo da vítima, concretamente no pescoço: de posterior para anterior, da esquerda para a direita e de cima para baixo.


28º- A morte da vítima BB foi devida às lesões traumáticas meningo-encefálicas, cervicais e vertebro-medulares supra descritas, que terão resultado de traumatismo de natureza perfuro-contundente, tal como o que pode ter sido devido à ação de projétil de arma de fogo de cano curto, sendo causa de morte de causa violenta.


29º- As características das lesões traumáticas mortais, nomeadamente a sua localização harmonizam-se com uma etiologia médico-legal homicida.


30º- O exame toxicológico realizado à amostra de sangue da cavidade abdominal revelou THC-COOH na concentração de 84 +/- 30 ng/mL, THC na concentração de 2,8 +/- 1,0 ng/mL, 11-OH-THC na concentração de 2,7 +/- 1,0 ng/mL, tendo sido negativo na quantificação de etanol e de substâncias medicamentosas.


31º- Por sua vez, GG apresentava lesão provocada por arma de fogo com entrada de projétil no hemitorax direito abaixo da linha mamilar / hipocôndrio direito; sem hemorragia ativa; pericentimétrica, sem aparentes lesões de queimadura envolventes; laceração do pavilhão auricular direito.


32º- A lesão provocada pelo disparo do arguido apresentava-se na vertente anterior do 6.º espaço intercostal direito, atravessando o hipocôndrio direito, numa trajetória inferior e lateral, com saída na região dorsolombar direita, onde se identifica projétil tecido subcutâneo/cutâneo, discreto enfisema e densificação hemorrágica da parede torácica anterior na região do ponto de entrada; ligeira globosidade e densificação dos músculos da parede abdominal na região de saída em relação com sufusão hemorrágica; hemoperitoneu de pequeno/moderado volume globalmente sobreponível; milimétricas e escassas bolhas gasosas intraperitoneais no hipocôndrio direito, anteriormente ao lobo direito, adjacentes ao ponto de entrada; laceração grau IV do lobo hepático direito (segmentos 5, 6 e 8), sem atingimento dos grandes vasos hepáticos e sem valorizáveis alterações do parênquima pulmonar, referindo-se apenas iminutas atelectasias passivas na base pulmonar direita.


33º- Em virtude dos factos descritos, GG esteve internado no serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de São João por três dias, com boa evolução tendo sido transferido para o serviço de Cirurgia Geral. Realizou última TAC-TAP de reavaliação, da qual resultou uma redução do calibre e da densidade da maioria dos componentes da conhecida laceração hepática, sem evidência de hemorragia ativa. Ligeira redução das dimensões da ascite e hemoperitoneu.


34º- Manteve boa evolução clínica, tendo tido alta clínica no dia 7 de junho de 2022.


35º- GG correu perigo de vida, mas devido à pronta assistência médica que lhe foi prestada recuperou das lesões sofridas e provocadas pelo disparo efetuado pelo arguido.


36º- Por força do disparo efetuado pelo arguido na sua direção, GG sofreu dores, desconforto e as lesões descritas e examinadas nos relatórios de fls. 354-356 e 613-631, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, designadamente:


— Crânio: vestígio cicatricial irregular rosado e doloroso ao toque localizado na face anterior do pavilhão auricular direito;


— Tórax: à inspeção não se observam assimetrias; presença de vestígio cicatricial linear, disposto horizontalmente, com 0,8 cm de comprimento, plano, sem queixas subjetivas associadas e localizado na intersecção de linha imaginária localizada a 8 cm para lateral de linha esternal média, 3 cm abaixo do mamilo (em linha mamilar) e 8 cm medialmente à linha mamilar;


— Abdómen: à inspeção não se observam assimetrias; presença de vestígio cicatricial linear, disposto horizontalmente, com 1,8 cm de comprimento, plano, sem queixas subjetivas associadas localizadas na metade direita da região lombar/flanco;


Sendo que as lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza perfurante e contundente , tendo determinado 60 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (20 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (60 dias), sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 28.07.2022, tendo resultado como consequências permanentes as cicatrizes descritas em Tórax e Abdómen as quais não se consideram desfigurantes, não tendo resultado sequelas a nível funcional nem situacional.


37- As lesões que a vítima BB apresentava, provocadas pelo disparo com que o arguido o atingiu, provocaram-lhe de forma direta, adequada e necessária, a morte, não obstante os esforços envidados pelas equipas de socorro e equipa médica para lhe salvarem a vida.


38º- As lesões que GG apresenta, provocadas pelo disparo com que o arguido o atingiu, provocaram-lhe de forma direta, adequada e necessária dores, sendo que o mesmo apenas não veio a perder a vida em virtude dos esforços envidados pelas equipas de socorro e equipa médica.


39º- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de deter, conservar e manusear aquela arma fora das condições legais e em contrário das prescrições da autoridade competente, bem sabendo que era necessário ser possuidor de documento habilitador da detenção e manuseamento de armas de fogo emitido pelas entidades oficiais competentes, não sendo o arguido titular de qualquer licença de uso e porte de arma ou possuidor de qualquer outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a deter, conservar ou manusear aquele tipo de arma.


40º- O arguido bem sabia que a referida arma de fogo era idónea a provocar a morte das vítimas e, bem assim, de causar medo e inquietação a quem fosse exibida.


41º- O arguido disparou a referida arma de fogo em direção das vítimas, com o propósito preordenado de lhes tirar a vida, para o que se muniu da referida arma de fogo, sendo que não se conheciam e não tinham tido qualquer tipo de contacto ou conflito no referido local.


42º- O arguido disparou na direção da vítima BB, quando este se encontrava de costas para si e quando estava numa posição inferior em relação ao arguido, tendo ficado imediatamente inconsciente e caído no chão de barriga para baixo.


43º- As vítimas não se dirigiram ao arguido, nem provocaram qualquer conflito que levasse este a matá-los e tentar matá-los, sendo que a vítima BB foi baleada por trás, sem ter tido tempo de esboçar qualquer tipo de reação e defender-se ou proteger-se da ação do arguido, totalmente demonstrativa da sua intenção de o matar.


44º- Do mesmo modo, GG nem tão-pouco teve tempo de fugir do local, surpreendida que foi com o disparo que o mesmo efetuou na nuca da vítima BB, tendo sido atingido numa zona onde se alojam órgãos vitais e, portanto, claramente indicadores da intenção do arguido de lhe tirar a vida, que efetuou ambos os disparos a curta distância.


45º- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de matar e tirar a vida às vítimas BB e GG, como o fez, sem que tivesse sido por qualquer forma provocado pelas vítimas, que nem tiveram tempo de se aperceber da sua chegada junto de si, denotando um total, pérfido e gratuito desrespeito pela vida humana.


46º- Apenas não logrou matar a vítima GG porque o mesmo foi prontamente assistido pelos meios de socorro que foram chamados ao local.


47º- O arguido sabia ainda que ao disparar uma arma de fogo como o é uma pistola de calibre 6,35 mm, a tão curta distância e em zonas onde se alojam órgãos essenciais ao sustento da vida do corpo humano, como a cabeça e o peito, melhor assegurava o êxito das suas intenções homicidas.


48º- Sabia ainda que a arma de fogo que usou e sendo utilizada a tão curta distância dos corpos das vítimas, era possuidora de uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos, portadora de uma acentuada eficácia letal e particularmente perigosa para a vida ou integridade física daqueles contra quem fosse usada.


49º- Tais mortes, queridas pelo arguido, que agiu com total insensibilidade e desconsideração pela vida e integridade física das vítimas BB e GG, ocorreram porque estes foram intencionalmente atingidos em órgãos essenciais e vitais à manutenção e sustento da vida, cujo colapso, provocaram a morte imediata de BB e só não provocaram a morte de GG por este ter sido prontamente assistido pelas equipas de socorro, tendo sofrido graves lesões e correndo perigo de vida.


50º- O arguido agiu ainda livre, voluntária e conscientemente, com intenção de deter, conservar e manusear aquela arma de fogo, bem sabendo que era necessário ser possuidor de documento habilitador da sua detenção e emitido pelas entidades oficiais competentes.


51º- Da mesma forma, estando consciente dos factos que havia acabado de praticar, o arguido fugiu do local para parte incerta, tendo tentado roubar o veículo conduzido por MM, obrigando-a a parar na via pública e ameaçando-a com a referida arma de fogo, tendo agido livre, deliberada e conscientemente, com o propósito conseguido de fazer seu o referido veículo, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade da sua detentora e proprietária, o que apenas não conseguiu por motivos totalmente alheios à sua vontade e porque a ofendida arrancou com o veículo do local.


52º- O arguido muniu-se da referida arma de fogo, ameaçando-a da forma descrita, como era sua vontade, causando medo e receio na mesma de que a sua integridade física fosse molestada ou mesmo que lhe provocasse a morte, e pela forma intimidatória descrita apenas não se apoderou do referido veículo porque a ofendida conseguiu fugir do local.


53º- O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo a ilicitude das suas condutas, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo coibido de as praticar.


Mais se provou que:


54º- O consumo de óxido nitroso pode causar predispor para mielopatia, encefalopatia, trombose e hiperpigmentação da pele, pode causar efeitos euforizantes e dissociativos, alucinações visuais e auditivas, sedação, grande sensação de rush e de flutuar, dissociação com menor perceção da dor e do ambiente, efeito empatogénico, distorções da realidade, psicoses, descoordenação motora, riso incontrolável, visão turva, confusão e tonturas e, se combinado com canabinoides etanol e cetamina, pode aumentar a dissociação da realidade.


(…)


57- Das Condições Pessoais e económicas do arguido:


- À data dos factos, AA constituía agregado familiar com a mãe, 39 anos, manicura e empregada de limpezas, com o padrasto, NN, de 37 anos de idade, vendedor de automóveis, e com o irmão uterino de 12 anos de idade, estudante. A mãe e padrasto vivem em união de facto há cerca de 16 anos e ambos descrevem um relacionamento familiar estável, coeso e afetuoso, o que é corroborado pelo arguido; refere-se ao padrasto como pai, valorizando o seu papel na dinâmica familiar. Só há cerca de um ano, o arguido tomou conhecimento que NN não era seu pai biológico, desconhecendo o arguido a figura deste.


- A família reside há cerca de dois anos, num apartamento camarário de tipologia 3, com condições de habitabilidade, inserido em zona urbana não conotada com problemáticas sociais, embora na proximidade de dois bairros sociais problemáticos. Antes, residiam num apartamento T2, localizado num outro bairro social na cidade do Porto que, segundo a mãe do arguido, apresentava algumas características problemáticas de marginalidade e estigmatização social, pelo que a mudança foi positiva tanto ao nível das condições habitacionais como sociais.


- Ao nível escolar, AA, habilitado com o 6º ano de escolaridade, estava matriculado no curso de mesa e bar na Escola Profissional A... ....., que lhe permitiria obter o 9º ano de escolaridade. O arguido esteve sujeito a acompanhamento de duas medidas tutelares educativas (imposição de obrigações e acompanhamento educativo), tendo-se revelado, em contexto escolar, muito problemático, exteriorizando baixa tolerância à frustração e agressividade verbal/insolência na relação com os professores e colegas da turma. Assumia uma atitude de liderança, evidenciando-se pela negativa através das agressões físicas e verbais e uma tendência para ridicularizar o outro. Após o termo das medidas tutelares educativas, colocou-se numa situação de abandono escolar. Não regista experiências laborais.


- A situação económica da família baseia-se nos rendimentos auferidos pelo padrasto, cerca de 1.000€ mensais, como vendedor de automóveis por conta própria, e 700€ recebidos pela mãe das atividades de manicura e de limpezas domésticas. O agregado familiar beneficia, ainda, do valor do abono para crianças e jovens de 150€, perfazendo um total de 1850€ receitas líquidas. Em termos de despesas domésticas fixas, estas totalizam cerca de 140€ correspondendo a gastos com renda da habitação (40€), consumo de água e saneamento (30€), eletricidade (70€) que são integralmente pagas pelos avós maternos do arguido. Atualmente, a família suporta ainda um custo mensal de cerca de 120€ para efetuar carregamentos telefónicos e de cantina em contexto prisional.


- Como atividade de tempos livres, o arguido praticava boxe, ultimamente no D.. ........ ......., Lda.,


- AA iniciou, em 2019, consultas na especialidade de psicologia no Centro de Saúde da sua área de residência, devido à instabilidade emocional e comportamental, evidenciada em contexto escolar, nomeadamente a impulsividade e a agressividade na relação com o outro. Em 2020, por iniciativa materna, o arguido passou a ser acompanhado na especialidade de pedopsiquiatria, tendo beneficiado de consultas no Centro Hospitalar .... AA beneficiou ainda de acompanhamento psicológico, na Unidade de Saúde Familiar de..., até janeiro de 2021. Revelava resistência ao acompanhamento psicológico, não aderindo ao diálogo com a psicóloga durante as sessões.


- Em meio prisional, tem evidenciado dificuldades pessoais na adaptação ao meio prisional, tendendo a adotar uma postura de agressividade com outros reclusos e de desafio junto das figuras de autoridade. Regista infrações disciplinares datadas de 15/08/2022, 07/09/2022, 16/10/2022 e 23/01/2023 que se encontram em averiguações. Inicialmente frequentou o programa de entrados que visa a estabilização dos reclusos, mas foi retirado da dinâmica de grupo por revelar uma atitude de desafio e de destabilização do mesmo. Foi ainda integrado na escola, mas veio a ser expulso porque, por duas vezes, apresentou verbalizações ofensivas para com a professora.


- A família revela disponibilidade de apoio ao arguido que se traduz na realização de contactos telefónicos diários, visitas semanais e apoio material para a cantina e comunicações telefónicas.


- AA apresenta antecedentes no âmbito da justiça juvenil, por factos que configuram crimes contra a integridade física, tendo estado sujeito ao acompanhamento dos de Reinserção Social. Compareceu às entrevistas agendadas nos SRS, mas revelou resistência no cumprimento de algumas obrigações e ações. No processo Tutelar Educativo n.º 1157/08.8... - C foi determinada em 03.06.2020 a medida acompanhamento educativo com a duração de 12 meses. No decurso da mesma revelou, em contexto escolar, dificuldades de adesão aos seus deveres, desafio à autoridade, desmotivação, desrespeito pelo outro e utilização de linguagem imprópria. Antes havia sido aplicada a medida de imposição de obrigações no processo nº 1157/08.8... - A, no âmbito da qual, ocorreram alguns incumprimentos designadamente ao nível da comparência às sessões de psicologia.


***


58- Dos Antecedentes Criminais do arguido:


O arguido não tem antecedentes criminais registados.”


2.1.2. O tribunal recorrido considerou não provada a seguinte factualidade:


A-) Que o arguido havia adquirido em data não apurada e a pessoa que não foi possível identificar a arma de fogo de calibre 6,35mm descrita e respetivas munições e que se dirige ao estabelecimento de diversão noturna denominado “.....” já trazendo consigo a arma referida devidamente municiada com, pelo menos, uma munição, na bolsa que trazia a tiracolo.


B-) Que o arguido, quando se dirige a KK, lhe mostra a bolsa que trazia a tiracolo, abrindo a mesma.


C-) Que a vítima BB tenha, por força do disparo efetuado pelo arguido, sofrido dores intensas e percecionado que ia morrer.


D-) Que o arguido tenha agido na execução de plano previamente delineado.


E-) Que o arguido sabia da proveniência da arma e que a mesma era clandestina.


F-) Que o arguido atuou da forma descrita sob o efeito e por causa de consumo de óxido nitroso, combinado com a ingestão de álcool.


(…)


2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos


(…)


Será, portanto, com base nas conclusões do recurso, assentes na respetiva motivação, que iremos apreciar o seu mérito, apreciando as questões suscitadas no recurso respeitando a sua ordem lógico-cronológica, nos termos já supra referidos, sendo certo que se não vislumbra a existência de qualquer vício de julgamento ou da sentença oficiosamente cognoscível.


(…)


2.2.1. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto


(…)


Razão por que irá ser julgada improcedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo arguido, e com ela a negação de provimento ao recurso, na parte em que o recorrente, ao pretender ver afastada a intenção de matar com que agiu, visava também ver o seu comportamento ser subsumível a um mero crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art.º 146º do CP.


2.2.2. Da verificação da agravante qualificativa prevista na al. i) do nº 2 do art.º 132º do Código Penal;


(…)


Razão por que, e sem necessidade de mais considerações, também nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.


2.2.3. Da inconstitucionalidade da norma do art.º 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23/02;


(…)


2.2.4. Da aplicação do regime especial em matéria penal para os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos;


(…)


Razão por que, nesta parte, irá também ser negado provimento ao recurso.


2.2.5. Da excessividade das penas parcelares e única concretamente aplicadas.


(…)


Razão por que, nada podemos apontar às penas parcelares fixadas na decisão recorrida.


Assim sendo, afigura-se-nos mais ajustada às circunstâncias do caso a aplicação ao arguido da pena única de 21 anos e 6 meses de prisão, concedendo-se assim parcial provimento ao recurso, por este interposto.


(…)»


2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra da sua precedência lógica também ali referida.


2. 1. A questão prévia da rejeição parcial do recurso, por inadmissibilidade legal.


O arguido interpôs recurso da decisão do TRP quanto à medida de todas as penas, parcelares e única, em que foi condenado, recurso admitido no TRP sem qualquer restrição.


O Ministério Público, no parecer emitido neste STJ, suscitou, no entanto, a questão prévia da sua rejeição parcial, por inadmissibilidade legal, no que tange às penas concretamente aplicadas não superiores a 5 nem a 8 anos de prisão, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 400º, n.º 1, als. e) e f), 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), todos do CPP, convocando em abono da sua posição a jurisprudência uniforme e constante do STJ relativamente à designada “dupla conforme”, é dizer, a confirmação pelo tribunal da relação, ainda que in mellius e, no caso da al. e), mesmo que in pejus, se a pena aplicada não ultrapassar os 5 anos de prisão, da decisão condenatória do tribunal de primeira instância relativamente a penas que se contenham em tais medidas3.


Como resulta do teor dos excertos supratranscritos das decisões condenatórias do JCCPNF e do TRP, o recorrente foi condenado, naquele juízo, nas penas parcelares de: (i) 19 anos e 6 meses de prisão, como autor material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, n.º 2, al. i), do CP e 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02 (Lei das Armas); (ii) 8 anos de prisão, como autor material e na forma tentada de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, n.º 2, al. i), do CP e 86º, n.º 3, da Lei das Armas; (iii) 1 ano e 6 meses de prisão, como autor material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, als. c) e e), da Lei das Armas; (iv) 3 anos e 6 meses de prisão, como autor material e na forma tentada de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f), do CP. E (v), em cúmulo jurídico dessas 4 penas parcelares, na pena única de 21 anos e 6 meses de prisão.


Todas as penas parcelares foram confirmadas pelo TRP, o qual apenas reduziu a pena única de 25 anos para 21 anos e 6 meses.


Concluiu-se, por isso, naquele parecer, pela irrecorribilidade das penas parcelares aplicadas pelos crimes de homicídio e roubo na forma tentada e pelo crime de detenção de arma proibida, por todas elas se situarem nos patamares da irrecorribilidade estabelecidos no artigo 400º, n.º 1, als. e) e f) do CPP, irrecorribilidade que abrangeria não apenas a respetiva medida, mas também quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas atinentes que no caso se pudessem colocar e, efetivamente, colocam no que concerne às questões da aplicação do regime penal especial para jovens, quanto a todas elas, e à aplicação da alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do CP, quanto à pena relativa ao crime de homicídio tentado.


Ora, como diz o Ministério Público no seu parecer, em face da atual redação das citadas normas processuais, as vigentes à data da prática dos factos em apreço, e tal como é jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, tem-se por indiscutível a irrecorribilidade das referidas penas parcelares, seja quanto à sua medida, seja quanto à apreciação das demais questões suscitadas no recurso a elas direta e exclusivamente referidas, sem que daí, como também afirma essa orientação jurisprudencial e doutrinal, resulte qualquer violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, que a Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe, pelo menos num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14.º, n.º 5),.


Recorríveis serão, pois, no caso em apreço, somente as penas relativas ao crime de homicídio qualificado consumado e à pena única, na respetiva medida, que o recorrente pretende ver reduzida, como nas questões da qualificação do crime de homicídio e da aplicação do regime penal especial para jovens.


Porém, essa conclusão não poderá prejudicar o dever de retirar da eventual procedência dessas outras questões quanto a estas penas recorríveis as consequências legalmente impostas relativamente às restantes três penas aplicadas, numa interpretação aplicativa extensiva, que se tem por necessária, adequada e sem oposição daquela orientação, do disposto no artigo 403º, n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 402º, do CPP4.


Termos em que, com tal ressalva e porque a admissão do recurso pelo tribunal recorrido não vincula o tribunal superior, se julga procedente a questão prévia da rejeição parcial do recurso, por inadmissibilidade legal, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.º 1, als. e) e f), 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), do CPP, prosseguindo o seu conhecimento limitado às questões suscitadas relativamente à condenação pelo crime de homicídio qualificado consumado e à pena única resultante do cúmulo jurídico.


2.2 Qualificação dos crimes de homicídio nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do CP [conclusões IX a XIV]


O recorrente foi condenado na pena parcelar de:19 anos e 6 meses de prisão, como autor material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, n.º 2, al. i), do CP e 86º, n.º 3, da Lei das Armas.


E na pena única de 21 anos e 6 meses de prisão, esta na sequência do acórdão do TRP, que, julgando parcialmente provido o recurso por ele interposto do acórdão da 1ª instância, reduziu para essa medida a pena única de 25 anos que neste lhe havia sido aplicada.


Todavia, não se conforma com aquela condenação pelo crime de homicídio consumado, por entender que a qualificativa agravante da al. i) do n.º 2 do artigo 132º do CP não tem aplicação in casu, uma vez que a arma por ele usada não consubstancia o meio insidioso previsto em tal norma, que, de resto, considera limitada ao uso do veneno.


Como se explicitou no acórdão recorrido e se sublinhou no parecer do Ministério Público neste STJ, o recorrente incorre num duplo equívoco: primeiro, porque nem o acórdão da 1ª instância nem o do TRP consideraram a arma por ele utilizada como meio insidioso, antes integraram a sua conduta naquela previsão normativa por terem concluído que as circunstâncias em que atuou, também utilizando aquela arma, são valorativamente análogas à utilização do veneno, na medida em que se traduziram numa atuação gratuita, inesperada, traiçoeira e impeditiva de qualquer reação, muito menos defensiva, da(s) vítima(s), sobre quem a disparou à “queima roupa”, numa exígua casa de banho de estabelecimento de diversão noturna, onde se haviam dirigido e se encontravam concentrados na satisfação de necessidades fisiológicas, sem as conhecer ou com elas ter tido qualquer contacto ou desaguisado anterior; segundo, porque, a referida previsão normativa não se esgota na utilização do veneno, antes se estendendo, como decorre do seu elemento literal, a “qualquer outro meio insidioso”, natureza que, na verdade, nela tem por referente matricial a utilização do veneno.


Mas isso não prejudica a possibilidade de aí integrar a utilização de outros meios ou mesmo diferentes condutas, desde que de natureza e/ou efeitos valorativamente análogos à utilização do veneno, nomeadamente quanto ao modo sub-reptício, inesperado, traiçoeiro de atuação/utilização, capaz de deixar a vítima totalmente desprotegida perante a agressão imprevista e imprevisível, instantânea ou prolongada de que seja alvo, apta a pôr a sua vida em perigo ou mesmo a matá-la, e sem qualquer hipótese de defesa, um simples esboçar que seja dela, se daí, desse exemplo padrão, puder indiciar-se ou extrair-se o tipo especial de culpa reclamado pela cláusula geral do n.º 1 do artigo 132º do CP, que se reconduz à possibilidade de, sobre o autor do crime de homicídio, pela sua conduta ilícita particularmente desvaliosa e atitude ou personalidade desviante por ela revelada, formular um particular e acentuado juízo de censura e/ou de perversidade.


Tem sido este o entendimento sufragado, de modo uniforme e constante, pelo STJ, em linha, de resto, com a doutrina, independentemente de algumas nuances concetuais que nelas possam verificar-se:


Nesse sentido, a título meramente exemplificativo e para além dos acórdãos de 26.06.2019, proferido no processo 763/17.4JALRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto de Matos, e de 15.04.2021, proferido no processo n.º 82/19.1PBSTR.E1.S1, relatado pela Conselheira Margarida Blasco, citados no acórdão recorrido, podem ver-se os de 7.07.2005, proferido no processo n.º 05P2314, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, de 10.07.2008, proferido no processo n.º 08P1785, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, de 14.10.2021, proferido no processo n.º 255/19.7GAVFX.L1.S1, relatado pelo Conselheiro António Gama, acima referenciado, e de 10.11.2022, proferido no processo n.º 324/21.3JAVRL.G1.S1, relatado pela Conselheira M. Carmo da Silva Dias, todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.


E, na doutrina, Teresa Serra, in “Homicídios em série”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, pp. 137 a 179, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa 1998, que a propósito da anterior al. f), agora i), diz a pp. 154, «está em causa a utilização de um meio insidioso”, cujo paradigma apontado é o veneno, mas que ela considera poderem outras circunstâncias consubstanciar “um meio insidioso, na medida em que a vítima é apanhada desprevenida, não se chagando sequer a aperceber de que é objeto de um atentado. Mas reconhece-se geralmente que a noção de meio insidioso abrange não apenas meios materiais especialmente perigosos de execução do facto, mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de modo mais eficaz, dada a situação de vulnerabilidade e desproteção da vítima em relação ao agressor: é o caso da facada traiçoeira pelas costas ou do disparo de arma de fogo em emboscada, meios que retiram à vítima qualquer capacidade de proteção, Aliás, o fundamento da qualificação contida nesta alínea reconduz-se precisamente à utilização de meios pelo agente, por forma a aproveitar-se dessa desproteção da vítima», pese embora assinale a aparente dissonância interpretativa de Fernanda Palma, para quem a delimitação «de outro meio insidioso» se deve fazer por referência à utilização do veneno5, posição que, como resulta da antecedente resenha, é contrariada pela jurisprudência mais antiga, recente e constante do STJ.


E, acrescenta, a pp. 156, sem necessidade de qualquer cedência à interpretação lata que alguma jurisprudência faz do n.º 2 do artigo 132º, segundo a qual «as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132º não são taxativas, antes meramente exemplificativas, podendo o juiz considerar como homicídio qualificado o facto cometido pelo agente desacompanhado de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2, mas acompanhado de outras que eventualmente se enquadrem no n.º 1 do mesmo preceito6.


Interpretação que, apesar de reconhecer poder encontrar apoio nas observações mal compreendidas de Eduardo Correia e Figueiredo Dias nas Atas de 1979, critica e não acolhe, como, aliás, julga ser também a posição atual de Figueiredo Dias, na medida em que o seu fundamento «no essencial, resume-se à afirmação de que as circunstâncias enumeradas no n. 2 são elementos da culpa e não do tipo de ilícito».


Todavia, entende que a «(…) interpretação do artigo 132º tem de considerar o preceito no seu conjunto: a enumeração exemplificativa concretiza a cláusula geral e a cláusula geral delimita a enumeração exemplificativa. É precisamente a presença da enumeração exemplificativa que fornece os critérios que o juiz haverá de ponderar para aceitar a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, nos termos do n.º 1. A admissão de outras circunstâncias reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente tem de limitar-se aos casos em que tais circunstâncias exprimam u grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de cada um dos exemplos padrão enunciados no n.º 2. Por outras palavras, de acordo com esta interpretação, a decisão do juiz é ainda uma decisão vinculada. Caso contrário, o juiz deixará de ter critérios seguros na sua decisão, e esta passa a ser discricionária: se não se guiar pelos exemplos padrão previstos no n.º 2, o juiz tenderá a guiar-se pelos seus próprios critérios do que seja censurabilidade ou perversidade. Estaremos aí então perante analogia aplicada à mais gravosa norma incriminadora prevista no Código Penal, o que seria inadmissível e, desde logo, inconstitucional. Importa reafirmar que o princípio da legalidade vigora, não apenas para o pressuposto da ilicitude, mas todos os pressupostos da punibilidade e para as próprias sanções jurídico – penais”.


Entendimento que, na verdade, se mostra acolhido na jurisprudência antes resenhada e parece também coincidir com o pensamento de Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora 1999, expresso nos comentários ao artigo 132º do Código Penal, nomeadamente no § 7, sobre o tipo de culpa, e nos §§ 26 e 27, sobre a alínea h), antecedente da atual i), no sentido de que «(…) a utilização do veneno deve ser posta ao mesmo nível de qualquer outro meio insidioso (…), derivando a possibilidade de qualificação da circunstância de os meios utilizados tornarem especialmente “difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídico” (…). O que serve também para dar a compreender que “insidioso” será todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno – do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto».


À luz de tais considerações, que também aqui se acolhem, e sem os mencionados equívocos em que o recorrente incorre quanto aos fundamentos da consideração pelas instâncias da questionada circunstância qualificativa agravante do meio insidioso, vejamos se a sua concreta atuação neste caso, analisada e avaliada globalmente, se reconduz ou não à utilização de meio dessa natureza, e, em consequência, justifica ou impõe um especial, acentuado ou superlativo juízo de censura e revela um modo de ser ou de estar especialmente perverso, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 2, al. i), do artigo 132º CP.


No acórdão recorrido, escreveu-se, a este propósito e entre o mais, o seguinte:


«(…) 2.2.2. Da verificação da agravante qualificativa prevista na al. i) do nº 2 do art.º 132º do Código Penal;


Neste segmento do recurso diz o recorrente que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em excluir as armas da alínea i) do artigo 132º do CP.


Pondo assim em causa a subsunção dos factos provados ao tipo-de-ilícito de homicídio qualificado ali previsto.


Sob a epígrafe “Homicídio qualificado”, diz o art.º 132º, nº 1, que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos”. Acrescentando-se no nº 2, al. i) do mesmo artigo que “É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”.


As normas citadas dão corpo à denominada técnica dos exemplos-padrão, utilizada pelo legislador para a qualificação do crime de homicídio, tendo em vista sancionar mais gravemente determinados comportamentos violadores do bem jurídico-penal protegido (a vida). Para tal, o legislador utilizou um método de subsunção de tais comportamentos por referência a um tipo de culpa mais grave, que configurou através da cláusula geral estabelecida no nº 1 do art.º 132º, referindo-se como fundamento para a aplicação de uma pena mais grave, dentro da moldura aí prevista, ao facto de a morte ter sido produzida “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”. Mas de seguida descrevendo, exemplificativamente, circunstâncias que, sem prejuízo de terem de se sujeitar à confirmação do efetivo preenchimento da cláusula acima referida, logo à partida seriam indiciadoras desse mesmo preenchimento. Ou seja, verificada alguma dessas circunstâncias, aberto ficará o caminho para se poder considerar a conduta do autor do crime como portadora de uma especial censurabilidade ou perversidade, pese embora uma tal qualificação haja de ser, a posteriori, e à luz das concretas circunstâncias do caso, efetivamente confirmada, à luz daquela cláusula geral. Sendo por isso que também se pode afirmar que uma tal combinação de um tipo de culpa constituído por uma cláusula geral com um catálogo meramente exemplificativo de circunstâncias, faz com que a verificação de tais circunstâncias, só por si, nem sempre se possa impor ou revelar como qualificadora.


Por outro lado, mesmo para quem entenda que não basta que a circunstância qualificativa agravante objetivamente se verifique e seja ainda necessário que o agente tenha em relação à sua verificação atuado com dolo, nas três modalidades que o mesmo possa assumir, nos termos do art.º 14º do CP – direto, necessário ou eventual -, ou seja, que aquele tivesse representado e quisesse realizar o facto ilícito, naquelas circunstâncias de especial censurabilidade ou perversidade, ou agisse representando essa realização como consequência necessária da sua conduta, ou ainda representando-a como consequência possível da sua conduta, e ainda assim tivesse agido conformando-se com a possibilidade daquela realização, tal pressuposto mostra-se preenchido, in casu, na primeira modalidade referida, nos termos dados como provados nos pontos 40º a 49º, já acima transcritos, e que aqui damos por reproduzidos.


(…)


E no plano concreto da aplicação do direito aos factos dados como provados, considerou ainda o Tribunal recorrido que “Revisitado o quadro de atuação do arguido sobre as vítimas, verificamos que o arguido, encontrando-se no mesmo espaço que as vítimas, espaço esse exíguo com cerca de 1,5 metros de largura e 3 metros de comprimento, nesse contexto e nesse momento, sem qualquer conflito/altercação/discussão prévia, quando BB se encontrava de costas para si e em posição inferior à sua, sem proferir qualquer palavra, dispara um tiro com arma de fogo na direção da sua cabeça e de seguida atinge GG no peito.


O arguido não faz qualquer “aviso” sobre o objeto de que vem munido, não o exibe em momento anterior perante ninguém, atuando num espaço muito exíguo, em que as vítimas, por força dessa exiguidade de espaço e bem assim do efeito surpresa, ficam necessariamente impedidas de se defender. BB encontra-se, inclusivamente de costas no momento em que é atingido e em posição inferior à do arguido.


Ora, não há como não considerar especialmente condenável, abominável – e perverso – traiçoeiro, pérfido, desleal, impiedoso, cruel – o modo de atuação do arguido, ao deter, de forma dissimulada e traiçoeira, uma arma de fogo, atingindo as vítimas num espaço exíguo, onde se encontravam apenas os três, sem lhes permitir qualquer possibilidade de defesa.


Ante o exposto, está verificada a qualificativa prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do C. Penal.


(…)


O arguido dispara uma arma de fogo sobre duas pessoas que não conhece, com quem nunca havia falado e com quem não havia trocado, naquele dia, qualquer palavra, à margem de qualquer conflito, discussão ou desentendimento.


Fá-lo no interior de uma casa de banho de um espaço com cerca de 1,5 metros de largura e 3 metros de comprimento, dentro de um estabelecimento de diversão noturna, num momento em que, no seu interior, se encontravam apenas as duas vítimas e o arguido.


A exiguidade do espaço reduz, de forma significativa, qualquer possibilidade de fuga das vítimas, que ficam encurraladas.


Uma das vítimas - BB - que veio a falecer, é atingida quando se encontra de costas, em plano inferior ao arguido; a outra é atingida no peito.


O quadro de atuação exposto por parte do arguido espelha uma atuação de extrema frieza e crueldade, alheada de qualquer sentimento, de empatia, validando a conclusão pela “superlatividade do desvalor ético-jurídico de tal ofensor comportamento em assim, pela especial censurabilidade da atitude do agente”- aresto citado.


As circunstâncias concretas que rodearam a prática destes factos pelo arguido exprimem, sem qualquer reserva ou dúvida, uma atuação merecedora de especial juízo de censura, traduzindo a especial perversidade do arguido, espelhada numa atuação fria e cruel, num contexto em que as vítimas não tinham condições para se defender ou abandonar o local e esvaziada de qualquer motivo.


Donde: sempre a atuação do arguido se reconduz ao ilícito de homicídio qualificado previsto pelos artigos 131º e 132º, n. 1 e 2 do C. Penal, com recurso à cláusula geral.”


Ora, o modo com que o arguido agiu, usando de um meio letal com elevada eficiência, de forma surpreendente, quanto traiçoeira, relativamente a ambos os ofendidos, não deixaria dúvida a qualquer cidadão comum, com o mais elementar bom senso, sobre o caráter pérfido e insidioso de uma tal atuação. As circunstâncias em que agiu, sabia e quis agir, tendo o propósito de tirar a vida às vítimas, fazendo-o de surpresa, num quadro fáctico que tornava inimaginável e muito menos previsível uma tal atuação, porquanto nem sequer conhecia as vítimas, nem estas a ele, nem com elas tinha tido qualquer contacto anterior, ou qualquer dissídio, usando ademais de um meio que permite elevada eficiência para provocar a morte, e assim sem qualquer hipótese de defesa por parte das vítimas, ainda que potencial, não vemos como permitam pôr em causa aquilo que tal factualidade linear e objetivamente espelha, isto é, uma fria e cruel indiferença para com a vida humana, agindo para lhe pôr cobro de um modo repugnantemente pérfido e insidioso, a exemplo do que sucedeu com outros casos, objeto de decisões em jurisprudência publicada, citados pelo Professor Paulo Pinto de Albuquerque (…). Afigurando-se-nos ainda pertinente, quanto à determinação do sentido normativo do exemplo-padrão da al. i) do nº 2 do art.º 132º do CP, citar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/06/2019, onde se consignou o seguinte: (…) e, mais recentemente, o acórdão do mesmo Tribunal, de 15/04/2021, onde se diz que (…).


Dos factos dados como provados, na avaliação definitiva que importa realizar para o preenchimento da cláusula geral do nº 1 do art.º 132º do CP, ou seja a concreta verificação de circunstâncias que revelem a especial censurabilidade ou perversidade do agente, nenhuma circunstância se vislumbra que possa infirmar ou atenuar a valoração negativa que ao nível da culpa claramente resultava do preenchimento do exemplo-padrão descrito na al. i do nº 2 do mesmo artigo, confirmando-se, pelo contrário, a especial culpabilidade ou perversidade da atuação do agente, que uma tal subsunção, mais do que indiciar, claramente revela. Ou seja, ocorre in casu a verificação de um grau especialmente elevado de culpa para a qualificação típica, tanto relativamente ao homicídio consumado, como relativamente ao homicídio tentado, tendo respetivamente por vítimas os ofendidos BB e GG, mostrando-se desse modo satisfeita a exigência de que o facto se enquadre num dos exemplos-padrão do catálogo legal, assim como a confirmação efetuada à luz da cláusula geral consagrada no nº 1 dos artigos citados, de que o resultado típico no crime praticado foi produzido ou tentado em circunstâncias que revelam uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, tendo-se em conta “uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto”, e com base nelas uma culpa qualificada tipicamente punível, a implicar também a aplicação de uma pena mais grave, porquanto o arguido ao atuar, enquanto “ser-total-que-age”, e enquanto pessoa concreta, nas circunstâncias em que atuou, assim como nas possibilidades alternativas que se lhe ofereciam de determinar a sua vontade nessas circunstâncias, o fez numa desconformidade com os valores fundamentais do direito que “refletem uma atitude profundamente distanciada do agente” em relação àquela que seria norma exigir a um cidadão comum, naquelas mesmas circunstâncias, tendo revelado características desvaliosas da sua personalidade reconduzíveis a uma atitude de pura maldade ou “atitude má, eticamente falando, de crasso e puro egoísmo do autor”, e por isso uma conduta reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, distinta, portanto, “(pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria” do crime simples ou matricial. Sendo útil, na condução da análise, in casu, do sentido e alcance da culpa jurídico-penal qualificada, atender às palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, a propósito da função da culpa jurídico-penal: em primeiro lugar, o desempenho que a mesma deve ter enquanto “limitação do arbítrio estatal, fundada na eminente dignidade da pessoa do agente”; em segundo lugar, porque, sendo o seu conteúdo de natureza ética ou ético-existencial, deverá antes de tudo ser respeitadora dos direitos, liberdades e garantias das pessoas; em terceiro, porque a culpa se refere ao facto, que para ser incriminado, tem de obedecer a pressupostos estritos e cogentes de validade e legitimação; e quarto, porque “a culpa é ter que responder pelas qualidades pessoais – juridicamente censuráveis – que se exprimem no concreto ilícito típico e o fundamenta”.


Razão por que, e sem necessidade de mais considerações, também nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso».


Os trechos transcritos da fundamentação jurídico-fática do acórdão recorrido, pela sua eloquência, dispensam quaisquer outras observações no sentido da improcedência da questão sob análise.


Na verdade, apesar de a utilização da arma proibida pelo recorrente, como ele observa e ninguém contesta, isoladamente considerada, não permitir a integração da sua conduta na previsão da referida alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do CP, ou em qualquer outra, a verdade é que a sua utilização nas circunstâncias acima descritas, de surpresa, gratuita, impiedosa, sem margem de reação por parte da(s) vítima(s), menos ainda para esboçar qualquer defesa, que quis matar e abandonou a essa sorte, circunstâncias de que o arguido tinha perfeita consciência, quis e de que se aproveitou, com total indiferença e mesmo desprezo pela vida daquelas, constitui mais um elemento a somar à sua atuação, que no seu conjunto e numa imagem global, a colocam, bem assim como à sua personalidade, ainda em formação, mas numa aparente espiral de distorcido e desarmonioso desenvolvimento, ao arrepio do que seria suposto e desejável para as crianças e os jovens adolescentes e adultos imputáveis, «(…) sob a mira da especial censurabilidade e perversidade (…)» e qualificam o(s) crime(s) de homicídio por ele cometido(s), nos termos da cláusula geral do n.º 1 do artigo 132º, por referência ao exemplo padrão da alínea i) do seu n.º 2.


Improcede, assim, esta questão.


2. 3. Aplicação do regime penal especial para jovens, estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09 [conclusões II a VIII]


Resulta da identificação constante do acórdão condenatório do JCCPNF que o arguido, AA, nasceu em ... de ... de 2005, e ficou ali assente ter praticado os factos por que nele foi condenado no dia 29 de maio de 2022, ou seja, um mês e 23 dias depois de ter completado os 17 anos de idade.


Na linha do que se estabelece nos pertinentes Instrumentos de Direito Internacional, designadamente na CDFUE antes referenciada e na Convenção sobre os Direitos da Criança, a CRP, nos artigos 69º e 70º, consagra especiais direitos de proteção da infância e da juventude, nomeadamente quanto à formação e desenvolvimento da sua personalidade, que, mais ou menos diretamente, se refletem também ao nível da (ir)responsabilidade penal, cabendo à lei ordinária estabelecer a idade da imputabilidade penal e o regime penal especial para “jovens adultos7.


Em execução dessa tarefa, o artigo 19º do CP estabeleceu que «Os menores de 16 anos são inimputáveis», e o seu artigo 9º que «Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial», legislação que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.9, e entrou em vigor com o atual CP8.


Acerca deste regime penal especial para os chamados “jovens adultos” e a sua responsabilidade penal, escreve Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal – Parte Geral - Questões Fundamentais – Teoria Geral do Crime, 2ª Edição, Coimbra Editora 2008, a pp. 472 a 479:


«§ 838 Vimos que a imputabilidade começa aos 16 anos (art. 19º). Todavia, tendo-se em consideração que, aos 16 anos, ainda não se atingiu a plena maturidade psicológica, intelectual e ético-social, e não podendo esquecer-se que realmente (apesar de se imputar à pena um sentido de ressocialização), a pena de prisão tem um efeito dessocializador e, portanto, criminógeno – efeito este que se agrava, quando estão em causa jovens ainda em idade de formação -, o legislador estabeleceu um regime penal especial para os chamados “jovens adultos”.


(…)


Este Dec.-Lei n.º 400/81 estabelece dois escalões etários de jovens adultos: os jovens entre 16 e 18 anos e os jovens entre 18 e 21 anos.


§ 839 Vejamos em que consiste a especialidade do regime punitivo – penal dos “jovens adultos”.


Se ao crime cometido pelo jovem for aplicável pena de prisão igual ou superior a dois anos, «deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73º e 74º [agora, depois da revisão de 1995 do CP, arts. 72º e 73º] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (Dec. – Lei n.º 401/82, art. 4º). Da leitura deste art. 4º resultam duas conclusões: a primeira é a de que (tendo em confronto o art. 5º) esta atenuação especial da pena de prisão vale para todos os “jovens adultos”, i. é, para aqueles que no momento da prática do crime, têm entre 16 e 21 anos; a segunda conclusão é a de que a atenuação especial não é obrigatória ou automática, mas facultativa, embora a interpretação teleológica deste art. 4º e toda a filosofia político-criminal subjacente ao regime punitivo especial dos jovens indique que o tribunal deve optar, como regra, pela atenuação especial, e que a recusa da atenuação especial deverá ser devidamente fundamentada. Isto apesar de o texto até parecer sugerir o contrário quando faz depender a atenuação de haver «sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.


(…)».


Considerações doutrinárias coincidentes com a jurisprudência uniforme e constante do STJ, e que também aqui se têm por corretas e, por isso, se acolhem.


Com efeito, no mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, podem ver-se, para além dos de 31.03.2016, proferido no processo n.º 499/14.8PWLSB.L1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz e referenciado no acórdão recorrido, e de 25.10.e 26.10.2023, proferidos nos processos n.ºs 271/21.9JALRA.C1.S1 e 911/21.0JALRA.L1.S1, relatados pelos Conselheiros Sénio Alves e Agostinho Torres, respetivamente, e referenciados no parecer do Ministério Público, podem ver-se os de 7.11.2007, proferido no processo n.º 07P33214, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, de 25.10.2023, proferido no processo n.º 691/22.1JAPRT.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, e de 6.12.2023, proferido no processo n.º 710/22.1PEAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Ernesto Vaz Pereira, todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/9.


Doutrina e jurisprudência que, aliás, o próprio recorrente aceita sem contestação, pese embora insista que, neste seu caso, se verificam os pressupostos necessários à aplicação do regime penal especial ou “específico”10, relevando em favor dessa sua pretensão os poucos aspetos positivos constantes do relatório social, que admite não o beneficiar, como seja o ambiente familiar cordial, afetuoso e solidário, da mãe e do seu companheiro, a quem trata por pai e só há pouco tempo soube não o ser biologicamente, a sua tenra idade, próxima do limiar da imputabilidade, e a ausência de antecedentes criminais.


Sem razão, no entanto, como resulta patente do que na fundamentação do acórdão recorrido a este propósito se consignou e que, por economia e comodidade, se reproduz parcialmente:


«(…) 2.2.4. Da aplicação do regime especial em matéria penal para os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos;


Pugnando pela atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens, previsto no DL nº 401/82, de 23/09, alega o recorrente que tendo 17 anos, a lei impõe ao Tribunal que pondere a aplicação ou não deste regime especial, uma vez que é atualmente pacifico que tal regime não é de aplicação automática. E pese embora o Tribunal a quo haja ponderado a sua aplicação, a verdade é que acabou por negá-la com fundamento nas “parcas declarações do arguido” ao longo do julgamento, sendo certo que nenhum entendimento doutrinal ou jurisprudencial faz depender a aplicação de tal regime da prestação ou não de declarações pelo arguido. E acrescenta que, não menosprezando a gravidade da sua conduta, as consequências gravíssimas que teve e o alarme social, mas tendo em conta o seu percurso de vida, e que quando praticou os factos tinha completado 17 anos há um mês, estando em plena fase de construção da sua personalidade, não poderá deixar de se considerar possível e viável a sua ressocialização. Invoca ainda o recorrente excertos do relatório social junto aos autos, alegando o seguinte:


“A mãe e padrasto vivem em união de facto há cerca de 16 anos e ambos descrevem um relacionamento familiar estável, coeso e afetuoso, o que é corroborado pelo arguido; refere-se ao padrasto como pai, valorizando o seu papel na dinâmica familiar. Só há cerca de um ano, o arguido tomou conhecimento que NN não era seu pai biológico, desconhecendo o arguido a figura deste.


- A família reside há cerca de dois anos, num apartamento camarário de tipologia 3, com condições de habitabilidade, inserido em zona urbana não conotada com problemáticas sociais (....)


- Ao nível escolar, AA, habilitado com o 6º ano de escolaridade, estava matriculado no curso de mesa e bar na Escola Profissional ..., que lhe permitiria obter o 9º ano de escolaridade. (...)


- Como atividade de tempos livres, o arguido praticava boxe, ultimamente no D.. ........ .......,Lda. (...)


- AA iniciou, em 2019, consultas na especialidade de psicologia no Centro de Saúde da sua área de residência, devido à instabilidade emocional e comportamental, evidenciada em contexto escolar, nomeadamente a impulsividade e a agressividade na relação com o outro. Em 2020, por iniciativa materna, o arguido passou a ser acompanhado na especialidade de pedopsiquiatria, tendo beneficiado de consultas no Centro Hospitalar .... AA beneficiou ainda de acompanhamento psicológico, na Unidade de Saúde Familiar de..., até janeiro de 2021.


- A família revela disponibilidade de apoio ao arguido que se traduz na realização de contactos telefónicos diários, visitas semanais e apoio material para a cantina e comunicações telefónicas”.


AA é oriundo de uma família afetivamente coesa e disponível para o apoiar, relativamente à qual aquele expressa sentimentos de pertença. Não obstante, parece existir uma tendência familiar para a desculpabilização de alguns comportamentos adotados por este, nomeadamente no contexto escolar onde regista insucesso, tendo concluído apenas o 2º ciclo (6º ano). Este insucesso resulta essencialmente da desvalorização e desmotivação pela formação académica, do desrespeito pelos agentes educativos e do absentismo evidenciados. As dificuldades de integração escolar traduzem-se igualmente num modo agressivo de interação pessoal tanto ao nível verbal como físico.


(...)


Como aspeto favorável na vida do arguido, para além da disponibilidade familiar de apoio e suporte, verifica-se a ausência de consumos de substâncias e o gosto pela prática desportiva (boxe).”


Sobre a possibilidade de aplicação do regime penal especial para jovens, disse o Tribunal a quo o seguinte:


“No caso em apreço, não acolhemos o entendimento que o arguido deverá beneficiar deste regime.


Na verdade, pese embora não tenha averbados antecedentes criminais (sendo que quase nem teria tido tempo para o efeito, dado que teria acabado de completar 17 anos de idade), das parcas declarações do arguido retira-se apenas a sua alegada amnésia quanto ao sucedido e dos factos provados um percurso de vida já marcado por duas medidas tutelares educativas que não surtiram qualquer efeito.


Não se aplicará, assim, o aludido regime especial.”


(…)


O que significa que na opção do regime especial para jovens delinquentes sobrelevam fundamentalmente razões de ressocialização do jovem condenado e não razões relacionadas com a culpa ou com a ilicitude da conduta realizada.


(…)


Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção”.


Podendo concluir-se, tal como o faz o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 31/03/2016 (Proc.º nº 499/14.8PWLSB.L1.S1), no âmbito específico da atenuação especial da pena, que a aplicação do regime penal especial para jovens adultos não é um “’efeito automático’ derivado da juventude do arguido, mas uma consequência a ponderar caso a caso em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto.”


No caso dos autos, atendendo à factualidade dada como provada, resulta evidente que o requisito formal de aplicação do regime especial para jovens, consistente na idade inferior a 21 anos, se mostra preenchido. Também em seu favor se poderia contar a ausência de antecedentes criminais e uma situação familiar aparentemente favorável à sua futura reintegração social positiva. Porém, a natureza e a gravidade dos factos dados como provados, constitutivos dos crimes praticados, ademais se avaliados conjuntamente com os demais factos a considerar ao nível das necessidades de prevenção especial, nomeadamente as suas condutas anteriores e posteriores aos crimes cometidos, o resultado é a impossibilidade de se considerar existirem sérias razões para crer que a atenuação especial da pena possa contribuir para a futura reinserção social do arguido, porquanto se nos afigura que os factos, quando analisados no seu conjunto, revelam, da parte do arguido, pese embora não tenha antecedentes criminais, uma personalidade portadora de um potencial de perigosidade enraizadamente muito elevado, e abundantemente documentado no processo, desde logo no modo perverso e absolutamente abominável com que tirou e tentou tirar a vida às vítimas, mas também no facto de, como resulta do relatório social, que o recorrente embora apenas de forma espartilhada invoca, apesar de ter beneficiado de apoio familiar pois tanto a mãe como o companheiro desta e o próprio arguido referem a existência de um relacionamento familiar estável, coeso e afetuoso, a verdade é que isso não impediu a necessidade de o sujeitar “a acompanhamento de duas medidas tutelares educativas (imposição de obrigações e acompanhamento educativo), tendo-se revelado, em contexto escolar, muito problemático, exteriorizando baixa tolerância à frustração e agressividade verbal/insolência na relação com os professores e colegas da turma. Assumia uma atitude de liderança, evidenciando-se pela negativa através das agressões físicas e verbais e uma tendência para ridicularizar o outro. Após o termo das medidas tutelares educativas, colocou-se numa situação de abandono escolar. Não regista experiências laborais”. (sublinhado nosso).


E apesar de ter iniciado, “em 2019, consultas na especialidade de psicologia no Centro de Saúde da sua área de residência, devido à instabilidade emocional e comportamental, evidenciada em contexto escolar, nomeadamente a impulsividade e a agressividade na relação com o outro” e em 2020, por iniciativa materna, ter o arguido passado a ser acompanhado na especialidade de pedopsiquiatria, tendo beneficiado de consultas no Centro Hospitalar ..., e ainda de acompanhamento psicológico, na Unidade de Saúde Familiar de..., até janeiro de 2021, a verdade é que, apesar disso e da sua juventude, “revelava resistência ao acompanhamento psicológico, não aderindo ao diálogo com a psicóloga durante as sessões”. (sublinhado nosso).


Atualmente, e após os factos praticados nos autos, em meio prisional, “tem evidenciado dificuldades pessoais na adaptação ao meio prisional, tendendo a adotar uma postura de agressividade com outros reclusos e de desafio junto das figuras de autoridade. Regista infrações disciplinares datadas de 15/08/2022, 07/09/2022, 16/10/2022 e 23/01/2023 que se encontram em averiguações. Inicialmente frequentou o programa de entrados que visa a estabilização dos reclusos, “mas foi retirado da dinâmica de grupo por revelar uma atitude de desafio e de destabilização do mesmo. Foi ainda integrado na escola, mas veio a ser expulso porque, por duas vezes, apresentou verbalizações ofensivas para com a professora.”


E tudo isso acontece, como resulta do mesmo relatório, mesmo revelando a família “disponibilidade de apoio ao arguido, que se traduz na realização de contactos telefónicos diários, visitas semanais e apoio material para a cantina e comunicações telefónicas”.


Consta ainda do mesmo relatório que o arguido “apresenta antecedentes no âmbito da justiça juvenil, por factos que configuram crimes contra a integridade física, tendo estado sujeito ao acompanhamento dos Serviços de Reinserção Social. Compareceu às entrevistas agendadas nos SRS, mas revelou resistência no cumprimento de algumas obrigações e ações. No processo Tutelar Educativo n.º 1157/08.8... - C foi determinada em 03.06.2020 a medida acompanhamento educativo com a duração de 12 meses. No decurso da mesma revelou, em contexto escolar, dificuldades de adesão aos seus deveres, desafio à autoridade, desmotivação, desrespeito pelo outro e utilização de linguagem imprópria. Antes havia sido aplicada a medida de imposição de obrigações no processo nº 1157/08.8...-A, no âmbito da qual, ocorreram alguns incumprimentos designadamente ao nível da comparência às sessões de psicologia.”


A gravidade dos factos dados como provados, revelam bem a personalidade do arguido neles espelhada, com uma recalcitrante atuação de total indiferença para com os mais elementares valores de vivência comunitária, e de desprezo para com o sofrimento dos outros. Tendo sido sobretudo indiferente às tentativas que foram sendo feitas de alterar o rumo dos seus comportamentos com recurso a meios não coercivos, mas fundamentalmente de apoio e terapêuticos, que o recorrente foi ostensivamente recusando e mesmo desprezando, quiçá beneficiando de uma tolerância e “afetividade familiar”, da qual claramente se foi aproveitando. Fazendo com que fique agora para a sanção penal, exclusivamente, o papel de prevenção da reincidência criminal, sobretudo perante um caso com a dimensão e a gravidade do dos autos. Ademais quando o próprio arguido, que tendo perfeita noção do desvalor jurídico-penal da sua conduta, nos termos dados como provados nos autos, bem patente na forma omnisciente com que a seguir à prática dos factos se colocou, e com elevada eficiência, em fuga, se refugia numa atitude retórica de não assunção dos mesmos, da sua verdadeira ilicitude, quando lhe seria exigível bem mais do que isso, de molde a que se pudesse prognosticar, no âmbito da sua capacidade de autocensura, uma possibilidade mínima de no futuro não vir a praticar factos análogos aos dos autos.


Perante isto, não vemos como seja possível afirmar-se, nos termos e para os efeitos do art.º 4º do DL nº 401/82, que existem sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Solução contrária levaria a que, na esmagadora maioria dos casos, certamente menos graves do que os dos autos, também seria de aplicar o referido regime, o que na prática redundaria numa sua quase aplicação automática, em que só formalmente não o seria, com base numa pura e retórica fundamentação, como aquela que pretende agora o recorrente esboçar.


Razão por que, nesta parte, irá também ser negado provimento ao recurso.».


Irrepreensível e irrebatível, afigura-se, a fundamentação do acórdão recorrido quanto à não aplicação in casu do regime penal especial para jovens estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.9, e, consequentemente, quanto à não atenuação especial das penas parcelares de prisão aplicadas ao recorrente prevista no seu artigo 4º, porque condizente e suportada na doutrina e jurisprudência acima referenciadas.


Efetivamente, ambas as instâncias ponderaram a aplicação de tal regime, assim cumprindo o “poder- dever” que a lei lhes impunha, face à idade do arguido à data da prática dos factos e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com idades entre os 16 e os 21 anos, embora não seja de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.


Ora como no acórdão recorrido se demonstrou exuberantemente, o modo de execução dos crimes por que o recorrente foi condenado, as fatais e irreversíveis consequências deles resultantes, o seu comportamento anterior, contemporâneo e posterior ao seu cometimento, sem qualquer manifestação de arrependimento e persistência numa atitude belicosa, afrontadora da autoridade, de insubmissão a regras, de desprezo e indiferença pelo sofrimento dos outros e de consciente e voluntário desperdício das várias oportunidades de que beneficiou no sentido de o reconduzir para um percurso de normal enquadramento normativo e de socialização, não permitem, na verdade, afirmar a existência de sérias razões para acreditar que da atenuação especial das penas sofridas resultariam vantagens para a sua reinserção social, antes as afastam.


E a tal conclusão não basta opor a ausência de antecedentes criminais, cujo significado e relevância para este efeito, numa pessoa da idade do arguido, é diminuta, senão mesmo irrelevante, face ao pouco tempo de imputabilidade vivido e aos anteriores confrontos com o sistema de justiça por ele vivenciados no âmbito tutelar educativo, nem ao favorável ambiente e apoio familiar, que, embora afetuoso e solidário, se mostra também condescendente e incapaz de conter a sua impulsividade e propensão transgressora, como evidenciam os factos objeto deste processo e dos processos tutelares educativos referidos no acórdão recorrido.


Assim, também esta questão terá de improceder.


2. 4. Medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas [conclusões XV a XXXVIII].


Como resulta das transcritas conclusões, o recorrente discorda da medida das penas parcelares (XV a XXXIV) e única (XXXV a XXXVIII) que lhe foram aplicadas, considerando-as excessivas, por ultrapassarem a medida da culpa, e, no caso do crime de detenção de arma proibida, violação do princípio da proibição da dupla valoração de circunstâncias agravantes, à luz dos artigos 40º, 70º, 71º, n.ºs 1 e 2, e 77º do CP, dos quais, numa adequada interpretação aplicativa, diferente da que entende erradamente adotada pelo tribunal a quo, decorreria a fixação das seguintes penas de prisão, todas inferiores às fixadas pelas instâncias e, aparentemente, já no pressuposto da procedência da sua pretensão desqualificadora dos crimes de homicídio, consumado e tentado, à luz do artigo 132º, n.ºs 1 e 2, al. i), do CP, mas sem considerar a aplicação do regime penal especial para “jovens adultos”:


- 14 anos de prisão, pelo crime de homicídio consumado, por oposição aos 19 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado;


- 5 anos de prisão, pelo crime de homicídio, na forma tentada, por oposição aos 8 anos de prisão em que foi condenado;


- 1 ano e 6 meses de prisão, pelo crime de roubo, na forma tentada, por oposição aos 3 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado;


- 8 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, por oposição aos 1 ano e 6 meses de prisão em que foi condenado;


- Na pena “unitária” 11, de 16 anos de prisão, por oposição aos 21 anos e 6 meses em que foi condenado.


Para sustentar tal entendimento e pretensão, convoca as circunstâncias que entende “militarem a seu favor e terem sido minguadamente sopesadas” no acórdão recorrido, como já o teriam sido no acórdão da 1ª instância, nos quais teria sido posto o “enfoque” nas necessidades de prevenção geral e especial, com base em tudo quanto lhe era desfavorável, ao que acrescenta, quanto ao crime de detenção de arma proibida, a violação do princípio da proibição da dupla valoração, circunstâncias favoráveis que enuncia, designadamente o facto de se ter apresentado voluntariamente na Polícia Judiciária (facto que convoca suportado no auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido, mas sem correspondência na matéria de facto provada e definitivamente assente), ausência de antecedentes criminais, apoio incondicional da sua família e ser ainda um jovem em formação.


Delas, no pressuposto de constituírem circunstâncias gerais suficientes para atenuar a sua culpa e as referidas necessidades de prevenção geral e especial, conclui estarem preenchidas as condições para a pretendida e exposta redução da medida das penas de prisão, parcelares e única, a aplicar-lhe, sem questionar a espécie de qualquer delas, pretensão que, assim e de resto, nunca poderia vingar relativamente ao crime de detenção de arma proibida, cuja moldura abstrata ou legal da pena de prisão tem como limite mínimo 1 (um) ano.


Ainda assim, vejamos se, no mais, lhe assiste razão.


Antes de prosseguir, importa relembrar que, face à rejeição parcial do recurso relativamente às penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes de homicídio, na forma tentada, de roubo, na forma tentada, e de detenção de arma proibida12, e ao desfecho das questões da desqualificação do(s) crime(s) de homicídio e da aplicação do regime penal especial para “jovens adultos”, no sentido da respetiva improcedência, este segmento do recurso terá por objeto apenas a medida da pena aplicada pela prática do crime de homicídio consumado, de 19 anos e 6 meses de prisão, e a da pena única, fixada no acórdão recorrido em 21 anos e 6 meses de prisão.


E, ainda, que, face à improcedência daquelas questões suscitadas pelo recorrente, as molduras penais abstratas ou legais previstas para aquele crime de homicídio e para a pena única resultante do concurso de crimes, conforme resulta dos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. i), e 77º, n.º 2, do CP, são as consideradas no acórdão recorrido, ou seja, as penas de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos de prisão e de 19 (dezanove) anos e 6 meses a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, respetivamente.


*


Na esteira de Figueiredo Dias13, escreveu Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54:


«a determinação da pena é susceptível de ser analisada em três perspectivas, correspondentes a outras tantas fases ou operações em que se desdobra a aplicação judicial de uma pena: a determinação da respetiva medida ou moldura legal (também chamada pena abstracta), da sua medida judicial ou individualizada (pena concreta) e da espécie de pena a aplicar (escolha da pena)


Acrescentando relativamente à determinação da pena concreta, que, como dito, é o que aqui está em causa e limitado à pena relativa ao crime de homicídio consumado e à pena conjunta, face à rejeição parcial do recurso e à improcedência das demais questões suscitadas pelo recorrente relativas à desqualificação dos crimes de homicídio e à aplicação do regime penal especial para jovens, acima referidas.


«Em síntese e à guisa de conclusão:


A culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição, e a necessidade da pena (para realizar o fim que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena (arts. 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, n.º 1; v., ainda, embora diretamente relativos à aplicação das penas de substituição e, portanto, à escolha da pena, arts. 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º 1, 59º, n.º 6, 60º, n.º 2, e 70º).


A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…. circunstâncias que … depuserem a favor do agente ou contra ele … - art.71º, n.º 2).


Estas circunstâncias – sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante (… circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime … -art. 71º, n.º 2) – não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstrata da pena, seja a através da sua contribuição para a formação do tipo de crime, de que seriam então elementos típicos (….), seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo (…), e até na medida em que já utilizadas para a escolha da pena. O que não significa que algumas delas não possam ser reavaliadas, embora numa perspectiva diferente, sem ofensa do ne bis in idem (p. ex., numa visão global ou conjunta, para efeito de aplicação da pena relativamente indeterminada ou da pena única no concurso – arts. 77º, n.º 1, e 83º, n.º 1; ou para a determinação da pena a aplicar ao agente de um crime de ofensas corporais, face à gravidade das lesões produzidas na vítima, muito embora estas já tenham sido ponderadas para a qualificação da conduta, ou da pena a aplicar a um furto qualificado pela al. g) do n.º 2 do art. 204º, quando o número de comparticipantes seja superior a dois, etc.). Não fora algum receio de entrar em domínios pouco explorados e de não fácil transposição para o concreto e acrescentaria mesmo que não estaria vedado o recurso, na fixação da pena, àquelas circunstâncias que, muito embora já consideradas pelo legislador para a formação do tipo, o foram em grau ou intensidade manifestamente inferiores àqueles que revestem no caso concreto: o excesso sobre a previsão legislativa configuraria, então, uma circunstância atendível na graduação da pena, e porventura mesmo inspiradora da atenuação especial do artigo 72º (seria, p. ex., o caso da emoção violenta prevista no artigo 133º, quando excedesse a intensidade necessária para o preenchimento do tipo legal).


Uma vez identificadas, com recurso aos exemplos padrão do art. 71º, n.º 2 (e até do art. 72º, n.º 2, desde que fora da previsão do seu n.º 1), as circunstâncias que relevam para a pena concreta, impõe-se classificá-las enquanto se repercutem nesta através da culpa ou da prevenção – ou mesmo por ambas as vias, já que podem ser ambivalentes (p. ex., a utilização de um instrumento de trabalho – digamos, uma foice – como arma do homicídio, se agrava a ilicitude do facto, é igualmente susceptível de suscitar, nomeadamente se tal uso se mostra frequente, uma determinada postura ou expectativa da comunidade quanto aos termos da reação penal, e ainda de traduzir uma certa atitude ou modo de ser desajustados do agente, havendo então de refletir-se na pena concreta respetivamente através da culpa e da prevenção, geral e especial».


Em suma, a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única, conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.


Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.


Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada14.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:


«2.2.5. Da excessividade das penas parcelares e única concretamente aplicadas.


Alega o recorrente que a medida das penas parcelares, de 19 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de homicídio qualificado, na forma consumada, de 8 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado, na forma tentada, de 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado, na forma tentada, e de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, são excessivas, assim como é excessiva a pena única de 25 anos de prisão, resultante do concurso de crimes, porque fora da “média” aplicada pelos nossos tribunais, dando como exemplo a pena fixada no processo nº 578/12.6JABRG, no qual ao jovem aí condenado foi aplicada a pena de 15 anos de prisão, acrescentando que a pena de 25 anos de prisão só é aplicada quando se trata de homicídios múltiplos, em que há inúmeras vítimas.


(…)


Resta-nos assim avaliar agora o caráter excessivo ou não das penas concretamente aplicadas.


Na determinação das penas parcelares, concretamente aplicadas, considerou o Tribunal a quo o seguinte:


“O grau de ilicitude dos factos praticados é muito elevado quanto a todos os crimes, como o é o modo de execução.


O grau de ilicitude quanto aos crimes de homicídio é o mais elevado, enquanto violador do direito à vida, enquanto bem primeiro e o suporte de todos os bens da tutela jurídica.


Todo o modo de execução dos crimes de homicídio sublinha circunstâncias que depõem contra o arguido: são praticados de um modo absolutamente inusitado, inesperado, na ausência de qualquer “motivo” que permita, ao menos, contextualizar aquela atuação; a atuação do arguido mantém-se no patamar do incompreensível, inexplicável.


As consequências das suas condutas são devastadoras: são o ceifar de uma vida jovem e a tentativa de uma outra morte, que apenas não ocorre por motivos que o ultrapassam em absoluto. Deixa um rasto de sofrimento inapagável, nos familiares da vítima falecida, também elas vítimas deste crime atroz, em particular o seu filho menor, de tenra idade.


O crime de roubo que tenta praticar em momento subsequente não pode dissociar-se dos ilícitos anteriormente praticados, porquanto é, ele mesmo, uma forma de se tentar eximir a qualquer possibilidade de ser encontrado naquele momento.


A intensidade do dolo com que atua em todos os ilícitos penais é a mais grave, atuando com dolo direto, específico, em todos os momentos.


A atuação do arguido, espelhada nos factos provados, deixa perceber uma personalidade que não respeita os valores humanos, vazia de qualquer empatia.


É, aliás, na punição do crime de homicídio que as exigências de prevenção geral atingem a maior necessidade e intensidade dissuasora “pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das atuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de proteção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana”. – Acórdão do STJ de 26-09-2019, disponível em www.dgsi.pt.


A vida humana é o bem supremo, o valor fundamental, inviolável, na expressão constitucional (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República), sendo a comunidade abalada de forma muito intensa quando, por ato voluntário, se ofende a vida de um dos seus membros.


A culpa do arguido é muito elevada, traduzindo qualidades especialmente desvaliosas em termos de relevância jurídico-penal, pelo desvalor da ação que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir em todos os ilícitos penais, só não o tendo conseguido quanto a GG no crime de homicídio por razões que escapam ao seu domínio.


O arguido nada reconheceu em audiência de julgamento, apenas adiantando não se recordar do sucedido.


É certo que o arguido não tem antecedentes criminais e é, ainda, muito jovem.


À data da prática dos factos tinha completado 17 anos há pouco mais de um mês. Contudo, conforme resulta dos factos provados, o arguido sofreu, já duas medidas tutelares educativas, tendo-se revelado, durante o acompanhamento de tais medidas, em contexto escolar, pouco resistente à frustração e agressivo em termos verbais para com as figuras de autoridade (professores).


Essa instabilidade emocional e comportamental levou-o a beneficiar de acompanhamento psicológico, ao qual resistiu, acabando por não surtir o efeito pretendido.


Em meio prisional, tende a adotar comportamentos agressivos para outros reclusos e de desafio para com as figuras de autoridade: tem pendentes infrações disciplinares em averiguações (reportadas a 4 situações).


Foi integrado no programa de entrados, que visa estabilizar os reclusos, mas foi retirado da dinâmica de grupo por assumir uma postura de desafio e destabilização; integrado na escola, veio a ser expulso, por ter apresentado verbalizações agressivas para com a professora.


Da leitura destes factos concluiu-se que a linha de vida do arguido tem vindo a ser pautada por comportamentos de desrespeito para com o outro, não se adequando às regras, desafiando-as e incumprindo-as de forma recorrente, assumindo comportamentos em que é ausente de empatia pelo outro.


Assim, em abono do arguido, apenas o apoio familiar de que beneficia. Relidos e ponderados todas estas premissas, vejamos:


(…)


Ao crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 131º e 132º, n.º 2, al.s e) e j) do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do artigo 86º da Lei das Armas, a moldura penal abstrata conhece o mínimo de 16 anos e o máximo de 25 anos.


(…)


À luz dos critérios que se enunciaram, reafirmando-se que as exigências de prevenção geral que assumem aqui uma especial intensidade e devendo ter-se em devida atenção a intensidade da culpa do arguido manifestada na execução do todos os crimes, revelando uma personalidade particularmente desvaliosa em todo o processo de execução dos crimes de homicídio, ponderando todas as circunstâncias do caso e tendo em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes, entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa, fixar as seguintes penas:


(…)


- 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de homicídio qualificado consumado.


(…)”


Ora, como foi referido na decisão recorrida, (…), ao crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 131º e 132º, n.º 2, al.s e) e j) do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do artigo 86º da Lei das Armas, caberá uma pena de prisão entre um mínimo de 16 anos e o máximo de 25 anos (…).


Tais molduras penais, que o recorrente não põe em causa, traduzem a gravidade mínima e a gravidade máxima de que um determinado ilícito, com as características qualificativas que enformam os dos autos, se podem em regra revestir, tendo em conta os critérios legalmente estabelecidos para em concreto determinar uma tal gravidade. Ínsita a uma tal possibilidade de variação da pena está a justiça da decisão do caso concreto, não só em si mesmo considerado, mas também em comparação com os casos que possam ser mais ou menos graves que ele, de molde a que a pena fixada corresponda a essa avaliação de uma forma considerada minimamente adequada e proporcionada. Daí a atividade judicial da sua determinação ser juridicamente vinculada, no sentido de que deverá basear-se, não em critérios intuitivos ou de pura discricionariedade, de uma certa “arte” de julgar, ma sim em critérios que permitam perceber e sindicar a valoração e quantificação da pena encontrada, de molde a poder concluir-se, pelo menos, que a pena encontrada se encontra próxima da que foi achada para casos similares, assim como acima, e proporcionalmente acima, ou abaixo, dos mais ou menos graves, subsumíveis ao mesmo tipo-de-ilícito. A isso impõem os princípios da necessidade e da proporcionalidade, desde logo consagrados no art.º 18º da CRP, bem como o princípio da igualdade na aplicação da lei penal.


A determinação da medida concreta da pena obedece aos critérios previstos no art.º 71º do Código Penal. Ou seja, não só em função da culpa do agente, relevando esta como limite máximo da punição (art.º 40º, nº 2, do CP), mas também das finalidades de prevenção geral e especial, assente que com a aplicação de tal pena se visa não só a proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, mas também a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º do CP.


Estabelece o art.º 71º, nº 1, do CP, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, reiterando claramente, e desde logo, uma incidência específica do princípio da culpa na determinação da medida concreta da pena, fazendo assim atuar a culpa como limite máximo da punição. Por outro lado, na determinação da medida da pena deverão ainda ser tidas em conta as finalidades de prevenção geral, as quais se mostram alcançadas sempre que o efeito da ameaça penal, por referência ao momento da aplicação da pena, for o de “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” (aspeto positivo), mais do que uma intimidação dos potenciais delinquentes (aspeto negativo). Sendo que no que diz respeito à prevenção especial, esta valerá fundamentalmente na sua dimensão positiva, pelo efeito de socialização que a pena permitirá produzir em relação ao agente, mais do que a intimidação que lhe possa causar – dimensão negativa.


Finalmente, o nº 2 do art.º 71º do CP impõe que na determinação concreta da pena o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as que aí resultam especificadas nas al. a) a f), ou seja: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”


Considerando os critérios sumariamente enunciados, ponderando as circunstâncias que no processo se revelaram a favor do arguido e contra ele, não vemos como possa merecer censura a decisão recorrida, relativamente às penas parcelares fixadas.


Fundamentalmente importará notar que o tipo de culpa com que o recorrente agiu assenta no dolo direto, muito intenso, revelando no facto, nas palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, uma “atitude íntima” de extrema “indiferença” ao Direito e às suas normas”, ciente do desvalor da respetiva conduta, agindo com uma profunda desumanidade, sem arrependimento ou denotação de qualquer capacidade de autocensura, nem logo após a prática dos factos, nem posteriormente, tornando assim inatacáveis, ao nível da culpa, as penas concretamente aplicadas. Por outro lado, as circunstâncias em que os factos foram praticados, sem motivo, com total frieza, denotando uma atuação com características de pura maldade e total indiferença ao valor da vida humana ou aos bens jurídicos que as normas por si violadas visam tutelar, fazem também com que seja muito elevado o grau da ilicitude, que implica acrescidas exigências ao nível da satisfação das necessidades de prevenção geral, as quais, sobretudo no crime de homicídio, se mostram acentuadamente elevadas.


E pese embora o arguido não tenha antecedentes criminais, a verdade é que os comportamentos revelados, quer anteriormente, quer posteriormente aos factos, assim como a evolução com que foi pautando a formação da sua personalidade, indiferente às tentativas de o ajudar a controlar a sua agressividade, adotando apesar disso uma atitude de total resistência aos deveres mais elementares que lhe eram socialmente impostos, mesmo no âmbito da execução de medidas de acompanhamento educativo, durante 12 meses, por parte dos serviços de reinserção social, continuando apesar disso a desafiar a autoridade e a desconsiderar a dignidade do outro, mesmo quando depois da prática dos factos foi colocado em situação de reclusão, sendo que também por aí se não poderá dizer que a mesma haja servido para ao menos o levar a refletir sobre o seu percurso de vida ou sobre o desvalor ético-jurídico dos factos cometidos, porquanto persistiu nas condutas de indiferença para com os valores éticos, de que são portadores outros seres humanos, como patentemente sucedeu quando integrado no programa que tem em vista estabilizar os reclusos, e dele teve de ser retirado por assumir uma postura de desafio e destabilização, e quando integrado na escola, veio a ser expulso, por ter apresentado verbalizações agressivas para com a professora, tudo isto apesar do forte apoio afetivo que tem da família mais direta, nos termos já acima também referidos, o que torna as necessidades de prevenção especial muito elevadas e com elas a necessidade da pena de prisão. Mesmo que se considere ainda a seu favor o facto de não ter antecedentes criminais, circunstância que infelizmente poderá encontrar justificação no facto de ser jovem e só recentemente ter atingido a idade em que lhe é possível assacar responsabilidade penal.


Os factos praticados pelo recorrente, os comportamentos anteriores e posteriores a estes, revelam, portanto, uma clara indiferença perante os valores fundamentais de vivência comunitária.


A perigosidade que nos é dada pela imagem global dos factos dados como provados nos autos, surge-nos confirmada pela ponderação global dos factos acima referidos, sem que se possa afirmar um lampejo de possibilidade razoavelmente fundada de um prognóstico positivo mínimo quanto à sua futura reintegração social, a não ser com uma forte afirmação da duração das penas de prisão a aplicar.


Assim sendo, não vislumbramos como as penas concretamente fixadas para cada um dos crimes pelo Tribunal a quo, se possam considerar elevadas, ademais porque, apesar da gravidade dos factos, da culpa do agente e das elevadas necessidades de prevenção geral e especial, as mesmas se situarem bem mais próximo dos respetivos limites mínimos do que dos limites máximos. Não se olvidando ainda que a escolha e determinação da medida concreta da pena não assume um caráter matemático, preciso, no que toca à possibilidade racional de determinação objetiva da pena idealmente justa, devendo o tribunal de recurso apenas intervir para a sua alteração nos casos em que a pena aplicada se mostre claramente fora do âmbito daquela ou daquelas que seriam aplicáveis em situações análogas ou por referência a outras situações mais ou menos graves do que aquela que determinou a pena no caso concreto, como se deixou dito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/09/2019: “a atividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma atividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exata”, devendo o tribunal de recurso intervir na alteração da pena concreta “apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados”. Sendo esse também o ensinamento do Professor Jorge de Figueiredo Dias, para quem “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.


A comparação que o recorrente faz entre o caso dos autos e o que foi objeto de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Processo nº 578/12.6JABRG22, não tem fundamento, porquanto neste último o facto praticado resultou de uma discussão havida entre o agressor e a vítima, na sequência, aliás, de outras anteriormente registadas, após a prática do qual o agressor tentou socorrer a vítima, sem a frieza, portanto, a indiferença, a total ausência de razão e a pura maldade relativamente à vida do outro que o presente caso revela. Nem as demais circunstâncias que aí determinaram a aplicação de uma pena menor pela prática do crime de homicídio são equiparáveis aos dos presentes, que se apresentam todas elas como bastante mais graves. E mesmo se compararmos com aquele caso em que foi proferida a decisão, pelo mesmo Supremo Tribunal, de 26-06-2019, de aplicação da pena de 18 anos de prisão, pela autoria de um crime de homicídio qualificado, também as respetivas circunstâncias não são idênticas ou próximas na sua gravidade das do caso dos presentes autos, porquanto aí o crime sucedeu após um desentendimento prévio, assumiu um caráter relativamente passional, nos seus motivos, com existência de anteriores discussões entre o agente e a vítima, com tentativa de suicídio por parte do próprio agente logo a seguir à prática dos factos, cuja prática confessou em audiência de julgamento, mantendo um comportamento posterior no seio prisional bem mais positivo que o revelado pelo ora recorrente.


Razão por que, nada podemos apontar às penas parcelares fixadas na decisão recorrida.


Temos, porém, fortes dúvidas quanto à pena única determinada para o concurso de crimes, e a circunstância de se situar exatamente no limite máximo da moldura do respetivo cúmulo jurídico das penas em concurso, sendo que a mesma tem como limite mínimo os 19 anos e 6 meses de prisão, correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas, e como limite máximo os 25 anos de prisão.


Diz o art.º 77º, nº 1, do Código Penal que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Sendo certo que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, a pena aplicável no concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas. No caso dos autos, como já foi referido, a moldura do concurso situa-se entre o mínimo de 19 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 25 anos de prisão.


Na determinação da pena única resultante do concurso de crimes há que atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido – art.º 77º, nº 1, do CP. Segundo o Professor Jorge de Figueiredo Dias, o conjunto dos factos, a específica conexão entre si, fornecer-nos-á a “gravidade do ilícito global”, na qual a pluralidade de crimes permitirá também avaliar a personalidade do agente, no sentido de “saber se o conjunto de factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma ‘carreira’) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade”. Concluindo o mesmo autor que só no primeiro caso é que a pluralidade de crimes terá um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta, assim como grande relevo assumirá a análise do efeito que a pena terá no comportamento futuro do condenado, e em que medida a mesma contribuirá para a sua ressocialização.


Ora, no caso dos autos, a imagem global dos factos sub judice, quanto ao sentido da respetiva ilicitude, é-nos dada, em primeiro lugar, pelos crimes em concurso, nos quais se integram um crime de homicídio qualificado, na forma consumada e um outro na forma tentada, cujas circunstâncias de gravidade da ilicitude e da culpa foram já acima referidas, a que acrescem os crimes de detenção de arma proibida e de roubo agravado na forma tentada.


Os factos foram praticados na mesma altura, num mesmo contexto espácio-temporal próximo relativamente a cada um dos crimes, não registando ademais o arguido quaisquer antecedentes criminais, embora isso se deva, no presente caso, essencialmente à sua juventude.


Porém, sem que se possa afirmar que a pluralidade de crimes cometidos se deva a uma qualquer tendência criminosa, que pudesse agravar a pena no sentido de a fixar mais próximo ou coincidentemente com o seu limite máximo legalmente possível. Podendo assim dizer-se que de um ponto de vista estritamente jurídico-penal os factos ficaram marcados por uma momentânea e específica pluriocasionalidade, temporalmente muito próxima, que os afasta de qualquer juízo de perigosidade de reincidência que pudesse demonstradamente assentar na falta de sensibilidade, ou de motivação contrafáctica, relativamente a condenações anteriormente registadas e assim uma perigosidade assente numa insensibilidade às penas anteriormente sofridas, que pudessem apontar já para uma certa tendência criminosa. Ao que deve acrescer a circunstância de o arguido ter apenas 17 anos de idade à data da prática dos factos, ainda que com experiência vivida, negativamente vivida, na relação que foi estabelecendo com os diversos outros. Tudo sem descurar a gravidade da ilicitude global dos crimes em concurso, sendo que se compagina, no campo das hipóteses, situações de concurso real que poderão ser de natureza e importância mais grave, e resultantes de circunstâncias que revelem uma clara tendência criminosa, que o caso dos autos, apesar da perigosidade do arguido documentada no processo, não revela. Por isso justifica-se uma pena que se situe mais próximo do limite mínimo do que do limite máximo da respetiva moldura.


Assim sendo, afigura-se-nos mais ajustada às circunstâncias do caso a aplicação ao arguido da pena única de 21 anos e 6 meses de prisão, concedendo-se assim parcial provimento ao recurso, por este interposto.».


Mais uma vez, irrepreensível e irrebatível a fundamentação do acórdão recorrido quanto à medida da(s) pena(s) parcelar(es) e única fixadas e aqui em apreço15, mantendo a(s) primeira(s) talqualmente decretada(s) na 1ª instância e reduzindo a última para os 21 anos e 6 meses, dois anos apenas acima do limite mínimo da sua moldura abstrata ou legal, suportado precisamente em circunstâncias convocadas pelo recorrente, ou seja, a sua juventude, próxima do limiar da imputabilidade, a ausência de antecedentes criminais e o apoio familiar de que beneficia.


De fora ficou apenas a sua reclamada apresentação voluntária na Polícia Judiciária, que, como antes sublinhado, não tem respaldo na matéria de facto provada e definitivamente assente, o que inviabiliza a sua consideração.


Diga-se, de qualquer forma, que esse eventual comportamento, além de revelar frieza e calculismo na sua atuação, não se apresenta minimamente capaz de produzir o pretendido efeito atenuativo, pela simples razão de que o arguido, sabedor de que tinha sido reconhecido por pessoas que se encontravam no local dos acontecimentos ou próximo dele, designadamente o “segurança” que o confrontou à saída da casa de banho e a vítima do crime de roubo, e de que a gravidade dos crimes cometidos faria com que as autoridades o perseguissem com afinco e até onde se mostrasse necessário, tinha a noção de que acabaria por ser capturado e obrigado a responder pelos seus atos.


Optou, portanto, pelo mais simples, sem que isso signifique qualquer sinal de arrependimento, que nunca demonstrou ao longo do processo, onde se refugiou num “silêncio amnésico” e evidenciou indiferença pelo sofrimento das vítimas e seus familiares, perante as quais nunca manifestou qualquer sentimento de pesar ou vontade de reparar o mal provocado.


Acresce que no acórdão recorrido, além da consideração daquelas poucas circunstâncias favoráveis ao recorrente e de valor atenuativo diminuto, como se deixou expresso a propósito da questão da (in)aplicabilidade do regime penal especial para “jovens adultos”, não descurou os princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas fixadas, fazendo a avaliação conjunta, global, dos factos e da sua personalidade neles refletida ou por eles evidenciada, concluindo pela impossibilidade de, objetivamente e sob o prisma estritamente jurídico-penal, apesar de tudo, se poder afirmar a verificação no caso de uma “certa tendência criminosa”, antes apenas uma “pluriocasionalidade”, donde retirou um vislumbre de possível regeneração futura, face àquelas poucas circunstâncias positivas e ao efeito ressocializador que uma forte punição também pode encerrar e devia encerrar, se executada em conformidade com essa finalidade legal, a par das prementes exigências de prevenção geral presentes no caso.


Relevando ainda a necessidade de salvaguardar a proporcionalidade das penas concretas fixadas, em termos absolutos e relativos, na comparação com a jurisprudência produzida em casos similares16 e salvaguardando a hipótese de outros de maior e extrema gravidade, a que melhor se adequará a aplicação de uma pena concreta equivalente ao limite máximo da pena abstrata ou legal, reduzindo, por isso, a pena única ou conjunta para os 21 anos e 6 meses, dois anos apenas acima do limite mínimo da moldura abstrata do cúmulo, num um excedente material total superior a 12 anos de prisão e legal de 5 anos e 6 meses de prisão.


Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, entre os quais, o da vida, valor supremo de um Estado de direito, fundado na dignidade e na inviolabilidade da pessoa e da vida humana, constitucional e legalmente consagrado, que aqui foi alvo de duplo atentado, as penas de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. i), do CP e 86º, n.º 3, da Lei das Armas, e única ou conjunta de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico daquela pena com as de 8 (oito) anos, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, correspondentes aos crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, de roubo agravado, na forma tentada, e de detenção de arma proibida, por que também foi condenado, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Rejeitar parcialmente o recurso interposto pelo arguido AA, quanto às penas sofridas pela prática dos crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, de roubo agravado, na forma tentada, e de detenção de arma proibida, e demais questões suscitadas no recurso a elas direta e exclusivamente respeitantes, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.º 1, als. e) e f), 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), todos do CPP.


b) Negar provimento ao recurso quanto às demais questões suscitadas pelo arguido e manter o acórdão recorrido, com a correção referida na nota de rodapé n.º 14 e sem prejuízo do eventual perdão de penas estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, a ponderar e aplicar pelo tribunal de 1ª instância, por ser o competente, nos termos do seu artigo 14º17.


c) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC (cfr. artigos 513º do CPPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Albertina Pereira (1º adjunto)


Leonor Furtado (2º adjunto)





______________________________________

1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.↩︎

2. Considerando a regra da precedência lógica decorrente da aplicação conjugada dos artigos 368º e 369º do CPP, aqui aplicáveis por remissão do seu artigo 424º, nº 2, a qual, de resto, justificará também a reordenação das questões A) e B) suscitadas pelo recorrente.↩︎

3. Sobre o assunto e em sentido concordante com a posição aqui sustentada pelo Ministério Público, embora crítico quanto à consagração legal do critério da pena concreta (aplicada) em detrimento da pena abstrata (aplicável), pode ver-se a anotação de Pereira Madeira ao artigo 400º do CPP, in ob. e loc. cit., assim como a resenha jurisprudencial, do Tribunal Constitucional (TC) e do STJ, nela incluída.

E, ainda, para além dos muitos indicados no parecer do Ministério Público, os acórdãos do STJ, de 14.10.2021, proferido no processo n.º 255/19.7GAVFX.L1.S1, relatado pelo Conselheiro António Gama, e de 17.05.2023, proferido no processo n.º 333/14.9TELSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Pedro Branquinho Dias, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

4. Não faria sentido e revelar-se-ia até injusto e porventura inconstitucional, por discriminação negativa sem fundamento material bastante, que se permitisse essa extensão de efeitos em caso de limitação do âmbito e do objeto do recurso pelos próprios arguidos, recorrentes ou não, e não assim quando essa limitação resulte de uma certa interpretação jurisprudencial e doutrinal da lei, como, aliás, ao menos implicitamente, parece entender/admitir Pereira Madeira, em anotação aos correspondentes artigos, in ob. e loc. cit.

Também assim, se bem o interpretamos, o acórdão do STJ, de 19.06.2019, proferido no processo n.º 319/14.3GCVRL.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

5. Transcrevendo o seguinte trecho da obra que referencia de Fernanda Palma: «o insidioso tem a função de exprimir aqueles meios que actuam com a mesma intensidade, facilidade e dificuldade de serem descobertos que o veneno, não tendo pois a função de exprimir uma atitude do agente, mas a eficácia objetiva de um meio».↩︎

6. Menciona dois acórdãos do STJ do século passado, cuja orientação só vimos renovada, embora em moldes não totalmente coincidentes, no acórdão de 15.12.2005, proferido no processo n.º 05P2978, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, disponível no sítio https://www.dgi.pt/jstj.nsf/.↩︎

7. Expressão que não traduz com rigor a classificação da Convenção sobre os Direitos da Criança, cujo artigo 1º estatui que “(…) criança é toda o ser humano menor de 18 anos (…)”, mas reflete a opção entre nós assumida de estabelecer a imputabilidade a partir dos 16 anos, podendo dizer-se que a partir desta idade se é “adulto”, para efeitos de responsabilização penal, também em conformidade com o artigo 40º daquela Convenção.↩︎

8. Mais tarde, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa, aprovadas, respetivamente, pelas Leis n.ºs 147/99, de 1.09, e 166/99, de 14.9, viriam completar o complexo normativo necessário a uma intervenção oficial mais adequada às diferentes faixas etárias da infância e da juventude em função da situação concreta de cada menor e da natureza dos factos por eles protagonizados, diferenciando o perigo e a intervenção assistencial por ele reclamada, a intervenção tutelar educativa para a prática de factos qualificados como crime pela lei penal por menores inimputáveis e a intervenção penal propriamente dita, para os menores e jovens imputáveis e respetivos pontos de interceção, como refere Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 9º no Código Penal Português – Anotado e Comentado, 14ª Edição, Almedina Coimbra 2001, fazendo referência aos artigos de Anabela Miranda Rodrigues e Eliana Gersão, “Repensar o Direito de Menores em Portugal – utopia ou realidade?” e “A reforma da Organização Tutelar de Menores e a Convenção sobre os direitos da Criança”, publicados, respetivamente, nos n.ºs 3 e 4 da RPCC, Ano 7, 1997, que melhor ajudam a compreender o âmbito da reforma e as referidas imbricações.↩︎

9. Sobre a jurisprudência do STJ nesta matéria e na da escolha e medida da pena em geral, pode ver-se ainda José Souto de Moura, inA JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA”, de 26.04.2010, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/soutomoura_escolhamedidapena.pdf.↩︎

10. De cuja eventual aplicação, como é pacífico e se reafirmou no acórdão deste STJ, de 8.11.2023, proferido no processo n.º 813/18.7JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves, também disponível no sítio https://www.dgsi.pt, apenas poderia resultar a atenuação especial das penas parcelares, que não da pena única, sobre a qual tal atenuação não incide, sem prejuízo dos necessários reflexos que na sua determinação teria a atenuação daquelas.↩︎

11. Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in “A pena «unitária» do concurso de crimes, RPCC, Ano 16, n.º 1, pp. 151 a 166, em comentário a um acórdão do STJ, no qual se debruça sobre as diferenças concetuais e seus reflexos sobre a determinação da pena concreta no concurso de crimes entre “pena única”, “pena unitária” e “pena conjunta”, concluindo no sentido de que o nosso CP optou pela pena conjunta.↩︎

12. O que prejudicará também a apreciação da invocada dupla valoração da utilização da arma, na punição do crime de detenção de arma proibida e na dos demais crimes.

Ainda assim, importa deixar claro que, como evidencia o trecho do acórdão recorrido infra transcrito, essa dupla valoração não ocorreu, pois a medida da pena concreta aplicada pela prática daquele crime não foi agravada pela sua utilização no cometimento dos crimes de homicídio e de roubo, mas antes pela detenção simultânea da arma e de duas munições igualmente passíveis de integração no mesmo tipo legal, e, ainda aí, sem especial relevância, como evidencia a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, numa moldura abstrata varável entre 1 e 5 anos de prisão.↩︎

13. Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

14. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

15. Apenas passível de reparo na incorreta referência às alíneas b), e) e j) do n.º 2 do artigo 132º do CP, que no caso não têm aplicação, nem foram aplicadas, pois a qualificação dos crimes de homicídio, na forma tentada e consumada, assentou na al. i), do mesmo número 2 do artigo 132º, conforme expressamente consignado no dispositivo.

Trata-se, por conseguinte, de manifesto lapso de escrita, cuja correção não implica modificação essencial e pode ter lugar a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento, e que, por isso, se corrige em conformidade, nos termos do artigo 380º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP.↩︎

16. Como será o caso decidido no acima referenciado acórdão do STJ, de 26.10.2023, proferido no processo 911/21.0JALRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, em que se fixou a pena única ou conjunta nos 18 anos de prisão, para um jovem de 19 anos, em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas pela prática de um crime de homicídio qualificado e outro de detenção de arma proibida.↩︎

17. Neste sentido, vide acórdãos do STJ, de 27.09 e 19.12.2023, proferidos nos processos n.ºs 179/22.0PSLSB.S1 e 417/22.0JGLSB.L1:S1, relatados pelos Conselheiros Maria do Carmo Silva Dias e Pedro Branquinho Dias, respetivamente.↩︎