Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA ATO PROCESSUAL | ||
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Data do Acordão: | 03/12/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | I. As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado. II. A nulidade por excesso de pronúncia, sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das questões temáticas centrais atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções eventualmente deduzidas pelas partes. III. A decisão judicial corporiza um processo de argumentação/persuasão lógico-jurídica, suportado em premissas, razões e motivos integrantes de uma racionalidade substantiva, argumentação entendida enquanto encadeamento de enunciados (formais e materiais), a partir de alguns dos quais se chega a outro ou a outros, enunciados que de forma algumas e reconduzem à natureza do “ato” (processual) genericamente contemplado no art. 195.º, n.º 1, do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista n.º 16726/22.5T8LSB.L1.S1 MBM/JG/AP Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. 1. Julgado o recurso de revista, veio a R. Transportes Aéreos Portugueses, S.A., arguir a nulidade do acórdão final, invocando, nomeadamente, excesso de pronúncia. 2. As autoras AA e BB responderam, sustentando que o requerido é totalmente infundado e configura mera manobra dilatória, peticionado, consequentemente, a condenação da R. como litigante de má-fé. 3. No exercício do correspondente contraditório, a R. pugna pelo indeferimento desta pretensão. Decidindo. II. 4. A requerente invoca, essencialmente: – O Ministério Público juntou aos autos parecer, no qual considerou que a Revista deveria ser julgada parcialmente procedente, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo, com a diferença de que deveriam ser “abatidas as quantias referentes à compensação e às retribuições pagas por força da cessação do contrato de trabalho (cf. art. 215.º da contestação) – tudo por força do regime legal previsto nos arts. 289.º e 795.º, n.º 2, do CC”. – No acórdão proferido nos autos, determinou-se que “(…) às quantias correspondentes às retribuições que as autoras deixaram de auferir – desde 05.05.2021, em relação à primeira, e desde 11.05.2021, em relação à segunda – e a que têm direito, sejam abatidas as importâncias referentes à compensação e às retribuições pagas por força da cessação do contrato de trabalho”. – Para o efeito, o STJ acompanhou cabalmente as considerações tecidas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer quanto aos efeitos da nulidade, no qual sustentou que a existência de vício formal é imputável à ora recorrente, razão pela qual a mesma não ficaria desobrigada da contraprestação, em cenário de impossibilidade da prestação, isto com base em ilações que contrariaram a matéria de facto dada como assente e que assim extravasam aquilo que a lei processual admite. – O Acórdão praticou, assim, um ato proibido, padecendo, por conseguinte, de nulidade processual (art. 195.º, n.º 1, do CPC), bem de excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º 1, d), segunda parte, do CPC]. 5. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686). Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção). Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3). Vale dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes. Assim, a nulidade por excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d), 2ª parte], sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”2 atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções eventualmente deduzidas pelas partes. Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º. 6. É manifesta a improcedência das arguidas nulidades. O acórdão proferido nos autos desenvolve-se em três partes: a) – Se os acordos revogatórios dos contratos de trabalho em causa são nulos, por falta de menção expressa do direito ao arrependimento das trabalhadoras. b) – Se a invocação da reconhecida nulidade consubstancia abuso de direito por parte das autoras. c) – Se as AA. deverão ser condenadas a restituir à R. o que esta lhes tiver prestado em cumprimento dos acordos revogatórios dos contratos de trabalho, exonerando-se esta do pagamento da retribuição correspondente ao período que anteceda o trânsito em julgado da declaração judicial da invalidade. É fundamentalmente no primeiro destes conjuntos que se concluiu pelo acerto da decisão do Tribunal da Relação que conferiu ganho de causa às autoras, em virtude de se ter entendido que “a inobservância das exigências formais impostas pela lei determina a nulidade do acordo revogatório do contrato de trabalho”. A propósito da terceira questão, transcreve-se uma parte deste Parecer, relativa aos efeitos da nulidade dos acordos revogatórios em causa, do seguinte teor: «(…) [D]ecidiu o acórdão recorrido: ” Assim sendo, impõe-se revogar a sentença recorrida, com procedência da ação (…), mantendo-se vigente o respetivo contrato de trabalho entre cada uma das autoras e a ré, bem como todas as obrigações dele emergentes, nomeadamente, o pagamento das retribuições que deixaram de auferir, respetivamente desde 5/5/2021 a 1ª autora e 11/5/2021 a 2ª autora, e a reintegração destas trabalhadoras nos seus respetivos postos de trabalho, sem prejuízo da respetiva antiguidade.” (…) [A] declaração da invalidade do acordo de revogação da cessação contrato de trabalho não tem como consequência a conversão do acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador. É verdade que a nulidade tem efeitos retroativos, implicando que os contratos de trabalho se mantêm em vigor, mas as prestações que tenham sido executadas em cumprimento do acordo revogatório terão de ser restituídas, ou, em caso de impossibilidade da restituição em espécie, com lugar à devolução do correspondente valor. (…) Da matéria de facto dada como provada – e da própria documentação junta – parece resultar de uma forma evidente que os acordos revogatórios dos contratos de trabalho foram elaborados pela recorrente – encontram-se em papel timbrado da empresa – e apresentados às autoras como projeto findo, com datas curtas para a sua aceitação (a 1.ª autora tinha até 05.05.2021), tendo os seus contratos de trabalho sido logo suspensos em 22.04.2021 – cf. pontos 10), 11) e 13) da matéria de facto dada como provada. Nada resulta, em consequência, sobre ter existido qualquer negociação entre as partes. (…) [A]figura-se-nos que a existência do vício formal desse negócio jurídico foi causada pela recorrente, pelo que a situação lhe é imputável – nomeadamente em relação à falta da prestação de trabalho pelas autoras, inicialmente com a suspensão do contrato de trabalho, depois com a proposta de assinatura de um acordo revogatório nulo e finalmente com a recusa da revogação desse acordo. Em consequência, afigura-se que as autoras têm efetivamente direito às quantias correspondentes às retribuições que deixaram de auferir desde 05.05.2021, em relação à 1.ª autora, e desde 11.05.2021, em relação à 2.ª autora, bem como à reintegração (…) nos respetivos postos de trabalho, sem prejuízo da respetiva antiguidade, mas sendo abatidas as quantias referentes à compensação e às retribuições pagas por força da cessação do contrato de trabalho (cf. art. 215.º da contestação) – tudo por força do regime legal previsto nos arts. 289.º e 795.º, n.º 2, do CC. (…)» Esta (terceira) questão foi suscitada pela ré/recorrente – tendo-lhe, aliás, sido reconhecida parcialmente razão neste âmbito –, pelo que, desde logo por isso, não se verifica qualquer excesso de pronúncia. Por outro lado, todo o raciocínio expendido mostra-se cabalmente suportado nos factos provados, sendo certo que a constatação de que da factualidade assente “nada resulta (…) sobre ter existido qualquer negociação entre as partes” não consubstancia qualquer ilação ou juízo de facto. Refira-se, no entanto, que, ainda que assim não fosse, nunca se estaria perante um ato (processual) proibido, suscetível de configurar uma nulidade processual, ao abrigo do art. 195.º, n.º 1, mas, antes, de um erro de julgamento, ou erro na construção do silogismo judiciário, insuscetível de ser sindicado em sede de nulidade da sentença, conforme supra exposto. Com efeito, a decisão judicial corporiza um processo de argumentação/persuasão lógico-jurídica, suportado em premissas, razões e motivos integrantes de uma racionalidade substantiva, argumentação entendida enquanto encadeamento de enunciados (formais e materiais), a partir de alguns dos quais se chega a outro ou a outros, enunciados que de forma algumas e reconduzem à natureza do “ato” (processual) genericamente contemplado naquela disposição legal. Sendo certo que a arguição de nulidades não se reconduz a meras discordâncias quanto ao decidido, não podendo ser usada como instrumento apenas dirigido à alteração do julgado, improcede, pois, o requerido. 7. Na ausência de elementos que permitam concluir que a ré agiu dolosamente ou com negligência grosseira, não se procede, por se encontrarem inverificados os respetivos pressupostos (cfr. art. 542º), à condenação da ré como litigante de má-fé, peticionada pelas requeridas. III. 8. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a arguição de nulidades. Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. Lisboa, 12.03.2025
Mário Belo Morgado, relator Julio Manuel Vieira Gomes Albertina Pereira _____________________________________________ 1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário↩︎ 2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎ |