Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B2407
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: CONCLUSÕES
CONVITE DO RELATOR
MATÉRIA DE FACTO
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ200510200024072
Data do Acordão: 10/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5689/05
Data: 01/25/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Se a falta ou deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos e a tramitação do recurso avançar para a fase do julgamento, já não poderá ocorrer o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do CPC, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e para não se arrastar no tempo o conhecimento dos demais recursos que devam ter lugar no mesmo julgamento.
II - O convite aludido em I não tem lugar no âmbito do artigo 690-A do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No acórdão da Relação de Lisboa que, a fls. 591-613 dos autos, confirmou a sentença absolutória dos réus Companhia de Seguros A, SA e outros do pedido indemnizatório que, por danos decorrentes de acidente de viação, contra eles formulam os autores B e outros, lê-se o seguinte:
«"-- e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas (...). Sendo assim, não pode aqui ser objecto do conhecimento do recurso a suposta nulidade da sentença, nos termos do art. 668, nº1 al. c) do Cód. Proc. Civil, arguida pelos autores, por serem contraditórios os quesitos 8º, 9º e 13º por os autores não terem levado a questão às suas conclusões --"» (fls. 596-597); "
-- «- Do exposto, vê-se que os recorrentes apelantes não indicam as voltas em que se encontram registados na cassete as passagens dos depoimentos que referem, e querem utilizar como meios probatórios para o efeito. Não é feita assim a rigorosa referência dos concretos meios probatórios invocados que tenham sido registados, com referência ao assinalado na acta, com o início e termo dos ditos depoimentos, como exigem, sob pena de rejeição, os nºs 1, al. b) e 2 do art. 690-A do Cód. Proc. Civil, com referência para o nº2 do art. 522-C do mesmo Código."
Não tendo os recorrentes cumprido o ónus que lhes é imposto no art.º690º-A do Cód. Proc. Civil, no que concerne à concreta indicação dos meios probatórios, mas antes uma referência vaga para os depoimentos das testemunhas que indicam, como decorre do que vem dito, tem o recurso sobre a matéria de facto de ser rejeitado(...).».

É sobre estas duas passagens do acórdão da Relação que incide o presente recurso de agravo, interposto pelos autores e cuja alegação termina assim:
1. Quando nas alegações apresentadas faltem as conclusões, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada (artº690º, nº4 do Cód. Proc. Civil).
2. Os artigos 265º, nº2 e 266º nºs 1 e 2 contemplam os princípios gerais da direcção do processo pelo juiz e o da cooperação, respectivamente.
3. O art.º690º, nº4 do Cód. Proc. Civil prevê o convite para apresentação ou aperfeiçoamento das conclusões.
4. Contempla tal norma os princípios gerais da direcção do processo pelo juiz e da cooperação.
5. Como princípios gerais contidos na norma do nº4 do art.º690º do Cód. Proc. Civil, ela deve ser de aplicação ao estabelecido no art.º690º- A.
6. Pelo que o recorrente em alegações de recurso sobre a matéria de facto, sempre que o recorrente não cumprir o ónus de especificar os concretos meios de prova constantes da gravação, o recurso não deve ser rejeitado, convidando-se o recorrente a suprir a falta cometida, aplicando-se ao art.º690º-A os princípios gerais contidos no nº4 do art.º690º do Cód. Proc. Civil.
7. Decidindo como decidiram, os senhores desembargadores fizeram errada aplicação do direito, violando, designadamente, as disposições legais atrás citadas.

Contra-alegou a recorrida Companhia de Seguros A, SA no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


A questão que nos é proposta para solucionar é a de saber se o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do Código de Processo Civil (CPC) pode ser utilizado:
-- quando determinada questão é abordada no corpo alegatório mas não é levada às conclusões;
-- quando, visando o recurso a decisão da matéria de facto com reapreciação dos depoimentos gravados, o recorrente não procede às especificações exigidas no nº2 do artigo 690-A do mesmo Código.

Prescreve o nº4 do artigo 690 do CPC que quando as conclusões faltem, sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o nº2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada; os juízes-adjuntos podem sugerir esta diligência submetendo-se a proposta a decisão da conferência.

Extrai-se, assim, da norma em apreço que este poder-dever do convite ao aperfeiçoamento da peça alegatória -no que concerne e só às conclusões -- incumbe ao relator (cfr. ainda a al. b) do nº1 do artigo 700 do CPC), podendo também a proposta da diligência ser decidida em conferência por sugestão dos juízes-adjuntos.

Se a omissão ou a deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos, avançando a tramitação do recurso para a fase de julgamento (cfr. artigos 708 e 709 do CPC), então o convite, naturalmente, já não mais poderá ser feito, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e também para não se arrastar no tempo a apreciação dos demais recursos que, eventualmente, deva ter lugar no mesmo julgamento.

Por outro lado, se é certo que ao juiz relator incumbe o poder-dever do convite em apreço, como uma das emanações dos princípios gerais de adequação e de cooperação estabelecidos nos artigos 265 e 266 do CPC, não é menos verdade que é à parte recorrente que incumbe, em primeira linha, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 690 do mesmo Código, o ónus de alegar e de formular conclusões, competindo-lhe ainda, e só a ela, levar às conclusões a questão ou questões abordadas no corpo alegatório que pretenda ver decididas pelo tribunal de recurso.

E isto porque, conforme prevê o nº3 do artigo 684 do CPC, nas conclusões da alegação pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.

Está, por isso, vedado ao relator, sob invocação do nº4 do artigo 690 do mesmo Código, imiscuir-se nessa tarefa seleccionadora da exclusiva responsabilidade do recorrente.

Só nos casos de absoluta falta de conclusões, ou só quando estas patenteiem, por si, os demais vícios previstos na norma (deficiência, obscuridade, complexidade, falta das especificações a que alude o nº2 do artigo 690) é que o convite deverá ter lugar.

Finalmente e no que respeita ao específico caso do artigo 690-A do CPC, trazemos ainda à liça a mais recente jurisprudência deste Tribunal no sentido da inaplicabilidade do convite em apreço aos casos previstos naquele normativo -cfr. acórdãos de 12/10/2004, Agravo nº2774/04-1ª e de 25/11/2004, Revista n. 3450/04-2ª, Sumários do Gabinete dos Juízes Assessores, números 84º-23 e 85º-67, respectivamente - porquanto, para além da peremptoriedade da expressão sob pena de rejeição, ínsita quer no nº1, quer no nº2 do mesmo artigo 690-A para o caso de incumprimento dos ónus aí previstos, estes mesmos ónus envolvem necessariamente o corpo da alegação, o qual é insusceptível de ser completado ou corrigido (só as conclusões é que podem ser alvo do convite previsto no nº 4 do artigo 690, como decorre expressamente desta norma).

Improcedem, assim, todas as conclusões dos agravantes.

DECISÃO
Pelo exposto nega-se provimento ao agravo, com custas pelos recorrentes.

Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Ferreira Girão,
Luís Fonseca,
Lucas Coelho.