Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ÁLVARO RODRIGUES | ||
| Descritores: | ASSUNÇÃO DE DÍVIDA CESSÃO DE CRÉDITOS | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 02/17/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I- A assunção de dívida não é a aceitação (por compra e venda ou outro negócio jurídico causal) de um crédito. É, antes, a aceitação do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor. II- Nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor mas que, por força do referido negócio jurídico, muda apenas de sujeito passivo, isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor). III- Note-se que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar ( artº 595º/2 do C. Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida. O credor só deixará se ser o titular do direito de crédito objecto da assunção, quando a dívida for paga (extinção do crédito por pagamento) ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem. IV- Por outras palavras, na assunção da dívida, nem há mudança de credor, que continua a ser o originário, nem da obrigação existente, como aconteceria na novação, mas apenas mudança do devedor, que deixa de ser o primitivo, passando a ser o que assumiu a dívida daquele perante o mesmo credor. Convirá recordar que a assunção da dívida como forma de transmissão singular de obrigações encontrou sempre alguma resistência da parte dos legisladores, designadamente não estando prevista no nosso Código Civil anterior ao vigente (Código de 1866, conhecido por Código de Seabra). V- Quanto à cessão de créditos, recordemo-nos da lição do nosso saudoso Mestre, o Professor Dias Marques, que ensinou que a cessão de créditos «pode definir-se como a sucessão num crédito por efeito de um negócio jurídico inter vivos ( v.g., venda, doação, troca...) através do qual o credor transmite a um terceiro o seu direito» (J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 7º edição, pg.188). VI- Por sua vez, Almeida Costa assim explica, ex professo, um dos efeitos da cessão: « Repare-se, pelo que toca às partes, que a cessão pode realizar-se com vários objectivos, isto é, não lhe corresponde uma finalidade ou causa única e preestabelecida pela lei. Assim, ocorre porque o cedente recebe uma contrapartida (cessão a título oneroso), porque deseja fazer uma liberalidade ao cessionário (cessão a titulo gratuito), pretende extinguir uma obrigação (cessão solutória) etc.» (Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2º edição, 1985, pg. 175). VII- Um dos requisitos desta forma de transmissão de obrigações é, como ensina Menezes Leitão (que o qualifica como sendo o primeiro dos requisitos), a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte de um crédito, acrescentando que pode esse negócio consistir numa compra e venda ( artº 874º do C.Civil), numa doação ( artº 940º), numa sociedade [artº 984º, c) do C.Civil], num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (artº 837º) ou pro solvendo ( artº 840º/2) ou num acto de constituição de garantia (M. Leitão, Direito das Obrigações, II, 7º ed., 2010, 17) VIII- Ora tal requisito verifica-se de forma clara e transparente no convénio celebrado entre as partes e igualmente plasmado no instrumento notarial da dação em cumprimento, tal como, de resto, se verificam os requisitos de inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão e da não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação, à pessoa do credor ( artº 577º/1 do Código Civil). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra: 1.º. BB, S.A., 2.º. CC 3.ª Construtora do N....... – Indústria e Construção, Planeamento e Transacções Imobiliárias, Lda e 4.ª. CC – Construções, E.I.R.L., pedindo que: – Seja declarado nulo, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, o contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos junto aos autos como doc. 4; – Seja igualmente declarada nula, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, a escritura de dação em cumprimento junta aos autos como doc. 3; – Seja ainda declarada a nulidade, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, a procuração irrevogável junta aos autos como doc. 5; – Seja por último declarado nulo, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, o substabelecimento junto aos autos como doc. 6; – Sejam os Réus solidariamente condenados a restituírem à Autora os quatro prédios urbanos, descritos na competente Conservatória do Registo Predial de Olhão com os nºs 4.188/Quelfes, 4.189/Quelfes, 4.190/Quelfes e 4.204/Quelfes, inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos, respectivamente, 4715, 4716, 4717 e 4728; Ou, alternativamente, – Sejam os Réus solidariamente condenados a entregar à Autora a quantia correspondente ao valor de tais imóveis, que se aceita ser, no global, de € 300 143,48; – Sejam os Réus, solidariamente, condenados a pagar à Autora os juros moratórios contados à taxa legal aplicável, sobre a referida quantia de € 300.143,48, desde a data da respectiva citação até integral cumprimento da obrigação de reintegração da Autora. Alegou que o direito de propriedade relativo aos quatro imóveis atrás identificados, todos sitos em Quelfes, Olhão, passou da esfera jurídica da Autora para a esfera jurídica da Ré BB, S.A. (actual denominação da sociedade Companhia Geral de C.......P.....P......, S.A.), através dos vários actos jurídicos que pretende ver anulados: “contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos”, celebrado em 27/11/2002; “procuração irrevogável”, outorgada em 06/12/2002; “substabelecimento”, outorgado em 17/10/2003; “escritura pública de dação em cumprimento”, celebrada em 18/12/2003. O referido contrato de consolidação fez com que a Autora, representada pelo Réu CC, assumisse a obrigação de pagar à Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) os referidos débitos da Ré Construtora N......., S.A. e do Réu CC – Construções, E.I.R.L., negócio que é estranho ao objecto da Autora, que colide com o escopo lucrativo da sociedade Autora, que atenta contra os interesses patrimoniais da Autora e dos seus sócios, que não apresenta qualquer contrapartida para a Autora e que não se justifica por qualquer interesse da sociedade Autora, razão pela qual é nulo tal negócio, como são nulos todos os actos jurídicos posteriores, não podendo vincular a sociedade Autora. A Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) não podia ignorar a falta de poderes para o Réu CC representar validamente a Autora em tais actos, actuando em conluio com este, no ensejo de, injustamente, se locupletar à custa do património da Autora, que nada lhe devia ou deveu, conluio esse que abrange também os Réus Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L., os quais enriqueceram, porquanto se viram libertos da respectiva obrigação perante a Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.), sem que para o efeito tivessem ressarcido quem por eles ficou onerado na obrigação de que se libertaram, i.e., a Autora. Declarada a nulidade, deve ser restituído à Autora tudo o que esta entregou à Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente, sendo responsáveis, solidariamente, a Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.), o Réu CC, visto ter praticado acto contrário aos seus deveres legais de gerente, e as Rés Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L., por enriquecimento sem causa. Regularmente citados, todos os Réus apresentaram contestação. O R. BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) invocou o abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium (cujo conhecimento foi relegado para final no despacho saneador), uma vez que quem propôs e negociou a cessão de créditos com o banco Réu foi a sociedade Autora, validamente representada pelo seu gerente, sociedade que vem agora propor a presente acção, peticionando a nulidade do negócio celebrado; e impugnou, refutando-a, a versão da Autora, alegando que o contrato de cessão de créditos celebrado é válido e do mesmo não resultou qualquer prejuízo para a Autora. De facto, tal contrato não traduz uma assunção de dívida por parte da Autora, mas sim uma cessão de créditos do banco Réu para a Autora, cessão de créditos que teve como contrapartida o pagamento do preço de valor equivalente ao crédito cedido, preço que veio a ser pago, pela Autora, mediante dação em pagamento de quatro prédios de sua propriedade, sendo certo que os prédios tinham valor equivalente ao do preço fixado para a cessão de créditos e sendo ainda certo que a Autora ficou titular dos créditos cedidos, podendo exigir o seu pagamento dos devedores, pagamento esse que até foi efectuado. Os Réus CC, Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L. invocaram a excepção dilatória de caso julgado; e impugnaram a versão da Autora, alegando que o Réu CC actuou com o conhecimento e sem qualquer censura por parte dos outros sócios da Autora, não extravasando o âmbito dos poderes representativos que lhe foram conferidos pela lei, que o negócio reverteu em benefício da Autora, até porque esta era devedora ao Réu CC de várias quantias, a título de suprimentos, tendo querido pagar, com este acto, parte dessa dívida. A Autora replicou, afirmando a inexistência do caso julgado. Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de caso julgado e relegado para final o conhecimento da excepção peremptória de abuso do direito. Após a legal tramitação e realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido. Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação do Porto que, dando provimento ao recurso interposto, revogou a sentença recorrida, declarando a nulidade do contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos, da escritura da dação em cumprimento, da procuração irrevogável junta aos autos como doc. 5 e do substabelecimento junto aos autos como doc. 6 e, outrossim, condenou solidariamente os Réus a restituir à Autora os 4 (quatro) prédios urbanos identificados nos autos. Foi a vez de o Réu BB, SA, inconformado, vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª- Os negócios cuja nulidade se pretende ver declarada são contratos onerosos celebrados entre as sociedades que os outorgaram. 2a- Mediante um desses contratos a recorrida adquiriu, pelo preço de €300.143,48 os créditos que o banco recorrente detinha sobre as demais sociedades rés. 3a- Tendo para pagamento desse preço, equivalente ao valor dos créditos comprados, dado em pagamento quatro prédios do seu património, que detinham um valor equivalente ao dos créditos adquiridos. 4a- Este contrato, por não se tratar de qualquer liberalidade mas sim de um acto oneroso, não violou o disposto no art. 6o do CSC, nem em qualquer outra disposição legal, não tendo traduzido para a recorrida qualquer prejuízo patrimonial. 5a- O douto acórdão recorrido ao não ter entendido dessa forma não fez uma correcta aplicação do disposto nos art. 236° e 237° do CC e no art. 6o do CSC. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a Autora pela manutenção do decidido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal. FUNDAMENTOS Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade: 1. A sociedade Autora (AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda.) encontra-se abrangida por plano de recuperação de empresa sob a forma de gestão controlada, decretada no âmbito do Proc. nº 253/2002 que corre termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão da Restauração por sentença de 27 de Maio de 2004, entretanto transitada em julgado (A). 2. Tendo a aplicação de tal medida sido prorrogada por doze meses, por decisão de fls. 276 dos preditos autos (B). 3. No âmbito de tal gestão controlada, a Autora teve acesso, porquanto expressamente requereu e lhe foi deferido, que o anterior gerente da sociedade fosse obrigado a apresentar os elementos contabilísticos e demais documentos pertencentes à sociedade que mantinha na sua posse, à cópia de uma escritura de dação em cumprimento outorgada no dia 18 de Dezembro do ano de 2003, no Quarto Cartório Notarial do Porto, a fls. 142 e seguintes do Livro 79-B, então em uso naquele Cartório (C). 4. Conforme consta de tal escritura, nela intervieram como procuradores substabelecidos da Autora, DD e EE (D). 5. Tendo em simultâneo, tais procuradores, actuado em representação da sociedade anónima “Companhia Geral do C.......P.....P......, S.A.” (E). 6. Em tal dupla qualidade, os intervenientes declararam que a Autora, sua alegada representada, era, à data, dona e legítima possuidora de quatro prédios urbanos, descritos na competente Conservatória do Registo Predial de Olhão, com os números 00000/Quelfes, 0000/Quelfes, 0000/Quelfes e 0000/Quelfes, inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos, respectivamente, 4715, 4716, 4717 e 4728 (F). 7. Declarando ainda que a Autora era devedora ao banco 1º Réu da quantia de € 300.143,48, à data de 28 de Novembro de 2002 (G). 8. Dívida essa proveniente do contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos daquele valor (H). 9. Por último, e no uso de poderes representativos que foram conferidos ao “C.......P.....P......, S.A.”, 1º Réu, os aludidos procuradores deram em cumprimento, a tal entidade alegadamente credora da Autora, os supra indicados imóveis (I). 10. Tendo ainda estipulado aforamento na comarca do Porto para a resolução das questões emergentes de tal contrato (J). 11. O Contrato de Consolidação, Confissão e Cessão de Créditos, a que se reporta o doc. 3, foi celebrado com data de 27/11/2002 (K). 12. Teve como partes intervenientes o 1º Réu, a sociedade 3ª Ré, o 4º Réu e a aqui Autora (L). 13. Sendo ainda que o 2º Réu actuou em nome da 3ª Ré, do 4º Réu e, alegadamente, da Autora (M). 14. Por força de tal contrato, a entidade bancária 1º Réu declarou a sua qualidade de credor da 3ª Ré, pela quantia global de € 266.896,48 (N). 15. Declarou ainda ser credor do estabelecimento do 4º Réu, na quantia de € 33.247,00 (O). 16. Tendo os 3º e 4º Réus confessado as respectivas dívidas ao 1º Réu, respectivamente, pelos supra indicados valores (P). 17. Os outorgantes conferiram força executiva ao documento (Q). 18. E convencionaram, expressamente, o foro da Comarca do Porto como competente para dirimir quaisquer questões emergentes de tal contrato (R). 19. Posteriormente, em 06/12/2002, o 2º Réu, na qualidade de gerente e em representação da Autora, constituiu bastante procurador da Autora o 1º Réu, por procuração irrevogável, outorgada no Cartório Notarial de Olhão e aí arquivada sob o número 48, a folhas 91, registado a folhas 49vº, do Livro nº 4 de Instrumentos Avulsos, referente ao ano de 2002, conforme resulta de certidão emitida pelo 4º Cartório do Porto, onde tal procuração se encontra arquivada (S). 20. Conferindo assim ao 1º Réu poderes para, em representação da Autora, requerer registo de inscrição provisória e definitiva de aquisição dos imóveis (T). 21. Bem assim como poderes para o 1º Réu outorgar em nome da Autora, “escritura pública de dação em cumprimento, pelo montante em capital de € 300.143,48, desde que tal dação em cumprimento se destine à liquidação das suas responsabilidades” (U). 22. Foram os poderes que lhe advieram da predita procuração que, com reserva, o 1º Réu substabeleceu nos supra identificados, DD e EE, nos termos do substabelecimento outorgado no 17º Cartório Notarial de Lisboa, a 17/10/2003 (V). 23. Sendo no uso de tais poderes que os ditos substabelecidos intervieram na outorga da escritura de dação em cumprimento (W). 24. A Autora tem por objecto a indústria de construção, compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim ou arrendamento de imóveis de qualquer natureza, próprios ou alheios, bem como a sua valorização através da elaboração de planos ou projectos de urbanização, reconstrução e ainda o exercício de qualquer actividade técnica de consultadoria, auditoria e gestão imobiliária (X). 25. Obrigando-se a sociedade pela assinatura de um gerente, nomeadamente na alienação, oneração, aquisição e locação de bens móveis e imóveis (Y). 26. Por escritura pública de 16/12/2004, deu-se a fusão por incorporação do Banco Totta & Açores, S.A. e Banco Santander Portugal, S.A. na Companhia Geral do C.......P.....P......, S.A. (Z). 27. Por sua vez, o C.......P.....P......, S.A. alterou a sua denominação social, passando a denominar-se BB, S.A., pessoa colectiva nº 00000000, com sede na Rua ..........., ........ – 1100-062 Lisboa, registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº ....., com o capital social de € 589.810.510,00 (AA). 28. Deste modo, o anteriormente denominado C.......P.....P......, S.A., por força da referida fusão e alteração de denominação social, passou a denominar-se BB, S.A. (AB). 29. O Réu CC estava nomeado único sócio-gerente no Pacto Constitutivo da Sociedade AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda. (AC). 30. Os prédios objecto da dação tinham, à data da respectiva escritura, um valor equivalente ao do preço fixado para a cessão de créditos (AD). 31. Através do contrato referido a fls. 88 (“Contrato de Consolidação, Confissão e Cessão de Créditos”), designadamente, na sua cláusula 4ª, o representante da Autora, aqui 2º Réu, pretendeu aceitar e assumir a obrigação da Autora de pagar os créditos que o 1º Réu detém sobre os 3º e 4º Réus (1º). 32. Pretendendo ainda, através da cláusula 5ª de tal contrato, que em cumprimento da dívida assim assumida pela Autora esta dará em pagamento ao primeiro Réu os prédios urbanos supra melhor identificados (2º). 33. Não tendo a Autora assumido, antes de tal contrato, qualquer responsabilidade, ainda que por meio de fiança ou aval, perante o 1º Réu, pelo pagamento dos débitos dos 3ª e 4º Réus (3º). 34. Tudo se passando à revelia e conhecimento dos demais sócios da sociedade Autora, com excepção do conhecimento do sócio CC, 2º Réu, que cumulava tal estatuto com o de gerente (4º). I- Natureza e Espécie do «Contrato de Consolidação, Confissão e Cessão de Créditos» celebrado entre o Banco C.......P.....P...... e a Sociedade ora Autora. Com base nesta factualidade, definitivamente fixada, os tribunais de Instância decidiram de forma diferente: a 1ª Instância decidiu no sentido de que o «contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos» e os actos de cumprimento deste contrato ( «procuração irrevogável», «substabelecimento» e «escritura notarial de dação em cumprimento») são válidos, porque incluídos no âmbito da capacidade da Autora, improcedendo por isso a nulidade invocada por esta e ficando prejudicada a apreciação dos pedidos decorrentes da declaração de nulidade. Pelo contrário, o Tribunal da Relação teve entendimento radicalmente divergente, decidindo que «perante os factos provados e não provados, só resultou assente que a A. assumiu a dívida das 3.ª e 4.ª Rés perante o Banco 1.º R., sem que sequer estivesse por detrás dessa atitude o objectivo de extinção parcial dos suprimentos do 2.º R., mesmo que esse pagamento parcial não se nos afigurasse, como afigura e como dissemos, legalmente controverso» e, daqui partindo para o raciocínio assim expendido: «chegamos à conclusão que a A. ao chamar a si como obrigação própria a obrigação que recaía sobre as demais Rés perante o Banco, sem que se perspective qualquer interesse seu nessa atitude, levou a cabo uma actuação que extravasa o âmbito normal da capacidade da sociedade, sendo a assunção da correspondente obrigação inválida e ineficaz. In casu nem sequer se pode defender, ao abrigo da distinção entre liberalidades stricto sensu e actos gratuitos, e porque estes podem caber no âmbito do objecto social da sociedade, que se trata apenas de um acto gratuito, que permitiu à sociedade uma qualquer compensação no futuro, mas sim de uma liberalidade». Temos que reconhecer que a razão está do lado da decisão da 1ª Instância, como se passa a demonstrar! Desde logo, importa ter em atenção que vem alegado e, aliás, consta da factualidade provada ( facto provado 31), que entre a Autora e o antecessor do BB, o C.......P.....P...... foi celebrado um convénio contratual ( um acordo) intitulado Contrato de Consolidação, Confissão e Cessão de Créditos e cuja cópia, em perfeitas condições, se encontra a fls. 34 deste processo. Certo que só o nomen juris atribuído pelas partes a tal contrato não é decisivo para a sua qualificação jurídica. Vejamos, então, o que clausularam as partes no referido instrumento contratual, isto é, vejamos qual o conteúdo do negócio jurídico celebrado. Na cláusula 4ª do referido contrato as partes convencionaram expressamente que «pelo presente contrato, o Banco «Crédito Predial» cede à sociedade AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda, o seu descriminado crédito, com todos os direitos e garantias que o acompanham, pelo preço correspondente ao seu valor nominal» e logo na cláusula seguinte – cláusula 5ª – as partes referidas fixaram o montante global da dívida consolidada ( € 300.143, 48) e a forma do seu pagamento, esta mediante dação em pagamento ao credor Banco dos 4 ( quatro) imóveis descritos no referido instrumento contratual. Não se trata assim de uma assunção de dívida de terceiro, mas de uma expressa (de forma linear e clara) aquisição de um crédito determinado de que o Banco era titular ( sendo devedoras as sociedades) e que foi adquirido pela Autora mediante a prestação dos referidos imóveis de que era dona, através de uma dação em cumprimento. Em execução deste «pactum obligationis» e nos termos nele referidos, teve lugar a escritura de dação em cumprimento dos imóveis de que era dona a ora Autora ( cessionária) para o Banco Crédito Predial ( cedente) – factos provados nºs 8 e 9 do acervo factual apurado e definitivamente fixado. A cabal decisão do presente pleito implica incontornavelmente, na medida do necessário, um breve excurso dogmático sobre algumas figuras concernentes à transmissão das obrigações, com vista a recortar, com o exigível rigor a figura normativa que caracteriza o negócio jurídico celebrado entre a ora Autora, AA, Lda e o C.......P.....P......, antecessor do Banco Réu e ora Recorrente, não sendo indiferente a exactidão de tal caracterização, nem constituindo tal um dilema inultrapassável, pois estão suficientemente clarificados os elementos integrantes da mesma. Para começar, importa recordar que no falado contrato celebrado entre as partes – ora em litígio – foi adoptada a designação de cessão de créditos na cláusula 4º supra referenciada, e estipulada, mediante cláusula expressa, esta forma de transmissão de crédito global, sem que alguma das partes tivesse aludido, sequer, a qualquer assunção de dívida. Recordemo-nos da lição do nosso saudoso Mestre, o Professor Dias Marques, que ensinou que a cessão de créditos «pode definir-se como a sucessão num crédito por efeito de um negócio jurídico inter vivos ( v.g., venda, doação, troca...) através do qual o credor transmite a um terceiro o seu direito» (J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 7º edição, pg.188). Por sua vez, Almeida Costa assim explica, ex professo, um dos efeitos da cessão: « Repare-se, pelo que toca às partes, que a cessão pode realizar-se com vários objectivos, isto é, não lhe corresponde uma finalidade ou causa única e preestabelecida pela lei. Assim, ocorre porque o cedente recebe uma contrapartida (cessão a título oneroso), porque deseja fazer uma liberalidade ao cessionário (cessão a titulo gratuito), pretende extinguir uma obrigação (cessão solutória) etc.» (Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2º edição, 1985, pg. 175). Um dos requisitos desta forma de transmissão de obrigações é, como ensina Menezes Leitão (1)).(que o qualifica como sendo o primeiro dos requisitos), a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte de um crédito, acrescentando que pode esse negócio consistir numa compra e venda ( artº 874º do C.Civil), numa doação ( artº 940º), numa sociedade [artº 984º, c) do C.Civil], num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (artº 837º) ou pro solvendo ( artº 840º/2) ou num acto de constituição de garantia. Ora tal requisito verifica-se de forma clara e transparente no convénio celebrado entre as partes e igualmente plasmado no instrumento notarial da dação em cumprimento, tal como, de resto, se verificam os requisitos de inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão e da não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação, à pessoa do credor ( artº 577º/1 do Código Civil). Na verdade, além de a cláusula 4ª do referido contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos expressamente dispor que o Banco Crédito Predial cede à sociedade AA o seu discriminado crédito, com todos os direitos e garantias que o acompanham pelo preço nominal e na cláusula 5ª estar plasmada a forma de dação em pagamento dos 4 prédios urbanos para o pagamento do preço da aquisição do crédito no valor global de € 300.143,48, [acordo este estipulado entre o referido Banco e a sociedade AA (ora Autora e aqui Recorrida)], também na escritura de dação em cumprimento, cuja cópia constitui fls. 81-87 deste processo (1º volume), os contraentes, devidamente representados, confirmaram aquele acordo contratual, dando a sociedade AA em cumprimento os referidos imóveis e aceitando a aludida dação o outorgante Banco, ficando bem expresso que tal vínculo resultava do falado contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos. A assunção de dívida não é a aceitação (por compra e venda ou outro negócio jurídico causal) de um crédito, como parece estar a ser indevidamente entendido no caso presente, ressalvado o respeito devido. É, antes, a aceitação do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor. Nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor mas que, por força do referido negócio jurídico, muda apenas de sujeito passivo (2), isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor). Note-se que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar ( artº 595º/2 do C. Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida. O credor só deixará se ser o titular do direito de crédito objecto da assunção, quando a dívida for paga (extinção do crédito por pagamento) ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem. Por outras palavras, na assunção da dívida, nem há mudança de credor, que continua a ser o originário, nem da obrigação existente, como aconteceria na novação, mas apenas mudança do devedor, que deixa de ser o primitivo, passando a ser o que assumiu a dívida daquele perante o mesmo credor. Convirá recordar que a assunção da dívida como forma de transmissão singular de obrigações encontrou sempre alguma resistência da parte dos legisladores, designadamente não estando prevista no nosso Código Civil anterior ao vigente (Código de 1866, conhecido por Código de Seabra). Como explica Cunha e Sá, «a transmissão singular de dívidas é uma conquista mais recente do que a cessão de créditos, A pessoalidade do vínculo obrigacional, que durante muito tempo se pretendeu constituir carácter conatural e mesmo até essencial da obrigação, foi apresentada como obstáculo intransponível à substituição de um devedor por outro devedor, mantendo--se a relação jurídica a mesma. A obrigação estaria indissoluvelmente ligada à pessoa do devedor, pois a prestação ou comportamento devido consistiria na realização de um acto do próprio devedor; mudando o devedor, seria impossível que outrem realizasse o acto pessoal daquele e seria forçosamente modificado o crédito. Por outro lado, as pressões derivadas das necessidades do comércio jurídico-privado faziam-se sentir mais fortemente quanto à transmissão do lado activo do vínculo obrigacional do que em relação à transmissão do lado passivo; a dívida não seria economicamente um bem, mas um puro encargo, pelo que dificilmente se compreenderia a sua circulação» (3). Cremos serem, de todo, desnecessárias mais palavras para se demonstrar que a cláusula 4ª do contrato celebrado entre o Banco Crédito Predial e a sociedade AA, ora Autora, foi efectivamente um contrato de cessão onerosa de créditos e não de assunção de dívida, como ora invoca. Nem a tal classificação obsta a circunstância de no facto provado 31ª constar que «o representante da Autora, aqui 2º Réu, pretendeu aceitar e assumir a obrigação da Autora de pagar os créditos que o 1º Réu detém sobre os 3º e 4º Réus», desde logo porque tratando-se de matéria factual, ela carece de ser analisada e interpretada em termos técnico-jurídicos, e nessa perspectiva, já vimos que o referido contrato integra-se no perfil do instituto de cessão de créditos e não de assunção de dívida. Por outro lado, trata-se de uma cessão onerosa de créditos, na medida em que o Banco não cedeu tais créditos gratuitamente à Autora, mas sim cobrando o preço correspondente aos referidos créditos, que foi pago mediante dação em pagamento. Não se trata, assim, de uma questão de prevalência da vontade real das partes contratantes sobre a nomenclatura utilizada pelas mesmas, como diz a Recorrida nas suas doutas contra-alegações, mas sim de tanto substancial como formalmente as partes terem celebrado um verdadeiro negócio jurídico de cessão de créditos segundo o esquema contratual de compra e venda, como se deixa lautamente demonstrado. Na verdade, nada na factualidade provada permite concluir que as partes quiseram celebrar negócio jurídico diverso do denominado. Se o representante da Autora, aqui 2º Réu teve outra intenção que não a que resulta da interpretação do contrato celebrado, que aqui se deixou lautamente descrita, tal não exonera a sociedade Autora relativamente a terceiros, designadamente ao Banco réu, pois os actos praticados pelos gerentes das sociedades vinculam a sociedade que representam. Cabendo a representação de uma sociedade por quotas aos gerentes, os actos praticados pelos gerentes, ainda que fora do objecto estatutário, não deixam de ser vinculativos para a própria sociedade, pois sempre seria de ter em atenção que, como ensina o Prof. Pereira de Almeida «a sociedade só não ficará vinculada se provar – o ónus da prova compete-lhe – que o terceiro sabia ou não podia ignorar, que o acto era estranho ao objecto social» (Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3ª edição, Coimbra Editora, 270), o que a sociedade Autora não logrou provar. II - Da alegada liberalidade do acto praticado pela sociedade ora Autora Da parte da Autora, por isso que para a mesma foi transmitido o referido crédito no montante do preço pago (cedido) e porque os créditos são bens com valor patrimonial ( pecuniário), não se pode falar em qualquer liberalidade como faz o Acórdão recorrido. Como doutamente se ponderou na sentença da 1ª Instancia, «Analisado e qualificado o contrato celebrado, naquilo que à Autora diz respeito, é tempo de analisar a validade do mesmo. Ora, tendo em consideração que estamos perante um contrato de compra e venda, por natureza oneroso, temos de concluir que o mesmo não é contrário ao disposto no art. 62.º do CSC, sendo, por isso, válido. É evidente que se pode questionar a existência de finalidade lucrativa no negócio celebrado. Contudo, atendendo a que a regra é a de que os actos onerosos cabem no fim da sociedade (nos termos acima analisados), caberia à Autora, para lograr demonstrar a nulidade invocada, alegar e provar a contrariedade do negócio celebrado relativamente ao fim social (nomeadamente, demonstrando que, na aparente onerosidade, havia um intuito gratuito inerente ao negócio), o que, manifestamente, não fez, de acordo com os factos dados como provados. De facto, os factos provados apenas evidenciam que a Autora celebrou o contrato em análise, através da intervenção do seu sócio e gerente CC, e que tudo se passou à revelia dos demais sócios da Autora. Por outro lado, provou-se que os prédios objecto da dação tinham, à data da respectiva escritura, um valor equivalente ao do preço fixado para a cessão de créditos. Por fim, não releva não ter ficado provado que os 3º e 4º Réus já tenham pago os débitos que correspondem aos créditos cedidos pela Ré à Autora, na medida em que, repete-se, caberia à Autora alegar e provar (o que não logrou fazer) que estava arredada do negócio qualquer contrapartida para a Autora, nomeadamente, que era indiferente para a Autora, no momento da contratação, a cobrança daqueles débitos. Resumindo para concluir, o "contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos" e os actos de cumprimento deste contrato ("procuração irrevogável", "substabelecimento" e "escritura de dação em cumprimento") são válidos, porque incluídos no âmbito da capacidade jurídica da Autora, improcedendo por isso, a nulidade invocada por esta e ficando prejudicada a apreciação dos pedidos decorrentes da declaração de tal nulidade». Já vimos que não se trata de uma simples compra e venda de créditos, mas de uma cessão de créditos realizada através de compra e venda e esse mesmo foi o nomen juris adoptado pelos sujeitos contratuais. Aliás, como escreve Menezes Leitão na sua obra de fôlego sobre este instituto jurídico, «a cessão de créditos, prevista nos artºs 577º e ss, consiste numa transmissão do crédito, que se opera por virtude de um negócio, normalmente um contrato celebrado entre o credor e um terceiro» (4)e, como acima se deixou dito, a cessão pode ser onerosa ou gratuita, pelo que sendo realizada por contrato de compra e venda é, por definição, onerosa e, por isso, a Autora deu em pagamento do crédito adquirido, os imóveis referidos na dação em cumprimento, pelo que o Banco credor recebeu uma contrapartida – facto provado nº 9 que aqui, para comodidade de leitura, se transcreverá: «9. Por último, e no uso de poderes representativos que foram conferidos ao “C.......P.....P......, S.A.”, 1º Réu, os aludidos procuradores deram em cumprimento, a tal entidade alegadamente credora da Autora, os supra indicados imóveis» Mas a Autora não entregou os imóveis gratuitamente, antes como preço do crédito adquirido, recebendo portanto, em contrapartida, um valor patrimonial do credor. Por isso mesmo, são ainda de Menezes Leitão as seguintes palavras: «a partir do momento em que o crédito é visto como um bem económico que pode ser objecto de circulação jurídica, naturalmente que tem que se reconhecer ao credor a faculdade de disposição ( Verfügungsmacht) sobre esse bem, idêntica à que possui sobre os seus outros bens patrimoniais, admitindo-se para esse efeito um negócio de disposição que se convencionou denominar de cessão de créditos». Também o saudoso e emérito Civilista que foi Antunes Varela assim ensinou: «O valor patrimonial do crédito assenta na expectativa do cumprimento, reforçada pela garantia real que incide sobre o património do devedor ou pelas garantias especiais que confiram ao credor uma posição de supremacia perante os demais credores ( comuns) em relação a bens do devedor, ou lhe dêem mesmo, o poder de agredir o património de terceiros (penhor ou hipoteca, por ex., constituídos por terceiro: artºs 666º, nº 1 e 668º). Através do poder de disposição (Verfügungsmacht ou Verfügungsbefugnis, como lhe chamam os autores alemães) que, em princípio, integra todos os direitos patrimoniais, o credor pode utilizar o valor económico do seu direito ( antes mesmo do vencimento da obrigação), quer como objecto de alienação ou oneração (vendendo-o, trocando-o, cedendo-o em usufruto se ele produzir quaisquer frutos civis), quer como instrumento de crédito (dando-o como garantia ao seu próprio credor). O crédito é, por conseguinte, um objecto do comércio jurídico como qualquer outro direito patrimonial» Tudo quanto exposto se deixou é largamente suficiente para se demonstrar que não foi, portanto, qualquer liberalidade a celebrada pela Autora, antes um negócio jurídico oneroso, com bem havia sido decidido pela 1ª Instância. Note-se que a Relação deu como adquirido que houve liberalidade, fazendo considerações diversas sobre o alegado pela Autora, designadamente afirmando que «ficamos, assim, a saber que mediante o mencionado contrato, o 2.º R., que representava a A., quis assumir a obrigação para esta de pagar os créditos do Banco sobre as outras Rés, o que seria feito mediante a dação em pagamento de prédios da A» e, mais adiante, que «... e tanto não estava previsto qualquer pagamento a efectuar pelas 3.ª e 4.ª Rés à A. pela assunção da dívida feita por esta, que os 2.º, 3.ª e 4.ª RR, dizem que através da mesma a A. quis pagar parte do que devia ao 2.º R., pelos suprimentos que este lhe fizera. Assim, o pagamento à A. estava fora do esquema do negócio celebrado. Não há, pois, dúvida que aquilo que se pretendeu foi que a A. assumisse a dívida das outras Rés ao 1.º R. Banco». Ora além de no acervo factual apurado e definitivamente fixado, nada constar relativamente aos suprimentos referidos no acórdão recorrido e que a Autora teria alegadamente querido pagar, os factos provados nºs 31º e 32º não traduzem «a se» uma assunção de dívida, pelas razões já abundantemente explanadas, mas uma vinculação a pagar uma dívida ao Banco, gerada pela aquisição do crédito que foi cedido. É que o contrato de compra e venda que subjaz à cessão de créditos pactuada entre a Autora e o Banco Réu, rectius, o Banco antecessor do ora Réu, também gerou uma dívida, a dívida do pagamento do preço que foi extinta mediante a falada dação em cumprimento. Em suma, nada na factualidade provada demonstra ter havido qualquer liberalidade por banda da Autora. III- Da arguida nulidade do referido contrato Porque a factualidade provada não integra qualquer liberalidade, visto que não houve assunção de dívida, mas cessão onerosa de créditos, nenhuma nulidade inquina o referido negócio jurídico celebrado, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido. Como bem refere o Banco recorrente, «não estamos perante um qualquer negócio gratuito, mas sim perante um negócio oneroso, no qual foi fixado um preço adequado ao valor económico do direito vendido, preço esse que veio a ser efectivamente pago. Por outro lado, a recorrida, como contrapartida do pagamento desse preço, viu integrar o seu património os créditos vendidos, que tinham também um valor económico equivalente e que podiam ser cobrados junto dos seus devedores. Não ficou demonstrado que esses créditos eram incobráveis, ou que a aquisição dos mesmos se traduziu, por qualquer outra forma, num prejuízo para a Recorrida, sendo certo que competia a esta o ónus da prova de tal matéria». Não são necessárias mais aturadas considerações para se aquilatar que inteira razão assiste ao Banco recorrente, dado que a arguição da nulidade que a Recorrida pretende ver declarada – mas sem que tenha logrado provar, como era seu ónus, os respectivos pressupostos – improcede fatalmente. Com efeito, não houve qualquer liberalidade, nem houve qualquer «prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades» nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 6º do Código das Sociedades Comercias. Outrossim, não logrou a Autora fazer prova da insolvência ou, sequer, da difícil situação económico-financeira das sociedades suas devedoras, por força da falada cessão de créditos. É dizer, como bem acentua o Recorrente, que não logrou provar a impossibilidade ou, sequer, a dificuldade, de cobrar o referido crédito. Finalmente, sempre se dirá que o facto provado nº 34º, constante do acervo factual apurado, não constitui qualquer violação legal, muito menos com eficácia relativamente a terceiros, pois provado vem que a sociedade se obrigava pela assinatura de um gerente, nomeadamente na alienação, oneração, aquisição e locação de bens móveis e imóveis ( facto provado nº 25). Em face do quanto amplamente exposto se deixa, julga-se procedente o recurso interposto, o que determina a revogação do Acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1ª Instância, embora com a motivação ora expressa, que absolveu os Réus da instância. DECISÃO Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a Revista, revogando-se o Acórdão da Relação recorrido e repristinando-se, embora com a argumentação ora expressa, a sentença da 1ª Instância que absolveu os Réus da instância. Custas pela Recorrida. Processado e revisto pelo Relator. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Fevereiro de 2011
Fernando Bento Bettencourt de Faria _______________________________________ (2) Como é sabido, na relação jurídica obrigacional «sujeitos das obrigações são as pessoas entre as quais se estabelece a referida relação: sujeito activo – o credor – e sujeito passivo – o devedor» (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª ed., pg. 34) (3) FERNANDO A. CUNHA E SÁ, Transmissão das Obrigações, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, 2007, pg. 837. (4) M.LEITÃO, Cessão de Créditos, Almedina,2005, pg. 285. |