Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
267/2001.E2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
REGISTO COMERCIAL
ANULABILIDADE
FIRMA
DENOMINAÇÃO SOCIAL
NOME DO ESTABELECIMENTO
INSÍGNIA DO ESTABELECIMENTO
CADUCIDADE
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI
ANALOGIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA, EM PARTE, A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - NOMES OU INSÍGNIAS - REGISTO DA MARCA OU DE DIREITOS DELE DERIVADOS / EFEITOS DO REGISTO / EXTINÇÃO DO REGISTO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI.
Doutrina:
- Américo da Silva carvalho, Direito das Marcas, página 481 e seguintes.
- Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 202.
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 6ª Edição, página 409.
- Couto Gonçalves, Direito das Marcas, Almedina 2000, página 169.
- Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11ª Edição, página 262.
- Luís Alberto de Carvalho Fernandes, “A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 63, 2003, página 137.
- Luís Couto Gonçalves, Direito das Marcas, Almedina 2000, página 172.
- Manuel de Andrade, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis – Interpretação e Aplicação das Leis, página 158.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Volume I, 4ª edição, página 59.
- Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103, página 235, em nota.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, N.º3, 287.º, 1303.º.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI) / 1995: - ARTIGOS 5.º, N.º4, 214.º, N.º5.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/07/2008, PROCESSO N.º 2944/07, 7.ª SECÇÃO;
-DE 12/03/2009, PROCESSO N.º 09B0369;
AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A existência de erro de julgamento não se confunde com a contradição silogística entre os fundamentos e a decisão, esta sim causa de nulidade do acórdão.

II - O CPI de 1995 prevê expressamente, no art. 5.º, n.º 4 e no art. 214.º, n.º 5, um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do registo de firma ou denominação social e do registo da marca.

III - Não prevendo esse mesmo código norma específica sobre o prazo para a instauração de acção de anulação do registo de um nome ou insígnia, é de concluir, não pela sua invocabilidade a todo o tempo, mas pela existência de uma lacuna na lei, a ser integrada de acordo com o disposto no art. 10.º do CC.

IV - Existindo no CPI de 1995 um regime específico – constante do art. 214.º, no qual se inclui o prazo para a propositura da acção de anulação de marcas como sendo de 10 anos – é de aplicar analogicamente este mesmo prazo para as acções de anulação do nome ou insígnia, ao invés de recorrer à analogia com o art. 287.º do CC.

V - Com efeito, o nome e a insígnia, à semelhança do que ocorre com a firma ou denominação social, marca, logótipo e denominação de origem, incluem-se no grupo dos sinais distintivos do comércio.

VI - Assim sendo, se a marca possui uma natureza semelhante ao nome e insígnia do estabelecimento, devem os respectivos regimes jurídicos ter um tratamento igual, nomeadamente para efeitos de prazo de propositura de acção de anulação.

VIII - Esta intenção do legislador resultou reforçada com o CPI de 2003 que, suprindo a lacuna existente no código de 1995, estabeleceu idêntico prazo de 10 anos para todos os sinais distintivos do comércio.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 7ª Secção:



1.

AA intentou, em 18/05/2001, acção de condenação contra Hidra - Indústria de Plásticos, S.A., formulando os seguintes pedidos:

a) – A anulação da firma ou denominação social da sociedade ré, nos termos e para os efeitos do artigo 5º, nº 3 do Código da Propriedade Industrial (doravante CPI) e cancelado o respectivo registo na competente Conservatória do Registo Comercial;

b) – Ser declarada a ilicitude do uso da expressão “Hidra” por parte da Ré;

c) – A condenação da sociedade ré a abster-se de usar a expressão “Hidra”, ou qualquer outra com esta confundível, sob toda e qualquer forma, na sua actividade comercial;

d) – Anulação do registo das marcas nacionais nº 280.964 “HIDRA” e nº 280.965 “HIDRA”;

e) - Anulação do registo da insígnia de estabelecimento nº 9492 “HIDRA”.


Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que autora é uma empresa alemã que se dedica ao fabrico e comercialização de tubos de metal e de outros adequados à substituição de metal.

Nesse âmbito, em Portugal, é titular do registo da marca internacional nº 2R 224 148 “HYDRA”, concedida por despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 04/08/1960, que se destina a assinalar produtos incluídos na classe 6ª da Classificação Internacional de Nice, aprovada nos termos do artigo 6º do Decreto-lei nº 176/80, de 31/05, nomeadamente “tubagens flexíveis em metal”.

É ainda titular da marca internacional nº R 344 963 “HYDRA”, concedida por despacho do INPI de 15/11/1969, que se destina a assinalar diversos produtos incluídos nas classes 6ª e 17ª da Classificação Internacional de Nice, nomeadamente “tubos e tubagens flexíveis”.

E é ainda titular da marca internacional nº R 390 799 “HYDRA”, concedida em Portugal por despacho do INPI de 19/09/1973, que se destina a assinalar diversos produtos incluídos nas classes 6ª, 11ª, 17ª e 19a da Classificação Internacional de Nice, nomeadamente “tubos e tubagens flexíveis”.

Tais marcas caracterizam-se pelo sinal exclusivamente nominativo “HYDRA”, que distingue os respectivos produtos.

Entretanto, veio a autora a tomar conhecimento que, conforme publicação no Diário da República, III Série, nº 198, de 29/08/1991, foi requerido, em 21/05/1991, o registo de constituição da sociedade ré, que adoptou a denominação social de “Hidra - Indústria de Plásticos, L.da” e que, conforme publicação no Diário da República, III Série, nº 31 de 6/02/2001, foi requerido, em 9/01/2001, registo da transformação da sociedade ré em sociedade anónima, passando a denominação social de “HIDRA - Indústria de Plásticos, S.A”.

Segundo o pacto social da sociedade ré, esta tem por objecto social “a fabricação de acessórios de plástico para a construção”, tendo sede social em Casais da Lagoa, concelho de Azambuja, e podendo a administração “criar estabelecimentos, sucursais, delegações ou quaisquer formas de representação social, bem como deslocar a sede social”.

Veio ainda a tomar conhecimento de que a sociedade ré, em 4/03/1992, havia requerido a protecção da marca nacional nº 280.964 “HIDRA”, a qual veio a ser concedida por despacho do INPI de 29/10/1993, destinada a assinalar os seguintes produtos da classe 17ª da Classificação Internacional de Nice: “tubos flexíveis não metálicos, partes e acessórios para os mesmos (não incluídos noutras classes)” e da marca nacional nº 280.965 “HIDRA”, a qual veio a ser concedida por despacho do INPI de 29/10/1993, destinada a assinalar os seguintes produtos da classe 19ª da Classificação Internacional de Nice: “tubos rígidos não metálicos, partes e acessórios para os mesmos (não incluídos noutras classes)”.

A ré requereu ainda na mesma data o registo de insígnia nº 9492 “HIDRA”, que foi concedido por despacho do INPI de 04/11/1993.

A designação da denominação social da ré e das marcas e sigla, por ela registadas, violam gravemente os direitos da autora, decorrentes dos seus registos internacionais.


A Ré contestou, invocando a prescrição do direito da autora, a inexistência do direito de anulação do registo da marcas nacionais nº 280.964 e nº 280.965, a caducidade derivada da falta de renovação da concessão dos registos, a caducidade do direito da autora, pelo decurso do prazo de 5 anos, a contar do conhecimento dos factos pela autora, nos termos do artigo 215º do Código da Propriedade Industrial, a existência de consentimento da autora e bem assim o não uso da marca por parte da autora – e defendendo-se ainda por impugnação.


Replicou a autora, pugnando pela improcedência das excepções invocadas.


No despacho saneador, foi relegado para a decisão final o conhecimento das excepções invocadas.


O Tribunal de 1ª Instância proferiu sentença, julgando a acção procedente e, em consequência, decidiu:

a) - A anulação do registo da firma “Hidra - Indústria de Plásticos, S.A”, da ré, com o seu consequente cancelamento, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas e no Registo Comercial;

b) – A anulação dos registos das marcas nº 280.964 “HIDRA” e nº 280.965 “'HIDRA”, ambas da ré;

c) – A anulação do registo da insígnia nº 9492 “HIDRA” da ré;

d) – E condenou a ré a abster-se de usar, sob toda e qualquer forma, no exercício da sua actividade, o sinal “Hidra”.


A Ré apelou para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 9/10/2014, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e, com base na invocada excepção de caducidade, que julgou verificada, decidiu absolver a ré / apelante dos pedidos que haviam sido formulados contra ela.


Desta decisão recorre a Autora para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1ª - Está em causa o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que revogou integralmente a sentença do Tribunal Judicial do Cartaxo que havia decretado a anulação do registo da firma "HIDRA - INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS, S.A.", a anulação dos registos das marcas nº 280964 "HIDRA" e nº 280965 "HIDRA" e a anulação do registo da insígnia nº 9492 "HIDRA", e ainda condenado a Ré a abster-se de usar, sob toda e qualquer forma, no exercício da sua actividade, o sinal "HIDRA" (A).

2ª - As questões que cumpria ao Tribunal da Relação de Évora conhecer no recurso de apelação eram: (i) a caducidade do direito da Autora em propor a presente ação de anulação; (ii) a caducidade das marcas da Apelada por não renovação e por falta de uso; e (iii) a inexistência de confusão entre os produtos (B).

3ª - O Tribunal da Relação de Évora julgou verificada a exceção da caducidade do direito da Autora e considerou prejudicado o conhecimento das restantes duas questões (C).

4ª - Na fundamentação da sua decisão, o Tribunal da Relação de Évora refere que não existe no CPI de 1995, (aplicável caso dos autos), um norma a estabelecer prazo para a instauração das acções de anulação de registo, pelo que estamos perante uma lacuna que tem que ser resolvida por analogia, nos termos do artigo 10º do Código Civil. Em apoio da sua fundamentação, o Tribunal da Relação de Évora transcreveu partes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/03/2009, em que é relator o Sr. Conselheiro Oliveira Vasconcelos (disponível para consulta em www.dgsi.pt), onde se concluiu que no âmbito do CPI de 1995 o prazo para a propositura da ação de anulação do nome de estabelecimento é o prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil (D).

5ª - Nestes autos está essencialmente em causa a anulação de uma firma ou denominação social, a anulação de duas marcas e a anulação de uma insígnia (E).

6ª - Como resulta do próprio sumário, o Acórdão do STJ de 12/03/2009 refere-se apenas ao prazo para a propositura da acção de anulação de um nome de estabelecimento (F).

7ª - O que aliás é facilmente perceptível porque, em relação ao prazo para a propositura da acção de anulação da firma ou da marca, não há qualquer lacuna no CPI de 1995, que prevê expressamente, nos artigos 52º nº 4 e 214º, n.º 5, um prazo de 10 anos para o efeito (G).

8ª - Acontece que, sem qualquer suporte na fundamentação da sua decisão, o Tribunal da Relação de Évora decidiu absolver a Ré de todos os pedidos, ou seja, não apenas do pedido de anulação da insígnia de estabelecimento n.º 9492 "HIDRA", mas também dos pedidos de anulação da firma ou denominação social "HIDRA - INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS, S.A." e de anulação do registo das marcas nacionais nº 280964 "HIDRA" e nº 280965 "HIDRA" (H).

9ª - Estamos perante uma manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão final proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, que implica a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c), aplicável ex vi do artigo 674º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil (I).

10ª - O Tribunal da Relação de Évora refere que o CPI de 1995 não prevê uma norma a estabelecer prazo para a instauração das ações de anulação de registo, mas a verdade é que nesse Código está expressamente previsto um prazo de 10 anos para a propositura da ação de anulação da firma ou denominação social e da marca, o que é confirmado no próprio Acórdão do STJ de 12/03/2014 (alínea J).

11ª - Por conseguinte, não existe qualquer lacuna sobre o prazo de propositura de uma ação de anulação de firma ou denominação social ou de anulação do registo da marca no âmbito do CPI de 1995 e, por isso, não se torna obviamente necessário fazer a respectiva integração através de um caso análogo (K).

12ª - O Tribunal “a quo” fez uma incorreta aplicação do disposto nos artigos 10º e 287º do Código Civil aos pedidos de anulação da firma ou denominação social Hidra – Indústria de Plásticos, S.A. e de anulação das marcas nacionais nº 280964 HIDRA e nº 280965 HIDRA (L).

13ª - Estando assente que a constituição da sociedade “Hidra – Indústria de Plásticos, L.da" ocorreu em 21 de Maio de 1991; que os despachos de concessão dos registos das marcas nacionais nº 280964 “HIDRA" e nº 280965 “HIDRA" datam de 29 de Outubro de 1993; e que a presente acção foi intentada no dia 18 de Maio de 2001, conclui-se que não se verifica a caducidade do direito da Autora em pedir a anulação desses registos no âmbito da presente acção e que o Tribunal da Relação de Évora errou, ao absolver a Ré desses dois pedidos (M).

14ª - Sem prejuízo, dir-se-á ainda que não é correcta a aplicação analógica do prazo geral de um previsto no artigo 287º do CC à propositura da acção de anulação de um nome ou insígnia de estabelecimento no âmbito do CPI de 1995 (N).

Vejamos:

15ª - É certo que o CPI de 1995 não prevê qualquer prazo para a instauração da acção de anulação de um nome ou insígnia de estabelecimento mas prevê expressamente um prazo de 10 anos para se instaurar a acção de anulação da firma ou denominação social ou de anulação do registo de uma marca (O).

16ª - Estamos perante um caso omisso, que tem que ser regulado, com recurso à analogia, de acordo com o disposto no artigo 10º do Código Civil (P).

17ª - No entender do Tribunal “a quo”, a integração desta lacuna, por analogia, deverá ser feita por referência ao prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil e não por referência ao prazo de 10 anos estabelecido nos artigos 5º, nº 4 e 214º nº 5 do CPI de 1995 para a proposição de acções de anulação da firma ou denominações sociais e da marca. Mas esse entendimento não merece colhimento pelas seguintes razões (Q).

18ª - Em primeiro lugar, porque o artigo 10º do Código Civil estabelece que o caso omisso deve ser regulado segundo a norma aplicável aos casos análogos, ou seja, aos casos que sejam afins ou semelhantes (R).

19ª - Portanto, deve-se garantir um tratamento igual em casos semelhantes para evitar uma dissonância no sistema jurídico (S).

20ª - Ora, o nome e a insígnia de estabelecimento são sinais que visam assinalar, individualizar e distinguir um determinado estabelecimento comercial, sendo também considerados sinais distintivos de empresas em sentido amplo, tal como o logótipo, e incluem-se nos denominados "sinais distintivos de comércio", de que também fazem parte a firma ou denominação social, a marca, o logótipo, a denominação de origem e a indicação geográfica (T).

21ª - A marca, (tal como a firma ou denominação social), possui uma natureza muito semelhante ao nome e à insígnia de estabelecimento, devendo os respectivos regimes jurídicos ter um tratamento igual, tal como o próprio CPI de 1995 já previa em alguns aspectos (cfr. artigo 231º, nº 1, aIínea e) quanto às excepções à protecção e artigo 268º, n.º 2 quanto à violação do nome e insígnia) (U).

22ª - Havendo casos análogos já devidamente regulamentados no CPI de 1995 quanto ao prazo para a propositura da acção de anulação, (concretamente quanto à marca e quanto à firma ou denominação social), não faz qualquer sentido aplicar a norma geral prevista no artigo 287º do Código Civil ao prazo para a propositura da acção de anulação do nome ou insígnia de estabelecimento (V).

23ª - Aliás, sendo o artigo 287º do Código Civil uma norma de carácter geral, ele não deverá por natureza ser aplicado por analogia, mas sim e apenas a título subsidiário (W).

24ª - Em segundo lugar, o prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do nome ou insígnia de estabelecimento veio a ser estabelecido no CPI de 2003, que sucedeu ao CPI de 1995 (vide artigo 299º, n.º 2 do CPI de 2003) (X).

25ª – O CPI de 2003 veio esclarecer qual era a verdadeira intenção do legislador, ao estabelecer um prazo uniforme de 10 anos em relação à anulação de todos os sinais distintivos do comércio (firma ou denominação social, marca, nome ou insígnia de estabelecimento, logótipo e denominações de origem ou indicações geográficas), e deve servir como fonte de interpretação de situações jurídicas anteriores (Y).

26ª - Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 10º do Código Civil, "o primeiro recurso estabelecido na lei para disciplinar o caso omisso é o da norma aplicável a casos análogos - norma essa que pode estar contida numa lei posterior” (Z).

27ª - Ao contrário do afirmado no Acórdão do STJ de 12/03/2009 há razões mais do que justificativas para que todos os sinais distintivos do comércio sejam tratados da mesma maneira e possuam um regime igualitário quanto ao prazo para a instauração de ações de anulação de registo (AA).

28ª - Há apenas que fazer a distinção entre os sinais distintivos do comércio (firma ou denominação social, marca, nome ou insígnia de estabelecimento, logótipo e denominações de origem ou indicações geográficas) e os direitos de índole tecnológica (patentes, modelos de utilidade e desenhos ou modelos), dada a sua diferente natureza e regime jurídico, sendo essa a razão para a inexistência de um prazo geral de arguição da anulabilidade no CPI (BB).

29ª - Os sinais distintivos do comércio não possuem prazos máximos de vigência e, por isso, só podem ser anulados no prazo de 10 anos a contar da concessão. Os direitos de índole tecnológica têm um prazo máximo de vigência (20 anos para a patente, 10 anos para o modelos de utilidade e 25 anos para os desenhos ou modelos) e por isso podem ser anulados a todo o tempo (CC).

30ª - Em terceiro lugar, mesmo que se considere que não existe um caso análogo para integrar esta lacuna, (o que apenas de admite por mera cautela), a situação deve ser resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, nos termos do artigo 10º, n.º 3 do Código Civil, e nunca pela aplicação do disposto no artigo 287º do Código Civil (DD).

31ª - Pelas razões acima apontadas, o intérprete estabeleceria certamente um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do nome ou insígnia de estabelecimento, como veio a ser estabelecido no CPI de 2003 (EE).

32ª - Se assim não fosse, criar-se-ia uma situação absurda em que a firma ou denominação social e a marca podiam ser anuladas num prazo de 10 anos, ao passo que o nome ou insígnia de estabelecimento só podia ser anulado num prazo de 1 ano, em violação do princípio da segurança jurídica e da tutela dos legítimos direitos de terceiros (FF).

33ª - Em quarto lugar, o próprio Código Civil refere no artigo 1303º que a propriedade industrial deve ser tratada autonomamente em regime próprio e que as disposições do Código Civil devem apenas ser aplicadas subsidiariamente à propriedade industrial quando se harmonizem com a natureza desses direitos (GG).

34ª - Portanto, o próprio Código Civil dá a entender que as lacunas existentes no seio da propriedade industrial devem ser integradas e regulamentadas no âmbito da legislação própria da propriedade industrial (HH).

35ª - Em face do exposto, ao contrário do que considerou o Tribunal “a quo”, no âmbito do CPI de 1995, o prazo para a propositura da acção da anulação da insígnia de estabelecimento é de 10 anos a contar da data do despacho de concessão do registo, por aplicação analógica do regime previsto no mesmo Código em relação à firma ou denominação social e em relação à marca (II).

36ª - Tendo o registo da insígnia de estabelecimento nº 9492 "HIDRA" sido concedido em 4 de Novembro de 1993 e tendo a presente ação sido instaurada no dia 18 de Maio de 2001, conclui-se que não se verifica a caducidade do direito da Autora em pedir a anulação dessa insígnia no âmbito da presente ação e que o Tribunal da Relação de Évora errou ao absolver a Ré desse pedido (JJ).

37ª - Em conclusão, o Acórdão recorrido não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 10º, 287º e 1303º do Código Civil e nos artigos 52º, n.º 4 e 214º, n.º 5 do CPI de 1995 (KK).


Contra – alegou a Ré, formulando as seguintes conclusões:

1ª – Começar-se-á por dizer, a título prévio, que a lei determina que as alegações de recurso devam terminar com umas conclusões sintéticas, (contendo a indicação dos fundamentos pelos quais se pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida).

2ª - Tal comando não foi respeitado pela recorrente, em termos de síntese, sobretudo se tivermos em conta que as suas conclusões de recurso se estendem ao longo de sete páginas, englobando, inclusive, citação de jurisprudência já referida nas próprias alegações), o que torna sempre mais difícil a percepção e apreensão dos assuntos ou questões objecto de recurso a apreciar.

3ª - Feito este reparo, e quanto à nulidade invocada pela autora recorrente - que não existe - porque só ocorre quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto.

4ª - Calcorreando a decisão em apreço afigura-se-nos que todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente se encontram clara e inequivocamente enunciados. Não existem nem contradição nem ilogicidade.

5ª - O que é patente é que a apelante não concorda com o sentido decisório a final extraído, mas o que não pode é apontar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.

6ª - Toda a fundamentação acolhida e aduzida no Acórdão recorrido apontava logicamente no sentido da improcedência da acção, pela procedência da excepção da caducidade, sentido esse que veio a ser acolhido na decisão em causa, pelo que é incontroverso que o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir que, a esse propósito, não ocorreu qualquer construção viciosa da sentença.

7ª - Deste modo e afastada a nulidade alegada, temos que o único e exclusivo tema a discutir se centra na caducidade ou não do direito da autora, pugnando-se uma vez mais, tal como acolhido pela decisão recorrida, que a indicada excepção se verifica.

8ª - Com efeito, e, ao contrário do que acontece com o actual Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei 36/03, de 05.03 - em que se prevê, no nº 2 do artigo 299º, o prazo de 10 anos para a instauração da acção de anulação de registo de um nome comercial - no Código de 1995, aplicável ao caso - não existe qualquer norma que preveja qualquer prazo para o efeito.

9ª – Existirá, assim, uma lacuna, a preencher, também de acordo com o Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 10º do Código Civil, "segundo a norma aplicável aos casos análogos".

10ª - Para haver uma lacuna legislativa, a ser integrada de acordo com os critérios estabelecidos no referido artigo 10º, necessário é que não haja uma regulamentação jurídica sobre a matéria, ou seja, que haja um caso que “a lei não preveja”.

E, considerando a ré estar-se perante um caso omisso, de uma lacuna da lei, tem- se, pois, de proceder à correspondente integração, com recurso à analogia, de acordo com o disposto no artigo 10º do Código Civil.

11ª - E para o efeito, terá de ser considerado o prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil. Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao citado artigo 10º, "o primeiro recurso estabelecido na lei para disciplinar o caso omisso é o da norma aplicável a casos análogos - norma essa que pode estar contida numa lei posterior". Assim e para o que interessa ao caso concreto, ao passo que o nome de um estabelecimento tem por função individualizar um estabelecimento, entendido este como urna unidade técnica de venda, de produção ou de fornecimento de serviços, a marca identifica os produtos ou serviços resultantes determinada actividade e a firma individualiza a pessoa do dono do estabelecimento.

12ª - E sem prejuízo de serem categorias judiciais diferentes e distintas, cada uma com a sua função própria, também não se impõe qualquer regime geral e igualitário para todos os direitos de propriedade industrial, nomeadamente quanto ao prazo para instauração de acções de anulação de registo.

13ª - E tanto é assim que no actual Código da Propriedade Industrial, acima referido e que sucedeu ao de 1995, continua a não se prever qualquer norma geral sobre o prazo de arguição da anulabilidade, o que só pode significar que continuou a entender-se que a questão é remetida para a disciplina própria de cada um dos direitos e, na sua omissão, se devia recorrer ao regime comum da anulabilidade, previsto no artigo 287º do Código Civil.

14ª - Eis porque, no domínio do Código da Propriedade Industrial actual, a existência de um prazo de 10 anos para se instaurar a acção de anulação do registo de uma marca não oferece dúvidas, uma vez que estabelecida no nº 2 do artigo 299º do mesmo Código, conforme já ficou referido. E no domínio do Código da Propriedade Industrial de 1995, face à ausência desse prazo - quer no plano geral, quer no plano da disciplina do nome de estabelecimento - se impõe o recurso ao regime comum do Código Civil.

15ª – É, pois, de concluir, que a acção da Autora deveria ter sido intentada no prazo de um ano a contar da publicação do registo que se pretendia anular - Não o tendo feito nesse prazo, caducou o direito da autora de instaurar a acção, e, nessa conformidade, tal qual resulta do acórdão recorrido, temos que: "Independentemente da questão de se saber em que data é que se inicia a contagem de tal prazo, certo é que resultou provado (nº 15 dos factos provados) que "A autora apenas teve conhecimento do uso pela ré das marcas e insígnia referidas em 9) e 10) aquando da notificação referida em 11)" ou seja, em 24/02/2000. Assim uma vez que a acção apenas veio a ser intentada em 18/05/2001 verifica-se que, entretanto, já havia decorrido aquele prazo de caducidade de um ano".

16ª – Atentos tais considerandos, a que se adere de forma integral, nada existe a reparar no acórdão recorrido, que deverá ser mantido nos seus exactos termos.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

Atendendo ao conteúdo das conclusões das alegações da recorrente, que delimitam afinal o âmbito e o alcance do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

a) – Da contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida.

b) - Se a acção de anulação da firma ou denominação social da Ré e das marcas “Hidra” deve ser proposta dentro do prazo de 10 anos a contar da data do registo ou se, pelo contrário, deve ser proposta no prazo de um ano.

c) - Havendo caso omisso em relação ao prazo dentro do qual deve ser proposta a acção de anulação de um nome ou insígnia de estabelecimento, no âmbito do CPI de 1995, se a respectiva acção de anulação deve ser proposta dentro do prazo de 10 anos a contar da data do registo ou se, pelo contrário, deve ser proposta no prazo geral de um ano.


3.

Não tendo sido impugnada, considera-se assente a matéria de facto dada por provada na 1ª instância:

- A autora é uma empresa registada na Alemanha, cujo objecto consiste, além do mais, no fabrico e comercialização de tubos de metal, tubos flexíveis e todo o tipo de produtos metálicos e produtos de materiais de todo o tipo adequados para a substituição de metal.

2º - Por despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) de 4 de Agosto de 1960, foi concedido em Portugal o registo, a favor da autora, da marca internacional nº 2R 224 148 “HYDRA”, registada na Secretaria Internacional em 28 de Setembro de 1959, registo esse sucessivamente renovado em 28 de Setembro de 1979 e em 28 de Setembro de 1999, a qual se destina a assinalar produtos fabricados e comercializados pela autora, incluídos na classe 6ª da Classificação Internacional de Nice (aprovada nos termos do artigo 6º do DL nº 176/80, de 31 de Maio), nomeadamente “tubagens flexíveis em metal”, conforme os documentos de fls. 32-35, 89-95 e 163-165.

3º - Por despacho do INPI de 15 de Novembro de 1969, foi concedido em Portugal o registo, a favor da autora, da marca internacional nº R 344 963 “HYDRA”, registada na Secretaria Internacional em 20 de Março de 1968, registo esse renovado em 20 de Março de 1988, a qual se destina a assinalar diversos produtos fabricados e comercializados pela autora, incluídos nas classes 6ª e 17a da Classificação Internacional de Nice, nomeadamente, “tubos e tubagens flexíveis enganchados com garra, unidos por soldadura forte, soldados, colados, estirados sem soldadura e por extrusão, de parede simples e múltiplos em metais, incluindo ligas de metais, bem como tubos e tubagens flexíveis, onduladas, foles dos que se podem deformar e elásticos fabricados nesses materiais, particularmente para instrumentos de medição ou de regulação, para válvulas sem bucha e para outras armações para estancar, para compensação de dilatações de tubulações e para o amortecimento de vibrações, etc. Tubagens flexíveis, enroladas através de faixas profiladas em metais e incluindo ligas de metais igualmente para juntas; todos os produtos acima referidos igualmente com revestimentos e/ou envolvidos em metais e ligas de metais, borracha e sucedâneos da borracha e em matérias plásticas para estancar e de tomadas de reacções, de resistência química e de ajustamento da condução do calor e das constantes eléctricas e magnéticas. Platinas em arco ou deformadas, sob a forma cónica achatada com ou sem abertura central, igualmente com ondulações concêntricas (membranas) para o fabrico de caixas aneroides com uma ou mais câmaras, respectivamente foles com membranas tendo os bordos soldados, unidos, colados, engastados e aparafusados; caixas aneroides com várias câmaras, fabricadas a partir de tubagens estiradas sem soldadura pela formação de ondulações profundas e circulares”.

4º - Por despacho do INPI de 19 de Setembro de 1973, foi concedido em Portugal o registo, a favor da autora, da marca internacional nº R 390 799 “HYDRA”, registada na Secretaria Internacional em 7 de Julho de 1972, registo esse renovado em 7 de Julho de 1992, a qual se destina a assinalar diversos produtos fabricados e comercializados pela autora, incluídos nas classes 6ª, 11ª, 17a e 19a da Classificação Internacional de Nice, nomeadamente: Dispositivos de suportes e de suspensões deformáveis ou móveis para tubagens, particularmente suportes e suspensões variáveis e constantes, amortecedores de vibrações, rolamentos de rolos para tubagens e elementos de união para tubagens. Tubos para as obras públicas e para a construção, em especial tubos de cinta para cabos de protensão, tubos de molde perdido, tubos para molde de pilares; ancoragens e reforços de distância para moldes perdidos; todos os produtos acima citados em metais. Tubos e cintas de ventilação em metais e/ou borracha, sucedâneos da borracha ou em matérias plásticas. Dispositivos de suportes e de suspensões deformáveis ou móveis para tubagens, particularmente suportes e suspensões variáveis e constantes, amortecedores de vibrações, rolamentos de rolos para tubagens e elementos de união para tubagens; todos os produtos acima referidos em borracha e sucedâneos da borracha ou em matérias plásticas. Tubos para as obras públicas e para a construção, em especial tubos de cinta para cabos de protensão, moldes perdidos, tubos para o molde de pilares; ancoragens e reforços de distância para moldes perdidos; todos os produtos acima referidos em borracha e sucedâneos da borracha ou em matérias plásticas”.

5º - Em 21 de Maio de 1991 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Azambuja a constituição da sociedade ré, com a denominação social “HIDRA - Indústria de Plásticos, L.da”.

6º - Em 9 de Janeiro de 2001, foi requerido e efectuado, na Conservatória do Registo Comercial de Azambuja, o registo da sua transformação em sociedade anónima, com a denominação social “HIDRA - Indústria de Plásticos, S.A.”.

7º - A sede social da ré situa-se em Casais da Lagoa, Azambuja, podendo a administração criar estabelecimentos, sucursais, delegações ou quaisquer formas de representação social, bem como deslocar a sede social.

8º - A ré tem como objecto social a fabricação de acessórios de plástico para a construção.

9º - Em 4 de Março de 1992, a ré requereu a protecção das seguintes marcas nacionais:

a) - Marca nacional nº 280.964 “HIDRA”, a qual veio a ser concedida por despacho do INPI de 29 de Outubro de 1993, conforme publicação no Boletim Oficial da Propriedade Industrial de 29 de Abril de 1994, destinada a assinalar os seguintes produtos da classe 17ª da Classificação Internacional de Nice: “tubos flexíveis não metálicos, partes e acessórios para os mesmos, (não incluídos noutras classes)”;

b) - Marca nacional nº 280.965 “HIDRA”, a qual veio a ser concedida por despacho do INPI de 29 de Outubro de 1993, conforme publicação no Boletim Oficial da Propriedade Industrial de 29 de Abril de 1994, destinada a assinalar os seguintes produtos da classe 19ª da Classificação Internacional de Nice: “tubos rígidos não metálicos, partes e acessórios para os mesmos, (não incluídos noutras classes)”.

10º - Na mesma data, a ré requereu o registo da insígnia nº 9492 “HIDRA”, o qual foi concedido por despacho do INPI de 4 de Novembro de 1993, conforme publicação no Boletim Oficial da Propriedade Industrial de 31 de Maio de 1994. 

11º - Em 24 de Fevereiro de 2000, através do Agente Oficial da Propriedade Industrial, Engenheiro BB, a ré apresentou junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial uma reclamação contra a protecção em Portugal da marca internacional nº 715.212 “HYDRAGAS”, registada em nome da autora, invocando as suas marcas e insígnia registadas referidas em 9) e 10), conforme o documento de fls. 173-179, a qual foi notificada, por aquele Instituto, aos agentes da autora, “CC”, através do ofício datado de 10 de Março de 2000 e junto a fls. 180.

12º - A autora apresentou junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em 28 de Julho de 1994, 14 de Novembro de 2002 e 10 de Maio de 2002, as declarações de intenção de uso das marcas internacionais nº 2R 224.148, nº R 344.963 e nº R 390.799, respectivamente.

13º - A autora comercializou em Portugal produtos com as suas marcas registadas referidas em 2), 3) e 4), entre Dezembro de 1999 e Fevereiro de 2003, conforme as facturas juntas aos autos a fls. 212-216 e 252-283.

14º - A ré fabrica, comercializa e publicita em todo o país produtos com as marcas referidas em 9), desde a data do registo destas.

15º - A autora apenas teve conhecimento do uso pela ré das marcas e insígnia referidas em 9) e 10) aquando da notificação referida em 11).

16º - A presente acção foi instaurada no dia 18 de Maio de 2001, para os termos da qual a ré foi citada a 23 de Abril de 2002.   

 

4.

Da nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão:


A recorrente começa por suscitar a nulidade do acórdão, arguindo a contradição entre os fundamentos com a decisão [alínea c) do n.º 1 do artigo 615º], invocando os seguintes argumentos:

“O acórdão recorrido revogou integralmente a sentença que havia decretado a anulação do registo da firma "Hidra – Indústria de Plásticos, S.A.", a anulação dos registos das marcas nº 280964 "HIDRA" e nº 280965 "HIDRA" e a anulação do registo da insígnia nº 9492 "HIDRA", e que havia ainda condenado a Ré a abster-se de usar, sob toda e qualquer forma, no exercício da sua actividade, o sinal "HIDRA".

As questões que cumpria ao Tribunal da Relação conhecer no recurso de apelação eram (i) a caducidade do direito da Autora em propor a presente ação de anulação, (ii) a caducidade das marcas da Autora/Apelada por não renovação e por falta de uso e (iii) a inexistência de confusão entre os produtos.

A Relação julgou verificada a excepção da caducidade do direito da Autora e considerou prejudicado o conhecimento das restantes duas questões.

Na fundamentação da sua decisão, a Relação refere que não existe no CPI de 1995 (aplicável ao caso dos autos) um norma a estabelecer prazo para a instauração das acções de anulação de registo, pelo que estamos perante uma lacuna que tem que ser resolvida por analogia, nos termos do artigo 10º do Código Civil.

Em apoio da sua tese, a Relação transcreveu partes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/03/2009, (disponível para consulta em www.dgsi.pt), onde se concluiu que, no âmbito do CPI de 1995, o prazo para a propositura da acção de anulação do nome de estabelecimento é o prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil.

Nos presentes autos está essencialmente em causa a anulação de uma firma ou denominação social, a anulação de duas marcas e a anulação de uma insígnia.

Como resulta do próprio sumário, o acórdão do STJ de 12/03/2009 refere-se apenas ao prazo para a propositura da acção de anulação de um nome de estabelecimento.

O que não podia ser de outro modo, porque, em relação ao prazo para a propositura da acção de anulação da firma ou da marca, não há qualquer lacuna no CPI de 1995, que prevê expressamente, nos artigos 5º nº 4 e 214º, n.º 5, um prazo de 10 anos para o efeito.

Sem qualquer suporte na fundamentação da sua decisão, a Relação decidiu absolver a Ré de todos os pedidos, ou seja, não apenas do pedido de anulação da insígnia de estabelecimento n.º 9492 "HIDRA", mas também dos pedidos de anulação da firma ou denominação social "Hidra – Indústria de Plásticos, S.A." e de anulação do registo das marcas nacionais nº 280964 "HIDRA" e nº 280965 "HIDRA".

E daí, no entender da Recorrente, a manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão final proferida pela Relação.

Vejamos:

A contradição a que o preceito se refere é a que se verifica quando o juiz explana na sentença certos fundamentos que logicamente levariam a decidir num certo sentido, mas, em vez disso, a decisão envereda pelo sentido oposto ou, pelo menos, diferente. Trata-se, portanto, de um vício de raciocínio.

Ou seja, a nulidade ocorre quando a construção silogística da sentença é viciosa, isto é, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto.

Questão é, pois, saber se das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele terá extraído uma conclusão (decisão) oposta à que logicamente deveria ter extraído.

É evidente que, se alguma das premissas tidas como apuradas não é verdadeira, porque houve erro na sua apreciação, a conclusão terá necessariamente de ser falsa.

Contudo, nesse caso, não se poderá afirmar que há contradição entre os fundamentos e a decisão. Tratar-se-á de erro de julgamento, coisa distinta da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Como resulta da sua argumentação, a Recorrente salienta que o Tribunal da Relação, na fundamentação da sua decisão, refere que não existe no CPI de 1995 (aplicável caso dos autos) uma norma a estabelecer prazo para a instauração das acções de anulação de registo e daí a necessidade desta lacuna ter de ser resolvida por analogia, nos termos do artigo 10º do Código Civil, mas partiu da espécie para o género.

Com efeito, muito embora, nestes autos, não esteja, apenas, em causa a anulação de uma firma ou denominação social, mas também a anulação de duas marcas e a anulação de uma insígnia, a Relação ter-se-ia servido de um acórdão do STJ, que se circunscreve ao prazo para a propositura da acção de anulação de um nome de estabelecimento, concluindo, não obstante, a Relação que o prazo para a propositura da acção de anulação da firma ou da marca seria o mesmo da acção de anulação da insígnia.

E, assentando no pressuposto de que o prazo para a acção de anulação da insígnia é de um ano, considerou tal prazo aplicável, por analogia, às acções de anulação de marcas ou de firmas, sem que tivesse advertido que no CPI não se verifica qualquer lacuna, porquanto, nos artigos 52º nº 4 e 214º, n.º 5, se prevê, expressamente, um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação, seja da firma ou denominação, seja da marca.

Ou seja, tomando em consideração os argumentos da Recorrente, não se poderá concluir, ao contrário do que ela concluiu, que a fundamentação acolhida no acórdão apontava logicamente num sentido que não veio a ser acolhido na decisão.

Pelo contrário, toda a fundamentação acolhida e aduzida no acórdão recorrido aponta logicamente no sentido da improcedência da acção, pela procedência da excepção da caducidade, sentido esse que veio a ser acolhido na decisão em causa, pelo que é incontroverso que o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir que, a esse propósito, não ocorreu qualquer construção viciosa da sentença.

Sustentando a Recorrente que uma das premissas estava viciada, estaremos então perante erro de julgamento, o que adiante se apreciará, mas, como dissemos, a existência de erro não se confunde com a alegada contradição silogística entre os fundamentos e a decisão, pelo que a apontada nulidade não se verifica.

Improcede este segmento do recurso.


5.

Da caducidade do direito da Autora quanto aos pedidos de anulação da firma ou denominação social da Ré e das marcas “Hidra”.


Face ao que se deixou exposto, importa analisar se a absolvição da Ré quanto aos pedidos de anulação da firma ou denominação social “Hidra – Indústria de Plásticos, S.A.” e das marcas “Hidra” assentará num manifesto erro de julgamento.


Como se referiu, o recurso de apelação visava, além de outras questões, apreciar a alegada caducidade do direito da Autora em pedir a anulação do registo da firma ou denominação social “Hidra – Indústria de Plásticos, S.A.”, a anulação dos registos das marcas n.º 280964 “Hidra” e n.º 280965 “Hidra” e a anulação do registo da insígnia n.º 9492 “Hidra”.

A ré invocou, para além do mais, a caducidade do direito da autora – caducidade que, conforme se alcança da sentença, o tribunal da Comarca do Cartaxo considerou que se não verificava.

O acórdão recorrido, pelo contrário, julgou verificada a alegada excepção da caducidade do direito da Autora e absolveu a Ré de todos os pedidos, ou seja, para além do pedido de anulação do registo da insígnia “Hidra”, incluiu na absolvição os pedidos de anulação do registo da firma ou denominação social “Hidra – Indústria de Plásticos, S.A” e de anulação dos registos das referidas marcas “Hidra”.

Para fundamentar essa decisão, a Relação considerou, resumidamente, que não existe no CPI de 1995, aplicável ao caso sub judice, uma norma a estabelecer prazo para a instauração das acções de anulação do registo, devendo, por isso, aplicar-se, por analogia, o prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil para a propositura dessas acções.

Ou seja, referindo o Tribunal da Relação que o CPI de 1995 não prevê um prazo para a instauração das acções de anulação de registo, inculca a ideia de que aquele Código não particulariza o tipo de registo, abrangendo, por isso, o registo da firma ou denominação social, o registo da marca, o registo do nome e da insígnia de estabelecimento, o registo do logótipo, o registo da denominação de origem e o registo da indicação geográfica.


Porém, ao contrário do que refere o acórdão recorrido, o CPI de 1995 prevê, expressamente, no n.º 4 do artigo 5º e no n.º 5 do artigo 214º, um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do registo da firma ou denominação social e do registo da marca[1].

Ou seja, o CPI de 1995 só não prevê uma norma específica sobre o prazo para a instauração da acção de anulação do registo de um nome ou insígnia de estabelecimento.

Ora, não existindo um caso omisso na lei quanto ao prazo para a propositura da acção de anulação da firma ou denominação social bem como para a acção de anulação da marca, não se torna obviamente necessário fazer a respectiva integração através de um caso análogo.

O acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 10º do Código Civil quanto ao pedido de anulação da firma ou da denominação social da Ré e quanto à anulação do registo das marcas nacionais n.º 280964 “Hidra” e n.º 280965º “Hidra”.

Estando assente, por um lado, que a constituição da sociedade “Hidra – Indústrias de Plástico L.da” ocorreu em 21 de Maio de 1991 e que os despachos de concessão dos registos da marca nacional n.º 280964 “Hidra” e da marca nacional n.º 280965 “Hidra” datam de 29 de Outubro de 1993 e estando assente, por outro lado, que a esta acção foi intentada no dia 18 de Maio de 2001, ter-se-á de concluir que se não verifica a caducidade do direito da Autora em pedir a anulação desses registos no âmbito da presente acção.

Daí que, se a Relação decidiu, como se acaba de referir, tal circunstância ter-se-á ficado a dever ao erro em que laborou, ao considerar existir uma lacuna no CPI de 1995 e aplicar, por analogia, o prazo geral de um ano, previsto no artigo 287º do Código Civil, para a propositura da acção de anulação da referenciada firma ou denominação social assim como das marcas “Hidra” e ao absolver a Ré desses dois pedidos, olvidando o prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do registo da firma ou denominação social e do registo da marca, como previsto no n.º 4 do artigo 5º e no n.º 5 do artigo 214º, do CPI de 1995.


6.

Da caducidade do direito da Autora em pedir a anulação da insígnia de estabelecimento n.º 9492 “Hidra”.

Não se verificando a caducidade do direito da Autora em pedir a anulação da referenciada firma ou denominação social bem como das mencionadas marcas da Ré, cumpre apreciar separadamente a questão relativa à caducidade do direito da Autora em pedir a anulação da insígnia de estabelecimento n.º 9492 “Hidra”, o que pressupõe que, previamente, se indague se a Relação terá porventura também laborado em erro, como pretende a Recorrente, ao considerar que, inexistindo no CPI de 1995 uma norma a estabelecer um prazo para a instauração da acção de anulação do registo de um nome ou insígnia de estabelecimento, aplicou para esse efeito, por analogia, o prazo geral de um ano previsto no artigo 287º do Código Civil.


É certo que o CPI de 1995 não prevê qualquer prazo para a instauração da acção de anulação de um nome ou insígnia de estabelecimento. Não obstante, a falta de tal previsão não significa, necessariamente, que a anulabilidade pudesse ser invocada a todo o tempo. Nesse sentido se pronunciou o Acórdão deste STJ de 10/07/2008[2], sendo que, como aí se refere, era “a conclusão a que se chegava quer pela via da aplicação do regime geral constante do n.º 1 do artigo 287º do Código Civil (…), quer pela aplicação do prazo previsto para as marcas, no artigo 214º do Código da Propriedade Industrial, (…)”.

Nesse mesmo acórdão se sustenta que, “seja como for, a anulabilidade ali prevista era sanável, nomeadamente, pelo decurso do prazo de propositura da acção”.

Com efeito, não podemos esquecer que o Código da Propriedade Industrial distingue entre nulidade e anulação (impropriamente embora, pois que é de anulabilidade que se trata). E do regime geral da nulidade e da anulabilidade ressalta que, em geral, a anulabilidade é sanável (quer pelo decurso do prazo, quer por confirmação do interessado).

Assim, a primeira conclusão a tirar, concordando neste particular com o acórdão recorrido, é que a ausência de estipulação de prazo para a propositura da acção não pode significar que a mesma seja invocável a todo o tempo.


A questão está assim em saber qual, então, o prazo de propositura da acção de anulação de um nome ou insígnia de estabelecimento.

Estamos perante um caso omisso[3] que tem que ser regulado com recurso à analogia, de acordo com o disposto no artigo 10º do Código Civil.

Questão é, pois, saber se a integração desta lacuna, por analogia, deverá ser feita por referência ao prazo geral de um ano estabelecido no artigo 287º do Código Civil ou se por referência ao prazo de 10 anos estabelecido nos artigos 5º, n.º 4 e 214º, n.º 5 do CPI de 1995 para a propositura de acções de anulação da firma ou denominação social e da marca, como acima se referiu.


O artigo 10º do Código Civil estabelece o seguinte:

1 – Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2 – Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3 – Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Este preceito indica dois caminhos sucessivos quanto á integração das lacunas da lei: primeiro é o recurso à analogia[4]; depois, na falta desta, a adopção da norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar.

A analogia assenta na ideia de que os factos de igual natureza devem ter igual regulamentação e, se um desses factos já se encontra regulamentado, deverá ser essa regulamentação a governar os casos afins.

Para evitar uma dissonância no sistema jurídico, deve-se garantir um tratamento igual em casos semelhantes.

Como ensina o Prof. Galvão Telles[5], «o princípio imanente na analogia é este: ”ubi eadem ratio legis, ubi eadem eius dispositivo”, quer dizer, onde há a mesma razão de lei, aí deve haver a mesma disposição. Se a razão é a mesma nos dois casos, a mesma deve ser também a disposição».

Segundo Baptista Machado[6], “o recurso à analogia como meio de preenchimento de lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa, tradutora do princípio da igualdade (casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante)”.

Manuel de Andrade[7] sustenta também esta preocupação de igualdade no tratamento de situações semelhantes, ao afirmar “analogia é harmónica igualdade, proporção e paralelismo entre situação semelhantes”.


A questão está assim em saber onde encontrar a situação análoga: se no prazo geral do artigo 287º do Código Civil ou no artigo 214º do Código da Propriedade Industrial de 1995.

Em face do CPI/1995, escrevia Couto Gonçalves[8] que o regime das invalidades encontra-se repartido por um conjunto importante de normas genéricas válidas para todos os bens da propriedade industrial (artigos 32º a 35º do CPI).

Com efeito, do regime constante do CPI resulta, à partida, a adopção de um regime diferenciado de invalidade, que mais não faz do que a concatenação entre o valor da legalidade e o da protecção da confiança do titular da marca, em se tratando de conflito de valores individuais disponíveis[9].

Existindo um regime específico, no qual se incluiu o prazo para a propositura da acção de anulação de marcas, pergunta-se se fará sentido recorrer ao artigo 287º do Código Civil, como defendeu o acórdão recorrido.

O facto é que a grande maioria dos actos relativos ao direito de marca não constituem negócios jurídicos, a não ser por analogia[10] mas também é certo que o artigo 295º do Código Civil dispõe que “aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente”.

Ora, afigura-se-nos, na linha do referido por Luís Alberto de Carvalho Fernandes[11] que, ao aplicar-se a invalidade que o Código Civil constrói na perspectiva da função do negócio jurídico há-de ajustar-se à maneira de ser dos institutos em que passa a funcionar.

E é essa maneira de ser do instituto em causa que, a nosso ver, justifica que o caso análogo se encontre, não no artigo 287º do Código Civil, mas sim no artigo 214º do CPI/1995.

Aliás, conforme refere o Prof. Coutinho de Abreu[12], “o nome e a insígnia de estabelecimento[13] são sinais que visam assinalar, individualizar e distinguir um determinado estabelecimento comercial, sendo ambos também considerados sinais distintivos de empresas em sentido amplo, tal como o logotipo[14]”.

O nome e a insígnia de estabelecimento incluem-se no grupo dos chamados “sinais distintivos de comércio”, de que também fazem parte a firma ou denominação social, a marca, o logotipo, a denominação de origem e a indicação geográfica.

Exactamente por isso, dada a sua relevância no grupo, várias das normas do regime jurídico da marca[15] são aplicáveis, por remissão, aos demais sinais distintivos do comércio, tal como o nome e a insígnia de estabelecimento[16].

Se a marca, (tal como a firma ou denominação social), possui uma natureza semelhante ao nome e à insígnia de estabelecimento, os respectivos regimes jurídicos devem ter um tratamento igual, tal como o CPI de 1995 já previa expressamente em alguns aspectos (por exemplo, quanto às excepções à protecção e quanto à violação do nome e da insígnia)”.

“Por conseguinte, atendendo á natureza semelhante entre a firma ou denominação social, a marca e o nome ou insígnia de estabelecimento, e por uma questão de coerência da lei, deverá considerar-se aplicável, por analogia, o prazo de 10 anos, estabelecido no n.º 4 do artigo 5º e no n.º 5 do artigo 214º do CPI 1995, à hipótese do prazo para a propositura da acção de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento”.

Como acima se salientou, havendo casos análogos já devidamente regulamentados no CPI 1995 quanto ao prazo para a propositura da acção de anulação, (concretamente quanto á marca e à firma ou à denominação social), não faz sentido aplicar a norma geral, prevista no artigo 287º do Código Civil, ao prazo para a propositura da acção de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento.

Tratando-se de uma norma de carácter geral, este preceito não deverá por natureza ser aplicado por analogia, mas sim e apenas a título subsidiário.


Por outro lado, importará realçar que o nono CPI de 2003 veio regular nos n.os 2 e 3 do artigo 299º as particularidades do regime de anulação do nome ou insígnia de estabelecimento, que correspondem, no seu conjunto, ao n.º 4 do artigo 264º, quanto a marcas, cuja regulamentação reproduzem, estabelecendo, assim, o prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento (vide artigo 299º, n.º 2 CPI 2003).

Ou seja, o novo CPI manteve o prazo de 10 anos para a anulação da firma ou da denominação social (artigo 4º, n.º 5) e para a anulação da marca (artigo 266º, n.º 4) e estabeleceu idêntico prazo para a anulação do logotipo (artigo 304º) e para a anulação das denominações de origem i indicações geográficas (artigo 314º).

Não parece haver dúvidas que o CPI de 2003 veio esclarecer qual era a verdadeira intenção do legislador, ao estabelecer um prazo uniforme de 10 anos em relação à anulação de todos os sinais distintivos do comércio e deve servir como fonte de interpretação de situações jurídicas anteriores.

Pires de Lima e Antunes Varela[17], depois de salientarem que o primeiro recurso estabelecido na lei para disciplinar o caso omisso é o da norma aplicável aos casos análogos, referem, citando Vaz Serra[18], que essa norma pode estar contida numa lei posterior. “A analogia das situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei e não por obediência à mera semelhança formal das situações”.


Por outro lado, ainda que por mera hipótese se considerasse que não existe um caso análogo para integrar a referida lacuna, o outro caminho a percorrer seria o da adopção da norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Este preceito (artigo 10º, n.º 3) declara que o juiz decidirá segundo a norma que próprio criaria se houvesse de legislar, mas dentro do espírito do sistema.

Ora, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, pelas razões acima apontadas, o intérprete estabeleceria certamente um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento, como veio a ser estabelecido no CPI de 2003, e nunca pela aplicação do disposto no artigo 287º do Código Civil.

Se assim não fosse, resultaria numa situação absurda em que a firma ou a denominação social e a marca podiam ser anuladas num prazo de 10 anos, ao passo que o nome ou a insígnia de estabelecimento só podia ser anulado num prazo de um ano.


Finalmente, o próprio Código Civil refere no artigo 1303º que a propriedade industrial deve ser tratada autonomamente em regime próprio e que as disposições do Código Civil devem apenas ser aplicadas subsidiariamente à propriedade industrial quando se harmonizem com a natureza desses direitos.

Ou seja, como realça a Recorrente, o próprio Código Civil dá a entender que as lacunas existentes no seio da propriedade industrial devem ser integradas e regulamentadas no âmbito da legislação própria da propriedade industrial.

Assim, também segundo o disposto no artigo 1303º do Código Civil, não faz qualquer sentido aplicar o prazo geral de um ano previsto no artigo 287º do Código Civil para a propositura da acção de anulação do nome ou da insígnia de estabelecimento.


De tudo quanto se deixou exposto, entendemos, ao contrário do que considerou o Tribunal “a quo”, que, no âmbito do CPI de 1995, o prazo para a propositura da acção da anulação da insígnia de estabelecimento é de 10 anos a contar da data do despacho de concessão do registo, por aplicação analógica do regime previsto no mesmo Código em relação à firma ou denominação social e em relação à marca.

Tendo o registo da insígnia de estabelecimento nº 9492 "HIDRA" sido concedido em 4 de Novembro de 1993 e tendo a presente ação sido instaurada no dia 18 de Maio de 2001, conclui-se que não se verifica a caducidade do direito da Autora em pedir a anulação dessa insígnia no âmbito da presente acção, não tendo, por isso, o Tribunal da Relação de Évora feito, em nosso entender, a melhor interpretação da lei, ao absolver a Ré desse pedido

Exactamente, por isso, o acórdão recorrido, ao não ter feito uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 10º, 287º e 1303º do Código Civil e nos artigos 52º, n.º 4 e 214º, n.º 5 do CPI de 1995, não pode deixar de ser revogado.

Daí que, não acompanhando a solução dada pelo acórdão recorrido à questão da caducidade dos registos, importa que o Tribunal da Relação conheça das demais questões suscitadas na apelação e de que não conheceu, atendendo ao disposto no artigo 679º do Código de Processo Civil.


6.

I - A existência de erro de julgamento não se confunde com a contradição silogística entre os fundamentos e a decisão, esta sim causa de nulidade do acórdão.

II - O CPI de 1995 prevê expressamente, no artigo 5º, n.º 4 e no artigo 214º, n.º 5, um prazo de 10 anos para a propositura da acção de anulação do registo de firma ou denominação social e do registo da marca.

III - Não prevendo esse mesmo código norma específica sobre o prazo para a instauração de acção de anulação do registo de um nome ou insígnia, é de concluir, não pela sua invocabilidade a todo o tempo, mas pela existência de uma lacuna na lei, a ser integrada de acordo com o disposto no artigo 10º do Código Civil.

IV - Existindo no CPI de 1995 um regime específico – constante do artigo  214º, no qual se inclui o prazo para a propositura da acção de anulação de marcas como sendo de 10 anos – é de aplicar analogicamente este mesmo prazo para as acções de anulação do nome ou insígnia, ao invés de recorrer à analogia com o artigo 287º do Código Civil.

V - Com efeito, o nome e a insígnia, à semelhança do que ocorre com a firma ou denominação social, marca, logótipo e denominação de origem, incluem-se no grupo dos sinais distintivos do comércio.

VI - Assim sendo, se a marca possui uma natureza semelhante ao nome e insígnia do estabelecimento, devem os respectivos regimes jurídicos ter um tratamento igual, nomeadamente para efeitos de prazo de propositura de acção de anulação.

VIII - Esta intenção do legislador resultou reforçada com o CPI de 2003 que, suprindo a lacuna existente no código de 1995, estabeleceu idêntico prazo de 10 anos para todos os sinais distintivos do comércio.


7.

Decisão.

Pelo exposto, confirmando, parcialmente, a revista, revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que julgou verificada a exceção da caducidade do direito da Autora e considerou prejudicado o conhecimento das restantes duas questões, devendo, em consequência, o Tribunal da Relação conhecer das demais questões que julgou prejudicadas.


Custas pela recorrente e recorrida, na proporção de 1/6 e 5/6, respectivamente.


Lisboa, 15 de Abril de 2015

Manuel F. Granja da Fonseca (Relator)

António da Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira

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[1] Com efeito, determina o artigo 5º, n.º 4 do CPI de 1995, relativamente à firma ou denominação social, que “as acções de anulação decorrentes do disposto no número anterior, só são admissíveis no prazo máximo de 10 anos a contar da constituição da sociedade, salvo se forem propostas pelo Ministério Público”.
Por sua vez, estabelece o artigo 214º, n.º 5 do CPI de 1995, relativamente às marcas, que “as acções de anulação poderão ser propostas dentro do prazo de 10 anos, a contar da data do despacho de concessão do registo”.
[2] Proferido na Revista n.º 2944/07, 7ª Secção, de que foi Relatora a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza.
[3] Caso omisso é realidade diferente do simples caso não regulado, pois abrange apenas a situação que, sendo juridicamente relevante, não constitui objecto de nenhuma disposição legal – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 59.
[4] Analogia é a aplicação de um preceito jurídico estabelecido para certo facto a outro facto juridicamente relevante mas sem directa ou implícita regulação (caso omisso) e semelhante ao primeiro.
[5] Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11ª Edição, página 262.
[6] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 202.
[7] Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis – Interpretação e Aplicação das Leis, página 158.
[8] Direito das Marcas, Almedina 2000, página 169.
[9] Neste sentido, Luís Couto Gonçalves, Direito das Marcas, Almedina 2000, página 172.
[10] Neste sentido, Américo da Silva carvalho, Direito das marcas, página 481 e seguintes.
[11] A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 63, 2003, página 137.
[12] Curso de Direito Comercial, Volume I, 6ª Edição, página 409.
[13] Enquanto o nome de estabelecimento é um sinal nominativo que designa ou individualiza um estabelecimento, a insígnia de estabelecimento é o sinal figurativo ou emblemático individualizador de um estabelecimento, tendo ambos os sinais de comum a particularidade de visarem essencialmente distinguir o estabelecimento de outro ou outros estabelecimentos de tipo idêntico ou similar pertencentes a outro ou outros titulares.
[14] O logotipo constitui um sinal distintivo e característico adequado a referenciar qualquer entidade que preste serviços ou ofereça produtos. Pode ser constituído por letras, associadas ou não a desenhos, pelo que neles parece predominar o factor literal (vide artigos 246º e 247º do CPC 1995).
[15] Em termos genéricos, a marca consiste no sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor ou, dito de outro modo, um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços.
[16] Por exemplo, o artigo 231º, n.º 1, alínea e), relativo às excepções à protecção do nome de estabelecimento ou da insígnia de estabelecimento e o artigo 268º, n.º 2, relativo à violação de direitos do nome de estabelecimento ou da insígnia de estabelecimento, ambos remetem para o regime da marca.
[17] Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 59.
[18] Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103, página 235, em nota.