Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
436/16.5T8LRA.C1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / IMPUGNAÇÃO PAULIANA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Direito das Obrigações em geral, Vol. II, 7ª ed. p. 446;
- João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª ed., p. 175;
- Luís Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2ª edição, Almedina, p. 65 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 610.º, ALÍNEA B) E 611.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 470/08;
- DE 15 -01-2013, PROCESSO N.º 5044/07;
- DE 11-09-2018, PROCESSO N.º 10729/15, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I- A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial com que o credor conta contra actos do devedor que a afectam negativamente.

II- A procedência da impugnação pauliana exige que, do acto que dela é objecto, possa resultar a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou, pelo menos, o agravamento dessa impossibilidade.

III- Perante o preceituado no artº 611º do CCivil, ao credor basta fazer prova da existência e do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir a satisfação desse crédito.

IV- Desconhecendo-se o valor real do imóvel à data da futura venda, o facto de o imóvel alienado estar onerado com hipotecas anteriores, não afasta o requisito do prejuízo, previsto na alínea b) do artº 610º do CCivil.

Decisão Texto Integral:

          Acordam no Supremo Tribunal de Justiça       

 

        

          I- Relatório:

O “AA, S.A.”, com sede no …, intentou, em 5/02/2016, acção com processo comum, de impugnação pauliana, contra BB e “CC, LDA.”, com sede em ..., …, …, terminando o seu articulado inicial nos termos que ora se transcrevem:

“[…] deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência julgar procedente a impugnação da compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “…”, do prédio urbano inscrito actualmente na matriz sob o artigo … da união das freguesias de ..., ..., … e … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o 991/... pelo 1º Réu à 2ª Ré, declarando-se que o Banco Autor tem direito à restituição da referida fracção no que se mostrar necessário à integral satisfação do seu crédito, podendo executar o aludido bem no património da 2ª Ré, declarando ainda que o A. tem direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizadas por lei”.

 Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença, em 16/06/2017, na qual se consignou o seguinte:

[…] o Tribunal decide:

Julgar procedente, por provada, nos termos sobreditos, a presente ação e, em consequência:

“1. Declara-se a ineficácia, perante o Autor, da compra e venda titulada pela escritura pública outorgada em 18 de abril de 2013, no Cartório Notarial da …, da Notária DD, lavrada de fls. 105 a 106 do livro de notas nº 104-A, mediante a qual o 1º Réu, BB, declarou vender à 2ª Ré, CC, Lda., a fração autónoma designada pela letra “G”, primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela letra …, do prédio urbano sito na ..., Lote .., Rua …, freguesia e concelho de ..., inscrito atualmente na matriz sob o artigo … da união das freguesias de ..., ..., … e … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o …/...;

2. Declara-se que o Autor tem o direito de praticar sobre tal imóvel objeto desse negócio atos de conservação da garantia patrimonial e de o executar no património da 2ª Ré em cujo património esse bem ingressou;

3. Condenam-se os RR nas custas da ação, atento o seu decaimento.  […]”.

Desta sentença apelaram os Réus para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Do acórdão da Relação vieram os Réus BB e CC, Lda, interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.°, n.° 1, c), do CPC, por entenderem que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 26-2-13 e, além disso, invocaram, ainda, o relevo jurídico da questão.

O processo foi submetida à Formação a que alude o artº 672º, nº 3 do CPC, a qual admitiu a revista excepcional.

Os Apelantes formularam a seguintes conclusões de alegações:

“A- Nos fundamentos conducentes à alteração da decisão sobre a matéria de direito, em sede de recurso de apelação da douta sentença, os Recorrentes alegaram que o Tribunal a quo (leia-se, Tribunal de Primeira Instância) andou mal ao ter entendido que o requisito do prejuízo do instituto da impugnação pauliana se encontrava verificado, em razão de o imóvel em causa – cuja transmissão originou a impugnação pauliana – não fazer parte da garantia patrimonial do credor, em virtude de, no momento da constituição do crédito e aquando da transmissão, se encontrar onerado por duas hipotecas constituídas a favor do EE, para garantia de empréstimo à habitação, com o total de capital de € 115.940,00 euros, e com o montante máximo assegurado de € 158.837,80 euros (facto que foi alegado na contestação e provado através da junção aos autos da certidão predial e da certidão da escritura de compra e venda com hipoteca, e que não foi dado como provado ou como não provado pela sentença proferida em sede de primeira instância, e que constituiu fundamento do recurso de apelação).

B- Neste âmbito, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:

Não se nos afigura, por outro lado, que a afirmação das hipotecas sobre o imóvel a favor do EE tenham algum interesse para negar a procedência ao pedido do Autor (…).” — vide 2. parágrafo da página 30, do acórdão recorrido.

 “Os Apelantes, contudo, insistem em dar relevo às hipotecas constituídas a favor do EE, SA., para daí concluírem pela inexistência de prejuízo ocasionado ao Autor em resultado do acto impugnado.’’ – vide 2° parágrafo do capítulo C), ínsito na página 31, do acórdão recorrido

Ora, a primeira coisa que importa afirmar é que os Apelantes dão como certo algo que não está demonstrado e até se pode não verificar.

Efectivamente, pelas mais variadas razões dizer agora que, por via das hipotecas constituídas sobre o imóvel em causa a favor de terceiro, o ora Autor não conseguirá obter a satisfação do seu crédito com a execução do bem, é, para já, entrar no âmbito da especulação.

A título exemplificativo e já que estamos no domínio das hipóteses, também se poderá afirmar, como se fez na sentença, que “sobre um imóvel podem constituir-se garantias sucessivas e as hipotecas são suscetíveis de cancelamento após o pagamento do crédito que lhes subjaz não tendo necessariamente que ocorrer a venda judicial dos imóveis hipotecados’’, ou dizer, como fez o Apelado na alegação de resposta, que, não está provado que o valor do imóvel objecto de Impugnação Pauliana, seja o alegado pelos Apelantes, nem se pode saber qual o valor que o imóvel atingirá em licitações no site e-leilões daqui a uns anos na fase executiva, após a penhora e concurso de credores.

(…)

A este respeito diremos apenas o seguinte: Afirmado que foi, estar por demonstrar a tese dos Apelantes, Autor, por força das hipotecas constituídas a favor de terceiro, nada receberá do valor do imóvel em causa, sempre faltaria o pressuposto – que é, na perspectiva dos Apelantes, a ausência de decorrente do acto impugnado — em que os RR sustentam, quer a improcedência da acção, quer a verificação do abuso de direito por parte do Autor” — vide páginas 32 e 33, do acórdão recorrido.

C- O Tribunal a quo entendeu não conferir qualquer importância ao facto de o imóvel – cuja transmissão constituiu o objecto da impugnação pauliana em causa – se encontrar onerado por duas hipotecas cujos valores são superiores ao valor do imóvel e que foram registadas em momento anterior à constituição do crédito pelo devedor originário (pois, a dívida do Recorrente advém da prestação de aval).

D- Em Acórdão proferido a 26.02.2013, no âmbito do processo n.° 60/10.6TBVLS.Ll-7, relatado pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Maria da Conceição Saavedra, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

“Tendo os AA., credores comuns, impugnado doação de um imóvel que se mostra onerado com hipoteca e não excedendo o valor desse imóvel o montante do crédito garantido, não pode aquele acto de doação ter-se como causal da impossibilidade do pagamento aos AA ou do agravamento dessa impossibilidade.”

 “Com efeito, não basta que o devedor pratique um acto que envolva a diminuição da garantia patrimonial dos créditos para que qualquer credor o possa impugnar, exigindo-se em primeira linha que essa diminuição ponha em perigo a satisfação do respectivo crédito ([7] [Ver João Cura Mariano, ob. cit., págs. 165 e ss.]. Tal impossibilidade afere-se através duma avaliação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar, sendo o peso comparativo do montante das dívidas e do valor dos bens conhecidos ao devedor que indicará se do acto resultou a dita impossibilidade ou o seu agravamento(8) (Ainda João Cura Mariano, ob. cit., págs. 16/168)

Ora, no que respeita ao prédio onerado com hipoteca cuja doação os AA impugnam, temos que o mesmo terá o valor comercial de € 62.500,00 (ponto 2) supra) mas assegura o pagamento do capital de € 125.000,00 até um máximo de € 183.437,50 a favor do ‘Banco …, S.A.” (ver pontos A), H) e I) supra da matéria assente). Não excedendo o valor deste imóvel (no seu todo) o montante do crédito garantido, não só não se vislumbra o interesse dos AA na impugnação do acto correspondente como não se alcança o prejuízo decorrente para os mesmos na doação da nua-propriedade. Na verdade, enquanto o credor que beneficie de uma garantia real sobre um bem do devedor não terá interesse em impugnar a alienação desse bem, dado que continua a poder exercer o seu direito sobre ele, ainda que noutro património, em virtude do direito de sequela, já os credores comuns somente terão interesse em impugnar a transmissão daquele mesmo bem se o respectivo valor exceder o montante do crédito garantido ([9] [De novo, João Cura Mariano, ob. cit, págs. 150/151.]”

E- Se no acórdão recorrido, o Tribunal a quo demonstra não ser de relevar a existência de hipotecas sobre o bem – cuja transmissão deu origem à impugnação pauliana – constituídas a favor de terceiro, em razão de as mesmas poderem ser canceladas com o respectivo pagamento, ou por não se saber qual o valor que o imóvel obterá, em venda judicial, já, no acórdão fundamento, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa toma outra posição, defendendo que se um bem se encontra onerado com hipoteca, e se o valor desse bem não excede o montante do crédito garantido, o acto impugnado não pode ter-se como causal da impossibilidade do pagamento ao credor ou do agravamento dessa impossibilidade, ou seja, não está preenchido o requisito do prejuízo.

F- Pelo que, e salvo o devido respeito por melhor opinião, apenas se pode entender que existe contradição entre o douto acórdão recorrido e o douto acórdão fundamento, na medida em que um não confere qualquer relevância à existência de ónus, como, por exemplo, hipotecas da titularidade de credor que não o credor impugnante, e o outro entende que tais ónus podem obstar ao preenchimento do requisito do prejuízo, do instituto da impugnação pauliana.

G- Caso não se entenda que existe oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (supra melhor identificado) – no que não se concede, mas que se ser admitido por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação de direito.

H- O alcance do requisito do prejuízo tem gerado alguma confusão, em razão de os Tribunais de Primeira Instância, e mesmo da Relação, revelarem dificuldade em aceitar que um imóvel que se encontre onerado, no momento da constituição do crédito (bem como no momento da sua transmissão para terceiro), com ónus que esgotam ou superam o seu valor de mercado, não integre a garantia patrimonial do credor, havendo uma tendência para aceitar que todo e qualquer bem que seja da propriedade do credor faça parte da sua garantia patrimonial – tendência essa que não se pode aceitar.

I- Não são impugnáveis todos os actos que envolvam a diminuição do património do credor, mas apenas aqueles que coloquem em perigo a possibilidade da satisfação do crédito do credor.

J- O valor dos bens especificamente onerados por garantias reais só deve ser contabilizado se o impugnante for o credor privilegiado, ou se o valor desses bens exceder o montante da dívida que garantem, apenas na parcela excedente, não sendo, neste caso, também considerado o valor da dívida especialmente garantida.” –JOÃO CURA MARIANO.

K- Os bens onerados – desde que não excedam o montante da dívida que garantem – não prefiguram nos bens que compõem a garantia patrimonial dos credores, com excepção do credor privilegiado.

L- Foi esse o sentido do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 6.02.2013, no âmbito do processo n.º 60/10.6TBVLS.Ll-7, relatado pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Maria da Conceição Saavedra, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 06.04.2017. no âmbito do processo n.° 3449/09.0T2SNT-A.L1-6, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador António Santos, sendo defendido, neste último, que uma penhora pode ser anulada sempre que se demonstre que o exequente não conseguirá retirar proveito da respectiva venda executiva do bem penhorado, por o mesmo estar onerado com garantias reais a outros credores, por uma questão de proporcionalidade da actuação da Justiça.

M- Atendendo à existência de decisões que contrariam ou não conferem qualquer relevo à questão levantada no presente recurso, entende-se que é de todo pertinente, para uma melhor aplicação do direito, a determinação da importância da existência de ónus sobre bens que foram objecto de transmissão, para aferir da existência de prejuízo, em caso de impugnação pauliana, por forma a dissipar a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito”.

O Autor AA contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

II- Apreciação do Recurso

1. Objecto do recurso:

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir é a seguinte:

      

 “Em face da factualidade provada, está preenchido o requisito da alínea b) do artº 610º do CCivil, isto é, resulta do acto impugnado a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade”.

                   

2. Fundamentação:

Factualidade Provada:

“1. Em 18 de abril de 2013, mediante escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial da ..., da Notária DD, lavrada de fls. 105 a 106 do livro de notas nº …, o 1º Réu, BB, declarou vender à 2ª Ré, CC, Lda., a fração autónoma designada pela letra “…”, primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela letra …, do prédio urbano sito na ..., Lote …, Rua ..., freguesia e concelho de ..., inscrito atualmente na matriz sob o artigo … da união das freguesias de ..., ..., ... e ... e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o 991/....

2. Consta da referida escritura o seguinte:

“Pela presente escritura, pelo preço de cem mil euros, já recebido, vende à sociedade representada pelo segundo outorgante o seguinte bem imóvel:

- fração autónoma designada pela letra “…” - primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela letra …, com o valor patrimonial de 84.890,00 €, do prédio urbano sito na ..., Lote …, Rua ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de ... sob o número novecentos e noventa e um/... (…)”.

3. A mencionada aquisição foi registada na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob a Ap. 2784 de 2013/04/18.

4. Mais consta da referida escritura o seguinte: “(…) compareceram como outorgantes: PRIMEIRO

BB, solteiro, maior, natural da freguesia de ..., concelho de ..., onde reside Estrada da ..., n.º …, ..., NIF ....

SEGUNDO FF, casado, natural da freguesia de ..., concelho de ..., onde reside na Estrada da ..., n.º …, ....

Outorga na qualidade de gerente, em representação da sociedade comercial por quotas com a firma “CC, LDA.” NIPC e único de matrícula ..., com sede em ..., ..., ..., com o capital social de cinco mil euros, o que tudo verifiquei bem como a qualidade e poderes para o ato pela consulta à certidão permanente (…)”

5. O 1º Réu, ao vender à 2ª Ré a fração identificada, procedeu procurando com o seu comportamento obstaculizar à satisfação do crédito que infra se referirá e de que é titular o Banco aqui Autor.

6. E a 2ª Ré, ao outorgar a escritura pública de compra e venda com o 1º Réu, tinha perfeita consciência de que com a prática de tal ato impossibilitava ou agravava a impossibilidade de satisfação do crédito do A..

7. A sociedade CC, Lda. aqui 2ª Ré, foi constituída em 02.05.1997 com o capital social de € 5.000,00 distribuído da seguinte forma:

“ SÓCIOS E QUOTAS: QUOTA: 750,00 Euros

TITULAR: GG(…)

QUOTA: 2.000,00 Euros

TITULAR: FF (…)

QUOTA: 750,00 Euros

TITULAR: HH (…)

QUOTA: 750,00 Euros

TITULAR: BB (…)

QUOTA: 750,00 Euros

TITULAR: II(…).

8. Foi designado gerente da 2ª Ré FF, cargo que continua a exercer até à presente data.

9. Esta sociedade Ré tem natureza familiar, sendo constituída por pais e filhos.

10. O Réu BB é filho de FF (gerente da 2ª Ré) e de JJ e irmão de HH e de II.

11. Em 21.12.2011 o 1º Réu transmitiu a sua quota no montante de € 750,00 à sua irmã HH, permanecendo a mesma até à presente data sócia dessa sociedade Ré.

12. Também nessa data, os seus pais, FF e JJ, transmitiram as suas quotas no montante de € 2.000,00 e € 750,00, respetivamente, à sociedade KK, Lda., sociedade essa que nessa data tinha como gerentes os seus filhos, o 1º Réu BB e II.

13. Também o seu irmão, LL 13.01.2012 transmitiu a sua quota no montante de € 750,00 à sua irmã HH.

14. O Réu BB transmitiu o imóvel atrás identificado à sociedade Ré CC, Lda., representada nesse ato pelo seu pai, FF.

15. À data da outorga da escritura pública de compra e venda referida em 1., o AA, S.A. era titular de um crédito proveniente de um contrato de abertura de conta com o nº … no montante de € 100.000,00 e de um contrato de abertura de crédito com o nº ..., no montante de € 100.000,00.

16. Os referidos contratos foram subscritos pela sociedade MM, S.A., e avalizados pelo 1º Réu BB para garantia do bom pagamento das obrigações emergentes desses dois financiamentos concedidos pelo supra referido Banco.

17. O contrato de abertura de conta com o nº ... foi celebrado em 13 de março de 2008, tendo ficado estipulado o seguinte:

“O Banco abre a favor de V. Exa. A (s) um crédito até ao montante máximo de €100.000,00 (cem mil euros), nas seguintes condições:

4.1 O exercício por V. Exa. A (s) do direito de utilização dos fundos ao abrigo do crédito ora aberto depende da prévia constituição e entrega ao banco dos documentos da(s) garantias convencionadas na Cláusula “Caução” infra. (…)

5.1. O presente contrato é celebrado pelo prazo de 233 dias, contado desde esta data, vencendo-se em 01/11/2008, data em que o capital utilizado deverá encontrar-se amortizado, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

5.2 O contrato renova-se automaticamente por períodos sucessivos de 90 dias, salvo denúncia de qualquer das partes (…).

11. Caução

V. Ex.a(s) entrega(m) ao Banco na celebração do presente contrato, para caução das obrigações dele emergentes:

11.1 Uma livrança subscrita por V.Ex. a(s) e avalizada por II, FF, JJ e BB, ficando o Banco expressamente autorizado, (…) a preenchê-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V.Ex.a(s) perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V..Ex.a(s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas. (…)

13. Antecipação do Vencimento, Resolução e “...”

1. A falta de cumprimento pontual por V.Ex. a(s) de quaisquer das obrigações emergentes deste contrato, nomeadamente a falta de pagamento pontual de qualquer prestação de reembolso de capital, e/ou de pagamento dos respectivos juros, confere ao Banco o direito de por termo imediato ao presente contrato, e de considerar imediatamente vencido, independentemente de interpelação para o cumprimento, a totalidade do capital em divida, cujo pagamento se tornará, então, consequente e imediatamente exigível, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal ou contratualmente exigíveis. (…)

18. O contrato de abertura de crédito com o nº ... foi celebrado em 17 de março de 2008, no montante de € 100.000,00, ficando estipulado o seguinte:

“(..) AA, S.A., (…) comunicar que é seu propósito, no decorrer das conversações mantidas com V. Exa(s)., conceder à Sociedade MM S.A. (…), o seguinte plano de amortização Parcial dos montantes em dívida emergentes da Conta Corrente Caucionada n.º ..., concedida pelo então Banco NN S.A., em 26-10-2001, no montante de Escudos: 75.000.000$00 (Setenta e cinco milhões de escudos), ou de Euros: 374.098,42 (Trezentos e setenta e quatro mil, noventa e oito Euros e quarenta e dois Cêntimos), e posteriormente alterado por mútuo acordo das partes por aditamento celebrado em 16-07-2003, através do qual se procedeu à alteração do limite para o montante de Euros: 200.000,00 (Duzentos mil euros), que por força da operação de fusão de sociedades, decorrente de escritura pública lavrada no dia 15 de Dezembro de 2000, junto do 1º Cartório Notarial de …, objecto de apresentação a registo comercial no dia 15 de Dezembro de 2000, o AA, S.A., incorporou a globalidade do património e posições jurídicas do Banco NN, S.A., assumindo assim à presente data a posição contratual que àquele Banco competia no âmbito do contrato de abertura de crédito supra referido, doravante identificado pelo CLS N.º ....

1. MONTANTE: Euros: 100.000,00 (Cem mil Euros).

2. PLANO DE AMORTIZAÇÃO: O reembolso de capital e o pagamento dos juros será efectuado em 60 (Sessenta) prestações mensais, sucessivas postecipadas e constantes relativas a capital e juros, a primeira, no montante de Euros: 1.979,27 (Mil, novecentos e setenta e nove Euros e vinte e sete Cêntimos) debitada com data valor de 01-10-2008 e outras subsequentemente nos 59 (Cinquenta e nove) meses seguintes.

(…)

9. GARANTIAS: Essa Sociedade compromete-se desde já, a entregar ao Banco, uma livrança por si subscrita e avalizada pelo (s) Exmo (as). Sr (as). FF, JJ, IIe BB, ficando o Banco expressamente autorizado, (…) a preenchê-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas pela Sociedade perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte da Sociedade de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas. (…)

11. JUROS MORATÓRIOS: No caso de incumprimento do pagamento do capital e/ou juros, incidirá sobre o respectivo montante e durante o tempo em que o incumprimento se verificar, a taxa de juro moratória (Taxa de juro remuneratório fixado na clausula TAXA DE JURO ANUAL acrescida da sobretaxa legal em vigor à data do incumprimento).

12. RESCISÃO: Em caso de mora ou incumprimento de qualquer prestação contratual de reembolso do capital mutuado e/ou liquidação de juros, o Banco pode resolver o presente contrato, comunicando por escrito a V.Exa (s)., vencendo-se de imediato e antecipadamente as restantes prestações e determinando a imediata exigibilidade da totalidade dos montantes ainda em dívida.”

19. Em 28 de novembro de 2013, encontrando-se já em incumprimento o contrato de mútuo supra identificado, com o nº ..., pelo montante de € 12.452,15, foi feito um aditamento ao contrato, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual os avalistas “Declaram que confirmam serem avalistas da sociedade mutuária interveniente no CONTRATO, e que têm conhecimento do montante da dívida, bem como das cláusulas do CONTRATO, e da livrança de caução em branco anexa ao contrato/acordo, e concordam plenamente com as alterações do presente aditamento”.

20. Em 01 de dezembro de 2014, e porque se mantinha o incumprimento, as dividas emergentes dos dois financiamentos identificados nos artigos supra, foram reestruturadas, pelo contrato de reestruturação de dívidas com o nº ..., no montante de € 113.130,94.

21. Nesse contrato de reestruturação de dívidas com o nº ..., celebrado em 01 de dezembro de 2014, ficou estipulado o seguinte:

“Considerando que:

A. A Cliente, (…) à data de 1 de dezembro de 2014, encontra-se em mora, por força de incumprimento das suas obrigações de reembolso de capital, e entre outras também de capital, juros e demais despesas e encargos convencionados e legais, de responsabilidades no valor de capital de € 113.130,94 (cento e treze mil, cento e trinta euros e noventa e quatro cêntimos), emergentes das seguintes responsabilidades:

i) Capital em divida no montante de € 678,79 (seiscentos e setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), emergentes de descoberto respeitante ao contrato de conta de depósitos à ordem contabilizado no Banco com a referência DDA número ...;

ii) Capital em divida no montante de € 12.452,15 (doze mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e quinze cêntimos), emergentes do contrato de financiamento sob a forma de conta empréstimo, contabilizado no Banco com a referência CLS número ...;

iii) Capital em divida no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), emergente do contrato de abertura de Conta Super Dinâmica, agregado à conta de depósitos à ordem com a referência DDA número ... e ainda associado, em termos de crédito, à conta designada por conta super dinâmica com a referência DDA número ....

B. De acordo com o disposto no considerando anterior, permanece em dívida, nesta data, e consequentemente obrigação da Cliente efetuar o pagamento do montante global de € 113.130,94 (cento e treze mil, cento e trinta euros e noventa e quatro cêntimos), ao Banco, proveniente das responsabilidades atrás elencadas, que se encontram vencidas e exigíveis;

C. Ficou definido uma moratória, com um plano de pagamento, para o montante global em dívida de € 113.130,94 (cento e treze mil, cento e trinta euros e noventa e quatro cêntimos), emergente das operações identificadas no considerando A), e que o Banco concede nas condições convencionadas a seguir: (…)

1 Dívida:

1.1 Nesta data, a Cliente reconhece e confessa-se devedora ao Banco do montante global vencido e exigível de € 113.130,94 (cento e treze mil, cento e trinta euros e noventa e quatro cêntimos), emergentes das operações identificadas nos Considerandos supra (…)”.

22. Mais ficou estipulado o seguinte:

“2.2 A presente reestruturação de dívida não implica a atribuição de novo crédito, nem novação das obrigações anteriores acima descrita nos Considerandos  (…)”.

23. Na cláusula terceira do referido contrato, ficou estipulado o seguinte:

“3.1 Esta moratória é concedida pelo prazo de 60 (sessenta) meses, com data-valor de início reportado a 1 de dezembro de 2014 e com final em 1 de dezembro de 2019.

3.2 Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o montante em dívida referido supra no número um da Cláusula Segunda será reembolsado e os juros pagos pela Cliente, da seguinte forma:

a) 6 (seis) prestações mensais, com carência no pagamento de capital, postecipadas, sucessivas de apenas juros, às quais acresce o respectivo imposto de selo, com a primeira destas a ocorrer em 1 de janeiro de 2015 e a última em 1 de junho de 2015;

b) 6 (seis) prestações mensais, postecipadas, sucessivas e constantes de capital e juros de cerca de € 980,00 (novecentos e oitenta euros), cada uma, à qual acresce o respectivo imposto de selo, com a primeira destas a ocorrer em 1 de julho de 2015 e a última em 1 de dezembro de 2015;

c) 48 (quarenta e oito) prestações mensais, postecipadas, sucessivas e constantes de capital e juros de cerca de € 2.552,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta e dois euros), cada uma, às quais acresce o respectivo imposto de selo, com a primeira destas a ocorrer em 1 de janeiro de 2016 e a última em 1 de dezembro de 2019; (…)”

24. Mais ficou convencionado:

“4.1 O montante em divida referido na clausula 2.1, e não reembolsado em cada momento, vencerá juros calculados dia a dia à taxa a que corresponder a Euribor (European InterBank Offer Rate) a 180 (cento e oitenta) dias, em vigor no início de cada período de contagem de juros, acrescida do spread de 5% (cinco virgula zero pontos percentuais), com arredondamento à milésima, sendo tal arredondamento feito por excesso quando a quarta casa decimal for igual ou superior a cinco e por defeito quando a quarta casa decimal for inferior a cinco (…)”

11.1 Em caso de falta de cumprimento pontual do pagamento de qualquer das prestações do capital ou dos juros ora acordadas, ou das que resultem de uma eventual alteração do plano de reembolso ora estabelecido, a Cliente obriga-se a pagar, a sobretaxa moratória máxima legalmente permitida, que actualmente é de 3%, a acrescer à taxa de juro nominal em vigor à data da constituição em mora (…).

25. Mais ficou estipulado o seguinte:

“(…) o não cumprimento pela Cliente de qualquer das obrigações emergentes do presente contrato, designadamente o não pagamento do reembolso acordado, bem como dos respectivos juros ou encargos, por um período superior a oito dias de calendário após a data do efetivo cumprimento, dará ao Banco o direito de o resolver, independentemente de interpelação, com a consequente exigibilidade do pagamento do montante global que ficar em dívida, incluindo juros de mora e demais e demais encargos devidos (…)”

26. Estas responsabilidades que foram reestruturadas continuaram a ser avalizadas pelo Réu BB.

27. Esse contrato de reestruturação de dívidas com o nº ... foi resolvido por falta de pagamento das prestações convencionadas.

28. O banco Autor é, assim, dono e legítimo portador de uma livrança na quantia de € 118.549,22, emitida em 01 de dezembro de 2014 e vencida em 21 de dezembro de 2015.

29. Tal livrança foi subscrita pela sociedade MM, S.A. e avalizada, entre outros, pelo 1º Réu.

30. A referida livrança destinou-se a garantir o bom pagamento das obrigações emergentes de citado contrato de reestruturação de dívidas com o nº ... celebrado entre a sociedade MM, S.A. e o AA, S.A., o qual foi resolvido por falta de pagamento das prestações convencionadas.

31. A livrança em causa foi apresentada a pagamento ao 1º Réu e não foi paga ao Autor AA, S.A. na data do respetivo vencimento nem posteriormente.

32. A alienação da identificada fração ocorreu em 18 de abril de 2013, ou seja, em data anterior à da emissão da referida livrança.

33. No entanto, o direito de crédito do A. constitui-se antes da venda em causa, resultando do ato a impossibilidade para o Banco de obter a satisfação integral do seu crédito.

34. Foi no momento da assinatura dos avalistas nos contratos de abertura de conta com o nº ... e de abertura de crédito com o nº ... que estes se obrigaram a pagar, em regime de solidariedade com a mutuária, a sociedade MM, S.A., as quantias mutuadas.

35. O 1º Réu quis diminuir a garantia patrimonial do crédito do A. ao vender, em 18 de abril de 2013, a fração autónoma designada pela letra “…”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da união das freguesias de ..., ..., ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o …/....

36. O 1º Réu BB procedeu à alienação da já identificada fração autónoma à 2ª Ré para se furtar de forma consciente e voluntária ao pagamento aos credores e, nomeadamente, ao credor AA, S.A., Banco ora Autor.

37. Do ato de alienação praticado pelo 1º Réu BB resultou a impossibilidade da satisfação do crédito do A. ou, pelo menos, resultou o agravamento da impossibilidade de recuperação do mesmo crédito do aqui A..

38. A 2ª Ré, a sociedade CC, Lda., representada no ato pelo seu gerente, FF, pai do 1º Réu, ao outorgar a referida escritura pública de compra e venda, tinha perfeita consciência de que com a prática de tal ato impossibilitava ou agravava a impossibilidade de satisfação do crédito do A..

41. FF, gerente da 2ª Ré, é também responsável perante o banco Autor, na qualidade de avalista da sociedade MM, S.A., nos mesmos termos do 1º Réu, pelo que tinha perfeito conhecimento de que com tal ato agravava a possibilidade de satisfação do crédito do Autor.

42. Mais tinha conhecimento de que o filho, 1º Réu, por força de tal venda, ficou sem património imobiliário ou outro além da referida fração alienada.

43. Também um outro avalista da MM, S.A., e obrigado nos mesmos termos do 1º Réu perante o banco Autor, II, seu irmão, em 21 de fevereiro de 2013 transmitiu os únicos bens imóveis de que era proprietário para uma sociedade da qual é gerente.

44. O 1º Réu e o seu irmão, avalistas da sociedade MM, S.A., visaram, concertadamente, transmitir todo o seu património para se furtarem ao pagamento aos credores, designadamente ao aqui A.

45. Conheciam as dificuldades em que a referida sociedade MM, S.A., se encontrava.

46. As duas hipotecas constituídas pelo 1º R em 16/02/2007 a favor do EE mantiveram-se após a compra da fração pela 2ª Ré.

47. Além da referida fração do prédio urbano, não são conhecidos bens ao 1º Réu que possam constituir a garantia patrimonial do crédito do A..

48. O 1º Réu, BB, não pagou ao Banco Autor a quantia inscrita na livrança, na quantia de € 118.549,22, emitida em 01 de dezembro de 2014 e vencida em 21 de dezembro de 2015.

49. O Banco Autor é assim credor do 1º Réu BB sendo este devedor solidário da quantia de capital de € 118.549,22, ou seja, do capital inscrito na livrança, acrescida dos respetivos juros moratórios, estando vencidos, em 05.02.2016, juros no valor de € 584,63, e o imposto de selo de 4%.

50. Em finais de 2007 e início de 2008, o 1º Réu auferia o vencimento declarado de cerca de € 1.200,00 mensais como sócio gerente da MM, S.A.,

51. O 1º Réu viveu na fração até que se mudou para casa da sua companheira.”

 III- O Direito.

 Os Apelantes neste recurso de revista insistem em dar relevo às hipotecas constituídas sobre o imóvel objecto da impugnação pauliana, a favor do EE, S.A., para daí concluírem pela inexistência de prejuízo ocasionado ao Autor em resultado do acto impugnado. Para isso, defendem que “no caso em apreço, o Recorrido não conseguirá obter a satisfação do seu crédito com a execução do bem, visto que o produto da venda do imóvel será entregue ao credor com garantia real registada há mais tempo (ou seja, ao EE, S.A.). (…)

Nos presentes autos, caso o Recorrido execute o imóvel em causa no património da decorrente, o produto da venda do mesmo irá ser entregue ao credor titular da garantia real (EE, S.A.), em virtude das hipotecas constituídas a seu favor – pois, o valor da dívida do empréstimo encontra-se correlacionado com o valor do imóvel – nada cabendo ao aqui Recorrido, sendo o resultado nulo, pois não conseguirá obter a satisfação do seu crédito”

Sendo este o único fundamento das alegações de recurso, ficando, assim, delimitado o seu objecto, vejamos se o facto de o imóvel transmitido estar onerado com duas hipotecas anteriores a favor do EE impede a verificação do requisito do prejuízo.

Como já referimos, no presente recurso apenas está em discussão a apreciação do preenchimento do requisito da alínea b) do artº 610º do CCivil, já que se mostram preenchidos os restantes requisitos da impugnação pauliana e que não foram questionados pelos Recorrentes.

A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial com que o credor conta contra actos do devedor que a afectam negativamente.

No que concerne concretamente com o pressuposto da alínea b) do artº 610º do CCivil, a procedência da impugnação pauliana exige que do acto que dela é objecto possa resultar a impossibilidade de o credor obter, de facto, a satisfação integral do seu crédito ou, pelo menos, o agravamento dessa impossibilidade. Está em causa o prejuízo causado pelo acto (impugnado) à garantia patrimonial. “O acto, começa o artigo 610° por dizer, há-de envolver diminuição da garantia patrimonial do crédito. Diminuição de garantia que pode traduzir-se tanto numa perda ou decréscimo do activo (v.g. a doação de um imóvel), como num aumento do passivo (por exemplo, assunção da dívida de outrem, afiançamento de débito alheio), visto por qualquer essas vias pode diminuir o conjunto de valores penhoráveis que, nos termos do artigo 610º do Código Civil, respondem pelo cumprimento da obrigação[1].

Por outro lado, é pacificamente aceite pela jurisprudência que, de acordo com o preceituado no artº 611º do CCivil, basta ao credor fazer prova do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir essa satisfação, o que se justifica pela maior facilidade que aquele tem em efectuar essa prova. Assim, provado pelo impugnante o montante do crédito, presume-se a impossibilidade da respectiva satisfação ou o seu agravamento, por via do acto impugnado[2].  

Caberia, assim, aos devedores (Recorrentes) enquanto interessados na manutenção do acto impugnado, e não ao A., na qualidade de credor, realizar a prova desse requisito negativo de que aqueles devedores seriam titulares de outros bens penhoráveis, de igual ou maior valor, para além do bem imóvel que foi alienado. Facto que não lograram demonstrar.

Da factualidade resulta provado o crédito do Autor e seu montante (ponto 49) e que do acto de alienação praticado pelo 1° Réu BB resultou a impossibilidade da satisfação do crédito do Autor ou, pelo menos, resultou o agravamento da impossibilidade (ponto 37). Mais ficando provado que, além da fracção alienada, não são conhecidos bens ao 1º Réu que possam constituir a garantia patrimonial do crédito do Autor (ponto 47).

Assim, provado o requisito da alínea b) do artº 610º do CCivil, em nada releva a circunstância de o imóvel alienado estar onerado com duas hipotecas constituídas a favor do EE, SA.

Argumentam os Recorrentes que, “caso o Recorrido execute o imóvel em causa no património da Recorrente, o produto da venda do mesmo irá ser entregue ao credor titular da garantia real (EE, S.A.), em virtude das hipotecas constituídas a seu favor.

 Não podemos concordar com esta argumentação.

Com efeito, não está demonstrado, nem será possível demonstrar, por ora, qual o valor real que o imóvel obterá à data da venda e se esse valor será integralmente consumido pelas dívidas hipotecárias.[3] Por outro lado, haverá sempre a possibilidade de o valor das hipotecas ser liquidado voluntariamente, por outros meios, sem necessidade de o credor hipotecário recorrer à respectiva execução.

Seguindo o entendimento do acórdão da Relação, “a primeira coisa que importa afirmar é que os Apelantes dão como certo algo que não está demonstrado e até se pode não verificar. Efectivamente, pelas mais variadas razões, dizer agora que, por via das hipotecas constituídas sobre o imóvel em causa a favor de terceiro, o ora Autor não conseguirá obter a satisfação do seu crédito com a execução do bem, é, para já, entrar no âmbito da especulação. A título exemplificativo e já que estamos no domínio das hipóteses, também se poderá afirmar, como se fez na sentença, que ‘’sobre um imóvel podem constituir-se garantias sucessivas e as hipotecas são suscetíveis de cancelamento após o pagamento do crédito que lhes subjaz, não tendo necessariamente que ocorrer a venda judicial dos imóveis hipotecados”, ou dizer, como fez o Apelado na alegação de resposta, que “...não está provado que o valor do imóvel objecto de Impugnação Pauliana, seja o alegado pelos Apelantes, nem se pode saber qual o valor que o imóvel atingirá em licitações no site e-leilões daqui a uns anos na fase executiva, após a penhora e concurso de credores…’’.  

Por isso, apesar das hipotecas anteriormente constituídas, não está demonstrado que, na hipótese de venda, o Autor nada viria a receber do valor do imóvel, podendo mesmo suceder que o valor daquelas seja liquidado voluntariamente, ficando este desonerado daqueles ónus.

Por outro lado, não é necessário que o credor proceda à excussão do património do devedor, para que se verifique a impossibilidade por parte deste em assegurar a satisfação do crédito, sendo suficiente o mero perigo concreto dessa frustração. Esta impossibilidade, conforme resulta da regra especial sobre repartição do ónus de prova, contida no artº 611°, do C.Civil, afere-se através duma avaliação da situação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar.

Assim, a verificação do prejuízo não depende de saber se o credor impugnante virá, a final, a obter ou não a satisfação do seu crédito, mas sim de um dado objectivo, que, efectivamente, se verificou no caso sub judice. “A alienação do imóvel representou uma diminuição do património do devedor, provocando um dano actual à expectativa jurídica do credor de que esse património pudesse garantir a satisfação do seu crédito”.

Como refere João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª ed., p. 175, “Nascendo com a constituição do crédito essa expectativa jurídica, é ela que é lesada quando o devedor pratica um acto que diminui decisivamente o património-garante, tornando-o ineficaz para desempenhar a sua função de garantia. É esta lesão efectiva que a impugnação pauliana procura neutralizar, não sendo um meio de intervenção judicial cautelar.” 

Deste modo, o acto impugnado fez diminuir de forma decisiva o património-garante, causando um dano real e actual à expectativa do credor em ver assegurada a satisfação integral do seu crédito.

Assim, mostra-se preenchido o requisito da al. b) do art.º 610º do CCivil, pelo que o acórdão da Relação não merece reparo.

IV- Decisão

Acorda-se em negar provimento à revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 23 de Maio de 2019

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Assunção Raimundo

_____________________________________________
[1] Antunes Varela, Direito das Obrigações em geral, Vol. II, 7ª ed. p. 446; vide também neste sentido, Luís Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2ª edição, Almedina, pág. 65 e seguintes.
[2] Entre muitos, vide acórdãos do STJ de 15 -01-2013, processo 5044/07 e de 11-09-2018, processo 10729/15, in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, acórdão do STJ de 03-02-2011, processo 470/08, in www.dgsi.pt.