Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6727/03.8TVLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
FONOGRAMA
CONTRATO DE EDIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO À REVISTA
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR, APROVADO PELO DL Nº 46.980, DE 27 DE ABRIL DE 1966
CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS, APROVADO PELO DL Nº 63/85, DE 14 DE MARÇO
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 227º, 236º, 496º, 762º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT, DE:
23 DE SETEMBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2346
16 DE ABRIL DE 2009, PROC. Nº 77/07.8TBCTB.C1.S1
23 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0368
3 DE ABRIL DE 2003, PROC. Nº 03B809
19 DE JUNHO DE 2008, PROC. Nº 08B1078
21 DE SETEMBRO DE 2006, PROC. Nº 06B2739
Sumário :
1. Tendo a ré sucedido na titularidade do direito, adquirido por contrato, de editar e reeditar os fonogramas do autor, é contratual o fundamento da obrigação de proceder ao pagamento ao artista da remuneração correspondente, não relevando a circunstância de não estar expressamente previsto nos contratos qualquer pagamento, seja em caso de futuras reedições, seja em caso de organização de obras compósitas.
2. O contrato de fixação fonográfica, permitindo a incorporação de sons e de imagens, a fixação da obra e a sua reprodução e venda corresponde a uma exploração económica indirecta de uma obra pelo seu autor.
3. É legalmente exigida a autorização do artista para a inclusão de temas seus em obras compósitas, ainda que estejam abrangidos pelo contrato de fixação fonográfica.
4. A possibilidade de intervenção do Supremo Tribunal da Justiça no controlo da interpretação de declarações negociais e do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, limita-se à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito.
5. Não é razoável atribuir a uma cláusula que concede ao artista o direito a ser ouvido sobre a selecção de títulos, para efeitos de reedição de obras musicais que integram diversos temas, e que se integra num contrato mediante o qual o editor adquiriu o direito de editar as obras do artista quando entender, em formatos com capacidades diferentes, o sentido de lhe conferir o direito de autorizar as reedições ou, no mínimo, de a elas se opor.
6. Mas o direito a ser ouvido implica o direito de influenciar as concretas reedições a efectuar.
7. De qualquer modo, tem de ser paga ao artista a remuneração devida pela venda dos fonogramas reeditados e das compilações.
8. São indemnizáveis os danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual, devendo a indemnização ser fixada segundo critérios de equidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou contra BB, SA uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 25.000 “a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela reedição e compilação não autorizadas” de obras suas, de € 66.231,36 como “remuneração pela venda dos fonogramas reeditados”, acrescida de € 20.813,67 de juros vencidos à taxa de 7%, e de juros vincendos, à taxa de 4%, correspondentes a edições feitas pela ré.
Para o efeito, e em síntese, alegou que a ré adquiriu em 1983 o património musical de A… T… & Cª Lda., que incluía fitas magnetofónicas originais de quatro fonogramas do autor, editados por esta sociedade; mas que, na altura, “estavam já findos os direitos que para o editor advinham” de dois contratos celebrados entre o autor e A… T… & Cª Lda., e que incluíam os direitos de edição correspondente; que a ré editou diversas “obras/fonogramas do A.” em diversas datas e formatos diferentes dos acordados (CD), por vezes em compilações, sem ter previamente informado o autor, sem a sua autorização, sem lhe ter pago qualquer verba pela venda respectiva – devida apesar da ilicitude das reedições e das comercializações –, e causando-lhe ainda danos não patrimoniais.
A ré contestou, por excepção, invocando a prescrição dos créditos alegados pelo autor (quer como indemnização, quer como pagamento de royalties, quer a título de juros, nos dois últimos casos relativamente aos anos anteriores a 1999) e a existência de caso julgado anterior relativamente a questões suscitadas nesta acção, e por impugnação. Alegou ainda abuso de direito, porque a inacção do autor (excepto quanto à compilação “Canções com História”), desde 1991, criou na ré a expectativa de que nunca contra ela invocaria os direitos que agora quer fazer valer.
Houve réplica, na qual, por entre o mais, o autor esclareceu o âmbito do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, excluindo os que já foram apreciados em anterior acção, sem todavia reduzir o montante indemnizatório pretendido.
No despacho saneador foram julgados prescritos os juros “referentes ao tempo decorrido até 13 de Julho de 1998” e, tendo em conta a redução referida, afastou-se a alegação de caso julgado.
Por despacho de fls. 197 foi indeferida a ampliação do pedido, requerida a fls. 181, consistente na condenação da ré “a abster-se de reeditar, no futuro, qualquer obra do A., em todo e qualquer formato, incluindo compilações e colectâneas”.
Pela sentença de fls. 511, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar ao autor as quantias de € 42.504,00, com juros de mora contados desde 2 de Outubro de 2003 até integral pagamento e de € 25.000, com juros de mora vincendos, desde a sentença até ao pagamento.
Em síntese, a sentença afastou a excepção de prescrição porque “o autor expressamente afirma na réplica que se fundamentou exclusivamente no pedido de indemnização por responsabilidade civil contratual”, sendo que o prazo aplicável “é o prazo ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil”.
Quanto ao mais, a sentença considerou terem sido celebrados dois contratos mistos, de prestação de serviços e de fixação fonográfica, que, na segunda vertente, continuam a produzir efeitos: “o período de vigência dos contratos já se esgotou, no entanto, tendo em conta o resultado produzido pelo Autor e corporizado nos quatro fonogramas (…) indicados, existem, ainda, direitos e obrigações que emergem dos contratos celebrados”; quanto à “edição de obras originais”, que a utilização de “um suporte material que não existia à data da celebração” dos contratos, o CD, não constitui violação dos mesmos; que as reedições dos fonogramas “estavam condicionadas, de acordo com o texto” dos contratos, “a audição do Autor”, o que significa que o autor tinha o “direito de consentimento ou de autorização, ou, no mínimo, um direito de veto, de oposição”; quanto à “edição de obra compósita”, não podiam ter sido editadas sem autorização; assim, e em ambos os casos, a ré “infringiu os termos dos contratos”, tornando-se responsável pelos danos sofridos pelo autor.
Assim, fixou o montante da remuneração devida pela venda dos fonogramas reeditados (€ 39.504,00) e das compilações (€ 3.000,00 e € 1.500,00) com base nos factos provados e recorrendo à equidade; e atribuiu o montante pedido a título de indemnização por danos não patrimoniais (€ 25.000,00). Fixou, ainda, juros de mora.
Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 641.

2. A ré recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

1ª- Usando da faculdade conferida pelo art. 145° do CDADC, o Recorrido transferiu para a editora A… T… & Companhia, Lda., através dos 1º e 2º contratos de fixação fonográfica juntos a fls. 26 e 27-28 dos autos (fundamentação de facto pontos 3., 4. e 5. cláusulas I, II, V, VI e ponto 6., cláusula IV, respectivamente), o direito de exploração de edição e reedição dos fonogramas intitulados «Pró que der e vier», «Um beco sem saída», «Madrugada de Trapeiros» e «Histórias de Viageiros», tendo sido posteriormente transferidos para a Recorrente os direitos e obrigações emergentes dos contratos, incluindo as fitas magnetofónicas originais desses fonogramas.
2ª -A editora pagou ao artista, nos termos contratados, as quantias de 70.000$00 e 100.00$00 não tendo ficado estabelecida, em nenhum dos contratos, qualquer outra remuneração pela edição ou reedição das obras fixadas, quer como intérprete quer a título de direitos de autor.
3ª - Contratualmente, o direito de reedição dos títulos em causa, apenas estava limitado pelo direito do artista «...de ser ouvido quanto à selecção dos títulos para essas reedições.»
4ª - Só o direito do artista de ser ouvido quanto à selecção dos títulos para reedição das obras originais (objecto do contrato) pode fundamentar o pedido de condenação formulado pelo Recorrido, atenta a delimitação do âmbito da acção pelo A. – à responsabilidade contratual.
5ª- A R. ora Recorrente reeditou em CD os quatro fonogramas mencionados, com a sonoridade e o alinhamento original (edição de obra original).
6ª - Para além destes, a R. ora recorrente editou em 1994 uma compilação com uma selecção de 18 temas do artista, intitulada «O melhor dos melhores» e, em 1995, uma selecção de temas de vários autores, incluindo dois temas do artista, também intitulado «O melhor dos melhores» (obras compósitas).
7ª - A edição de obras compósitas não estava prevista nos contratos, pelo que estas edições – «O melhor dos melhores» de 1994 e «O melhor dos melhores» de 1995 – foram realizadas à margem deles.
8ª - Nos termos do disposto no art. 2°, nº 2, do CDADC, as reedições são edições sucessivas da mesma obra. O próprio tribunal de 1ª instância reconheceu que são «...duas situações distintas a considerar: a edição de obras originais e a edição de obra compósita», em sintonia com a própria posição do A. ora Recorrido, segundo a qual cada uma das obras originais é «um todo, que constitui uma unidade temática.»
9ª.- A edição de obras compósitas só poderia ter sido apreciada em sede de responsabilidade civil extra-contratual, que não é objecto da presente acção.
10ª- Estas edições, das obras compósitas, não podem, pois, constituir fundamento para as decisões proferidas e a proferir nestes autos.
11ª- A interpretação e integração efectuadas pelas instâncias da cláusula que estabelece o dever de audição do A. ora Recorrente é desnecessária, abusiva em relação a ela e desconforme ao espírito e economia do contrato, conduzindo, na prática, a que o Artista detivesse o poder de inviabilizar a utilização das fitas magnetofónicas propriedade da editora e o poder de estabelecer novas condições remuneratórias, não previstas ou admitidas nos contratos.
12ª- A cláusula em questão é clara e completa na sua literalidade.
13ª- Se efectivamente a vontade das partes fosse no sentido de impor o consentimento ou autorização do artista para a reedição das obras, a expressão dessa vontade constaria dos contratos celebrados.
14ª- A remuneração pela fixação dos fonogramas, é a única prevista nos contratos, tendo os direitos concedidos pelo artista à editora tido contrapartida que foi pontualmente cumprida. A própria decisão recorrida reconhece que «… nos contratos não se tenha sido (foi) acordada qualquer remuneração pela reedição dos fonogramas ...».
15ª- Os royalties só são devidos se e na medida e percentagem contratada, circunstância que não colide com o disposto nos arts. 9°, 67°, 91°, n.l e 144°, n.2 do CDADC, principalmente no caso dos autos, em que estamos no âmbito da responsabilidade contratual.
16°- O CD é, «... apenas de um suporte material que nenhuma influência tem sobre a obra artística em si mesma considerada.», razão pela qual a respectiva edição está compreendida no âmbito do contrato.
17°- Pretender o contrário, reconduziria a questão para a responsabilidade extra-contratual.
18° - Da falta de respeito do dever de audição não se podem retirar prejuízos estimados por referência a vendas de obras;
19° - e muito menos com referência às vendas de obras novas, distribuídas por uma editora com meios de divulgação e de penetração no mercado discográfico incomparavelmente mais poderosos do que os da a R. ora Recorrente, quando, ainda por cima, estavam disponíveis os elementos relativos às vendas efectivas desta.
20º- No caso sub judice, considerando a economia do contrato, da falta de audição prévia não resultaram danos patrimoniais.
21º- O Tribunal recorrido confirmou o cálculo do putativo direito a remuneração do A. Recorrido, enquanto artista e produtor, por edição de fonograma, com base em 12% de royalty, sem que alguma vez tenha sido alegado, quesitado, ou considerado provado que o Recorrido foi o produtor das obras em questão.
22º - Também por esta razão - o Recorrido não poderia ter direito a um royalty de 12%, por não ter sido produtor nas obras em causa -, as decisões das instâncias carecem de fundamentação.
23°- A decisão na parte respeitante à fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais, não está sustentada factualmente, tendo sido desvalorizados critérios objectivos impostos pelo disposto no nº 3, do art. 496° do C. Civil v.g. a eventual extensão da lesão do direito do Recorrido, a situação económica deste e do agente.
24º - A indemnização a atribuir, por danos não patrimoniais, destina-se a reparar, de forma simbólica, ainda que não miserabilista, prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária.
25º - O montante fixado peca por exagerado.
26º - A indignação, revolta e perturbação do A./Recorrido indemnizáveis nestes autos são apenas aquelas que resultam da falta da sua audição antes da reedição dos quatro fonogramas originais, tendo em conta os critérios legais, o que não aconteceu.
27° - Também aqui, a tutela efectiva do alegado direito do Recorrente a uma indemnização por danos não patrimoniais, no que concerne às obras compósitas, apenas poderia ser suscitada no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual.
Termos em que, com o douto e imprescindível suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e a sentença de Ia instância, julgando-se improcedente a acção, com legal determinação legal de custas, como é de JUSTIÇA.”

O autor contra-alegou, concluindo desta forma:

“I. Nenhum dos fundamentos apresentados pela recorrente para pôr em causa o acórdão sob recurso merece provimento, pelo que deverá este ser mantido na íntegra.
II. Nos termos dos contratos a que se alude nos factos provados 3. e 6., o recorrido tinha o "direito de ser ouvido" no que respeita às reedições das suas obras, o que não aconteceu, o que consubstancia uma violação contratual.
III. O recorrido não foi ouvido, nem autorizou tais reedições.
IV. Mas a reedição das obras identificadas no facto provado 10. não se bastava com o direito de audição do recorrido, pois estando-se perante edições feitas num formato não previsto nos contratos (em CD e em compilações), a edição teria que ser obrigatoriamente precedida do consentimento do recorrido, que não existiu.
V. Nos termos do artigo 88° do CDADC, ex vi artigo 147°, "O contrato de edição não implica a transmissão, permanente ou temporária, para o editor do direito de publicar a obra, mas apenas a concessão de autorização para a reproduzir e comercializar nos precisos termos do contrato." (sublinhado nosso).
VI. O pagamento da remuneração devida pelas reedições e pelas edições em compilações deve ser reclamada em sede de responsabilidade civil contratual, uma vez que os direitos da recorrente sobre os master’s decorre dos 2 contratos celebrados entre o recorrido e a "A... T... & Companhia, Lda." bem como do contrato celebrado entre esta e a recorrente.
VII. As edições e reedições foram feitas pela recorrente em violação dos contratos e da lei, gerando responsabilidade civil contratual e a correspondente obrigação de indemnizar.
VIII. Quanto à indemnização por danos patrimoniais, esta inclui a remuneração devida ao recorrido pela reedição da sua obra em formato CD e em compilações.
IX. Estas remunerações não estavam fixadas nos contratos, uma vez que tais utilizações não estavam previstas, mas sendo o direito à retribuição um dos princípios básicos do sistema de protecção dos direitos de autor, bem andou o tribunal a quo ao fixá-la em termos equitativos.
X. No que respeita à concreta fixação dessa remuneração, nenhuma razão existe para pôr em causa os critérios que estiveram na base dessa fixação, devidamente fundamentados e apoiados nos factos.
XI. No que respeita ainda aos danos patrimoniais, decorre dos contratos celebrados entre o recorrido e a "A… T… & Companhia, Lda.” que a remuneração daquele incluía o trabalho de produção – factos provados 3 e 6 (cláusulas III de ambos os contratos), pelo que os royalties ora fixados devem igualmente incluir esse aspecto do trabalho do recorrido.
XII. No entanto e sem conceder, sempre se dirá que não resulta dos factos provados, da sentença da 1ª instância ou do acórdão sob recurso que a remuneração atribuída ao recorrido a título de danos patrimoniais incluía qualquer royalty de produtor.
XIII. Por fim, no que respeita aos danos morais, os mesmos são suficientemente sérios e graves para merecer a tutela do direito, sendo o quantum apurado justo e equilibrado, tendo em conta os factos provados, nomeadamente os factos provados 24., 25., 26. e 27.
XIV. Saliente-se que não estão apenas em causa os danos decorrentes da edição não autorizada dos CD's (que só por si demonstram um desrespeito pelo músico e pelos seus inalienáveis direitos de autor) mas também os decorrentes da forma como essas edições foram feitas, nomeadamente as edições de alguns temas do recorrido em compilações, em conjunto com temas de outros músicos, que destruíram a unidade temática para a qual os mesmos foram concebidos e gravados, em termos que prejudica a sua apreensão e compreensão por parte do público e consequentemente a imagem que este tem do recorrido e da sua obra.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, o acórdão recorrido, assim se fazendo
JUSTIÇA!”

3. Vêm definitivamente provados os seguintes factos:

1. O Autor AA é um autor, compositor e intérprete musical de sucesso e prestígio, sendo apontado como uma das referências de certa música popular portuguesa (alínea A) dos Factos Assentes).
2. A Ré "BB, S.A." é uma empresa discográfica que se dedica, entre outras coisas, à edição e comercialização de fonogramas musicais (alínea B) dos Factos Assentes).
3. No início da sua carreira musical, em 01/10/1974, o Autor, na qualidade de artista, celebrou com a editora discográfica "A… T… & Companhia, Lda.", na qualidade de editor, o acordo constante do instrumento de fls. 26 denominado "contrato de artista", cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
"ficou estabelecido o seguinte contrato:
I
Conforme contrato em separado o EDITOR adquiriu ao ARTISTA os direitos para a edição de um LP, neste momento já gravado.
II
No entanto, por questões de actualização, o material adquirido será em parte substituído da seguinte forma:
O ARTISTA compromete-se a gravar para o EDITOR os três títulos seguintes: O PATRÃO E VÓS; EXPLORADOS E OPRIMIDOS; MARCELINO; estes três títulos serão gravados e substituirão três outros títulos do material adquirido e referido em I, podendo eventualmente os títulos substituídos ser editados, somente após o lançamento do LP previsto no capítulo V. Pela gravação destes novos títulos, o EDITOR nada pagará ao ARTISTA, sendo de conta do primeiro, é claro, as despesas de produção.
III
O ARTISTA compromete-se a colaborar com o Departamento de Produção durante os meses de Outubro de 1974 (inclusive) até Março de 1975 (inclusive), nas seguintes condições:
a) Vencimento mensal de 8.000$00 (...).
b) Trabalho de estúdio (assistência a gravações, misturas, montagens, etc.) sem remuneração.
c) Trabalho de arranjos musicais, orientação artística, etc., sem remuneração.
d) Trabalho como instrumentista, em todos os discos em que colabore pago pelas tabelas em vigor para músicos portugueses.
IV
No fim do período deste contrato EDITOR e ARTISTA estudarão a revisão do mesmo, no sentido da sua continuação, caso haja interesse mútuo em mantê-lo em vigor por novo período a combinar.
V
Dentro do âmbito deste contrato cabe o compromisso do ARTISTA perante o EDITOR em gravar um disco LP, data a combinar, mas que não deverá ultrapassar o mês de Julho de 1975. Por todo o trabalho neste disco, excepto o trabalho com instrumentista, o ARTISTA receberá a quantia de 70.000S00 (...) que o EDITOR lhe entregará no momento em que a gravação for considerada terminada.
VI
Em relação às suas gravações em discos LP e aos seus eventuais desdobramentos em disco Single e EP, o EDITOR concede ao ARTISTA o direito de ser ouvido no que respeita à selecção dos títulos para essas reedições" (alíneas C) a E) dos Factos Assentes).
4. No âmbito de vigência do acordo constante do instrumento de fls. 26, a "A… T… & Companhia, Lda." editou o fonograma LP do Autor intitulado "Pró que der e vier" (alínea F) dos Factos Assentes).
5. Este LP integrava temas compostos (letra e música) e interpretados pelo Autor, e cuja gravação ocorreu em data anterior à celebração do acordo constante do instrumento de fls. 26 (alínea G) dos Factos Assentes).
6. Em 01/04/1975, o Autor, na qualidade de artista, e a "A… T… & Companhia, Lda.", na qualidade de editor, subscreveram o acordo constante do instrumento de fls. 27-28, cujo teor aqui se tem pior integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
"ficou estabelecido o seguinte contrato:
I
1.° - Conforme condições definidas em contrato anterior o ARTISTA comprometeu-se a gravar, até fins de Julho de 1975 um disco LP. A remuneração por este trabalho, já fixada, é independente do presente contrato.
2.° - O "ARTISTA" que se declara livre de qualquer compromisso com outra editora, concede aos "EDITORES" por todo o tempo de duração deste contrato, a exclusividade das suas gravações fonográficas, realizadas em grupo ou individualmente, tanto em Portugal como para o estrangeiro, e por quaisquer processos actuais e futuros.
Enquanto vigorar o presente contrato "O ARTISTA" não gravará quer sob o nome, quer sob pseudónimo, que anonimamente, em grupo ou individualmente, para nenhuma firma, ou entidade, quaisquer que sejam os processos por ele empregados. Fica-lhe porém, reservado o direito de gravar livremente para fins cinematográficos, de radiodifusão ou televisão, com a expressa reserva de que tais gravações não podem ser produzidas fitas, discos, ou quaisquer outros processos de reprodução sonora que se destina a ser distribuídos ou vendidos ao público.
3.° - O "ARTISTA" compromete-se a gravar as composições seleccionadas nas datas e locais por ele designados, tendo em atenção, é claro, os contratos e compromissos de trabalho regular do "ARTISTA".
4.° - O "ARTISTA" obriga-se a fazer quantos ensaios, provas e repetições forem julgadas necessárias pelos "EDITORES" ou seu representante para conseguir uma execução julgada conveniente, e obter uma matrix que os "EDITORES" considerem utilizável.
5. ° - Aos "EDITORES" cabe decidir a perfeição técnica das gravações resultados técnicos obtidos, do acoplamento dos números e da sua publicação.
II
Pelo presente contrato, que vigorará de 1 de Abril de 1975 a 31 de Março de 1976, o "ARTISTA" compromete-se a realizar os seguintes trabalhos para a Editora A… T… & Companhia LDª:
a) todos os arranjos de um LP (a gravar por Adriano Correia de Oliveira), cujo pagamento se inclui na importância global do presente contrato, a definir adiante.
b) gravação pelo "ARTISTA" de um disco LP, até 31 de Março de 1976.
III
Pelo trabalho dos arranjos definidos na alínea a) do título II e pela gravação do LP definido na alínea b) do título II, a Editora A… T… pagará a AA a importância total de 100.000$00 (...), a qual poderá ser desdobrada em mensalidades de 8.000$00 (...) a partir do mês de Abril de 1975 (inclusive) até se atingir a verba total de cem contos.
a) A importância acima definida (...) representa, portanto, o pagamento das seguintes tarefas concretas:
1- Arranjos, direcção musical e misturas do LP de Adriano Correia de Oliveira;
2-Arranjos, voz-solo (interpretação), voz-coros (acompanhamento), acompanhamento instrumental, direcção musical e misturas do LP a gravar por AA e previsto na alínea b) do título II deste contrato.
b) Todos os outros trabalhos realizados para a Editora serão pagos a AA pelas tabelas em vigor no sindicato dos Músicos Portugueses.
IV
Dentro do âmbito deste contrato, o "ARTISTA" concede à "EDITORA" todo o exclusivo para Portugal e estrangeiro, das suas gravações fonográficas. Assim, pertencerá à "EDITORA " o direito de editar as obras do "ARTISTA" em discos LP, EP ou Single, bem como em "cartridge" ou "cassete", quando o entender, respeitando, no entanto as seguintes condições:
a) A "EDITORA" concede ao "ARTISTA" o direito de ser ouvido quanto à selecção dos títulos para essas reedições.
b) A "EDITORA" compromete-se a realizar prioritariamente a edição em disco LP" (alíneas H) a L) dos Factos Assentes).
7. No âmbito de vigência do acordo constante do instrumento de fls. 27-28 a "A… T… & Companhia, Lda." editou o fonograma LP do Autor intitulado "Um beco sem saída" que integrava temas compostos (letra e música) e interpretados pelo Autor (alínea M) dos Factos Assentes).
8. Posteriormente, o Autor gravou para a "A... T... & Companhia, Lda." temas que vieram integrar mais dois fonogramas LP, intitulados "Madrugada dos trapeiros" e "Histórias de viageiros", editadas por esta em 1977 e 1979, respectivamente (alínea N) dos Factos Assentes).
9. Em 1983, a Ré "BB, S.A." adquiriu todo o património da "A… T… & Companhia, Lda.", incluindo os master's (fitas magnetofónicas originais) dos quatro fonogramas do Autor (alínea S) dos Factos Assentes).
10. E editou as seguintes obras/fonogramas do Autor, nas seguintes datas e formatos:
a) 1991, "Histórias de viageiros", em CD e cassete;
b) 1994, "O melhor dos melhores" (compilação com uma selecção de 18 temas do Autor), em CD e cassete;
c) 1995, "O melhor dos melhores" (compilação com uma selecção de temas de vários autores, incluindo dois temas do Autor), em CD;
d) 1999, "Pró que der e vier", em CD e cassete;
e) 1999, "Um beco sem saída", em CD e cassete;
f) 1999, "Madrugada dos trapeiros", em CD e cassete; e,
g) 1999, "Histórias de víageiros", em CD e cassete (alínea T) dos Factos Assentes).
11. As obras/fonogramas identificados na alínea T) dos Factos Assentes, foram editados pela Ré, sem que esta tenha previamente informado o Autor da sua intenção de as editar, nas datas e formatos indicados (alínea U) dos Factos Assentes).
12. E, sem que o Autor tenha dado autorização prévia à Ré para esta proceder à respectiva edição (alínea V) dos Factos Assentes).
13. Relativamente às edições das obras/fonogramas referidos na alínea T) dos Factos Assentes, o Autor ignora qual o número de fonogramas efectivamente vendidos pela Ré (alínea W) dos Factos Assentes).
14. A Ré não pagou ao Autor, como artista intérprete, qualquer verba pela venda dos fonogramas referidos na alínea T) dos Factos Assentes, nem pela venda das compilações que contém temas do Autor (alínea X) dos Factos Assentes).
15. Relativamente aos fonogramas intitulados "Pró que der e vier" e "Um beco sem saída" são obras demasiado datadas, ou seja, intrinsecamente ligadas à época em que foram gravadas, pelo que tendo em conta o tempo entretanto decorrido e a evolução verificada na carreira artística e musical do Autor, a sua reedição não faz sentido (alínea Y) dos Factos Assentes).
16. Relativamente à compilação de temas seus intitulada "O melhor dos melhores" editada pela Ré em 1994, e à compilação intitulada "O melhor dos melhores" editada em 1995, a Ré não ouviu previamente o Autor quanto à oportunidade de tais reedições e não consultou o Autor quanto à selecção dos temas a editar em conjunto com outros (alínea Z) dos Factos Assentes).
17. O Autor como compositor (letra e música) é remunerado pela Ré através da "Sociedade Portuguesa de Autores" (alínea AA) dos Factos Assentes).
18. É prática comum no meio musical, pagarem-se royalties, que mais não são do que a percentagem sobre a venda dos discos e que são feitas aos artistas intérpretes, bem como aos produtores (alínea BB) dos Factos Assentes).
19. A Ré, que adquiriu todo o património musical da "A... T... & Companhia, Lda.", reeditou as obras de temas originais do Autor "Pró que der e vier", "Um beco sem saída", "Madrugada dos trapeiros" e "Histórias de viageiros", nas datas indicadas na alínea T) dos Factos Assentes (alínea CC) dos Factos Assentes).
20. O Autor nunca concedeu autorização para reedição destas obras em formato CD (alínea DD) dos Factos Assentes).
21. A Ré não pediu ao Autor autorização para reeditar estas obras (alínea EE) dos Factos Assentes).
22. A Ré não pagou ao Autor, na qualidade de artista intérprete, qualquer contrapartida económica pela reedição dos seus fonogramas (alínea FF) dos Factos Assentes).
23. Relativamente às compilações editadas pela Ré, quer as compilações exclusivamente de temas do Autor, quer as compilações em que alguns temas do Autor foram editados conjuntamente com temas de outros artistas, a Ré também não solicitou autorização prévia do Autor (alínea GG) dos Factos Assentes).
24. O Autor sentiu-se indignado, revoltado e perturbado com a reedição não autorizada dos dois fonogramas ditos na alínea Y) dos Factos Assentes, por entender que a Ré, ao proceder às referidas reedições, desrespeitou o seu trabalho, demonstrando um total desconhecimento do seu conteúdo e significado histórico, e desrespeitou-o a si enquanto pessoa, artista e autor (resposta ao quesito 1.°).
25. A edição de uma compilação de temas do Autor com temas dos seus quatro primeiros fonogramas e a inclusão de temas seus em compilações que integram temas de diversos artistas destroem a unidade temática que caracteriza os trabalhos do Autor, uma vez que tais temas são apresentados fora do todo que constitui o fonograma para o qual foram originalmente concebidos e gravados (resposta ao quesito 2.°).
26. A edição avulsa destes temas, fora do contexto que lhes conferia harmonia e sentido, prejudica a sua compreensão por parte do público e, consequentemente, afecta a imagem que o público tem do Autor e da sua obra (resposta ao quesito 3.°).
27. O que causou um grande desagrado ao Autor (resposta ao quesito 4.°).-
28. A Ré vendeu, pelo menos, 10.000 exemplares de cada uma dos seguintes fonogramas do Autor: em 1991 "Histórias de Viageiros"; em 1999 "Pró que der e vier"; em 1999 "Um Beco sem Saída"; em 1999 "Madrugada dos Trapeiros"; e, em 1999 "Histórias de Viageiros" (resposta ao quesito 5.°).
29. Em regra, para um autor com o estatuto semelhante ao do Autor; o cálculo do direito a remuneração, por edição de fonograma faz-se atendendo aos seguintes valores: 12% de "royalty" enquanto artista e produtor; € 8,23 preço à saída do armazém; e, número de exemplares vendidos (resposta ao quesito 6.°).
30. A Ré fez as seguintes edições de obras do Autor: em 1991 "Histórias de Viageiros"; em 1994 "O Melhor dos melhores" (compilação com uma selecção de temas do Autor); em 1995 "O Melhor dos melhores" (compilação com uma selecção de temas de vários autores, incluindo dois temas do Autor); em 1999 "Pró que der e vier"; em 1999 "Um Beco sem Saída"; em 1999 "Madrugada dos Trapeiros"; e, em 1999 "Histórias de Viageiros" (resposta ao quesito 7.°).
31. Em 1974 e em 1975, o único suporte em que eram fabricados discos era o vinil, sendo o CD desconhecido (resposta ao quesito 8.°).
32. Cada um dos fonogramas do Autor editados pela "A… T… & Companhia, Lda." é caracterizado por uma unidade temática, em que todos os temas compostos são desenvolvidos a partir de um tema base, a partir do qual o Autor desenvolve as diversas composições que integram o fonograma e que depois são alinhados de maneira a constituir um todo (resposta ao quesito 9.°).
33. O alinhamento das canções não é aleatório, uma vez que a ordem e sucessão dos temas é essencial em termos de harmonia e por forma a permitir um perfeito entendimento da mensagem que o Autor pretendeu transmitir ao público quer através da música, quer através das palavras (resposta ao quesito 10.°).
34. A unidade temática das canções dos fonogramas do Autor constitui traço distintivo e marcante da sua carreira (resposta ao quesito 11.°).
35. Numa perspectiva externa os discos são compostos de várias faixas ou títulos, separados entre si por um tempo de silêncio (resposta ao quesito 12.°).
36. Cada uma das faixas é preenchida com uma composição (resposta ao quesito 13.°).
37. Em 1996, com a autorização do Autor, a "Sony" editou uma colectânea reunindo canções suas de diversos álbuns, com o esclarecimento que as mesmas foram escolhidas pelos Autor e regravadas (resposta ao quesito 17.°).
38. Em 1999, o Autor, enquanto compositor musical era sócio da "Sociedade Portuguesa de Autores" e a Ré subscritora do contrato-tipo para a indústria fonográfica firmado entre o "BIEM" (Bureaux Internacional das Sociedades que gerem os direitos de gravação e reprodução mecânica) e a "IFPI" (Federação Internacional dos Produtores de Fonogramas e Videogramas) de cuja cláusula consta, além do mais, o seguinte: -
"Artigo 1.°
Reportório da Sociedade
1. O reportório da Sociedade compreende as obras em relação às quais lhe foi ou venha a ser confiada a gestão dos direitos de reprodução fonográfica, nomeadamente na sua qualidade de Sociedade associada BIEM na medida em que tal gestão haja sido confiada à Sociedade.
(...).
Artigo 2. °
Objecto do Contrato - Direitos Concedidos
I. A Sociedade concede ao Produtor, nas condições e limites estabelecidos no presente contrato, o direito não exclusivo de proceder ao registo sonoro das obras do reportório da Sociedade, de fabricar a partir desses registos, discos realizados e exclusivamente destinados à sua audição, e de pôr esses discos em circulação sob a sua ou suas marcas afim de serem vendidos ao público para uso privado.
Artigo 10.°
Declarações de Gravação
1. O Produtor deverá manter no mais curto prazo e em todos os casos, salvo excepção devidamente fundamentada antes da saída dos discos, as listas das obras que gravar ou que se proponha explorar mediante a utilização de matrizes que lhe hajam sido licitamente fornecidas por terceiros. Deverá, igualmente, fornecer tais listas com relação às gravações já autorizadas que se proponha explorar sob um novo catálogo. A Sociedade deverá indicar, o mais depressa possível, ao Produtor, quais as obras do seu reportório que figurem nessa listas. A autorização concedida pelo Artigo II do presente contrato é confirmada ao Produtor quando a Sociedade, com base nos dados constantes dessas listas, lhe tiver indicado que as obras declaradas fazem parte do seu repertório e o Produtor se conformar com tal situação" (resposta ao quesito 18.°).
39. Antes de efectuar as reedições, a Ré enquanto subscritora do contrato-tipo "BIEM" procedeu ao envio à "Sociedade Portuguesa de Autores" das folhas de produção com os títulos das canções e o seu alinhamento (resposta ao quesito 19.°).”

4. A recorrente discorda, assim, da sua condenação, por violação dos contratos referidos nos pontos 3 e 6:
– no pagamento de € 42.504,00, a título de danos patrimoniais, correspondentes a remuneração pela venda dos fonogramas reeditados e das compilações, que a sentença considerou devida nos termos do disposto nos artigos 9º, 67º e 68º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos,
– no pagamento de € 25.000,00, por danos não patrimoniais, de acordo com a regra do artigo 496º do Código Civil,
– e dos correspondentes juros de mora.

5. Conforme resulta da petição inicial e foi esclarecido na réplica, os pedidos formulados nesta acção assentam na alegação de violação, pela ré, de contratos celebrados entre o autor e A... T... & Cª, Lda., sendo portanto neste âmbito que têm de ser considerados.
Cabe todavia recordar que o autor fez dois pedidos diferentes: o de “indemnização pelos danos morais sofridos pela reedição e compilação não autorizadas” de obras suas e o de “remuneração pela venda dos fonogramas reeditados”, frisando que a ilicitude da reedição e da organização das compilações não afasta o direito a ser remunerado pela correspondente venda.
Não há incompatibilidade entre estes pedidos; se existisse, aliás, estaria há muito sanada, uma vez que implicaria a ineptidão da petição inicial.
Ora tendo em conta, por um lado, as datas dos contratos (1 de Outubro de 1974 e 1 de Abril de 1975, quanto aos “contratos de artista” de fls. 26 e 27; desconhece-se a data do “contrato em separado” a que se refere o primeiro) e, por outro, as datas das alegadas violações dos mesmos (que o autor situa entre 1991 e 1999), há que assentar que pode tornar-se necessário combinar os regimes vigentes nesses dois momentos – o Código dos Direitos de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei nº 46.980, de 27 de Abril de 1966 e o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março, em ambos os casos nas versões relevantes.
De notar igualmente que não são aplicáveis ao presente recurso as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/07, de 24 de Agosto.

6. Está portanto assente que, por contrato de 1 de Outubro de 1974, o autor e A... T... & Cª Lda. celebraram um “contrato de artista”, do qual resultou o seguinte, para o que agora releva: – as partes reconheceram que A… T… & Cª Lda. tinha adquirido ao autor “os direitos para a edição de um LP”, já gravado; trata-se do LP “Pró que der e vier”; – o autor comprometeu-se a realizar diversos trabalhos “durante os meses de Outubro de 1974 (inclusive) até Marços de 1975 (inclusive)”, remunerados ou não consoante se discriminou; – o autor comprometeu-se a gravar um outro LP, pelo qual também se acordou uma remuneração, vindo a ser gravado e editado o LP “Um Beco sem Saída”, já na vigência do contrato seguinte.
Pelo mesmo contrato ficou igualmente estabelecido que “em relação às suas gravações em discos LP e aos seus eventuais desdobramentos em disco Single e EP”, a A… T… & Companhia Lda. “concede” ao autor “o direito de ser ouvido no que respeita à selecção dos títulos para essas re-edições”. Relembre-se que as instâncias interpretaram este direito como significando a atribuição, ao autor, “senão um direito de consentimento ou de autorização, ou no mínimo, um direito de veto, ou de oposição”, com base no texto respectivo e na economia do contrato.
Por contrato de 1 de Abril de 1975, para vigorar até 31 de Março de 1976, e apenas para o que agora está em causa, as mesmas partes acordaram: – que o autor gravaria um LP, cuja gravação, conjuntamente com outros trabalhos especificados, seria remunerada nos termos constantes do contrato; vieram a ser gravados e editados, em 1977 e em 1979, os LPs “Madrugada dos Trapeiros” e “Histórias de Viageiros”; – que o autor conferia a A... T... & Companhia Lda. “o direito de editar as obras do ‘artista’ em discos LP, EP ou Single, bem como em ‘cartridge’ ou ‘cassete’, quando o entender”, e que A… T… & Companhia Lda. “conced[ia] ao ‘artista’ o direito de ser ouvido quanto à selecção dos títulos para essas reedições” (direito interpretado pelas instâncias com o alcance já referido).
Como se sabe, em 1983 o património de A… T… & Cª Lda., que integrava as fitas magnetofónicas originais dos quatro fonogramas do autor, correspondentes aos referidos LPs, foi adquirido pela ré; entre 1991 e 1999, a ré editou-os, reproduzindo as obras originais (embora em CD, além de cassete), em 1991 (“Histórias de Viageiros”), e em 1999 (“Pró que der e vier”, “Um Beco sem Saída”, “Madrugada dos Trapeiros” e “Histórias de Viageiros”) e incluiu alguns temas em compilações (em 1994, só de temas do autor; em 1995, com temas de vários autores).
Está ainda provado que os fonogramas foram editados pela ré “sem que esta tenha previamente informado o autor da sua intenção de os editar”, que as compilações não foram precedidas, nem de autorização, nem de audição do autor, e que a ré lhe não pagou qualquer quantia pela venda respectiva, sendo no entanto prática no meio musical o pagamento de royalties aos intérpretes e aos produtores; e que, enquanto autor, o mesmo “é remunerado pela ré através da ‘Sociedade Portuguesa de Autores’.

7. A recorrente sustenta que não foi contratualmente estabelecida nenhuma remuneração para a edição e reedição das obras do autor, para além da que consta dos dois contratos em causa – 70.000$00 quanto ao contrato de fls. 26, 100.000$00 quanto ao de fls. 27, quantias essas que foram integralmente pagas. Diz assim que qualquer outra remuneração “só podia ser reclamada em sede de responsabilidade civil extra-contratual”.
Não tem razão. As quantias referidas destinavam-se, na verdade, a remunerar serviços que o autor se obrigou a prestar no âmbito desses contratos (arranjos, direcção musical, misturas) bem como a gravação de LPs – cfr. respectivas cláusulas VI e III); não tinham realmente como finalidade o pagamento “pela venda de fonogramas reeditados”, que é o que o autor pede na presente acção.
No entanto, tendo A… T…. & Cª Lda. adquirido por contrato o direito de editar e reeditar os fonogramas, direito no qual sucedeu a ré, é contratual o fundamento da obrigação de proceder ao pagamento pretendido, não relevando a circunstância de não estar expressamente previsto nos contratos qualquer pagamento, seja em caso de futuras reedições, seja em caso de organização de obras compósitas.
Como se sabe, é possível que o autor de uma obra – criação intelectual do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizada, como tal legalmente protegida, para utilizar os termos constantes do artigo 1º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – a explore economicamente directa ou indirectamente; neste último caso, essa exploração pode traduzir-se na celebração de contratos de conteúdo diversos, uns tipificados, outros não tipificados na lei, mas admissíveis nos termos e dentro dos limites da liberdade contratual.
Uma das modalidades expressamente reguladas é a dos contratos de fixação fonográfica, hoje definidos no artigo 141º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, e que incluem a habilitação da entidade que o autor autorizou a proceder à “incorporação de sons ou de imagens, separada ou cumulativamente, num suporte material suficientemente estável e duradouro que permita a sua percepção, reprodução ou comunicação de qualquer modo, em período não efémero” a “fixar a obra e a reproduzir e vender os exemplares produzidos” (nºs 1 e 2 do mesmo artigo 141º). Por esta razão, Oliveira Ascensão observa que a designação de “contrato de fixação fonográfica e videográfica” é enganosa, porque “o que aí se contém é muito mais do que um contrato destinado à mera fixação. Melhor falaríamos de um contrato de edição fonográfica ou videográfica” (Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra, 1992, págs. 232 e 233).
O mesmo regime constava do artigo 137º do Código do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei nº 46.980, de 27 de Abril de 1966, vigente à data da celebração dos contratos de fls. 26 e 27.
Deste regime e das cláusulas V e VI do contrato de 1 de Outubro de 1974 e II, b) e IV do contrato de 1 de Abril de 1975 resultou não só a autorização para a fixação e para a reprodução e venda dos exemplares que vieram a ser produzidos, relativamente aos quatro fonogramas gravados pela A… T… & Cª e adquiridos pela ré – “Pró que der e vier”, “Um Beco sem Saída”, “Madrugada dos Trapeiros” e “Histórias de Viageiros”, mas também para a sua eventual reedição.
Já não se pode considerar abrangida pelos contratos qualquer autorização para a inclusão de temas dos referidos quatro fonogramas em obras compósitas, como manifestamente são as compilações intituladas “O melhor dos melhores”, quer a editada pela ré em 1994, com uma selecção de 18 temas do autor, quer a editada em 1995, com uma selecção de temas de vários autores, incluindo dois do autor.
Na realidade, a inclusão de temas em obras compósitas, em si mesmas obras intelectuais objecto de protecção autónoma (cfr. artigo 20º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), para a qual a lei exige autorização (nº 1 do mesmo artigo 20º), excede a reprodução total ou parcial dos quatro fonogramas, não se podendo pois considerar abrangida pela autorização de reedição concedida pelos contratos. Isso apenas significa, todavia, que a ré violou os contratos ao abrigo dos quais detinha poderes sobre os fonogramas gravados para a A… T… & Cª; não transfere para o âmbito da responsabilidade extra-contratual a obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos sofridos, ou a de proceder ao pagamento de quaisquer remunerações.

8. Sucede, todavia, que ambos os contratos de fixação fonográfica, de 1974 e de 1975, incluíam cláusulas concedendo ao autor “o direito de ser ouvido no que respeita à selecção dos títulos para essas reedições” (respectivamente a cláusula VI e a cláusula IV, a)), esclarecendo expressamente o contrato de 1975 que o direito de edição das obras do autor ficava subordinado a essa condição.
Como se viu, as instâncias interpretaram as referidas cláusulas no sentido de atribuírem ao artista o direito de autorizar as reedições, ou, no mínimo, de a elas se opor; o que implicaria que o editor “sempre estaria obrigado a obter do autor o consentimento ou a autorização para a reedição das suas obras” (sentença, fls. 530). A recorrente discorda desta interpretação.
A possibilidade de intervenção do Supremo Tribunal da Justiça no controlo da interpretação de declarações negociais limita-se à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito, já que a averiguação da vontade real dos declarantes se situa no domínio da matéria de facto, fora portanto do âmbito do recurso de revista (assim, por exemplo, acórdãos deste Supremo Tribunal de 23 de Setembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2346 ou de 16 de Abril de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 77/07.8TBCTB.C1.S1).
Considera-se que, ao confirmar esta interpretação das cláusulas, que a 1ª Instância justificou ser a que resulta “da economia dos contratos e descartando a hipótese de tal condição ser despida de qualquer conteúdo”, o acórdão recorrido entendeu ser esse “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário” (nº 1 do artigo 236º do Código Civil) lhe atribuiria; ou seja, o que um declaratário medianamente diligente e informado, colocado na posição dos contraentes, consideraria o único aceitável.
Para além do texto dos documentos que consubstanciam os contratos, as instâncias não recorreram a nenhum outro meio de prova para alcançar este sentido; nem o autor alegou ter assim entendido os contratos, quando propôs a acção.
Tendo pois sido fixado apenas com recurso ao critério normativo de interpretação definido pelo nº 1 do artigo 236º do Código Civil, está sujeito a controlo pelo Supremo Tribunal da Justiça, sempre e apenas do ponto de vista da correcção da aplicação daquele critério.
E a verdade é que não é razoável atribuir o sentido definido pelas instâncias a uma cláusula que concede ao artista o direito a ser ouvido sobre a selecção de títulos, para efeitos de reedição de obras musicais que integram diversos temas, e que se integra num contrato mediante o qual foi atribuído ao editor “o direito de editar as obras do artista (…) quando o entender”, em formatos com capacidades diferentes (por exemplo, a edição de formatos de igual ou menor capacidade do que um LP ou a oportunidade da própria edição implica naturalmente uma escolha).
Pode mesmo afirmar-se que esse sentido tornaria desnecessárias e até contraditórias as cláusulas: por um lado, o artista concedia ao editor o direito de reeditar as “suas gravações fonográficas”, em formatos com diferentes capacidades, quando o entendesse; por outro, sujeitavam essa reedição a autorização do artista (autorização que legalmente permitiria a edição, sem necessidade de cláusula nesse sentido).
O que resulta das cláusulas em questão é antes a concessão ao artista do direito de ser ouvido sobre a selecção dos títulos cuja reedição o editor tem contratualmente o direito de fazer. É este o significado normal das palavras utilizadas, aquele que se harmoniza com o contexto do contrato e com a natureza dos direitos em jogo; e está longe de não fazer sentido.
Com efeito, basta considerar que, quer ao contratar, quer ao executar os contratos, as partes têm o dever de actuar de boa fé (cfr., por exemplo, os artigos 227º e 762º do Código Civil), para entender que, ao conceder ao artista o direito de ser ouvido na selecção dos títulos de obras suas, o editor está a reconhecer-lhe o direito de influenciar as concretas reedições que decidir levar a cabo.
Ao proceder à reedição dos fonogramas sem prévia audição do autor e à edição de compilações não autorizadas, a ré violou obrigações que sobre ela impendiam em virtude dos contratos em causa nesta acção.
Cumpre ter em conta, a este propósito, que se confirma o entendimento das instâncias quanto à irrelevância, no contexto desta acção, de ter sido utilizado como suporte material dos fonogramas e das compilações o CD, não existente à data da celebração dos contratos e neles naturalmente não previsto. Tal como se escreveu na sentença, “trata-se, apenas, de um suporte material que nenhuma influência tem sobre a obra artística em si mesma considerada”. A utilização deste suporte não tem, assim, a virtualidade apontada pelo autor de, por si só, tornar exigível a autorização do autor.


9. E a verdade é que, ainda que não tivesse sido violada nenhuma dessas obrigações, sempre teria de ser paga a remuneração devida pela venda dos fonogramas reeditados e das compilações, pedida nesta acção.
Está provado que a ré não pagou ao autor, enquanto artista-intérprete, qualquer quantia, nem pela venda dos fonogramas “Pró que der e vier”, “Um Beco sem Saída”, “Madrugada dos Trapeiros” e “Histórias de Viageiros”, que reeditou em 1991 e em 1999, nem pela venda das compilações “O Melhor dos Melhores”, editadas em 1994 e em 1995; que o autor foi remunerado, enquanto tal, pela Sociedade Portuguesa de Autores; que “é prática comum, no meio musical, o pagamento de royalties aos artistas intérpretes e produtores”; que, “em regra, para um autor com o estatuto semelhante ao do autor, o cálculo do direito à remuneração, por edição de fonograma, faz-se atendendo aos seguintes valores: 12% de roaylty enquanto artista e produtor; € 8,23 preço à saída do armazém; e número de exemplares vendidos”; que “a ré vendeu, pelo menos, 10.000 exemplares de cada um dos seguintes fonogramas do autor: em 1991 “Histórias de Viageiros”; em 1999”Pró que der e Vier”; em 1999 “Um Beco sem Saída”; em 1999 “Madrugada dos Trapeiros”; e em 1999 “Histórias de Viageiros””. Não se fez prova quanto à quantidade de compilações vendidas (cfr. julgamento da matéria de facto, a fls. 504, resposta ao quesito 5).
A recorrente objecta que o autor não tem direito a ser remunerado enquanto produtor, porque não está, nem alegado, nem provado, que o tenha sido; e que não poderia, assim, ser considerada uma royalty de 12%. No entanto, como se observa no acórdão recorrido, decorre “dos contratos celebrados entre o recorrido e a ‘A… T… &Companhia, Lda.’, [que] a remuneração daquele incluía o trabalho de produção – factos provados 3 e 6 (cláusulas III de ambos os contratos)”.
As instâncias consideraram, com base nestes dados, que seria equitativa uma indemnização de € 39.504,00, relativamente às reedições, assim baixando o montante a que aritmeticamente se chegaria com os dados referidos. Com efeito, o nº 3 do citado artigo 566º permite recorrer à equidade quando “não puder ser averiguado o montante exacto dos danos”. Nenhuma objecção há a fazer a este montante.
Entende-se, no entanto, que tal quantia (inferior à pedida, mas não impugnada pelo autor) é devida a título de remuneração, e não de indemnização por danos resultantes de violação contratual.
Já se não considera possível calcular qualquer remuneração pela venda das obras compósitas, fixados pelas instâncias em € 3.000,00 para a compilação de 1994 e em € 1.5000,00 para a de 1995, por não haver qualquer prova quanto a quantidades vendidas.
Reduz-se, portanto, a condenação no pagamento de remunerações devidas para € 39.504,00 (e não para € 38.004,00 porque a soma das remunerações arbitradas é superior em € 1.500,00 à que foi considerada na condenação).

10. A recorrente discorda, ainda, da sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.
Desde logo, considera que uma eventual responsabilidade “apenas poderia ser suscitada no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual”; e que, de qualquer modo, foi arbitrada uma indemnização exagerada, já que apenas poderiam ser tidos em conta os danos resultantes da falta de audição do autor antes da reedição dos quatro fonogramas originais, para além de terem “sido desvalorizados critérios objectivos impostos pelo disposto no nº 3 do art. 496º do C. Civil”.
Resulta do que se disse atrás que é no âmbito da responsabilidade contratual que devem ser apreciados os danos não patrimoniais alegados pelo autor para fundamentar o pedido de indemnização correspondente. E cabe relembrar, a este propósito, o que se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0368): «É certo que o Código Civil português, embora trate em conjunto da obrigação de indemnizar (artigos 562º e segs.), regula separadamente a responsabilidade extra-contratual (artigo 483º e segs.) e a responsabilidade contratual (artigo 798º e segs.); e inclui naquela o regime da indemnização por “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. É no entanto igualmente certo que não exclui do âmbito possível da responsabilidade contratual a responsabilidade por danos desta natureza; como se observa por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Abril de 2003 (www.dgsi.pt, proc. nº 03B809), “as mencionadas normas dos artº 798º, e segs., não o prevendo, também o não excluem”. (…) Necessário será que o dano em si seja grave, nos termos do que é definido no citado artigo 496º do Código Civil. Como se dá nota, por exemplo, no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B1078), reafirmando o citado acórdão de 3 de Abril de 2003,“Apesar de ainda ser debatida a questão, cremos ser hoje jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal a da admissibilidade da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, desde que merecedores da tutela do direito e preenchidos que se encontrem os respectivos pressupostos – Acs do STJ de 21/3/95, Bol. 445, p. 487, de 25/11/97, CJ S. Ano V, T. 3, p. 140, de 17/11/98, Ano VI, T. 3, p. 124, de 8/2/2001, Sumários, 48º, de 19/5/2001, CJ Ano IX, T. 2, p. 71, de 4/4/2002 (Pº 02B644), de 14/12/2004 (Pº 05B1526), de 8/6/2006 (Pº 06A1450), de 12/9/2006 (Pº 06A2376) e de 22/1/2008 (Pº 07A4154), bem como Vaz Serra, in Reparação do Dano Não Patrimonial (Bol. 83, p. 104) e Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual (Bol. 85, pags 115 e ss) e A. Costa, ob. cit., pags 395 e ss.”.
No mesmo sentido, cfr. ainda, por exemplo, os acórdãos de 12 de Março de 2009 (proc. 08A4071).”
No caso, está demonstrado que o autor sofreu danos não patrimoniais que devem ser considerados graves, em termos de justificarem “a tutela do direito”. Com efeito, vem provado que o autor da acção é reconhecidamente “um autor, compositor e intérprete musical de sucesso e prestígio” (ponto1), sendo “traço distintivo e marcante da sua carreira” a “unidade temática das canções” dos seus fonogramas, espelhada no alinhamento dos temas (pontos 32, 33 e 34 ); do ponto de vista desta carreira, não faz sentido a reedição, em 1999, dos fonogramas “Pró que der e vier” e “Um Beco sem Saída” (ponto 15); o autor sofreu perturbação, indignação e revolta com a reedição destes fonogramas, pelas razões constantes do ponto 24; a organização das compilações destruiu a unidade dos fonogramas de onde foram retirados os temas (ponto 25) e afectaram a imagem pública do autor e da sua obra (ponto 26), causando-lhe grande desgosto (ponto 27).

11. A recorrente sustenta ainda ter sido arbitrada uma indemnização exagerada, desde logo porque entende que só podem ser tidos em conta os danos resultantes da falta de audição do autor antes da reedição dos fonogramas originais.
Não está apenas em causa, pelas razões também já expostas, a responsabilidade pelos danos resultantes da reedição desses fonogramas, mas também a que decorre da edição das duas compilações já identificadas, efectivada sem a necessária autorização do autor.
As instâncias entenderam existir nexo de causalidade entre a preterição da autorização e os danos sofridos pelo autor. Também não cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal da Justiça controlar a verificação desse nexo do ponto de vista fáctico, mas, apenas censurar o respeito pelo critério legalmente definido (artigo 563º do Código Civil) – cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Setembro de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06B2739.
Deste ponto de vista, não levanta qualquer dúvida a aptidão da falta de autorização para provocar os danos sofridos; mas também deve ser considerada causa adequada dos danos resultantes da reedição dos fonogramas “Pró que der e vier” e “Um Beco sem Saída” a não audição prévia do autor, ao qual foi retirado o poder de influir na decisão do editor.
No entanto, a recorrente tem razão, quando sustenta que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído.
Na verdade, os danos que ficaram provados prendem-se com a reedição de apenas dois dos quatro fonogramas (“Pró que der e vier” e “Beco sem Saída”) e com a edição das compilações; se, quanto a estas, o autor poderia ter impedido a edição, opondo-se, já quanto àqueles apenas lhe cabia o direito de influenciar a decisão da ré.
Ora afigura-se mais lesiva a edição de compilações não autorizadas, tendo em conta o que ficou provado quanto à unidade temática das composições do autor, do que a simples reedição de obras originais.
Para além disso, a indemnização arbitrada pelas instâncias, coincidente com a que o autor pediu, assentou no pressuposto de que era exigida a sua autorização em todos os casos, como aliás aquele sustentara.
Assim sendo, e porque a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada segundo critérios de equidade, o que exige uma particular adequação às circunstâncias concretas do caso, reduz-se o montante da indemnização arbitrada pelas instâncias para € 15.000.

12. Finalmente, a recorrente aponta a desvalorização dos critérios constantes do artigo 494º do Código Civil (cfr. nº 3 do artigo 496º). Com efeito, pode ser fixada uma indemnização por danos não patrimoniais que seja inferior a estes, se “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso” o justificarem.
No entanto, nada ficou provado que permita proceder à diminuição da indemnização adequada à gravidade dos danos.

13. Não foi questionada a forma de cálculo dos juros arbitrados.

14. Nestes termos, decide-se conceder provimento parcial à revista, revogando parcialmente o acórdão recorrido e condenado a ré a pagar ao autor as seguintes quantias:
a) € 39.504,00, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4%, devidos desde 2 de Outubro de 1993 até efectivo e integral pagamento;
b) € 15.000,00, acrescidos de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, devidos desde a data da prolação da sentença em 1ª Instância até efectivo e integral pagamento.

Custas por ambas as partes, na proporção de 20% para o autor e de 80% para a ré.

Lisboa, 26 de Novembro de 2009
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego