Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1120/11.1TBPFR.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 456.º, ALS. A) E B) .
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 542.º.
Sumário :
I - A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.

II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

III - Atuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, na redação anterior, que corresponde ao atual art. 542.º do NCPC (2013).
Decisão Texto Integral:
             Revista n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S11

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             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

        AA e marido, BB, CC e esposa, DD, EE, FF e esposa, GG, HH, II, JJ, e KK, instauraram em 07/06/2011 contra LL e marido, MM, e NN, ação com processo ordinário, pedindo a condenação dos Réus (1.º) a reconhecerem que as quantias de €30.273,04 e €206.177,59, depositadas em Bancos (respetivamente OO e PP) à data da morte de QQ, em 6 de Abril de 2010, pertenciam exclusivamente à herança desta, de que os autores são titulares, e, ainda, (2.º) a condenação da ré LL a devolver a esta herança as mencionadas quantias, pois as levantou das contas bancárias da falecida, a quem os respetivos valores exclusivamente pertenciam, o que conseguiu por também ser titular dessas contas (sendo-o também, de uma delas, a outra Ré), formulando ainda, como pedido subsidiário, o de, a entender-se que a 1ª e a 2ª rés também têm direito a uma quota igual à das outras titulares das contas, a condenação da 1ª ré a restituir ao acervo hereditário da mencionada QQ as quantias de €15.136,52 relativa ao saldo da conta do OO e de €68.725,86 relativa ao saldo da conta do PP, com juros legais desde a data do levantamento até efetivo reembolso.

       Apenas as Rés contestaram, argumentando que a falecida QQ havia feito doação de tais quantias à Ré LL, devido ao facto de esta ter cuidado dela ao longo dos seus últimos 15 anos de vida, bem como de uma sobrinha da doadora, RR, já falecida em 2001.

       Houve réplica, em que os autores rebateram matéria que consideraram ser de exceção e em que pediram a condenação dos réus em multa e indemnização como litigantes de má fé.

       Os réus, todos, apesentaram requerimento em que defenderam a inexistência de má fé da sua parte, por, afirmam, ser verdade o que tinha sido referido na contestação.

     Proferido despacho saneador que decidiu não haver exceções dilatórias nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória, de que reclamou a 1ª ré, tendo a sua reclamação sido indeferida.

      Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e condenou os réus no pedido principal, absolvendo-os, porém, do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelos autores na réplica.

       Desta decisão foi interposto recurso quer pelos Réus LL e marido, quer pelos Autores, - estes a título subordinado -, impugnando aqueles a decisão proferida sobre matéria de facto e pretendendo, com base na respetiva alteração, a improcedência da ação, e impugnando estes a absolvição dos réus do aludido pedido de condenação dos mesmos por litigância de má fé, tendo a Relação proferido em 30 de Junho de 2014 acórdão em que julgou o recurso dos Réus improcedente, confirmando nessa parte a sentença então recorrida, e em que julgou o recurso dos Autores procedente, nessa parte revogando aquela sentença e condenando os Réus, como litigantes de má fé, na multa de dez UCS e em indemnização a ser fixada, posteriormente, na 1.ª instância.

       Do acórdão que assim decidiu interpuseram os réus LL e marido recurso de revista, normal quanto à questão da litigância de má fé e excecional na parte restante, tendo os autores apresentado contra alegações restritas à matéria da revista excecional. Neste Supremo Tribunal de Justiça, porém, não foi admitido o aludido recurso de revista excecional por acórdão da formação a que se refere o art.º 672º, n.º 3, do NCPC, apenas se encontrando em causa, pois, a revista na parte do acórdão recorrido respeitante à litigância de má fé, admissível apesar de se tratar da segunda decisão sobre essa matéria, uma vez que a primeira foi absolutória, só a segunda (da Relação) tendo sido condenatória (art.º 542º, n.º 3, do NCPC).

        Sobre essa matéria formularam os recorrentes, nas alegações que apresentaram, as seguintes conclusões:

         1ª - Não existe qualquer fundamento para que os RR. Recorrentes sejam condenados como litigantes de má fé com base numa alegada violação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542º do CPC.

          2ª - Se é certo que não se provou que a QQ doou as quantias depositadas nos bancos à R./Recorrente LL (quesitos 21°, 24°e 25°), a verdade e que também não se provou que não as doou.

            3ª - Provou-se, é certo, nos termos dos pontos 3 e 4 da anterior al. c) do Acórdão recorrido, que, em momento anterior ao da abertura das contas, as quantias pertenciam a QQ. Porém não se provou qual o acordo ou relação jurídica de que resultou a abertura das contas bancárias, o que faz presumir que as co-titulares comparticiparam das mesmas em partes iguais (regime geral da obrigações solidárias previsto no art.º 512° e segts. do CC).

            4ª - A não prova de um facto não corresponde à prova do contrário. A litigância de má fé, é dedução pela parte de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, mas já não dedução de pretensão ou oposição cujo fundamento a parte não conseguiu provar.

         5ª - Por outro lado, para a tipificação da litigância de má fé, exige-se o dolo ou negligência grave. Ora, dos autos não resulta evidente que os RR/Recorrentes, ao alegarem que a QQ, com a abertura das contas solidárias com a R./Recorrente LL, lhe estava a doar as respetivas quantias, quiseram alegar um facto que sabiam falso. Dos autos resulta tão só que não conseguiram provar tal facto.

           6ª - Facto não provado equivale a facto não alegado e nunca que se tenha provado o contrário. A resposta negativa a um quesito revela apenas que o facto quesitado se não provou e não que se tenha demonstrado o contrário; é como se o facto não tivesse sido articulado (Ac. STJ, de 28.05.1968 in BMJ, 177°-260).

           7ª - O facto de na ação os RR./Recorrentes não terem tido ganho de causa não significa que tenham agido norteados por qualquer dos fins ou estados de espírito reprováveis.

          8ª - Não se indicia por isso nos autos má fé dos RR./Recorrentes.

          9ª - Revogando-se o Acórdão recorrido e proferindo-se Acórdão que acolha as conclusões precedentes se fará justiça.

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       Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta, por um lado, que a única questão a decidir é a de saber se o réus litigaram ou não de má fé, e, por outro, que os factos assentes são os seguintes:

       1 - QQ, solteira, faleceu aos 95 anos, no dia 06 de Abril de 2010, conforme assento de óbito n.º … do ano de 2010 lavrado na Conservatória do Registo Civil de … (A).

       2 - Correu termos no 1.º Juízo desse Tribunal Judicial de Paços ... o processo de inventário n.º 829/10.1TBPFR por óbito de QQ, no âmbito do qual desempenhou as funções de cabeça de casal a aqui autora HH, e no qual foram interessados os seguintes sobrinhos: AA, CC, EE, FF, a já referida HH, II, JJ e KK (B).

       3 - Aquando da tomada de declarações da cabeça de casal, no âmbito do processo referido em B), foi ali declarado que a finada QQ faleceu no estado de solteira, sem descendentes ou ascendentes vivos, não tendo deixado quaisquer outros herdeiros para além dos ali identificados e que deixou os seguintes testamentos:

       - testamento público de 19 de Março de 1980 pelo qual institui sua única e universal herdeira sua sobrinha RR, falecida antes da testadora, no estado de solteira e sem descendentes ou ascendentes vivos;

       - testamento público de 26 de Março de 2002, instituindo legados a favor de LL e marido MM, e SS e mulher TT;

       - testamento público de 18 de Abril de 2005, instituindo legado a favor de LL;

       - testamento público de 5 de Maio de 2005, instituindo legado a favor de LL e marido MM, revogando o legado instituído a favor de SS e mulher TT, tudo como flui do teor da certidão de fls. 27 a 70, e de fls. 142 a 157 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (C).

       4 - No âmbito do processo de inventário aludido em B), para além de bens imóveis, foi relacionado sob a epígrafe “dinheiro”, duas verbas consistentes nas quantias de €30.273,04 e €206.177,59, identificadas como estando, respectivamente, depositadas, aquando da data de óbito de QQ, no UU OO e no PP S.A., tudo como flui do teor da certidão de fls. 27 a 70 destes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (D).

       5 - Por auto de expropriação amigável datado de 26 de Agosto de 2004, declararam, por um lado, o Instituto das Estradas de Portugal – IEP, e QQ, por outro, acordarem na realização de expropriação amigável através da qual esta última cedia a propriedade de uma sua parcela de terreno, sita na Freguesia …, pelo valor de €35.825,00, montante que declarou ter já recebido, tudo como flui do teor de fls. 86 a 91 que aqui se dá por integralmente reproduzido (E).

       6 - Por auto de expropriação amigável datado de 26 de Agosto de 2004, declararam, por um lado, o Instituto das Estradas de Portugal – IEP, e QQ, por outro, acordarem na realização de expropriação amigável através da qual esta última cedia a propriedade de uma sua parcela de terreno com a área de 1049 m2, sita na Freguesia ..., pelo valor de € 5.245,00 a título de indemnização, montante que declarou ter já recebido, tudo como flui do teor de fls.79 a 83 que aqui se dá por integralmente reproduzido (F).

       7 - QQ, por um lado, e VV, por outro, declararam aos 19 de Outubro de 2007, por escritura pública, aquela primeira vender ao segundo, pelo preço global de seis mil euros já recebido, dois prédios rústicos, a saber, um deles descrito na competente Conservatória sob o n.º … e o outro descrito sob o n.º …, ambos da freguesia ..., concelho de Paços ..., o que o segundo declarou aceitar, tudo conforme teor da certidão de fls. 92 a 95 que aqui se dá por reproduzido (G).

       8 - QQ, por um lado, e XX, na qualidade de representante e administrador único da sociedade ZZ, S.A., por outro, declararam aos 19 de Outubro de 2007, por escritura pública, aquela primeira vender à representada do segundo, pelo preço global de quarenta e um mil oitocentos e catorze euros já recebido, sete prédios rústicos, a saber, os descritos na competente Conservatória sob os n.º …, …, …, …, …, …, …, todos da freguesia ..., concelho de Paços ..., o que o segundo declarou aceitar para a sua representada, tudo conforme teor da certidão de fls. 96 a 100 que aqui se dá por reproduzido (H).

       9 - A conta de depósitos à ordem n.º …, do balcão de Paços ... do UU OO, tinha como titulares QQ e a primeira ré LL, tendo sido estabelecida a movimentação solidária da dita conta (I).

       10 - A ré LL levantou da conta mencionada em I), em 06.04.2010, a quantia de €30.273,04 (trinta mil e duzentos e setenta e três euros e quatro cêntimos) (J).

      11 - A ré LL, no dia 06 de Abril de 2010 liquidou a aplicação denominada … III, que foi creditada na conta à ordem mencionada em I) com o valor de €30.273,04, e emitiu um cheque ao portador com o n.º …, do montante existente na conta à ordem, que endossou, depositando-o noutra instituição de crédito (L).

       12 - A conta de depósitos à ordem n.º …, da entidade bancária PP, S.A., tinha como titulares QQ e as rés LL e NN, tendo sido estabelecida a movimentação solidária da dita conta (M).

       13 - No dia 06 de Abril de 2010, após o óbito aludido em A), a ré LL deslocou-se ao PP, onde liquidou antecipadamente dois depósitos a prazo, dos montantes de €126.000,00 e €80.000,00, que haviam produzido juros, o que fez com que, na conta mencionada em M), onde foram creditados os aludidos valores, ficasse com um saldo de €206.177,59 (N).

       14 - A primeira ré emitiu um cheque ao portador com o n.º …, do montante total existente referido em N) (O).

       15 - RR faleceu em 19 de Dezembro de 2001, no estado de solteira e com 62 anos de idade, e era sobrinha de QQ (P).

       16 - A primeira ré, apesar de instada pelos autores, para devolver as quantias mencionadas em D), recusou-se a fazê-lo (Q).

       17 – Após o facto aludido em O), a Ré LL endossou tal cheque por forma a depositar a referida quantia monetária numa conta de que era a única titular (1º).

       18 – As quantias monetárias referidas em D), resultaram de dinheiro aforrado pela finada QQ ao longo da sua vida, bem como de diversas vendas de prédios que realizou e resultaram, ainda, dos juros relativos às aplicações daquele dinheiro que foram feitas pela referida QQ (2º).

       19 - E ainda de diversas indemnizações nos valores de €30.310,00, €5.245,00 e €35.825,00 que lhe foram entregues pelo Instituto das Estradas de Portugal - IEP, em Maio e Agosto de 2004, na sequência da construção da A42/IC 25 Nó da Ermida (3º).

      20 - Em 31.12.2003, QQ, dispunha já de um valor de €171.217,69, depositado a prazo no AAA (4º).

      21 – A primeira Ré trabalhou, durante anos, em casa de QQ, cozinhando, fazendo limpezas, arrumações e cuidando da D. QQ (5º).

       22 - Sendo que o único rendimento de que dispunha advinha de tal atividade (6º).

       23 - A co-titularidade das contas mencionada em I) e M) ficou-se a dever ao intuito de se obter maior facilidade na movimentação das ditas contas, atenta a idade que, à data da abertura das ditas contas, QQ já apresentava (7º).

       24 - A segunda Ré era visita da casa de QQ, sendo pessoa da sua confiança, e só por esses motivos terá ingressado na conta referida em M) (8º).

       25 - A ré LL, há cerca de 15 anos atrás, trabalhava numa serração e auferia um salário não concretamente apurado mas não superior ao salário mínimo nacional existente à data (9º).

      26 - A ré LL deixou de trabalhar nos termos aludidos em 9º, há cerca de 14 anos, a pedido de QQ, que lhe pediu que viesse tratar dela e de RR (10º).

       27 - Pessoas estas que precisavam de acompanhamento e cuidados permanentes de terceira pessoa, atentos os problemas de saúde que padecia BBB e idade que apresentava QQ (11º).

      28 - Por força do referido em 10) e 11), a primeira ré passou a vestir, dar banho, alimentar, chamar os médicos a casa quando tal fosse necessário e ministrar os medicamentos receitados, a QQ Coelho (12º).

      29 - Quinze dias antes do falecimento de QQ esta acamou, o que fez com que a primeira ré redobrasse os cuidados e acompanhamento àquela, mudando-lhe fraldas e aplicando cremes para evitar escaras (13º).

       30 - Cuidados estes que se mantiveram até ao facto referido em A) (14º).

       31 - Os autores BB, CC e DD nunca visitaram QQ Coelho (15º e 16º).

      32 - A ré LL suportou as despesas inerentes ao funeral de Maria QQ, no valor de €1.540,00 (18º).

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       Como se referiu, os autores pediram, na réplica, a condenação dos réus por litigância de má fé, essencialmente por estes afirmarem falsamente que a falecida QQ doara à primeira ré todas as quantias depositadas nas contas bancárias identificadas, sendo esta que custeava as despesas da falecida, nomeadamente com alimentação.

       A sentença da 1ª instância concluiu pela inexistência de má fé por ter entendido que não ficaram provados factos que permitissem dizer, com total segurança, que os réus usaram o processo de forma manifestamente reprovável, agindo dolosamente, com vista a entorpecer a ação da justiça.

      Tendo os autores recorrido da mesma sentença na parte em que assim decidiu, a Relação, no acórdão recorrido, concluiu que, pelo contrário, não restavam dúvidas no sentido de que os réus recorrentes sabiam que a D. QQ não dera à ré LL o dinheiro depositado nas contas; no entanto, afirmaram na contestação ter sido feita tal doação, e sustentaram essa versão durante a audiência de discussão e julgamento e nas alegações da apelação, pelo que tinha de se concluir que deduziram oposição cuja falta de fundamento não ignoravam e que alteraram a verdade dos factos, assim incorrendo na previsão das als. a) e b) do n.º 2 do art.º 456º, hoje 542º, do Cód. Proc. Civil.

       É isto que os réus recusam aceitar, sustentando no essencial que, se é certo que não conseguiram que fosse dado por provado que as aludidas quantias depositadas nas contas bancárias foram doadas pela D. QQ à primeira ré, também não ficou provado o contrário.

       Nos termos daquelas alíneas, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar” (a), ou “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” (b).  

      Não basta, assim, para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta: tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorretamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

       Desde logo, tendo os autores afirmado na petição inicial (art.º 16º), para demonstrarem não poderem as quantias em causa pertencer à primeira ré, que esta não tinha outros rendimentos para além dos que auferia como empregada doméstica da D. QQ, os réus impugnaram essa matéria (art.º 6º da contestação). Ora, o que sobre essa matéria ficou assente foi que efetivamente a dita ré trabalhou, durante anos, em casa da D. QQ, cozinhando, fazendo limpezas, arrumações e cuidando da D. QQ, sendo que o único rendimento de que dispunha advinha de tal atividade. 

      Por outro lado, na contestação, afirmaram as rés, no que foram secundadas pelo réu na resposta ao pedido de condenação por litigância de má fé formulado na réplica, que a primeira ré pagava a comida e outras despesas da D. QQ, e que esta, quando foram abertas as contas bancárias, teve intenção e quis doar à mesma ré todas as quantias ali depositadas, conferindo-lhe a qualidade de titular nos respetivos contratos de depósito bancário para lhe entregar, como entregou, todas as aludidas quantias.  

       Não ficou, porém, provada tal doação. Como se vê da enumeração dos factos provados acima feita, o que se demonstrou, além da proveniência das quantias em causa, determinante da propriedade das mesmas na titularidade da D. QQ, foi que a co-titularidade das contas bancárias em questão se ficou a dever ao intuito de se obter maior facilidade na respetiva movimentação, face à idade que a D. QQ apresentava já na data da abertura das mesmas. Ou seja, a intenção da D. QQ ao conferir à ré LL a qualidade de titular dos mencionados depósitos, ao contrário do que os réus repetidamente afirmaram, não foi a de fazer das quantias depositadas doação àquela, mas apenas a de obter maior facilidade de movimentação das ditas quantias, com recurso aos serviços da mesma LL, - que para ela trabalhava -, devido à avançada idade da D. QQ, que veio a falecer em Abril de 2010 já com 95 anos, não criando em consequência qualquer direito de propriedade da primeira ré sobre as quantias depositadas.

      Assim, não só não se provou a dita doação, como se provou mesmo que ela inexistiu.

       Não pode, em consequência, deixar de se concluir pela falsidade consciente com que os réus afirmaram a mencionada e inexistente doação, inexistência essa que forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, e portanto com dolo, oposição cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, o que integra o estatuído nas citadas alíneas a) e b), preenchendo os requisitos para se concluir pela litigância de má fé por parte dos réus.     

      Termos em que se entende que o presente recurso não merece provimento.

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       Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido também na parte aqui apreciada.

       Custas, da presente revista, pelos recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

       ***                                       ***                                        ***

                                 Lisboa,  18 de Fevereiro de 2015

Silva Salazar (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira