Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1147/09.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO PARCIÁRIO
COOPERAÇÃO INTER-EMPRESARIAL
CARTÃO DE DESCONTOS
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
INEXIGIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL
Doutrina: - Batista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento, Obra Dispersa, vol. I, p. 143; in RLJ, 118.º, p. 281.
- Brandão Proença, Lições do Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, pp. 118 a 190.
- Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pp. 390 e 431.
- Ferreira de Almeida, Contratos, vol. III, pp. 128, 134.
- Maria de Lurdes Ferreira, Conceito de Prestação e Destino da Contraprestação, p. 270.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VI, 2ª ed., pp. 566, 568.
- Pinto de Oliveira, Estudos Sobre o não Cumprimento das Obrigações, 2.ª ed., p. 69.
- Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 7.ª ed. p. 151.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 437.º, 564.º, N.º1, 566.º, 762.º, N.º2, 808.º, 1170.º
DEC.- LEI Nº 178/86, DE 3-7: - ARTIGO 30.º.
Sumário :

1. As normas que regulam o contrato de agência podem ser aplicadas, por analogia, a outros contratos de semelhante natureza, na área da cooperação inter-empresarial, como acontece com o contrato de parceria entre uma empresa vendedora de combustíveis e uma associação de automobilistas tendo por objecto o fornecimento, com desconto, de combustíveis aos respectivos associados, revertendo para a associação uma comissão por cada litro de combustível vendido.

2. Para além dos motivos de resolução previstos nas normas gerais do direito das obrigações, pode ser invocado o fundamento de resolução previsto no art. 30º do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7, quando as circunstâncias permitirem concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual.

3. Tal sucede numa situação em que, tendo sido previsto um determinado desconto aos associados, através da utilização de um cartão especificamente atribuído, se verifica que, na pendência do contrato, tanto o contraente como as empresas concorrentes na área de venda de combustíveis passaram a oferecer aos consumidores em geral descontos de valor equivalente ou mesmo superior aos que eram conseguidos com a apresentação do cartão, levando a que, em determinadas circunstâncias, o seu uso se revelasse prejudicial para os associados, em comparação com outros descontos que se mostravam generalizadamente acessíveis, e determinando ainda que, por motivo da redução das vendas através do cartão, a associação que o promovera sofresse a correspondente redução na comissão acordada.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM no SUPREMO TRIBUNAL de JUSTIÇA:

I – R., S.A., intentou declarativa, na forma ordinária, contra

A. pedindo a condenação no pagamento da quantia de € 5.292.000,00, a título de indemnização pelos lucros cessantes decorrentes de a R. ter indevidamente resolvido o contrato celebrado, da quantia de € 63.346,18 que a R. tem obrigação de restituir à A. nos termos do mesmo contrato e ainda na indemnização que vier a ser apurada pelos danos que o comportamento da R. causou à imagem e marca da A.

Fundamentou a sua pretensão no facto de ter celebrado com a R., em 22-12-06, um contrato, pelo prazo de 5 anos, que permitia que os sócios da R., detentores do Cartão Quota Sócio A., obtivessem desconto imediato nos postos de abastecimento aderentes RP, assistindo à R. o direito a uma comissão por cada litro de combustível vendido.

A 2-2-09, a R. entregou à A uma carta por via da qual informava que decidira resolver o contrato, com efeitos imediatos, decisão unilateral e injustificada que lhe causou prejuízos, perdendo grande número de clientes consumidores e volume de vendas.

Ademais, o fim da parceria comercial provocou danos na imagem da A. e nas marcas de que é detentora.

Acresce que a A. participou com € 500.012,85 nos anos de 2007 e 2008 para despesas de marketing e promoção do A., tendo o direito de ser reembolsada nos termos contratuais.

A R. contestou e alegou que estava interessado em obter para os seus sócios condições mais vantajosas na compra de combustíveis e serviços complementares nas estações de serviço.

A cessação por facto imputável ao A. implicava o reembolso parcial à A. RP das contribuições para marketing e promoção do A.. Era uma cláusula penal estipulada contratualmente. A perda decorrente da quebra de volume de vendas não constitui um dano indemnizável. Por outro lado, tendo sido fixada cláusula penal, não foi estipulada a possibilidade de ressarcimento pelo dano excedente.

Da composição dos interesses em jogo (resolução livre e unilateral do contrato pela A, sem consequências; reembolso parcial pela R. das contribuições que recebeu caso lhe seja imputável a cessação do contrato) não se compagina com a indemnização por lucros cessantes que assim se apresenta irrazoável e desproporcional.

As vantagens previstas no contrato desapareceram a partir do 2° semestre de 2008, em resultado das condições que passaram a ser oferecidas pela A. e pelas restantes gasolineiras aos seus clientes, resultando esvaziado o conteúdo do contrato, sendo que as condições oferecidas aos sócios do A. constituíam uma desvantagem relativamente aos demais clientes. A última proposta avançada pela A. para solucionar a situação era precária, não assegurando as vantagens contratualmente concedidas aos sócios do A..

De Fevereiro para Março de 2009 aumentou o volume de vendas da A. aos sócios do R., não sendo possível apurar se esses sócios continuam a abastecer sem usar o cartão.

A A replicou, opondo-se a que houvesse fundamento para a cessação do contrato, nos moldes avançados pelo R.

Na audiência de discussão e julgamento, a A. requereu a redução do pedido, a qual foi admitida: redução de € 2.499.000,00 para € 1.030.475,78 da indemnização respeitante a prejuízos sofridos por lucros cessantes no período de 1-4-09 a 31-8-10 e condenação da R. a pagar-lhe a quantia que vier a apurar-se em sede de execução de sentença a título de indemnização pelos prejuízos correspondentes a lucros cessantes reportados ao período de 1-9-10 a 18-4-12.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que condenou a R. no pagamento da quantia de € 1.030.328,07, bem como a quantia que vier a liquidar quanto ao período decorrido entre Setembro de 2010 e 18-4-12.

Foi interposto pela R. recurso de apelação, sendo proferido acórdão que revogou a sentença e julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. do pedido.

Não se conformando com a decisão interpôs recurso a A. alegações em que essencialmente concluiu:
a) Embora a prestação a que a RP estava obrigada se não tivesse tomado impossível, entendeu a Relação que o objecto do negócio jurídico se frustrou.
b) O facto acrescentado pela Relação (ponto 44º) não passa de uma mera conclusão que nem corresponde à verdade, nem está demonstrada.
c) A Relação concluiu desse modo pelo facto de a RP ter passado a conceder aos seus consumidores, aos fins-de-semana, um desconto de € 0,05/litro, enquanto aos sócios do A. o desconto contratado era, em Janeiro de 2009, de € 0,04/litro.
d) As partes contraentes tinham convencionado que os sócios do A. que fossem portadores de cartões "Quota Sócio" teriam direito a adquirir combustíveis beneficiando do desconto de € 0,03/litro, IVA incluído - em Maio de 2008 foi alterado para € 0,04/litro, IVA incluído - sempre que se abastecessem nos postos da rede RP que fossem aderentes; e por cada litro vendido nessas condições o A. receberia um rappel de € 0,01/litro, IVA incluído.
e) As partes contraentes não convencionaram que os sócios do A. teriam sempre o melhor desconto que estivesse a ser oferecido no mercado e também não convencionaram que a RP estava impedida de implementar outros planos de descontos ou de negociar benefícios ou descontos com outras entidades.

f) No contrato que a RP e o A. assinaram ficou convencionado que os sócios não teriam direito ao desconto contratado se se verificasse alguma das 3 seguintes situação:

- se pagassem o abastecimento usando um cartão S., por este conferir outros benefícios;

- se no decurso de um dia já tivessem beneficiado de um desconto global de € 3,00 (o que equivalia a já terem, nesse dia, adquirido 100 litros); e
- se optassem por outra promoção que nesse posto estivesse a ser praticada.
g) Esta cláusula é perfeitamente clara e exprime a vontade manifestada pelas partes contraentes, devendo concluir-se, à luz do art. 236° do CC, que, por um lado, a RP não estava impedida de negociar outros planos de desconto com terceiras entidades e, por outro lado, que os sócios do A. não beneficiariam do desconto previsto no contrato se optassem por outro que no local estivesse a ser praticado.
h) O A., ao invocar que a RP teria passado a conceder nos seus postos, ao fim-de-semana, um desconto de € 0,05/litro a todos os que aí se abasteciam, levou a Relação a entender que a RP deixara de cumprir o contrato.
i) A Relação fez, por isso, uma interpretação incorrecta do contrato, pois não tomou em consideração o que as partes tinham convencionado sobre o regime de excepção a que atrás se faz referência, logo, a interpretação feita viola o disposto no citado art. 236° do CC e porque o sentido da declaração negocial é perfeitamente claro, não se justifica analisá-lo à luz do disposto no art. 237° do CC.
j) A Relação também não considerou relevante o facto de os sócios do A. poderem acumular, em muito dos postos da RP, o desconto a que tinham contratualmente direito com o desconto generalizado que a RP passou, a partir de certa altura, a conceder, ao fím-de-semana, à generalidade dos clientes que adquiriam combustíveis.
k) O facto acrescentado pela Relação é também desmentido pelos volumes mensalmente vendidos aos sócios do A. nos anos de 2007, 2008 e nos 3 primeiros meses de 2009, que se mantiveram constantes e sem evidenciarem diferenças significativas, pelo que a Relação extraiu uma conclusão contrária à que se retira da interpretação correcta dos factos que ficaram provados.
l) Entendeu a Relação que a RP agia deste modo para ter lucros a que não teria direito, uma vez que, levando os sócios do A. a abastecerem-se sem utilizarem o cartão, não pagaria o rappel devido ao A..
m) Lamentavelmente a Relação não percebeu que a RP não retirava disso qualquer benefício, dado que ou concedia € 0,04 ao sócio e € 0,01 ao A. o que perfazia € 0,05, ou concedia ao sócio o desconto de € 0,05 não retirando qualquer proveito ou lucro desta opção do sócio, e o A. não podia lamentar-se desta situação, pois esta alternativa ficara prevista no contrato que assinou.
n) Em Novembro de 2008, o A. manifestou à RP o seu desejo de alterar o contrato que estava em vigor, relativamente às condições de desconto que eram oferecidas aos sócios do A., por ter recebido uma proposta irrecusável da B., pelo que as partes iniciaram negociações com esse objectivo que duraram até Janeiro de 2009, mas não chegaram a acordo.
o) Entendeu a Relação que essas negociações se traduziram na revogação tácita do contrato de 22-12-06, entendimento que traduz a violação do disposto no art. 232° do CC, pois um contrato - ou a sua modificação - não fica concluído sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas haja julgado necessário o acordo.
p) Nos termos do disposto no art. 432° do CC, a resolução do contrato é admitida quando fundada na lei ou em convenção, e entendeu a Relação que, embora a prestação se não tivesse tornado impossível, a mesma se frustrara por culpa da RP, o que justificaria a resolução do contrato por iniciativa do A., atento o disposto no art. 801°, n° 2, do CC.
q) A Relação retirou dos factos provados uma conclusão que eles não comportam e, por isso, fez incorrecta aplicação desse preceito, pois a frustração do fim da prestação só ocorre quando a conduta a que o devedor se comprometeu ainda é possível mas, uma vez que dela não pode resultar qualquer utilidade para o credor, não faria sentido que o devedor a realizasse.
r) No caso dos autos, essas vantagens continuaram a existir, uma vez que, em relação aos sócios do A., se manteve o desconto no preço de venda ao público dos combustíveis e eventuais e diferentes condições oferecidas por empresas concorrentes ou por outros sistemas de desconto proporcionado pela própria RP em nada alteravam a situação de ela continuar a proporcionar aos sócios do A. aqueles descontos a que se tinha contratualmente obrigado.
s) Para ter havido frustração do fim da prestação seria necessário que as utilidades proporcionadas pela mesma tivessem desaparecido totalmente, o que no caso dos autos se não observa, logo, a decisão ofende o disposto nos arts. 432° e 801°, n° 2, do CC.
t) O fundamento da alteração das circunstâncias previsto no art. 437° do CC não tem qualquer suporte de facto, uma vez que o A. não provou que a razão por que assinou o contrato tivesse sido a de que os seus sócios tivessem, em cada momento, as melhores condições praticadas no mercado.
u) A pretensão do A., ao assinar o contrato em causa, foi a de proporcionar aos seus sócios a possibilidade de comprarem combustíveis beneficiando do desconto que contratou, desconto esse que era concedido em todo o país, em todas as horas do dia e da noite, desde que se abastecessem num posto da marca RP que fosse aderente.
v) Esse desconto tinha, assim, um carácter geral e não exigia do sócio do A. qualquer outra contrapartida para além de ter de pagar o preço respectivo; era, por isso, um desconto permanente, duradouro e constante e qualquer sócio do A. tinha capacidade para adquirir combustíveis nessas condições desde que o A. o habilitasse com o necessário cartão de desconto.
w) Estes pressupostos mantiveram-se, dado que os sócios do A. continuaram a poder comprar nas condições que estavam estipuladas; e se não usavam o cartão para poderem obter melhor desconto, era por opção sua, uma vez que o contrato o permitia.
x) As alterações do preço de venda dos combustíveis ao público sempre foram frequentes e constantes e são conhecidas de quem se abastece e da generalidade dos cidadãos, de modo que, por maioria de razão, nem a RP nem o A. podiam desconhecer que essas alterações são um risco próprio desse negócio, e já assim sucedia quando o preço máximo estava fixado administrativamente.
y) Porque as frequentes e constantes alterações do preço dos combustíveis são um risco próprio deste negócio, fica afastada a possibilidade de, com base na subida dos preço ao longo de alguns meses de 2008, se invocar a alteração das circunstâncias para efeitos da revogação do contrato ou da sua modificação, como dispõe o art. 437° do CC.
z) Mas mesmo que assim não fosse, sempre o A. teria de agir de modo a permitir à RP a possibilidade de propor a modificação do contrato em substituição da sua resolução.
aa) Porque o A. não agiu desta forma, incumpriu o contrato quando o resolveu antes do decurso do prazo que estava previsto, sem que para isso tivesse fundamento legal.
bb) E mesmo que, por absurdo, entendesse que a RP não estaria a cumprir definitivamente o contrato ou alguma das suas obrigações, sempre o A. a teria de interpelar para que, no prazo de 15 dias a contar da recepção dessa comunicação, pusesse termo ao incumprimento ou iniciasse as diligências necessárias a esse fim, na hipótese de não ser possível a imediata sanação do incumprimento – cláus. 3.5, n° 2.
cc) O A. não agiu desta forma, pois optou por fazer cessar o contrato com efeitos imediatos.
dd) A Relação, porque desconsiderou aquela cláusula 3.5, n° 2, violou o que preceitua os arts. 236°, n° 1, 432°, n° 1°, e 801° do CC
ee) Não foi provado qualquer facto que demonstre a má fé negocial da RP, dado que o contrato foi amplamente discutido pelas partes e as suas cláusulas retratam os entendimentos a que chegaram.
ff) Na execução do contrato, a RP sempre garantiu aos sócios do A. os benefícios a que tinham direito e pagou ao A. o valor do rappel que tinha de lhe pagar.
gg) Por ter feito cessar o contrato sem ter fundamento para isso, o A. violou o disposto no art. 432° do CC, incorrendo em responsabilidade civil, estando obrigado a pagar à RP os danos que o seu comportamento lhe causou.
hh) O contrato não prevê qualquer cláusula penal destinada a ressarcir os danos que uma parte tivesse causado à outra; ao invés, na cláus. 3.5, n.° 1, ficou consagrado que a parte que ficasse prejudicada pelo incumprimento definitivo do contrato por parte da outra, tinha assegurado o direito a uma indemnização por perdas e danos
ii) O A. incumpriu definitivamente o contrato quando o resolveu ilicitamente e celebrou com a BP um outro, que já estava a negociar quando o contrato com a RP ainda estava em vigor.
jj) Agindo deste modo e invocando fundamentos inexistentes, o A. quis e conseguiu desviar para a B. um significativo número de consumidores da RP a quem estavam fidelizados.
kk) O A. agiu para prejudicar a RP, impedindo que esta tivesse o retorno do investimento que fizera e fazia ao conceder descontos aos sócios do A..
ll) O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responde pelo prejuízo que causar ao seu credor - art. 798° do CC -, sendo que o A. não provou que tivesse procedido sem culpa - art. 799° do CC - pois não há factos provados que o comprovem.
mm)Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - art. 562° do CC - mas a indemnização deve ser fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível nem repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor - art. 566°, n° 1.
nn) O dever de indemnizar também compreende os lucros cessantes; e quanto aos danos futuros que não forem determináveis a sua fixação pode ser remetida para decisão ulterior - art. 564° do CC.
oo) A indemnização deve abranger todos os danos patrimoniais positivos, ou seja, as utilidades que se frustraram em virtude da não realização da prestação.
pp) Resulta dos factos provados que até 31-8-10 a RP deixou de vender aos sócios do A. 21.027.317 litros de combustível, o que corresponde a um dano de € 1.030.328,70, calculado com base na margem de lucro da RP que também ficou provada, pelo que, até essa data, é este o dano por lucros cessantes que a conduta ilícita do A. causou à RP
qq) Quanto ao dano causado após 1-9-10 e até ao termo do contrato que ocorria em 18-4-12 deve o seu apuramento ser remetido para momento posterior, por os autos não conterem elementos que permitam determiná-lo.
rr) Ao contrato que foi assinado pelas partes é inaplicável o disposto no DL nº 178/86 e a indemnização devida pelo A. nada tem a ver com a indemnização de clientela prevista no art. 33° deste diploma.
ss) Mas mesmo que se viesse a entender que seria de sujeitar-se o contrato ao disposto neste diploma, ainda assim estava assegurado à RP o direito de ser indemnizada pelos danos causados pelo A., por ser ilícita e sem fundamento a resolução do contrato.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

 II – Factos provados (organizados de forma lógica e/ou cronológica):
1. A A. é uma sociedade que tem por objecto a importação de produtos petrolíferos e a sua comercialização em postos de abastecimento, quer explorados por terceiros quer explorados por entidades que se integram no seu grupo de empresas – A);
2. O R. é uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública com a natureza de associação e tem por objecto a promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo – B);
3. Em 21-12-99 a A. RP e o R. A. assinaram o documento que denominaram PROTOCOLO (doc. nº 1 junto com a p.i.) e que veio a ser parcialmente alterado pelas partes em 18-1-01 (doc. nº 2) – C);
4. O Cartão S. permitia que esses sócios do A. se abastecessem de combustíveis nos postos da rede RP que fossem aderentes do sistema S. e se localizassem em Portugal ou em Espanha, a crédito e beneficiando de um desconto, sendo que quer o crédito, quer o desconto eram concedidos pela RP – D) e E);
5. Nos termos do referido Protocolo, os sócios do A. poderiam solicitar o Cartão S. através do A. (Cláus. 1ª, n° 2, do Protocolo), cartão que era propriedade da A., mas ostentava os logótipos do A. e da A., poderia ser utilizado como meio de pagamento nas estações de serviço aderentes e conferia ao seu titular um desconto na aquisição de combustível e um crédito no respectivo pagamento, mediante um financiamento a 30 dias (Cláus. 1ª, n°s 4, 5 e 6) – F), G) e H);
6. O Protocolo referia que o seu clausulado se destinava exclusivamente aos sócios aderentes (Considerando nº 4) – I);
7. A A. obrigava-se a pagar ao R. A. 1$00 por cada litro que facturasse com o referido Cartão S. (Cláus. 3ª) e a inserir publicidade na Revista A. num valor de PTE 17.000.000$00 por ano (Cláus. 4ª); se fossem alcançados 10.000 sócios activos e se fossem pagos, através do Cartão S., 10.000 litros anualmente, a A. pagaria ao A. mais 50 centavos por cada litro (Cláus. 6ª) – J) e L);
8. As partes acordaram que o Protocolo de colaboração teria uma duração inicial de dois anos, a contar da data da respectiva entrada em vigor, o que ocorreria 30 dias após a assinatura (Cláus. 7ª, n° 1, e 15ª), prazo que seria automaticamente prorrogável por iguais períodos, a não ser que uma das partes o denunciasse o com a antecedência de 90 dias relativamente ao final de cada período (Cláus. 7ª, n° 1) – M) e N);
9. Se no prazo de 9 meses a contar da entrada em vigor não tivessem sido alcançados 2.000 sócios activos, com um consumo médio mensal de PTE 6.000$00 por sócio, através do cartão S., a A. poderia pôr-lhe termo unilateralmente, ficando o Protocolo sem efeito (Cláus. 7ª, n° 2) – O);
10. Na hipótese de cessação antecipada, por não terem sido atingidos os limites mínimos de clientes e a facturação, a A. reservava-se o direito de oferecer aos sócios do A. que tivessem aderido ao cartão S. um cartão alternativo, com vista a que permanecessem seus clientes (Cláus. 7ª, n° 2) – P);
11. O Protocolo de 1999 representou, no mercado português, uma inovação na venda de combustíveis a retalho, pois, em Dezembro de 1999, nenhuma das restantes grandes empresas petrolíferas concedia descontos no segmento dos consumidores particulares onde se situam os sócios do A. – AA);
12. Ao assinar tal Protocolo, a A. teve em vista estabelecer uma parceria com uma instituição com o prestígio do A., por ser uma associação que congregava cerca de 200.000 sócios, dos quais cerca de 130.000 consumiam produtos petrolíferos (constava daquele, além do mais, o seguinte Considerando: “o A. está interessado em obter para os seus sócios condições mais vantajosas na compra de combustíveis e serviços complementares …”) – 1º;
13. Por esta forma, a A. pretendeu angariar e fidelizar como seus clientes sócios do A. – 2º;
14. Por Aditamento de 18-1-01, o Protocolo de 1999 passou a ter a duração de 4 anos a contar da sua data de entrada em vigor (em 21-1-00) e a ser prorrogável por períodos de 2 anos, a não ser que fosse denunciado por uma das partes com a antecedência de 90 dias relativamente ao final de cada período (doc. nº 2) - Q);
15. Em 2003, havia 50.000 sócios do A. aderentes ao Cartão S., dos quais 14.000 encontravam-se inactivos – 3º;
16. Por Aditamento de 1-7-03, as partes alteraram o Protocolo de colaboração (doc. nº 3) – R);
17. O respectivo prazo de duração passou a ser de 3 anos, a contar da entrada em vigor desse Aditamento, renovável por iguais períodos, se não fosse denunciado por nenhuma das partes, com a antecedência de 90 dias relativamente ao termo de cada período (Cláus. 6ª) – S);
18. Nesse Aditamento foi eliminada a faculdade de a A. pôr termo antecipado ao Protocolo, se, no prazo de 9 meses, não fossem atingidos 2.000 sócios e 6.000$00 médios mensais por sócio de facturação e também foi eliminado o prémio a que o A. teria direito se fossem atingidos 10.000 sócios activos – T) e U);
19. A A. deixou, por força do referido Aditamento, de se encontrar obrigada a despender PTE 17.000.000$00 em publicidade – V);

20. As partes acordaram em que:

“1. A base de dados dos sócios do A. poderá ser utilizada para prosseguir os fins deste protocolo, mas a sua utilização será sempre feita pelo A..
2. Cessada a vigência do presente Protocolo, a RP é livre de usar a base de dados dos utilizadores do Cartão A./S. em conformidade e rigoroso respeito pelas normas de utilização e regulamentação emitidas pela RP para o efeito” – X);
21. No plano de marketing 2003, que constitui o Anexo II ao Aditamento de 1-7-03, era definido como objectivo reactivar 10% dos sócios (i.e., 1.400 sócios) que não utilizavam o cartão há mais de 6 meses – Z);
22. A partir de 2004 o número de postos aderentes da rede RP quadruplicou em Portugal Continental e estendeu-se às Regiões Autónomas, pelo que os sócios do A. passaram a dispor de mais de 400 postos de abastecimento situados de Norte a Sul do Continente e nas ilhas da Madeira e dos Açores – AB);

23. O Protocolo e seus aditamentos traduziu-se no seguinte volume anual de vendas de combustíveis RP que foram efectuadas aos sócios do A. portadores do indicado cartão S., conf. docs. fls. 463 a 492:

- de Maio de Dezembro de 2000 - 11.478,787 litros;

- durante o ano de 2001 - 30.904.789 litros;

- durante o ano de 2002 - 34.777.000 litros;

- durante o ano de 2003 - 34.107.352 litros;

- durante o ano de 2004 - 28.287.867 litros;

- durante o ano de 2005 - 27.416.213 litros

e
- durante o ano de 2006 - 25.539.294 litros – 4º;

24. Em 22-12-06, a A. RP e o R. A. celebraram um Contrato nos termos do qual ajustaram as condições em que a A. atribuiria o Cartão Quota Sócio A. que permitia aos sócios do A. obter descontos ao adquirirem combustível nas estações de serviço da A., não servindo como meio de pagamento, bem como as condições de concessão de Cartões S. que podiam ser utilizados pela frota e colaboradores do A. para pagar o combustível e outros produtos nas entidades integradas no sistema S. (Considerandos C) a F) e Cláus. 1.1., n° 1, do doc. nº 4 junto à petição) – AC) e AD);

25. Do Contrato de 22-12-06, constam os seguintes "Considerandos":

A - O A. é uma entidade que tem por objecto a promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo, sobretudo no que respeita à defesa dos interesses dos seus associados em todas as situações e aspectos relacionados com aqueles objectivos;

B - No exercício da sua actividade social o A. está interessado em oferecer aos seus sócios condições mais vantajosas na aquisição de combustíveis nas Estações de Serviço RP em Portugal;

C - A RP desenvolveu os meios técnicos e operativos que permitem aos titulares de determinados cartões beneficiar de vantagens na aquisição de combustíveis nas referidas Estações de Serviço - denominado cartão quota sócio, sendo que internamente o A. designará este cartão como cartão RP A.;

D - Os colaboradores do A. utilizam viaturas automóveis;

E - A RP desenvolveu um serviço internacional de cartões (comerciais) - sistema S. - como sistema de pagamento, pelo qual os utilizadores dos cartões podem adquirir combustíveis e outros produtos (petrolíferos ou não) e serviços, abrangidos pelas diferentes categorias de compra do Cartão S., nas entidades que, em cada momento estejam integradas no sistema S.;
F - É do mútuo e recíproco interesse das partes colaborar em vista da atribuição aos sócios A., de cartões quota sócio e ao A. de cartões S. para utilização pela sua frota e pelos seus colaboradores - doc. de fls. 60 e segs. (com sublinhado nosso);
26. Com a assinatura do Contrato de 22-12-06 a A. pretendeu manter e reforçar a parceria que, desde 1999, mantinha com o A., incrementar a venda de produtos petrolíferos a um maior número de sócios do A., fidelizando-os como seus clientes habituais na aquisição de combustíveis e de outros produtos da marca RP – 5º;
27. O Cartão Quota Sócio A. seria exclusivamente atribuído aos sócios do A. que este autorizasse a aceder aos benefícios da rede de estações de serviço da A. (Cláus. 1.1., n°s 2 e 5) – AE);
28. Através da apresentação do Cartão Quota Sócio A. previamente ao pagamento, os sócios do A. teriam direito a um desconto de € 0,03/litro na aquisição de combustíveis nas estações de serviço aderentes e devidamente identificadas (Cláus. 1.2., n° 1, e 1.6) – AF);
29. Os sócios A., para beneficiarem do referido desconto, poderiam utilizar quaisquer meios de pagamento, excepto o Cartão Solred (Cláus. 1.2., n° 2) – AG);
30. O Cartão Quota Sócio A., propriedade do A., a quem cabia produzi-lo e entregá-lo aos sócios, teria no verso os logótipos da A. e da S. (Cláus. 1.4., n°s 1 e 4) e cada cartão teria uma banda magnética que permitiria a validação automática da autorização dada pelo A., aquando da utilização do cartão nas estações de serviço da A. (Cláus. 1.4., n° 2, e 1.6) – AH) e AI);
31. O A. não forneceria mais dados pessoais dos sócios aderentes, registando no cartão um número interno, ao qual a A. associaria as aquisições de combustível (Cláus. 1.4., n° 3) – AJ);
32. A A. reservou-se o direito de tratar e utilizar os dados das transacções realizadas com o Cartão Quota Sócio A. para actividades de marketing (Cláus. 3.2., n° 2) – AL);
33. A A. suportaria os custos da primeira emissão e envio do Cartão Quota Sócio A. aos sócios activos à data do início do contrato, até ao valor de € 110.000,00, devendo o custo excedente ser deduzido à verba que a A. deveria despender em marketing (Cláus. 1.4., n°s 5 e 6), e o A. suportaria os mesmos custos com os novos sócios aderentes (Cláus. 1.4., n° 5) – AM) e AN);
34. As partes previram que o Cartão caducaria imediatamente com a cessação do contrato por qualquer motivo (Cláus. 1.4., n° 9) – AO);
35. As partes estipularam que o desconto só poderia ser revisto a partir do final do prazo inicial e sempre mediante o acordo do A. (Cláus. 1.5., n°s 1 e 2) – AP);
36. Mesmo que houvesse validação automática da autorização do A. ao sócio, este não beneficiaria de desconto se efectuasse o pagamento com o Cartão S., se atingisse o desconto diário de € 3,00 ou se optasse por outro desconto promocional não acumulável (Cláus. 1.6., n° 3) – AQ);
37. O A. teria direito a receber trimestralmente um rappel de € 0,01 por cada litro de combustível vendido com a utilização do Cartão Quota Sócio A. (Cláus. 1.7.) – AR);
38. Durante a vigência do contrato, a A. comparticiparia com o valor de € 1.200.000,00 para as despesas de marketing e promoção do A., devendo contribuir anualmente com aproximadamente € 240.000,00 (Cláus. 1.8., n°s 1 e 2), sendo excluída das referidas acções de marketing a publicidade da A. na Revista do A., no Mapa das Estradas A. e no Rally de Portugal (Cláus. 1.8., n° 3) – AS);
39. Foi estipulado um prazo transitório para utilização dos Cartões Solred emitidos ao abrigo do Protocolo de 21-12-99, até à expiração destes (Cláus. 1.9.) – AU);
40. Ficou estipulado que o contrato teria a duração inicial de 5 anos a contar da emissão do primeiro Cartão Quota Sócio A., renovando-se automaticamente por períodos de um ano, se nenhuma das partes o denunciasse com a antecedência de 60 dias relativamente ao termo do período inicial ou das sucessivas renovações (Cláus. 3.4., n° 1) – BA);
41. O prazo inicial de cinco anos previsto no contrato, datado de 22-12-06, iniciou-se a 19-4-07, dia da emissão do primeiro Cartão Quota Sócio A. (admitido por acordo - art. 20° da petição e 148° da contestação).
42. O A. obrigou-se a não celebrar, durante a vigência do contrato, quaisquer acordos com outras entidades para conferir aos seus sócios benefícios relacionados com a aquisição de combustíveis em estações de serviço (Cláus. 1.10.) – AV);
43. As partes reconheceram o elevado valor e reputação das respectivas marcas e assumiram a obrigação recíproca de não as utilizar dissociadas do contrato, de não as violar e de se informar reciprocamente de qualquer circunstância que as pudesse afectar (Cláus. 3.1.) – AX);
44. O A. obrigou-se a, durante a vigência do Contrato, não alterar, remover ou substituir a imagem da A. do Cartão Quota Sócio A. e reconheceu que não detinha qualquer direito de exclusivo relativamente à marca da A. (Cláus. 3.1., n° 2) – AZ);
45. A A. tinha ainda o direito de suspender ou de pôr termo, total ou parcialmente, ao contrato, em qualquer altura, em consequência da determinação de entidades oficiais competentes ou de decisão da A. (ou do grupo internacional em que se integra) no sentido de deixar de utilizar o Cartão Quota Sócio A. e/ou o sistema S. (Cláus. 3.4., n° 2) – BB);
46. Em caso de incumprimento definitivo do contrato por qualquer uma das partes, a outra parte teria o direito a resolvê-lo e de ser indemnizada por perdas e danos (Cláus. 3.5., n° 1) – BC);
47. O contrato considerava que se verificaria uma situação de incumprimento definitivo quando, 15 dias após a interpelação para a parte inadimplente cumprir as suas obrigações, esta última não as tivesse cumprido ou, caso fosse impossível fazê-lo nesse prazo, não tivesse iniciado os procedimentos para tanto (Cláus. 3.5., n° 2) – BD);
48. Em caso de cessação antecipada por facto que lhe fosse imputável, o A. teria de devolver à A., imediatamente e sem necessidade de interpelação para o efeito, parte das quantias recebidas a título de comparticipação para as despesas de marketing e de promoção determinada pela aplicação da fórmula: V = G - (€ 1.200.000,00/60*n°m, se o resultado da aplicação desta última não fosse negativo (Cláus. 3.5., n.° 3) – BE);
49. Mediante Aditamento ao contrato, assinado em 5-9-08, as partes acordaram em aumentar o desconto de € 0,03/litro, conferido pelo Cartão Quota Sócio A., para € 0,04/litro, o que produziria efeitos desde o dia 1-5-08 (fls. 120 e segs.) – BF);

50. Por via desse contrato, a A. concedeu ao próprio A. as seguintes vantagens:

- a possibilidade de ser atribuído ao A. um cartão “S. frota” para ser utilizado nos seus veículos e nos dos seus colaboradores e que lhes conferia o direito de comprar a crédito (concedido pela RP) e com um desconto imediato de € 0,04/litro nos abastecimentos de combustíveis efectuados nos mesmos postos aderentes - Capítulo II do doc. 4;

- a atribuição ao A. do direito de receber um rappel de € 0,01/litro de combustível vendido aos seus sócios com a utilização do cartão “QUOTA SÓCIO A.” e um rappel de € 0,005/litro de combustível vendido e pago com utilização do cartão “S. frota”;
- a atribuição ao A. do direito de receber a comissão de € 0,005/litro de combustível vendido e pago com a utilização do cartão “S.-A.” previsto no anterior Protocolo, enquanto se mantivesse a validade aposta em cada cartão em poder dos sócios – Cláus. 1.9. – BG);
51. De 1999 a 2008, a RP e o A. sempre respeitaram os contratos que firmaram e sempre procuraram optimizar as relações comerciais entre as duas instituições, apesar de no mercado nacional de combustíveis surgirem ofertas de descontos concedidos por empresas concorrentes – 23º;
52. Em Junho/Julho de 2008, com a subida do petróleo bruto de referência, instalou-se no mercado uma situação de permanente volatilidade dos preços de venda ao público dos combustíveis – 45º;

53. No segundo semestre de 2008, existiam no mercado dos combustíveis as seguintes condições de venda de combustível:

- Hipermercados:

- J.: oferecia um desconto entre € 0,10 a € 0,12/litro;

- L.: oferecia um desconto entre € 0,08 a 0,11/litro;

- M.: oferecia um desconto entre € 0,08 a € 0,11/litro.

- G.: oferecia um desconto diário de € 0,10/litro (€ 0,05 dados como desconto directo, adicionado de um talão de € 0,05 no Continente); cumulativamente, desde Novembro de 2008, oferecia um desconto aos fins-de-semana de € 0,06/litro.

- B: oferecia um desconto diário de € 0,06/litro, através do talão de descontos do Jornal … e do Diário … ou do talão de descontos do L.; cumulativamente, desde Novembro de 2008, oferecia um desconto aos fins-de-semana de € 0,06/litro.
- R.: oferecia um desconto de € 0,05/litro, aos fins-de-semana; cumulativamente, desde Novembro de 2008, oferecia um desconto de € 0,066/litro, descontando 400 pontos Cartão M. (cartão de pontos) em talão de € 2,00 (6,6 litros em 30 litros) – 46º;
54. Em Portugal existem cerca de 2.600 postos de venda de combustíveis pertencentes a empresas petrolíferas que cobrem todo o território nacional, e apenas cerca de 146 postos de venda pertencem a superfícies comerciais ou a hipermercados – 13º;
55. Os combustíveis que os hipermercados e outras superfícies comerciais fornecem aos seus clientes são diferentes de alguns dos combustíveis fornecidos nos postos das empresas petrolíferas, pois aqueles são combustíveis sem aditivos ao contrário de alguns dos fornecidos nos postos das empresas petrolíferas – 14º;
56. Os preços praticados por alguns dos hipermercados e outras superfícies comerciais são fruto de práticas comerciais agressivas, destinam-se a promover as vendas dos próprios estabelecimentos e, por vezes, obrigam o consumidor a fazer prévias aquisições de outros produtos que são vendidos nos mesmos espaços – 15º;
57. Os postos anexos aos hipermercados e a outras superfícies comerciais não têm cobertura nacional – 16º;
58. Em alguns postos RP, o desconto de € 0,04/litro a que dava direito o cartão dos sócios do A. não era cumulável com o desconto de € 0,05/litro oferecido aos fins-de-semana pela A. – 47º;
59. Em alguns postos de abastecimento RP onde se concediam descontos promocionais, os sócios do A. podiam acumular e acumulavam o desconto promocional com o desconto decorrente do uso do cartão, o que se traduzia num benefício acrescido - doc. fls. 444 a 454 – 11º;
60. Trabalhadores de algumas estações de serviço da A. alertaram sócios do A. para não utilizarem o Cartão Quota Sócio A., sob pena de pagarem um preço mais elevado e de lhes serem atribuídos menos pontos do que os atribuídos ao cliente utilizador do Cartão M. da A. – 48º;
61. No segundo semestre de 2008 as vantagens dos sócios do A. desapareceram em face das condições oferecidas quer pela A. RP quer pelas restantes gasolineiras (44º - considerado provado pela Relação);
62. A A. continuava a beneficiar do consumo dos sócios do A., já que estes, na expectativa de obterem um desconto com o seu cartão, continuaram a abastecer-se nas estações de serviço da A., mas, por vezes (onde não era possível acumular), sem utilizarem o referido cartão, porquanto conseguiam um maior desconto como clientes comuns, aos fins-de-semana – 50º;
63. Os sócios do A., atraídos para as estações de serviço da A., na mira do desconto do seu cartão de sócio, tomavam conhecimento de que ao fim-de-semana beneficiavam de um maior desconto – 51º;
64. Abastecendo os sócios do A. sem utilizar o Cartão RP/A., o R. A. não recebia rappel pela utilização do cartão – 52º;
65. Sócios do A. apresentaram-lhe reclamações (docs. fls. 1042 a 1063) – 53º;
66. O R. A. envidou esforços para salvar o contrato – 54º;
67. Em Novembro de 2008, o R. A. pediu à A. RP a revisão do plano de descontos que estava convencionado, justificando o pedido de revisão do plano de descontos formulado em Novembro de 2008 com a referência a proposta irrecusável apresentada pela BP (doc. fls. 1013 a 1040) – BI) e 18º;
68. A A. mostrou abertura para rever o contratado e, até ao fim de Janeiro de 2009, os representantes da A. e do R. conversaram nesse sentido (doc. fls. 876 e 884) – 19º e 20º;
69. Os descontos referidos pelo A. na carta de fls. 100 a 107 (de 29-1-09) que são concedidos por empresas petrolíferas (incluindo a RP) são descontos promocionais ou de campanha (no sentido de que as respectivas condições de venda são determinadas para aumentar o volume de vendas) que são oferecidos por algumas empresas petrolíferas para publicitar a marca que os concede ou para incrementar o consumo – 9º;
70. Os descontos concedidos pela A. aos sócios do R. A. eram descontos duradouros, constantes e permanentes; a A. concedia-lhes um desconto constante, duradouro e permanente praticado no mercado dos combustíveis – 10º e 17º;

71. Nesse contexto, a A. propôs ao R. A.:

- o desconto de € 0,05/litro durante a semana acrescido de mais € 0,01/litro nos abastecimentos ao fim de semana e de mais € 0,01/litro de rappel para o A. ou, em alternativa;
- o desconto de € 0.04/litro durante a semana acrescido de € 0,03/litro ao fim de semana e de mais € 0,01/litro de rappel para o A. – 21º, 55º e doc. fls. 1030 a 1032;
72. As propostas apresentadas pela A. tinham a validade de 3 meses, sendo a última proposta com prazo de 6 meses (docs. fls. 1030 a 1032) – 56º;
73. No número de Janeiro (de 2009) da sua revista mensal o A. anunciava na pág. 4 que:
“... tem vindo a negociar com todas a gasolineiras do país com o objectivo de conseguir melhores condições para os seus sócios dado que os € 0,04/litro já não são relevantes” – BJ;

74. Em 2-2-09, o A. entregou à RP, por protocolo, uma carta datada de 29-1-09 (doc. de fls. 100 a 107), da qual consta, para além do mais, o seguinte:

“(...) as vantagens previstas no contrato para os respectivos sócios deixaram de assumir a relevância que tinham à data da celebração do mesmo, face às ofertas que desde o segundo semestre de 2008 quer a RP quer as outras gasolineiras fazem aos respectivos clientes. (...) em Junho /Julho de 2008 verificaram-se grandes convulsões neste mercado com a subida do petróleo bruto de referência, instalando-se uma situação de permanente volatilidade nos preços de combustíveis de venda ao público, produzindo uma alteração imprevisível e anormal das circunstâncias.

(...) as ofertas praticadas pelas gasolineiras (...) ao público em geral levam a que as condições que a RP oferece aos sócios A. se traduzam numa clara desvantagem para estes últimos. Este facto consubstancia uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias nas quais as partes fundaram a decisão de contratar, com as legais consequências.

Por outro lado, a RP, ao conceder ao público em geral condições de aquisição de combustíveis mais vantajosas do que as que concede aos sócios do A. por via do contrato, está a agir de má fé, incumprindo o disposto no art. 762° do CC (...).

(…)

Esta atitude de gritante má fé que atenta gravemente contra os direitos do A., além das demais consequências gravosas, retira o conteúdo útil e o fim visado pelo Contrato, esvaziando-o.

(...) consta do contrato que o A. assentou a sua vontade de contratar na condição de obter para os respectivos sócios as “condições mais vantajosas na aquisição de combustíveis nas estações de serviço da RP em Portugal”. Essa condição, por motivo totalmente alheio ao A., actualmente, não se verifica, sendo a essencialidade da mesma do inteiro conhecimento (e aceitação) por parte da RP.

Face ao exposto, e atendendo:

I - À alteração verificada no mercado dos combustíveis, concretamente as condições mais vantajosas oferecidas ao público em geral pela generalidade das gasolineiras;

II - Ao incumprimento grave, reiterado e definitivo do Contrato por parte da A., que se traduzia em atribuir condições mais vantajosas ao público em geral do que às praticadas com os sócios do A. (esvaziando assim o Contrato, cujo objecto se tornou impossível, na medida em que o contrato resultava em desvantagem para os sócios A.);

III - Má fé nas negociações e no cumprimento do Contrato, com a consequente perda de confiança, essencial ao mesmo;

IV - Aos avultados prejuízos, o A. deliberou declarar a cessação do Contrato.

(...) a RP esvaziou o contrato, sendo o seu objecto impossível. (...) A impossibilidade do objecto do contrato conduziu à extinção do mesmo. Assim, encontrando-se extinto o contrato, o A. está desonerado de todas e quaisquer obrigações dele emergentes.
Encontra-se resolvido, com efeitos imediatos, o Contrato, uma vez que é impossível a sanação do incumprimento e da ilicitude da conduta da RP (...)” – BH);
75. O R. A. comunicou à A. RP a decisão de resolução do contrato conforme consta do ponto anterior e justificou essa sua decisão invocando que as vantagens previstas no contrato e concedidas aos seus sócios tinham deixado de assumir a relevância que tinham à data da celebração do contrato, por as empresas petrolíferas (incluindo a RP) e os hipermercados estarem a fazer outras ofertas mais vantajosas a quem aí se abastecia (docs. fls. 100 a 107) – 7º;
76. O R. A. não publicitou de imediato a decisão de resolução do contrato, não a comunicou aos seus sócios, nem cancelou os cartões “QUOTA SÓCIO A.” que os sócios continuaram a utilizar – BL);

77. Até final do 1° trimestre de 2009, nos postos de abastecimento RP praticaram-se e praticam-se dois tipos de promoção:

1º tipo - em dias determinados e não seguidos (happy day) uma Estação de Serviço pode promover vendas, concedendo um desconto que incida sobre o preço de venda ao público (PVP), desconto não acumulável com o concedido pela utilização do cartão “QUOTA SÓCIO A.”;
2º tipo - a A. decidia conceder um desconto que era logo incorporado no PVP, isto é, o preço constante da bomba de abastecimento já reflectia o desconto concedido: os sócios do R. A. portadores dos citados cartões beneficiavam de desconto acumulado, ou seja, o desconto da utilização era aplicado sobre o novo PVP (com o desconto já incorporado) – 58º;
78. Na sua revista de Abril de 2009, o R. anunciou aos seus sócios que firmara um contrato com a BP pelo qual passava a ser concedido aos seus sócios um desconto de € 0,06/litro nos abastecimentos de combustível, e em Abril remeteu aos seus sócios cartões para poderem abastecer-se na BP com aquele benefício - BM) e BN);
79. O desconto concedido pela BP é duradouro e o rappel acordado é superior ao proposto pela A. (docs. fls. 885 e 886) – 64º e 65º;
80. Por força da decisão unilateral tomada pelo R., a A. perde clientes consumidores que passaram a abastecer-se na sua concorrente BP – 24º;
81. Sócios da R. continuaram a abastecer-se nos postos RP utilizando ou o Cartão QUOTA SÓCIO A. ou o Cartão S.-A. – 25º;
82. A actuação do R., cessando o Contrato, provocou perdas na imagem da A. e nas marcas comerciais RP e S. – 42º;
83. Em média, o volume de vendas efectuadas de Abril de 2007 a Março de 2009 ascendeu a cerca de 100.000 litros/dia ou 3.000.000 litros/mês – 26º e 27º;

84. Nos meses de Abril a Dezembro de 2007 a A. vendeu combustíveis aos sócios do A. portadores de cartões, nas seguintes quantidades:

- de 18 a 30-4-07 - 760.196 litros

- em Maio de 2007 - 2.254.878 litros

- em Junho de 2007 - 3.209.766 litros

- em Julho de 2007 - 3.438.434 litros

- em Agosto de 2007 - 3.345.666 litros

- em Setembro de 2007 - 3.042.147 litros

- em Outubro de 2007 - 3.291.299 litros

- em Novembro de 2007 - 3.091.310 litros e
- em Dezembro de 2007 - 3.061.355 litros – 28º;

85. Em cada um dos meses de Janeiro a Dezembro de 2008 a A. vendeu aos mesmos consumidores as seguintes quantidades de combustíveis:

- em Janeiro de 2008 - 2.778.106 litros

- em Fevereiro de 2008 - 2.737.968 litros

- em Março de 2008 - 2.952.986 litros

- em Abril de 2008 - 2.834.760 litros

- em Maio de 2008 - 3.098.641 litros

- em Junho de 2008 - 3.001.637 litros

- em Julho de 2008 - 3.249.773 litros

- em Agosto de 2008 - 3.206.639 litros

- em Setembro de 2008 - 3.073.750 litros

- em Outubro de 2008 - 3.002.934 litros

- em Novembro de 2008 - 2.841.680 litros e
- em Dezembro de 2008 - 2.864.834 litros – 29º;

86. Em Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 a A. vendeu aos mesmos consumidores as seguintes quantidades de combustíveis:

- em Janeiro de 2009 - 2.666.174 litros

- em Fevereiro de 2009 - 2.744.158 litros e
- em Março de 2009 - 3.214.135 litros – 30º;
87. Por cada litro de combustível vendido no ano de 2008 e nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2009 a esses consumidores, a A. auferiu, em média, um lucro líquido de € 0,049, para apuramento do qual a A. tomou em consideração, nomeadamente, os custos operacionais (com transporte, armazenamento, comunicações e publicidade) bem como comissões, descontos que concedia e o rappel que pagava ao A. – 32º e 33º;
88. Após Março de 2009, a A. continuou a permitir que os Cartões Quota Sócio A. e S. A. fossem utilizados e tais cartões continuam presentemente a ser utilizados (docs. fls. 432 e segs) – 59º e 60º;
89. De Abril a Dezembro de 2009, a A. vendeu aos sócios A. portadores de cartões 17.891.254 litros de combustíveis (docs. fls. 834 a 860) – 66º;
90. De Janeiro a Agosto de 2010, a A. vendeu aos sócios do A. portadores de cartões 12.081.629 litros de combustíveis (docs. fls. 834, 861 a 869 e 1082) – 67º;
91. A A. financiou as provas desportivas designadas “Rali …”, “Raid …” e “Rali T.”, organizadas pelo A., aparecendo publicamente como seu sponsor – BO);
92. Os eventos referidos em 91. tiveram relevo na comunicação social, valorizaram a marca RP e foram testemunho de uma parceria – 39º;
93. No âmbito do contrato, a A. foi parceira do A. no evento desportivo “Rali T.” (doc. fls. 293) – 61º;
94. Pelo menos até 2007, a A. pagou publicidade inserida na revista mensal do A. – al. BP);
95. A parceria RP-A. reforçou a imagem da RP em Portugal – 35º;
96. Por força da parceria RP-A., foram colocadas bandeiras do A. em estações de serviço RP, bem como expositores com folhetos de inscrição no A. e este obrigou-se a ter informação respeitante à RP nas suas respectivas instalações e delegações – 36º;
97. A A. pagava um anúncio de uma página no Guia anualmente editado pelo A. e que este distribuía pelos seus cerca de 200.000 sócios – 37º;
98. Um anúncio à RP constava do Mapa das Estradas que o A. edita e distribui pelos seus cerca de 200.000 sócios, e ao pagar o preço desse anúncio a A. contribuía com uma parte do custo dessa edição – 38º;
99. No âmbito do contrato, a A. recusou o convite que o A. lhe dirigiu para o Rali de Portugal - 62º;
100. Em duas grandes artérias de circulação situadas em Lisboa – Av. de Ceuta e 2ª Circular - foi colocada publicidade às duas instituições que foi paga pela A. – 40º;
101. A publicidade na 2ª Circular já ali se encontrava desde o Protocolo – 63º;
102. Para o marketing e promoção do A., nos anos de 2007 e 2008, a A apenas contribuiu com o total de € 332.949,63 (€ 235.409,32 em 2007 e € 97.540,31 em 2008) – 57º.

III – Decidindo:

1. O caso com que nos defrontamos revela bem as dificuldades de integração jurídica das posições divergentes assumidas por cada uma das partes, respectivamente sustentadas em pareceres, divergências que igualmente se revelaram em ambas as instâncias.

Na sentença de primeira instância foram acolhidos os argumentos apresentados pela A., considerando ilegítima a declaração de resolução do contrato operada pelo R. A. e submetendo-a às consequências correspondentes ao incumprimento do contrato, sendo o R. condenado no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes.

Já a Relação aderiu aos argumentos arrolados pelo R. A. e, com diversificada fundamentação, considerou improcedente a acção.

Para o efeito, concluiu a Relação que:
- Existia fundamento para a declaração de resolução do contrato, atentas as alterações que entretanto ocorreram no mercado de distribuição de combustíveis, sem que a A. tivesse avançado com uma solução alternativa de modo a que o cartão RP/A. continuasse a favorecer efectivamente os sócios do A.;
- A A. não estava a cumprir efectivamente o contrato, na medida em que à generalidade dos consumidores passaram a ser proporcionadas condições que, no geral, superavam as que se destinavam especificamente aos sócios do A.;
- As comunicações estabelecidas entre as partes permitem afirmar a existência de uma revogação do contrato por mútuo acordo;
- Mesmo que houvesse lugar a indemnização, atenta a cessação antecipada do contrato por iniciativa unilateral do A., esta seria preenchida unicamente pelo valor resultante da aplicação da cláusula 3.5, nº 3, do contrato;
- Ainda que outros danos pudessem ser considerados, a RP não fez prova da sua ocorrência, tanto mais que, apesar da resolução declarada pelo A., continuou a fornecer os sócios portadores do Cartão RP/A., não podendo ainda ser invocados nesta sede os danos correspondentes ao interesse contratual positivo, mas apenas os relacionados com o interesse contratual negativo.

2. Antes de incidirmos sobre cada uma das questões com que somos confrontados no presente recurso de revista, importa que se façam algumas considerações sobre o contrato celebrado.

2.1. A RP é uma multinacional que se dedica à importação e comercialização ou distribuição de produtos petrolíferos. As especificidades dos produtos e as circunstâncias que rodeiam a sua exploração, refinação e distribuição tornam naturalmente compreensível a necessidade de garantir as melhores condições para a sua comercialização, sendo a venda final a última etapa numa cadeia de agentes económicos dependentes da maior ou menor adesão dos consumidores aos produtos.

É indiscutível a legitimidade do exercício de uma tal actividade tendente à obtenção de lucros, garantidas que sejam as regras da concorrência ou outras relativamente a produtos cruciais para a economia e para a vida das empresas e das pessoas.

Foi esse objectivo de alcançar lucros, através da penetração no mercado concorrencial, que motivou a RP a associar-se ao A., entidade que, como o indica a sua própria denominação, está ligada aos automobilistas, um target importante relativamente às empresas que comercializam combustíveis.

O esquema utilizado e que em 1999 surgiu com aspectos inovadores relativamente às práticas comerciais que até então vigoravam (numa altura em que os preços dos combustíveis ainda eram tarifados) assentava na criação de um cartão especificamente destinado aos sócios do A., possibilitando-lhes a aquisição a crédito, com benefício de descontos. Posteriormente, com o contrato outorgado em 2006, tal esquema foi subdividido em cartão de crédito para os consumos da frota do próprio A. e cartão de descontos para os consumos dos sócios do A.. Mecanismos que efectivamente permitiram que a RP alcançasse os objectivos pretendidos: penetrar naquele mercado específico, ampliar o conhecimento da sua marca, aumentar o volume das vendas, enfim, acrescentar mais-valia à actividade que desenvolvia centrada naturalmente na obtenção de dividendos.

Em contraponto, o A., como associação cujo desiderato é a promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo, agregando sócios que na sua generalidade serão detentores de veículos automóveis e, por isso, consumidores de combustíveis, visou, através daqueles instrumentos, facilitar ou desonerar a aquisição de produtos comercializados pela RP.

O objectivo directo do A. em tal relacionamento não seria seguramente o lucro, antes a defesa dos interesses dos respectivos associados em que naturalmente se inclui a obtenção de benefícios no que concerne aos combustíveis. Neste contexto, a possibilidade de aquisição de produtos a crédito e/ou o aproveitamento de descontos ou de outros benefícios em casos de aquisição dos produtos constituiu um fim igualmente legítimo e inteiramente compreensível. Por isso se compreende a conjugação de esforços que existiu e que levou a que celebrasse com a RP (tal como posteriormente veio a ocorrer com a concorrente BP) acordos que visavam tais objectivos.

Entre os “Considerandosde tal contrato refere-se – o que parece óbvio, mas que aqui ganha maior relevo – que o A. visa a “… defesa dos interesses dos seus associados …”, tendo expressado o seu interesse “em oferecer aos seus sócios condições mais vantajosas na aquisição de combustíveis nas Estações de Serviço da RP em Portugal”, assim se compreendendo a assunção, por parte da RP, da obrigação de proporcionar os descontos acordados dentro do período contratual previsto, ficando vedada a possibilidade de reduzir ou excluir o desconto previsto (Cláus. 1.5, n.º 2), enquanto, por seu lado, o A. se vinculava à exclusividade durante o período de vigência do contrato (Cláus. 1.10).

Prescrevia-se ainda a existência de responsabilidade contratual em casos de incumprimento das obrigações por cada uma das partes. Mas, em termos menos claros do que porventura se exigia, prescrevia-se, por um lado, a possibilidade de a RPsuspender ou dar por terminado o contrato” se acaso visse a ser “decidido” que os cartões “deixem de ser utilizados” (Cláus. 3.4, n.º 2) (“poderá suspender ou dar por terminado o presente contrato, em qualquer altura … se, quer a nível nacional, quer a nível internacional, for decidido que o Cartão Quota Sócio A. quer o sistema S. deixem de ser utilizados”).

De outra banda, “em caso de cessação antecipada do Contrato por causa imputável ao A., este ficaria obrigado a devolver à RP … as quantias desta efectivamente recebidas” respeitantes à comparticipação em despesas de marketing, segundo uma fórmula que as partes anteciparam.

2.2. Com o primeiro Protocolo de 1999 (e seus Aditamentos) e, depois, com o Contrato celebrado em 2006, cada uma das partes teve a suo quota-parte de interesses acautelados:
- A RP conseguiu ampliar o seu mercado de distribuição e de comercialização, obtendo a adesão de associados do A., a quem proporcionou a venda de produtos a crédito e/ou de descontos;
- Relativamente às suas próprias necessidades, o A. obteve crédito e/ou descontos na aquisição de combustíveis;
- O A., para além de alcançar para os seus associados os benefícios inerentes aos cartões, obteve ainda receitas correspondentes a uma parcela do preço de venda de cada litro de combustível;
- Em contrapartida da estreita colaboração que as partes concretizaram, o A. teve ainda a garantia da comparticipação da RP em despesas de marketing e de promoção do A. no montante anual aproximado de € 240.000,00;
- Os associados do A. conseguiram ou aquisições a crédito ou descontos sobre o preço de venda em cada momento.

Enfim, numa relação multifacetada que integrava, por um lado, a RP e as empresas revendedoras dos seus produtos e, por outro, o A. e os respectivos associados, a parceria comercial que por aquelas vias foi engendrada tinha como objectivos satisfazer pretensões e interesses de todos os sujeitos, revelando-se, grosso modo, uma relação equilibrada em que as prestações de cada um dos sujeitos acabavam por ser compensadas pelas contraprestações dos demais.

3. Dentro das questões suscitadas pela A. recorrente uma, com natureza prejudicial, merece primazia no tratamento.

A Relação, em resposta à impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela R. no recurso de apelação, alterou a resposta ao ponto 44.º da base instrutória. Tendo esse ponto sido dado como “não provado” na 1ª instância, a Relação considerou provado que “no segundo semestre de 2008 as vantagens dos sócios do A. desapareceram em face das condições oferecidas quer pela autora quer pelas restantes gasolineiras”.

Perante este resultado, conclui a recorrente que se trata de uma afirmação de cunho conclusivo e que, além do mais, resultou de uma errada apreciação dos elementos probatórios.

Vejamos:

As instâncias gozam de competência praticamente exclusiva no que concerne à apreciação da matéria de facto, exclusividade ainda mais acentuada quando se trata de proceder à valoração de meios de prova sujeitos a livre apreciação. Por seu lado, em regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir dentro dos estritos limites do nº 3 do art. 722º do CPC, situação que de modo algum pode ser configurada no caso presente.

Fora desses limites restritivos estão, porém, as situações em que, a pretexto da enunciação de um segmento que pretenda descrever a realidade submetida a apreciação ou reapreciação, se consigne como “facto provado” uma verdadeira “questão de direito” ou, com o mesmo significado, uma conclusão puramente jurídica, em vez de esta ser reflectida pela análise conjugada da matéria de facto. Considerando o n.º 4 do art. 646.º do CPC “não escritas” as respostas a questões de direito, o mesmo resultado deve ser declarado quando, porventura, semelhante situação seja vertida em acórdão da Relação. Em qualquer dos casos, inscreve-se nos limites de intervenção do Supremo Tribunal aferir tal situação e exercer o inerente poder anulatório.

Porém, a situação reportada não atinge as características que imponham tal resultado. Na verdade, não sendo, embora, a referida resposta uma inequívoca questão de facto, também não vai ao ponto de poder ser catalogada como pura questão de direito, entrando na categoria intermédia de juízos de facto cuja legitimidade ainda se inscreve nas atribuições as instâncias.

Sem que este Supremo Tribunal possa interferir no modo como a Relação reapreciou os meios de prova atinentes à matéria em causa, certo é que, como o revela o acórdão recorrido, a Relação deixou expresso o percurso valorativo que precedeu a alteração da decisão da matéria de facto, sendo o resultado declarado passível de ser valorado juridicamente por si e no contexto dos demais factos considerados provados.

4. Sem embargo da confirmação do resultado que desde já se antecipa, existem argumentos que foram utilizados no acórdão recorrido que não poderão ser subscritos. Referimo-nos desde já à pretensa revogação do contrato por consenso estabelecido entre as partes.

A revogação constitui uma das formas de extinção de contratos, maxime quando se trate de contratos de execução continuada. Mas, sem embargo dos casos, com expressa previsão legal, de revogação contratual, por efeito de declaração unilateral (v.g. art. 1170º do CC relativamente ao contrato de mandato), é exigido para o efeito o acordo das partes, o qual, podendo ser fruto de um processo negocial mais ou menos longo, há-de terminar por um consenso com o significado da revogação, enquanto extinção antecipada do contrato.

No caso, o A., confrontado com as novas circunstâncias que se verificaram no mercado de produtos petrolíferos, com as reclamações dos respectivos associados e com a evidente perda de benefícios para os sócios e para si, em comparação com os descontos que eram concedidos, de forma generalizada, por outras empresas, aos consumidores ou mesmo com os descontos que, dentro de certos limites, eram conferidos pela própria RP, confrontou esta empresa no sentido de serem introduzidas melhorias nas condições contratuais, a fim de se manter o factor de atracção dos seus associados e, por essa via, manter a taxa de rentabilidade que o contrato lhe proporcionava através do rappel.

A RP, em face desse confronto e da correspondente realidade, não afastou a renegociação do contrato, estabelecendo contactos e apresentando propostas de alterações. Mas o certo é que a última proposta que apresentou ao A., depois de este a ter confrontado com outra proposta que lhe fora dirigida pela concorrente BP, não correspondia às suas exigências daquele e, por isso, foi rejeitada.

Neste contexto, não sendo possível afirmar a existência de uma modificação contratual, menos ainda se mostra legítima a afirmação, a todos os títulos infundada, da existência de revogação.

Aliás, o processo negocial revela precisamente o inverso, de tal modo que o contrato que estava estabilizado, não tendo surtido efeito as negociações, manteve-se intacto, com todo o acervo de efeitos que se podem extrair do mesmo e das actuações das partes.

5. Não se mostra necessário assinalar a consagração e o relevo da liberdade contratual em que ambas as partes navegaram quando se propuseram outorgar o concreto contrato. Sendo livres – dentro dos limites da lei – de outorgar os contratos que lhes aprouvessem e de neles inscreverem as cláusulas contratuais que melhor correspondessem aos seus interesses, o resultado que ficou traduzido no texto negocial corresponde a um contrato atípico e que, na sua generalidade, ficou submetido ao regime que as partes especificamente fixaram.

Ainda que nenhuma das partes o tenha qualificado, estamos perante uma modalidade de contrato de cooperação comercial, mais concretamente numa parceria comercial que se inscreve em áreas próximas da cooperação inter-empresarial e da distribuição comercial.

No campo largo dos contratos atípicos, fruto da iniciativa privada e da liberdade contratual num mercado concorrencial, entrevê-se no aludido contrato uma aliança estratégia correspondente a um modelo genérico de cooperação inter-empresarial (Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, págs. 390 e 431) que, na ocasião, adoptou uma fórmula inovadora, a nível nacional, no campo dos combustíveis, com o fito de reforçar a sua distribuição, com benefícios para ambas as partes e para os associados do A., em comparação com os demais consumidores.

Noutra perspectiva ainda mais próxima da realidade, podemos afirmar, com Ferreira de Almeida (Contratos, vol. III, pág. 128), que estamos perante uma modalidade negocial que se inscreve na categoria dos contratos parciários, isto é de acordos de distribuição de proventos mediante a contribuição de dois ou mais sujeitos. Tendo como núcleo central os contratos de agência, de concessão comercial e de franquia, essa categoria admite outras fórmulas que, à semelhança daqueles, exerçam uma função económico-social de índole lucrativa (pág. 134).

6. O A., como associação de automobilistas, interveio como veículo de penetração no mercado, ao serviço da RP que, por via dos cartões atribuídos a sócios indicados por aquele, procurou e conseguiu penetrar num segmento que inequivocamente correspondia ao seu target essencial.

Mas tratava-se de um mero contrato-quadro, isto é, de um acordo duradouro que, por si só, não determinava para a RP a garantia de venda de uma determinada quantidade de combustíveis. A cláusula de exclusividade estabelecida (cláus. 1.10) apenas vedava ao A. a formalização de outros acordos com outras entidades destinados à atribuição de benefícios para os sócios, mas não garantia qualquer volume de aquisições de combustíveis pelos seus associados, nem se comprometeu a adquirir qualquer quantidade de produtos para a sua frota automóvel. Através do mecanismo personalizado da atribuição de cartões, ao mesmo tempo que ganhava posição junto dos seus associados, o A. apenas facultava à RP um canal específico de comercialização desses produtos.

Por isso, na sua categoria de contrato-quadro, os resultados ficaram, como ficam em geral, dependentes de actuações posteriores das partes ou de terceiros que agiriam em cada momento de acordo com as suas conveniências e circunstâncias, designadamente em termos concorrenciais, ponderando os preços ou as condições oferecidos por outras empresas exercendo a actividade nessa mesma área.

7. É afirmada no acórdão recorrido a legitimidade da declaração de resolução do contrato por verificação de uma situação de incumprimento por parte da RP. Incumprimento esse que, se bem o entendemos, decorreria de múltiplos factores que passaram pela inércia da RP, em face da alteração do mercado de produtos petrolíferos, pela violação das regras da boa fé e pela verificação de perda de interesse objectivo por parte do A..

Confrontamo-nos com argumentos que na sua generalidade se mostram extraídos das alegações de recurso de apelação apresentadas pelo A. e do parecer que as instruiu, mas que não podemos subscrever nem separada, nem conjugadamente.

É verdade que o A. procurou a RP para um relacionamento contratual susceptível de beneficiar os seus associados quando se tratasse da aquisição de combustíveis.

Tendo-se iniciado tal relacionamento em 1999, entretanto, depois da outorga do contrato de 2006 que está em discussão nestes autos, o mercado desses produtos evoluiu e a concorrência (petrolíferas ou supermercados) passou a oferecer, de forma generalizada, condições iguais ou mesmo superiores, umas vezes de forma localizada no tempo ou no espaço, outras vezes de forma global e permanente, de tal maneira que, nessas circunstâncias, o recurso à apresentação do Cartão Quota Sócio A. ou não se revelava inteiramente favorável ou se revelava mesmo prejudicial.

Porém, daqui não deriva, sem mais, nem uma situação de incumprimento do contrato por parte da RP, nem a violação das regras da boa fé em sentido subjectivo ou objectivo, nem sequer motivo para a invocação de alteração anormal das circunstâncias, de forma a encontrar aí motivo legítimo para a declaração de resolução do contrato.

O contrato foi cumprido pela RP tal qual o prescrevia o respectivo clausulado. As partes previram para o A. a exclusividade quanto ao uso de cartões de desconto da RP, mas não previram – porque as circunstâncias do momento o não justificaram ou por qualquer outro motivo que não ficou expresso – a obrigação de a RP melhorar as condições concedidas aos sócios do A. se acaso o mercado se alterasse e designadamente se as empresas concorrentes avançassem com mecanismos de desconto iguais ou superiores aos que a RP concedia. Tal como não vedava que a RP avançasse com de outros programas de descontos susceptíveis de atrair outros consumidores aos seus estabelecimentos ou aos seus produtos.

Não havendo uma situação de incumprimento contratual, na modalidade de mora, também não se justifica a alusão que é feita no acórdão recorrido à perda de interesse para efeitos de declaração de resolução que apenas encontra relevo no quadro do que está disposto no art. 808.º do CC.

Podendo, por outro lado, estranhar-se a persistência de um vínculo contratual para o A. quando o mercado fora entretanto sujeito a modificações accionadas pelas leis da oferta e da procura em que se baseia a actividade comercial, tal não revela, por si, a violação pela contraparte das regras da boa fé, tanto mais que as consecutivas flutuações dos preços de venda ao público, numa altura em que ainda não se encontravam liberalizados, e a variabilidade das condições oferecidas pela concorrência não permitiam encontrar um paradigma de actuação que, em confronto com a actuação da RP, fizesse ressaltar desta um comportamento que, em termos objectivos, a constituísse no dever de alterar o conteúdo do contrato (art. 762.º, n.º 2, do CC).

Também não faz sentido sustentar a legitimidade da resolução do contrato numa alteração anormal das circunstâncias, instituto que, estando previsto no art. 437.º do CC, está submetido a um apertado regime formal e substancial.

Para além de ficarem excluídas de tal instituto modificações das circunstâncias que fazem parte do risco negocial, não basta uma maior onerosidade ou uma redução dos benefícios projectados correspondentes a uma mera “dificultas praestandi”.

Ademais, numa perspectiva formal, a resolução ou modificação potestativa do contrato não depende simplesmente de uma declaração unilateral, devendo ser o resultado de uma cadeia de comportamentos de ambas as partes, como bem o evidencia a letra do art. 437.º do CC.

8. Mais justificação encontra o argumento terçado pelo A. nas suas alegações do recurso de apelação e sustentado no parecer que juntou no sentido de encontrar fundamento para a declaração de resolução no facto de a modificação das circunstâncias do mercado corresponder, relativamente ao contrato-quadro que entre as partes foi celebrado, a uma frustração do objectivo contratual que alguma doutrina significativa integra no regime da impossibilidade de cumprimento.

Trata-se de uma tese que vem defendida por diversos autores, entre os quais se destacam Antunes Varela e Baptista Machado. Mais recentemente, Brandão Proença, Lições do Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, págs. 118 a 190, e Maria de Lurdes Ferreira, Conceito de Prestação e Destino da Contraprestação, pág. 270.

Não podendo valer em temos absolutos a tese da frustração do objectivo contratual, a mesma não deve ser afastada em situações como aquela que se nos apresenta, em que as prestações foram assumidas no âmbito de um mero contrato-quadro sujeito a posteriores operações. Por isso, não custaria aceitar que, visando o A. a obtenção de cartões que proporcionassem aos seus sócios a possibilidade de adquirirem combustíveis com determinado desconto, tal objectivo programático se encontrava prejudicado quando, por razões concorrenciais, outras empresas passaram a oferecer aos mesmos sócios ou, mais do que isso, ao público em geral descontos iguais ou superiores.

Não se trata de advogar a defesa dessa solução para toda e qualquer situação em que se acorde na aquisição futura de produtos por determinado preço. Em tais situações, eventuais flutuações de preços para mais ou para menos não permitem, por si só, invocar a frustração do objectivo contratual. Mas nenhum dos inconvenientes de uma solução que fosse aplicada a tais situações se detecta quando se trata de observar um contrato-quadro como o dos autos que, além do mais, se destina a garantir para terceiros não directamente vinculados determinadas condições de preço.

Apesar disso, não avançaremos – por tal se revelar desnecessário – por esta via sinuosa, prevista no direito alemão, mas que ainda se debate com bastantes dificuldades de integração em face do nosso ordenamento jurídico. Não se mostra necessário nem conveniente “forçar” a aplicabilidade de uma solução que literalmente cobre outro tipo de situações e que, além disso, ainda se debate com dificuldades de integração, uma vez que a questão encontra no ordenamento jurídico apoio mais claro que prescinde desta construção doutrinária.

9. Como já o antecipámos, a manutenção do decidido fundar-se-á em argumentos que nos parecem mais consistentes do que aqueles que foram tratados.

Já acima referimos que o contrato celebrado entre as partes se inscreve na área dos contratos parciários ou dos contratos de distribuição ou de cooperação comercial. O regime jurídico aplicável é aquele que emerge do texto contratual, mas tal não impede que se recorra ao regime geral das obrigações ou a normas específicas de outro contrato que com aquele encontre alguma similitude.

As partes previram expressamente a possibilidade de ser declarada a resolução por qualquer delas mediante a invocação e demonstração de uma situação de incumprimento. Mas com isso não afastaram a possibilidade de serem accionadas outras causas de resolução que as circunstâncias concretamente justificassem, tanto mais que como refere Menezes Cordeiro, não tendo as partes consagrado uma especial distribuição do risco (que, por exemplo, justificasse a manutenção de todo o seu clausulado, independentemente da evolução do mercado de combustíveis), releva o facto de que as “relações duradouras são, pela sua própria estrutura temporalmente alongada, sensíveis às alterações das circunstâncias”, sendo “possível, perante a lógica do contrato, a boa fé e a vontade hipotética das partes, construir, pela integração do negócio, cláusulas de adaptação à evolução futura” (ob. cit., pág. 568).

Ora, embora se tenha afastado a resolução do contrato com fundamento na alteração anormal das circunstâncias, a concreta situação encontra eco na causa de resolução prevista no art. 30.º, al. b), do Dec. Lei n.º 178/86, aplicável ao caso por analogia. As circunstâncias que rodearam a outorga e a execução do contrato revelam-se para o efeito expressivas para integrar o pressuposto legal, ou seja, o segmento segundo o qual a resolução pode fundar-se em “circunstâncias que … prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado …”.

Sobre tal preceito refere Pinto Monteiro, na anot. ao art. 30º do “Contrato de Agência”, que se trata de uma situação de “justa causa, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força das circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado”.

Sendo verdade que no caso sub judice não estamos perante um contrato de agência cujo regime consta do Dec. Lei n.º 178/86, de 3-7, as normas deste diploma não são de todo estranhas ao contrato que foi celebrado pelas partes, conhecida que é a orientação jurisprudencial e doutrinal dominante no sentido de admitir a aplicabilidade à generalidade dos contratos de distribuição comercial de certos preceitos que se revelem necessários para suprir lacunas de regulamentação.

Diversos exemplos podem ser extraídos da jurisprudência e da doutrina relativamente à extensão do referido regime a contratos de concessão comercial, de franquia ou de comissão comercial, sem exclusão de outros com semelhante natureza na área da cooperação comercial (Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 7.ª ed. pág. 151, admite a aplicabilidade ao importador-distribuidor).

O concreto contrato que as partes outorgaram também não rejeita a possibilidade de encontrar naquele diploma apoio para a regulação de situações em que a persistência da relação contratual se revele inexigível para um dos sujeitos, tal como o prescreve o seu art. 30.º, n.º 2, norma sem paralelo no campo do regime geral do direito obrigacional.

De uma forma mais genérica, doutrina significativa a nível nacional vem defendendo a aplicação a contratos de execução duradoura de uma cláusula de não exigibilidade, fruto de uma ponderação dos interesses (Pinto de Oliveira, Estudos Sobre o não Cumprimento das Obrigações, 2.ª ed., pág. 69)

Trata-se de uma solução que também encontra sustentação no ensinamento de Menezes Cordeiro, que, sem questionar o recurso à aplicação analógica do regime do contrato de agência a outros contratos de distribuição, conclui que naquele diploma podem descobrir-se regras de índole geral que podem ser transpostas para os contratos que fixam obrigações duradouras (Tratado de Direito Civil, vol. VI, 2ª ed., pág. 566).

Solução que, afinal, já fora defendida por Batista Machado, admitindo que fosse invocada para a cessação do contrato uma situação de “justa causa”, entendida esta como “superveniência perturbadora do correcto implemento do programa negocial” que pode resultar nomeadamente de “contingências verificadas na esfera desse contraente que igualmente criam um condicionalismo incompatível com a exacta e correcta execução do contrato …” (RLJ, 118.º, pág. 281). Entendimento que o mesmo autor também expôs em Pressupostos da resolução por incumprimento, em Obra Dispersa, vol, I, pág. 143, onde refere que constituirá justa causa de resolução de uma relação contratual duradoura “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação …” (pág. 143).

10. A apreciação pormenorizada das circunstâncias que rodearam a outorga e a execução do contrato revela que, por razões que não podem imputar-se a qualquer das partes, as circunstâncias que passaram a vigorar a partir de 2008 tornaram inexigível a manutenção, por parte do A., do vínculo contratual, sob pena de um claro desvirtuamento quer dos seus objectivos estatutários, quer dos objectivos projectados aquando da negociação em prol dos interesses dos associados e mediante uma parceria equilibrada com a RP.

Vejamos os elementos mais significativos ligados quer aos antecedentes, quer ao circunstancialismo superveniente:

- Em 21-12-99 a RP e o A. assinaram um Protocolo que permitiria aos sócios do A. abastecerem-se a crédito de combustíveis nos postos da rede RP e beneficiando de um desconto.

- Tal Protocolo representou, no mercado português, uma inovação na venda de combustíveis a retalho, pois na ocasião nenhuma das restantes grandes empresas petrolíferas concedia descontos no segmento dos consumidores particulares onde se situam os sócios do A., tendo a A. em vista estabelecer uma parceria com uma instituição largamente representativa de um segmento de potenciais consumidores de combustíveis.

- Em 22-12-06, a A. e a R. celebraram um contrato, nos termos do qual fixaram as condições em que a A. atribuiria o Cartão Quota Sócio A. que permitiria aos sócios do A. obter descontos ao adquirirem combustível nas estações de serviço da A.

- Constavam do mesmo alguns Considerandos, entre os quais aquele em que se referia que o A. é uma entidade que tem por objecto a defesa dos interesses dos seus associados, estando interessado em oferecer-lhes condições mais vantajosas na aquisição de combustíveis, sendo do mútuo e recíproco interesse das partes colaborar em vista da atribuição aos sócios A., de cartões quota sócio e ao A. de cartões S. para utilização pela sua frota e pelos seus colaboradores.

- Com tal acordo a A. pretendeu manter e reforçar a parceria que, desde 1999, mantinha com o A., incrementar a venda de produtos petrolíferos a um maior número de sócios do A., fidelizando-os como seus clientes habituais na aquisição de combustíveis e de outros produtos da marca RP.

- O A. teria direito a receber trimestralmente um rappel de € 0,01 por cada litro de combustível vendido com a utilização do Cartão Quota Sócio A..

- O contrato teria a duração inicial de 5 anos, renovando-se automaticamente por períodos de um ano, se nenhuma das partes o denunciasse com a antecedência de 60 dias relativamente ao termo do período inicial ou das sucessivas renovações.

- O A. obrigou-se a não celebrar, durante a vigência do contrato, quaisquer acordos com outras entidades para conferir aos seus sócios benefícios relacionados com a aquisição de combustíveis em estações de serviço.

- A A. tinha ainda o direito de suspender ou de pôr termo, total ou parcialmente, ao contrato, em qualquer altura, em consequência … de decisão da A. (ou do grupo internacional em que se integra) no sentido de deixar de utilizar o Cartão Quota Sócio A. e/ou o sistema S..

- Em Junho/Julho de 2008, com a subida do petróleo bruto de referência, instalou-se no mercado uma situação de permanente volatilidade dos preços de venda ao público dos combustíveis, de tal maneira que as vantagens dos sócios do A. desapareceram em face das condições oferecidas quer pela A. quer pelas restantes gasolineiras, sendo possível encontrar descontos, quer a nível local, quer a nível nacional, que iam desde € 0,06/litro a € 0,12/litro, descontos esses que, ainda que de forma diversificada, ficavam acessíveis a qualquer consumidor.

- Aliás, em algumas situações com que o A. foi confrontado, o uso do cartão A. dava menores benefícios do que aqueles que se conseguiam aos fins-de-semana nos postos da RP, chegando ao ponto em que trabalhadores da RP alertaram sócios do A. para não usarem o referido cartão. Apesar disso, com frequência esses sócios continuavam a abastecer-se nos postos da RP, mas, atento o facto de não usarem o cartão A., este não beneficiava do rapell de € 0,01 por cada litro.

- Os descontos obtidos através do uso do cartão A. eram inferiores a descontos que poderiam se obtidos por outras vias indiferenciadas, o que foi gerando sucessivas reclamações de associados do A..

- Perante este quadro, o A. procurou renegociar o contrato, sendo que a RP, confrontada com tais circunstâncias, não pôs de parte essa renegociação. Tendo sido trocados elementos, o processo negocial não foi concluído, tendo em conta as condições melhoradas que ao A. foram oferecidas pela BP.

11. Não vamos ao ponto de considerar que seria exigível à RP uma modificação forçada do contrato a contento dos interesses do A.. Sendo uma empresa que visa o lucro e que não tem para com os sócios do A. qualquer vínculo, estava dentro da margem de negociação proporcionada pela liberdade contratual aceder ou não às pretensões do A. quando a confrontou com condições mais favoráveis proporcionadas pela empresa concorrente BP.

Do que se trata é apenas de analisar a situação sob a perspectiva que ao caso interesse e que é exclusivamente a do A., sem deixar de ponderar necessariamente o facto de se tratar de uma associação que, não visando a obtenção do lucro, encontra justificação na defesa dos interesses dos seus associados, enquanto consumidores de combustíveis.

Assim, não se encontram razões que levem a repreender o modo como se comportou, já que, depois de ter sido confrontado com reclamações dos seus associados e depois de se aperceber das condições que as empresas concorrentes da RP ofereciam, não deixou de manter a preferência pela manutenção do vínculo contratual com esta empresa, aceitando a renegociação de forma a corresponder às novas circunstâncias e a integrar as expectativas dos seus associados.

Mas a situação que se arrastou por alguns meses não pode deixar de ser qualificada como grave e suficientemente relevante para justificar a actuação posterior do A. que, perante a falta de resposta conveniente e equilibrada da RP, avançou com a declaração de resolução com argumentos que, em termos de qualificação jurídica, respondem às exigências da previsão normativa do art. 30.º, al. b), do regime do contrato de agência aplicável por razões de analogia.

Com efeito, as propostas de modificação apresentadas pela RP ficaram bem longe de outras condições que empresas concorrentes ofereciam e designadamente da que ao A. fora apresentada pela BP, por forma a corresponder ao desiderato fundamental da parceria e que simultaneamente faria jus aos objectivos do A. no sentido de obter melhores condições relacionadas com a aquisição de combustíveis. Ao mesmo tempo, da sustentabilidade de um acordo que favorecesse os sócios dependia também o retorno que contratualmente fora previsto para o A. correspondente ao recebimento do rappel em função com o volume de combustíveis adquiridos pelos sócios com uso do Cartão Quota Sócio A..

Enfim, com a manutenção do contrato, em face das modificações substanciais do mercado de combustíveis, ficaria séria e gravemente prejudicado o fim contratual na sua dupla vertente de tutela dos interesses dos sócios e de obtenção de receitas, não sendo exigível que, em face de todo o circunstancialismo, o A. se mantivesse vinculado ao contrato duradouro que celebrara e que iria perdurar por mais dois anos, período durante o qual o A. continuaria a suportar os efeitos negativos da situação.

Na verdade, nada no texto contratual permite afirmar que o A. tivesse assumido o risco de durante todo o período nele previsto suportar os efeitos dele decorrentes independentemente das modificações do mercado de venda de combustíveis.

Em conclusão, podemos afirmar que foi legítima a declaração de resolução no contexto em que a mesma ocorreu.

12. Mas ainda que outra fosse a conclusão, nem assim encontraria justificação a pretensão indemnizatória reclamada pela A. e que encontrou eco na sentença de 1ª instância, depois recusada pela Relação. Agora, a sustentação da improcedência encontra justificação no próprio texto contratual. Trata-se de extrair do mesmo o regime que as partes terão pretendido adoptar em casos de cessação antecipada do contrato.

A natureza do contrato a que já anteriormente aludimos não pode deixar de fazer luz sobre o sentido do clausulado na sua globalidade, em vez de procurar, como a A. pretende, apoio atomístico apenas numa determinada cláusula que directamente lhe aproveita.

O contrato inequivocamente permitia que a RPsuspendesse” ou “desse por terminado” mediante a verificação da seguinte circunstância de ordem puramente subjectiva: desde que a nível nacional ou a nível internacional fosse decidido que o cartão deixaria de ser utilizado.

Incidindo sobre tal cláusula, o A. alegou que a RPtinha o direito de suspender ou de pôr termo, total ou parcialmente, ao contrato, em qualquer altura em consequência … de decisão da A. (ou do grupo internacional em que se integra), no sentido de deixar de utilizar o Cartão Quota Sócio A. e/ou o sistema S.” (arts. 83.º e 84.º da contestação de fls. 181).

Tal alegação não foi questionada e, por isso, a mesma foi integrada nos factos assentes, aí se mantendo sem que alguma vez tivesse sido questionado nas instâncias o seu significado.

É, pois, claro que, tal como foi alegado pelo A. e aceite pela RP, a “A. tinha ainda o direito de suspender ou de pôr termo, total ou parcialmente, ao Contrato, em qualquer altura, em consequência da determinação de entidades oficiais competentes ou de decisão da A. (ou do grupo internacional em que se integra) no sentido de deixar de utilizar o Cartão Quota Sócio A. e/ou o sistema S.” (al. BB).

Deste modo, é com este significado que a referida cláusula deve ser interpretada, não fazendo sentido o argumento referido no parecer junto pela A. que, contrariando o que se encontra assente por falta de impugnação das partes, pretende extrair da referida cláusula um sentido que faz depender a legitimidade da cessação do contrato por decisão unilateral da RP da intervenção de entidades terceiras a que devesse obedecer.

Posto isto, estamos perante um contrato que se presume conter previsões de que resulta um equilíbrio entre as partes, tanto mais compreensível quanto é certo que se trata de uma parceria em que o A. agia fundamentalmente no interesse dos seus sócios.

Ainda que o A. também beneficiasse com o mesmo, quer em receitas decorrentes do rappel, quer em comparticipações da RP em despesas de publicidade e de marketing, não se compreenderia que a uma tal cláusula que, na prática, desonerava a RP de qualquer consequência em casos de denúncia do contrato correspondesse, do lado do A., um resultado totalmente diverso.

Sem embargo da previsão de consequências para ambas as partes decorrentes de situações qualificáveis como incumprimento de obrigações contratuais, a cessação antecipada do contrato por razões atinentes ao A., isto é, no exclusivo interesse do A. (e dos associados que representava), tinha como única consequência o que ficou previsto no n.º 3 da Cláusula 3.5, ou seja, daria à RP o direito a haver as quantias entregues ao abrigo da Cláusula 1.8 ligadas à publicidade e marketing.

Ora, as instâncias já concluíram que, ao abrigo de tal cláusula, não existe qualquer quantitativo que a RP tenha a receber do A., solução que não sofreu qualquer impugnação no presente recurso de revista.

Por conseguinte, também por esta via se manteria a decisão de absolvição do A. do pedido.

13. Admitamos, no entanto, que o A. incumpriu obrigações contratuais e que, por via da Cláus. 3.5, nº 1, constituiu a RP no direito de ser indemnizada por perdas e danos.

Estamos perante uma cláusula que, ao invés do que se refere no acórdão recorrido, abarca o interesse contratual positivo. Através da mesma seria possível à parte invocar os prejuízos de ordem patrimonial que a violação do contrato lhe determinou, sendo o valor dos prejuízos determinados em função da teoria da diferença (art. 566.º do CC).

Ou seja, se acaso se pudesse considerar que a actuação do A. envolveu responsabilidade contratual derivada de incumprimento do contrato, a RP ficaria com o direito de pedir a indemnização correspondente quer aos danos emergentes, quer aos lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1, do CC).

14. No caso, a RP invocou apenas lucros cessantes que se traduziriam numa redução do volume de vendas efectuadas aos sócios do A., depois de este ter declarado a extinção do vínculo contratual.

Vejamos o que a esse respeito se apurou:

- Entre Abril de 2007 e Março de 2009 a RP vendeu a sócios do A. em termos aproximados 2.900.000 a 3.000.000 de litros de combustíveis, cada um dos quais lhe proporcionava um lucro de € 0,049, ponderando já os custos operacionais (com transporte, armazenamento, comunicações e publicidade) as comissões, descontos e o rappel que pagava ao A..

- Após Março de 2009, depois da declaração de resolução do contrato, a A. continuou a permitir que os Cartões Quota Sócio A. e S.. fossem utilizados e tais cartões continuam presentemente a ser utilizados.

- E de Abril a Dezembro de 2009, a A. vendeu aos sócios A. portadores de cartões cerca de 2.000.000 de litros de combustíveis mensais, valor que de Janeiro a Agosto de 2010 baixou para aproximadamente 1.500.000 litros mensais.

- Por força da declaração de resolução, a A. perdeu clientes consumidores que passaram a abastecer-se na sua concorrente.

15. Estes factos sintetizados revelam-se manifestamente insuficientes, não apenas para determinar a existência da diferença patrimonial, que sempre poderia ser suprida com recurso à equidade, nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, mas sobretudo para afirmar, com suficiente segurança, a verificação de algum efeito negativo que pudesse ser imputado à actuação do A. alegadamente ilícita.

Com efeito, temos apenas como valores de referência os consumos anteriores e os consumos posteriores, nada permitindo identificar a existência de um nexo de causalidade entre a objectiva redução das vendas e a resolução do contrato operada pelo A..

Porventura não estaria afastada a possibilidade de inferir essa causalidade do mero confronto entre esses factos e os valores. Mas tratar-se-ia de uma tarefa arriscada, já que na sua execução não poderia jamais deixar de se ponderar a natureza e as circunstâncias do mercado de combustíveis, numa era em que já tinham sido liberalizados os preços e em que cada empresa procurava lutar pela fidelização dos seus clientes ou pela atracção de outros consumidores.

Se a RP foi precursora no mercado nacional ao introduzir o regime de cartões de desconto, os factos e a realidade demonstram que essa mesma estratégia e outras ainda mais agressivas passaram a ser também adoptadas pelas empresas concorrentes. Não podendo nenhuma delas considerar-se “dona” de determinada quota de consumidores, estes, como é do conhecimento geral, adoptam as medidas que melhor satisfazem os seus interesses, tendo em especial atenção o factor-preço, afinal aquele que, em face de produtos cuja qualidade está garantida e parametrizada, serve de elemento decisivo, sendo relativamente secundário para o efeito a marca dos produtos.

Por outro lado, se já durante a execução do contrato certos sócios do A. preferiam abastecer-se sem apresentar o cartão de desconto, ganhando vantagem relativamente àqueles que o usavam (facto assinalado até por trabalhadores da A.), não é de estranhar que nos resultados das vendas através dos cartões A. se tenha repercutido negativamente a estratégia usada pela RP de apostar num cartão cujas condições, na realidade, colocaram os sócios do A. em situação de inferioridade em face de outras possibilidades que o mercado em geral lhes oferecia.

Importante é notar ainda que, recaindo sobre a RP o ónus de provar os factos integradores da existência e da dimensão dos lucros cessantes, os factos apurados se revelariam insuficientes para levar à condenação do A..

É para situações semelhantes que normalmente se fixam cláusulas penais mediante as quais se antecipa o valor da indemnização, independentemente da prova dos danos causalmente imputados ao incumprimento contratual.

Ora, nem isso foi previsto no contrato, o que, além do mais, se compatibiliza com a resposta ao ponto anterior sobre os efeitos da denúncia antecipada do contrato e sobre a consequência específica e limitada dessa forma de extinção do contrato.

IV – Face ao exposto, com fundamentação substancialmente diversa da que foi empregue no acórdão recorrido, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista, confirmando-se a improcedência da acção.

Custas a cargo da A.

Notifique.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012

Abrantes Geraldes (Relator)

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva