Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2623/07.8TBPNF.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 298º
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTIGOS 225º, 226º, 402º, 403º
Jurisprudência Nacional: – ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 16 DE MAIO DE 2002, DWWW.DGSI.PT, PROC. Nº 02B1030.
– ACÓRDÃO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nº 247/2002, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
Sumário :

Considera-se “definitivamente decidido o processo penal respectivo”, para o efeito de contagem do prazo para instaurar a acção de indemnização por prisão preventiva “injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto”, no momento do trânsito em julgado da decisão de absolvição do arguido em causa, e não do trânsito em julgado da decisão final do processo em relação a todos os arguidos.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA veio recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls. 711 que, confirmando o saneador-sentença de fls. 670, julgou procedente a excepção de caducidade oposta pelo Ministério Público ao pedido de indemnização pelos danos sofridos em virtude de ter estado preso preventivamente, com base no disposto no nº 1 do artigo 226º do Código de Processo Penal.
Considerando que a causa de pedir invocada pelo autor, que fundamentara o pedido nos nºs 1 e 2 do artigo 225º do Código de Processo Penal, se enquadrava na hipótese de alegação de “erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto”, prevista no nº 2 citado; que, nessa eventualidade, o prazo de um ano para propor a acção de indemnização se conta desde a decisão definitiva do processo penal respectivo; que a acção foi proposta em 24 de Outubro de 2007; e que o acórdão que o absolveu dos crimes pelos quais fora pronunciado transitou em julgado, em relação a ele, em 29 de Abril de 2004, as instâncias absolveram o réu Estado do pedido, por caducidade do direito de indemnização.
O recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

2. Nas alegações que apresentou, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1º. O Douto Acórdão não faz a correcta apreciação do direito aos factos.
2º. Não se verifica a caducidade.
3º. Refere o artº 225º do CPP, que «quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva… pode requerer, perante o tribunal competente indemnização … quando… a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia».
4º Tal pedido deve ser proposto no prazo de um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.
5º Não obstante o recorrente tenha sido libertado em Março de 2004, facto é que o processo só foi decidido definitivamente em Janeiro de 2007, podendo o recorrente ver a sua situação afectada por qualquer decisão que pudesse vir a ser tomada pelos tribunais superiores, independentemente da sua absolvição.
6º Bastava que fosse invocada e considerada procedente alguma nulidade, para poder fazer retroceder o processo, correndo sempre riscos o ora recorrente.
7º No caso em concreto, os recursos que entretanto foram interpostos, pretendiam entre outras coisas a nulidade das escutas telefónicas. Ora, caso tais recursos fossem declarados procedentes, é por demais evidente que através do reenvio o ora recorrente ia ver a sua situação alterada, ou pelo menos em condições de o ser.
8º Não pode pois falar-se que a decisão definitiva do processo ocorreu, in casu, com a absolvição do arguido em primeira instância, mas sim com o fim do processo no Tribunal Constitucional.
9º O Digno Tribunal ‘a quo’ ao interpretar a norma do artº 226º do CPP como interpreta, nomeadamente atribuindo uma interpretação de ‘decisão definitiva’ à resolução do processo em primeira instância, pelo facto de o arguido não ter recorrido, viola os ditames constitucionalmente consagrados, nomeadamente os artºs 32º CRP.
10º O ora recorrente, estava em tempo quando propôs a acção em causa em Outubro de 2007, uma vez que o prazo de um ano constante no artº 226º do C.P.P., só terminou em Janeiro de 2008.
11º O Douto Despacho recorrido, viola, por errada interpretação a aplicação do disposto nos arts. 226º do C.P.P. e artº 32º da CRP”.

O Ministério Público contra-alegou, sustentando a manutenção do decidido.

3. Cumpre esclarecer, antes de mais:
– que não se aplicam ao presente recurso as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto;
– que não releva para o caso saber se o prazo de um ano para a propositura da acção, baseando-se o pedido de indemnização em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (nº 2) e não em ilegalidade da prisão (nº 1 do artigo 225º do Código de Processo Civil),
se conta do “momento em que o (…) preso foi libertado” ou antes do momento em que “foi definitivamente decidido o processo penal respectivo”, controvérsia de que se dá nota nas decisões das instâncias.
Com efeito, sabe-se que a acção foi instaurada em 24 de Outubro de 2007 (é essa a data que releva, por se tratar de um prazo de caducidade, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 298º do Código Civil), que o autor foi libertado em 5 de Março de 2004 e que a decisão que o absolveu, que tem a data de 13 de Abril de 2004, transitou em julgado em relação a ele em 29 de Abril de 2004 (certidão de trânsito, a fls.43); é pois manifesto que só procedendo a alegação do recorrente, no sentido de que o prazo de propositura da acção se conta do fim do processo no Tribunal Constitucional”, ou seja, do trânsito da decisão final do processo em relação a todos os arguidos, que apenas se verificou em Janeiro de 2007, é que a acção se poderá considerar tempestivamente proposta.

4. É intenção da lei que um eventual direito de indemnização por prisão preventiva ilegal ou injustificada seja judicialmente exercido num prazo relativamente curto: o prazo de um ano (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2002, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 02B1030).
Ao marcar como termo inicial deste prazo o momento em que “foi definitivamente decidido o processo penal respectivo”, o nº 1 do artigo 226º do Código de Processo Penal revela inequivocamente que a lei aceita que o prazo reputado de suficiente para a propositura da acção só corra desde a altura em que o lesado dispõe de uma decisão estável sobre os dados relevantes para a apreciação da causa de pedir que pretende invocar na acção de indemnização.
Ora, tendo o autor sido absolvido de todos os crimes pelos quais foi pronunciado, sem que a correspondente decisão tenha sido impugnada, a sua situação está protegida contra eventuais recursos interpostos por outros co-arguidos, ainda que, na sequência desses recursos, venha a ocorrer uma anulação mais ou menos extensa do processado.

É o que sem dúvida resulta da conjugação entre o disposto nos artigos 402º, nº 1 e nº 2, a) (hoje poder-se-ia acrescentar a referência ao nº 3, aditado pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto) e 403º, nº 1 e nº 2, d) (actual al. e))e 3 do Código de Processo Penal.
O recurso interposto “por um dos arguidos, em caso de comparticipação”, apenas aproveita aos restantes, não os prejudica (al a) do nº 2 do artigo 402º); o dever que o nº 3 do artigo 403º impõe ao tribunal de “retirar da procedência” de um recurso interposto apenas de parte da decisão, quando aplicado ao caso de comparticipação criminosa (al. e) do nº 2), não tem a virtualidade de permitir que uma decisão absolutória transitada em julgado em relação a um dos arguidos possa afinal a vir ser afectada pela apreciação de um recurso interposto por outro.
Resulta da al. d) (actual e)) do nº 2 do artigo 403º que se considera parte autónoma de uma decisão, para o efeito de essa mesma parte poder ser impugnada e apreciada autonomamente em relação à decisão que integra, a parte da decisão que, em caso de comparticipação criminosa, se refere “a cada um dos arguidos”; o julgamento dessa parte autónoma (no caso presente, dos recursos interpostos por co-arguidos) não podia assim afectar a decisão que absolveu o autor, já que manifestamente não lhe aproveitaria (ressalva da al. a) do nº 2 do artigo 402º).
O recorrente sustenta que “é por demais evidente” que a sua situação poderia ter sido “alterada”; não esclarecendo tal afirmação, que se não afigura ser evidente.

5. O recorrente invoca a inconstitucionalidade da norma “do artº 226 do CPP" quando interpretada “nomeadamente atribuindo uma interpretação de ‘decisão definitiva’ à resolução do processo em primeira instância, pelo facto de o arguido não ter recorrido”, por violação dos “ditames constitucionalmente consagrados, nomeadamente os artºs 32º CRP.”
O artigo 32º da Constituição enumera as “garantias de processo criminal”, constitucionalmente protegidas. Não se vê como podem ser infringidas com tal interpretação, respeitante ao início da contagem do prazo de caducidade do direito de pedir uma indemnização, e não ao exercício de qualquer meio de defesa em processo crime. Não esclarecendo o recorrente que garantias são infringidas e por que motivo, nada há que analisar sobre este ponto.
Poderia o recorrente ter invocado o disposto no nº 5 do artigo 27º, também da Constituição; ali se consagra o dever do Estado de indemnizar por “privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei”, remetendo para a lei ordinária os termos em que esse dever se constitui.
O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade que observar que não viola este preceito constitucional o estabelecimento de um prazo de caducidade de um ano para a propositura da acção de indemnização por prisão ilegal, no seu acórdão nº 247/2002 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). Não é, todavia, a norma que fixa a duração do prazo que é questionada.
Não sendo ilegítimo o estabelecimento de um prazo de um ano, interpretar-se o nº 1 do artigo 226º do Código de Processo Penal no sentido de que começa a contar a partir do momento em que está estabilizada a situação do arguido absolvido por decisão transitada, não contraria, nem o nº 5 do artigo 27º da Constituição, nem as garantias de defesa em processo criminal, constitucionalmente tuteladas.

6. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereriro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego