Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | ÂMBITO DO RECURSO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | SJ200310020026667 | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 3272/02 | ||
| Data: | 12/10/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | 1. Embora o nº. 2 do artigo 684º-A do Código de Processo Civil se refira à sentença, por se tratar de um normativo de carácter geral, é aplicáveis no âmbito dos acórdãos da Relação sob recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 2. Só a insuficiência do quadro fáctico assente pela Relação para servir de base à decisão de direito, a par existência de factos articulados pelas partes com relevo para o efeito, é que justificam a anulação do acórdão recorrido e a remessa do processo à Relação com vista à ampliação da matéria de facto. 3. O vício de nulidade a que se reporta a alínea c) do nº. 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, sem conexão com o erro de julgamento, é o que ocorre quanto aos fundamentos de facto e de direito invocados na sentença ou no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório, 4. A possibilidade de o dono da obra exigir do empreiteiro alterações ao plano convencionado depende de o seu valor não exceder metade do preço e de não haver modificação da natureza da obra, sob a contrapartida de o último poder exigir ao primeiro o aumento do preço relativo ao acréscimo da despesa e do trabalho e de lhe impor o prolongamento do prazo da empreitada. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Na contestação, o réu afirmou ter sido a autora quem incumpriu o prazo de realização da obra e a deixou com defeitos irreparáveis e, em reconvenção, pediu a condenação dela a pagar-lhe 4.150.000$ relativos a prejuízos, 7.671.208$ a pagamentos feitos em vez dela e a quantia mencionada na cláusula nona, a liquidar em execução de sentença. Houve réplica e tréplica, mantendo ambos as suas posições expressas nos articulados antecedentes e, realizado o julgamento, foi proferida sentença condenatória, por um lado, do réu a pagar à autora a diferença que houver entre o montante por ela recebido de 17.130.000$ e o valor dos trabalhos excedentes mencionados nas respostas aos quesitos 15º, 31º e 34º, a liquidar em execução de sentença. E, por outro, da autora a pagar ao réu a quantia a liquidar em execução de sentença relativa aos defeitos da obra referidos na resposta aos quesitos 52º, 54º, 55º, 56º e 58º. Ambos apelaram da referida sentença, a primeira a título principal e o segundo a título subordinado, a Relação deu parcial provimento ao recurso interposto por ela e improcedente o recurso interposto por ele, condenando este a pagar àquela a diferença que possa ser encontrada em execução de sentença, tendo em conta, entre, por um lado, a realização da segunda fase da construção da moradia no montante de 27.000.000$ e o valor dos trabalhos por ela realizados a mais e, por outro, o montante já pago pelo réu de 17.130.000$, o valor das obras por ele eventualmente realizadas e o dos materiais a cargo da autora e pagos pelo réu. Interpuseram os apelantes recursos de revista, o réu a título subordinado, declarado deserto, formulando ela, em síntese, as seguintes conclusões da alegação: - a decisão está em oposição com os factos provados e com os seus fundamentos, pelo que é nula, nos termos da alínea c) do nº. 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil; - a recorrente realizou trabalhos a mais não previstos no contrato de montante não apurado, descriminados nas alíneas s), x) e a 1; - o recorrido deve ser condenado a pagar a totalidade desses trabalhos, previstos e não previstos no contrato, a apurar em execução de sentença, deduzidos 17.130.000$ já pagos, o valor dos materiais a cargo da autora e pagos pelo réu, a apurar, devendo o réu ser condenado na diferença se a houver; - a Relação, ao deduzir o montante a apurar nos trabalhos à quantia de 27.000.000$ incorreu em contradição com a matéria de facto, inviabilizando a correcta decisão do litígio, devendo ser ordenada a remessa do processo à Relação a fim de ser corrigida a referida contradição; - ou, se assim não for entendido, como o réu é responsável pelo pagamento dos trabalhos constantes das alíneas e), l) e v) e não estão incluídos nem contabilizados no contrato de empreitada, não poderão ser descontados ou deduzidos ao preço da obra de 27.000.000$; - o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 731º, nº. 1, do Código de Processo Civil, deve modificar a decisão de forma a decidir-se que realizou a segunda fase de construção da moradia pelo preço de 27.000.000$; - ao deduzir dos 27.000.000$ o valor dos trabalhos cujo pagamento era da responsabilidade do recorrido, a Relação violou o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, por incluir no contrato aquilo que as partes afastaram. O recorrido ampliou o âmbito do recurso a título subsidiário, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - deve negar-se provimento ao recurso interposto pela recorrente e, consequentemente, confirmar-se o acórdão recorrido; - subsidiariamente, deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido e revogado este na parte em que revogou a sentença proferida na 1ª instância e quanto à cláusula penal e ser mantida na parte em que foi revogada e condenada a recorrente a pagar-lhe uma indemnização. Na sequência das alegações, a Relação pronunciou-se no sentido de não estar o acórdão recorrido afectado de nulidade por representar o corolário lógico dos respectivos fundamentos. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido e constante de documentos para que remete:1. A autora dedica-se à construção civil e obras públicas e, no âmbito da sua actividade, realizou para o réu a segunda fase da obra de construção de uma moradia, sita na ..., lugar de ..., freguesia de Espite, Ourém, nos termos de um documento, datado de 7 de Janeiro de 1993, designado contrato de empreitada, em que a primeira figura como segunda outorgante e o segundo como primeiro outorgante. 2. O referido documento insere as seguintes cláusulas: - 1ª: Os trabalhos a executar são os constantes do respectivo projecto, caderno de encargos, lista de preços e memória descritiva, que aqui se dão como reproduzidos, ficando fazendo parte deste contrato e vão ser devidamente rubricados pelas partes intervenientes; - 2ª: Esses trabalhos serão executados pelo valor da sua proposta, que se faz acompanhar da lista de preços unitários anexa na importância de vinte e sete milhões de escudos, valor esse que inclui o imposto sobre o valor acrescentado; - 3ª: Os trabalhos foram iniciados no dia 15 de Julho de 1992 e deverão estar concluídos até 31 de Março de 1993, ou seja, no prazo de 285 dias um e outro contados a partir do auto de medição dos trabalhos, conforme plano de trabalhos apresentado pelo empreiteiro, e na contagem desses prazos estão incluídos domingos e feriados; - 4ª: A firma empreiteira submete-se inteiramente às condições do caderno de encargos aprovado para esta obra e às condições gerais de empreitada e fornecimento de obras públicas e particulares e demais legislação aplicável; - 5ª: São da inteira responsabilidade do empreiteiro todas as fraudes que o seu pessoal cometa na qualidade dos materiais empregados na obra; - 6ª: A presente empreitada está contemplada e tem cabimento no orçamento do dono da obra, estando as verbas libertadas de acordo com o plano de pagamentos apresentado pelo empreiteiro e em consonância com o andamento dos trabalhos. Pelos dois outorgantes foi dito aceitarem de boa fé todas as condições deste contrato, caderno de encargos, proposta, lista de preços unitários, memória descritiva, plano de pagamentos, programa de trabalhos e cronograma financeiro; - 7ª: Só haverá direito à revisão de preços por parte do empreiteiro se o atraso da obra for justificadamente imputado ao dono da obra, dado que a instalação eléctrica, redes de água e esgotos, fornecimentos e colocação da telha, fornecimento de carpintarias interiores e exteriores são da conta do dono da obra; - 8ª: Os trabalhos da mesma espécie mandados fazer a mais ou a menos serão pagos ou deduzidos ao preço constante da lista dos preços unitários. Os trabalhos a mais de espécie diferente serão pagos a preços acordados entre ambas as partes; - 9ª: O empreiteiro pagará uma multa de 150.000$$ por cada dia de atraso, depois de expirado o prazo de 285 dias contado a partir do dia 15 de Junho de 1992,e o dono da obra pagará a mesma uma multa por cada dia de atraso nos pagamentos mensais, contado a partir do dia 30 ou 31 de cada mês; - 10ª: Os pagamentos serão efectuados mensalmente, de acordo com o programa financeiro e em consonância com o andamento dos trabalhos, mediante a elaboração de autos de medição, sendo apresentados ao dono da obra até ao dia 25 de cada mês, que se pronunciará sobre o seu conteúdo no prazo de dois dias, devendo o seu pagamento ser efectuado no prazo máximo de cinco dias, ou seja, até ao dia 30 ou 31 de cada mês; - 11ª: Os autos de medição serão elaborados na presença do dono da obra ou seu representante no dia 25 de cada mês; - 12ª: O empreiteiro só terá direito a prorrogações de prazo graciosas se vier a executar trabalhos a mais mandados fazer pelo dono da obra, cujo prazo será calculado em função do valor dos respectivos trabalhos a mais relativamente ao valor da proposta inicial e ao seu prazo de execução ou ainda se vierem a verificar-se fenómenos estranhos a este tipo de actividade, devidamente justificados e comprovados". 3. Nos termos do caderno de encargos/proposta, a autora executaria os trabalhos constantes do documento nº. 2, inserto a folhas 17 a 23, o qual foi aceite, subscrito e assinado por ambos os contraentes, no qual as ombreiras, vergas de vãos e janelas e portas eram de pedra escaçilhada. 4. O documento nº. 2, junto a folhas 28 a 33, reporta-se à descrição dos trabalhos a cargo da autora e respectivos custos. 5. A execução da cobertura do telhado da obra incumbia ao réu que era o responsável pelo fornecimento de carpintarias interiores e exteriores e pela colocação da telha. 6. A autora executaria os trabalhos de realização de uma cimalha em betão armado, incluindo cofragem em todo o perímetro da construção, separando o rés-do-chão do 1º andar segundo o desenho, três fiadas de blocos 50x20x20 cm em toda a volta do prédio, como indicado no desenho, as paredes em blocos 50x20x20 cm, formando seis mansardas, como o previsto no projecto, incluindo as aberturas para as janelas, duas em cada, lintéis para as janelas das seis mansardas, realizados de fora a fora das mansardas, incluindo cofragem e descofragem e armaduras, em redondo, segundo o projecto. 7. Os trabalhos referidos sob 6 são aqueles que a autora assumiu para a execução da obra objecto do contrato de empreitada, já assinalados e mencionados na memória descritiva junta aos autos. 8. No dia 27 de Julho de 1992, a autora apresentou ao réu o auto nº. 1 de medição mensal dos trabalhos, os quais ascenderam a 828.879$, conforme consta a folhas 37 e 38. 9. No dia 25 de Agosto de 1992, a autora apresentou ao réu o auto nº. 2 de medição mensal de trabalhos, ascendendo ao montante de 5.130.000$, conforme folhas 39 e 40. 10. No dia 25 de Setembro de 1992, a autora apresentou ao réu o auto de mediação nº. 1, de trabalhos a menos, não efectuados por virtude das alterações, que ascenderiam a 1.341.860$$. 11. No início de Julho de 1993, o réu exigiu que as ombreiras, vergas e vãos das janelas e portas das sacadas do rés-do-chão e cave fossem substituídas por mármore cinzento pele de tigre. 12. No dia 23 de Julho de 1993, a autora apresentou ao réu o auto nº. 2 de medição de trabalhos a menos, na quantia de 214.076$. 13. No dia 16 de Agosto de 1993, a autora elaborou o auto nº. 8 de medição dos trabalhos não contratuais, atingindo 1.046.767$, conforme documento inserto a fls. 65 e 66. 14. Em data não apurada de 1993, mas anterior ao mês de Agosto, o réu exigiu que as paredes interiores de toda a casa, ao nível da cave, rés-do-chão e primeiro andar, antes do reboco projectado, tipo geral, fossem revestidas previamente com reboco de argamassa de cimento, alteração que não estava prevista e que atrasou a obra em cerca de um mês. 15. A obra devia terminar no dia 31 de Março de 1993, mas a sua conclusão teve de ser prorrogada para 30 de Setembro de 1993. 16. O réu exigiu à autora os seguintes trabalhos a mais, que não estavam previstos no documento inserto a folhas 14 a 17: o reforço da estrutura de betão armado (vigas e pilares), parede dupla na cave com lã de vidro, uma chaminé, terraço nas traseiras, edificação das paredes de uma casa de banho na cave e reboco em argamassa de cimento nas paredes interiores da casa, de montante não concretamente apurado. 17. O réu executou alguns trabalhos da sua responsabilidade relativos a instalações de água e electricidade. 18. O reboco das paredes interiores dependia do acabamento do telhado e da instalação das redes eléctrica, de água e de esgotos. 19. A autora abandonou a obra no dia 17 de Agosto de 1993 e, no dia de 3 de Setembro de 1993, enviou ao réu a carta de folhas 72 e 73, não recebida por ele por não ter sido reclamada, na qual expressou o seguinte: "Dada a sua negativa em efectuar o pagamento dos trabalhos já efectuados, nos termos do contrato e alterações introduzidas de acordo com o seu pedido, vimos pela presente solicitar, mais uma vez, a sua comparência para proceder a esse pagamento ou a acordar na melhor forma da liquidação. No caso de não comparecer ou nada dizer, informamos que suspenderemos os trabalhos da obra até à liquidação daqueles trabalhos. Como é evidente, esta suspensão deve-se apenas à falta de cumprimento do contrato por parte de V.Exa.". 20. A escada de acesso do rés-do-chão para o 1º andar não foi executada tal como constava do projecto, o corredor do rés-do-chão ficou com menos 52 cm do lado da porta exterior do que o previsto no projecto, impossibilitando a abertura de uma porta de duas meias folhas, os degraus da escada do rés-do-chão não têm todos a mesma altura, variando entre 17,5 cm e 19,5 cm, a parte do pavimento da cave tem o escoamento ao contrário e apenas nele foi colocado um ralo e as cimalhas e o reboco apresentam fissuras. 21. O réu teve de diligenciar no encontro de ladrilhadores, estucadores, pintor, carpinteiro, afagador de parquet e de pedra mármore e tem de pagar-lhes e teve de comprar materiais, despendendo quantia não apurada. 22. O réu entregou à autora, até à presente data, 17.130.000$, o que se escalonou entre o dia 4 de Agosto de 1992 e 2 de Agosto de 1993, em 4 de Agosto de 1992, 200.000$, em 4 de Agosto de 1992, 1.000.000$, em 1 de Setembro de 1992, 5.130.000$, em 9 de Novembro de 1992, 4.000.000$, em 15 de Dezembro de 1992, 1.000.000$, em 26 de Março de 1993, 2.000.000$, em 14 de Junho de 1993, 1.000.000$, em 24 de Junho de 1993, 1.000.000$, em 7 de Julho de 1993, 300.000$, e em 2 de Agosto de 1993, 1.500.000$. III A questão essencial decidenda é essencialmente a de saber se a recorrente tem ou não direito a impor ao recorrido o não abatimento do valor convencionado no contrato relativo à instalação eléctrica, redes de água e de esgotos, fornecimento e colocação de telha, fornecimento de carpintaria interior e exterior e cobertura do telhado da obra.Tendo em linha de conta o conteúdo do acórdão recorrido e das alegações da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - âmbito do recurso; - natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido; - deve ou não ordenar-se a remessa do processo à Relação para a correcção da contradição na decisão da matéria de facto? - está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por oposição entre os fundamentos e a respectiva decisão? - núcleo fáctico essencialmente relevante para a decisão no âmbito do recurso; - solução para o caso decorrente dos factos e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. A recorrente foi absolvida na Relação do pedido formulado pelo recorrido de condenação da primeira a pagar ao segundo a quantia liquidanda em execução de sentença referente à indemnização pelos defeitos da obra. Ademais, manteve a Relação a decisão da primeira instância que havia absolvido a recorrente do pedido formulado pelo recorrido no sentido de ser indemnizado por ela com base na cláusula penal. Da referida decisão não interpôs o recorrido relevantemente recurso, certo que foi declarado deserto, em razão do que transitou em julgado, pelo que este Tribunal não tem de se pronunciar sobre essas questões (artigos 676º, nº. 1, 677º e 684º, nº. 4, do Código de Processo Civil). Foi decidido pela Relação, por um lado, não assistir à recorrente o direito à excepção de não cumprimento, ou seja, que a suspensão das obras tenha ocorrido com fundamento na falta de pagamento, nem a indemnização decorrente da cláusula penal e, por outro, que o facto de a primeira haver deixado de realizar alguns trabalhos representava incumprimento parcial e definitivo do contrato de empreitada por virtude do abandono da obra. A recorrente não põe em causa no recurso, seja nas alegações, seja nas conclusões a decisão das referidas questões. Com efeito, limita o recurso de revista, exceptuando as questões de nulidade do acórdão e de contradição da matéria de facto apurada na Relação, ao montante que se julga com direito a exigir ao recorrido no confronto com o preço convencionado para o contrato de empreitada, a não inclusão dos trabalhos que ficaram a cargo do recorrido e com os trabalhos a mais que realizou com a obra em causa. Consequentemente, o âmbito do recurso de revista corresponde ao que se deixou expresso no parágrafo anterior (artigos 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1, do Código de Processo Civil). Mas em jeito de ampliação do objecto do recurso, a título subsidiário, arguiu a nulidade do acórdão e declarou impugnar a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados pela recorrente, sob o argumento de prevenir a procedência das questões por ela suscitadas. Expressa a lei, por um lado, que no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação (artigo 684º-A, nº. 1, do Código de Processo Civil). E, por outro, que o recorrido ainda pode, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas (artigo 684º-A, nº. 2, do Código de Processo Civil). Embora a lei se refira à sentença, naturalmente, por se tratar de normativo de carácter geral, é aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação sob recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. A alegação a título subsidiário pela parte vencedora no recurso do acórdão proferido pela Relação da sua nulidade, por exemplo por erro de apreciação da matéria de facto, visa prevenir a prolação pelo Supremo Tribunal de Justiça de acórdão oposto ao da Relação por via de diversa interpretação das normas aplicáveis. O recorrido, nas suas alegações, o que põe em causa é o facto de a Relação, ao invés do tribunal da 1ª instância, considerar, para cálculo do direito de crédito da recorrente, o valor de 27.000.000$ convencionado entre ele e a recorrente para a realização da obra. Nessa perspectiva, invocou o disposto no artigo 684º-A, nº. 2, do Código de Processo Civil, afirmando, a título subsidiário, a nulidade do acórdão da Relação. Todavia, a título de fundamentação, expressou que a consideração do referido montante dependia da discriminação de todos os trabalhos realizados, da realização pela recorrente de todos os trabalhos acordados para a conclusão da obra, da elaboração dos autos de medição de cada fase dos trabalhos, da determinação dos trabalhos abrangidos por cada fase e do valor concreto de cada uma, do seu conhecimento e aceitação da concernente actividade de medição. Mas essa problemática não tem a ver com a nulidade do acórdão por contradição lógica entre os fundamentos e a decisão (artigos 668º, nº. 1, alínea c), 716º, nº. 1 e 726º do Código de Processo Civil). A discordância do recorrido por este expressado no quadro da ampliação do objecto do recurso, tem, com efeito, a ver com o erro de julgamento, pelo que a respectiva impugnação devia ocorrer não por aquele meio, mas por via de recurso. Como o recorrido deixou deserto o recurso de revista subordinado que interpôs, não pode, como é natural, obter o efeito pretendido por via da ampliação do objecto do recurso de revista interposto pela recorrente. 2. A empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra (artigo 1207º do Código Civil). Como o recorrido declarou adjudicar à recorrente e esta aceitar a adjudicação da obra de construção, segunda fase, de uma moradia, certo é estarmos perante um contrato de empreitada, em que o primeiro figura como dono da obra e a última como empreiteira. Trata-se de um contrato sinalagmático, isto é, do qual resultaram obrigações para a recorrente, como empreiteira, a de realizar a obra, e para o recorrido, dono dela, a de pagar àquela o preço convencionado. Os materiais e utensílios são em regra, isto é, se não houver convenção em contrário, fornecidos pelo empreiteiro (artigo 1210º, nº. 1, do Código Civil). O normal é as partes convencionarem o preço relativo à obra, que deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto da aceitação da obra (artigo 1211º do Código Civil). O dono da obra pode exigir ao empreiteiro alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra (artigo 1216º, nº. 1, do Código Civil). Mas o empreiteiro tem o direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo da despesa e trabalho e a um prolongamento do prazo para a execução da obra (artigo 1216º, nº. 2, do Código Civil). Resultando das alterações diminuição de custo ou de trabalho, o dono da obra tem direito a impor ao empreiteiro a dedução ao preço estipulado do que, em consequência das alterações, poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações da sua actividade (artigo 1216º, nº. 3, do Código Civil). Os contratos devem ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios da boa fé envolvente de ambos os contraentes (artigos 406º, nº. 1, e 762º, nº. 2, do Código Civil). No caso vertente, as partes convencionaram um prazo para a realização da obra, posteriormente alargado, bem como determinado preço a pagar escalonadamente pelo recorrido à recorrente, em função do andamento dos trabalhos e das fases da obra por ela realizadas. 3. Entendeu a recorrente, invocando o disposto no nº. 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil, dever o processo voltar à Relação a fim de ser corrigida a contradição na decisão da matéria de facto. Fundamentou essa sua pretensão sob o argumento de o valor dos trabalhos a cargo do recorrido não estarem incluídos no preço de 27.000.000$ convencionado para a obra e a Relação haver deduzido ao último dos mencionados valores o daqueles trabalhos. A regra é no sentido de que, salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº. 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ). Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, nº. 1, do Código de Processo Civil). Não pode alterar a decisão da matéria de facto da Relação, salvo no caso de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, nº. 2 e 729º, nº. 2, do Código Civil). O referido regime não exclui, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça possa e deva anular o acórdão recorrido e remeter o processo à Relação, se verificar que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artigo 729º, nº. 3 e 730º, nº. 1, do Código de Processo Civil). Nesse caso, depois de definir o direito aplicável, se a falta ou a contradição dos elementos de facto a tal não obstarem, o Supremo Tribunal de Justiça determinará o novo julgamento da causa (artigo 730º do Código de Processo Civil). A própria estrutura da argumentação da recorrente para concluir sobre a contradição da decisão da matéria de facto proferida na Relação não justifica essa conclusão, nem o que está provado o revela. De qualquer modo, não ocorrem, no caso vertente, os pressupostos legais que impliquem poder o Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão da matéria de facto proferida pela Relação. Acresce que se não está perante a insuficiência do quadro de facto que implique a remessa do processo à Relação com vista à sua ampliação e constituição de base suficiente para a aplicação do direito. Improcede, por isso, a referida pretensão formulada pela recorrente. 4. Afirmou a recorrente, invocando o disposto na alínea c) do nº. 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, que o acórdão recorrido está afectado de nulidade por virtude da oposição da decisão com os factos provados e os seus fundamentos, sob o argumento de os trabalhos da responsabilidade do recorrido acima referidos não estarem incluídos no preço convencionado de vinte e sete milhões de escudos e a este ter sido deduzido o seu valor. O vício de nulidade em causa a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 668º e 716º, nº. 1, do Código de Processo Civil é o que ocorre quanto os fundamentos de facto e de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório. Isso significa que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão. Trata-se de um corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, certo que esse requisito se não verifica quando haja contradição entre os fundamentos de facto e de direito a decisão nos quais assenta. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste, que não raro se confunde com aquela contradição. A Relação, à luz dos factos assentes e do direito que considerou aplicável condenou o recorrido a pagar àquela à recorrente a diferença que possa ser encontrada em execução de sentença tendo em conta, entre, por um lado, a realização da segunda fase da construção da moradia no montante de 27.000.000$, o valor dos trabalhos por ela realizados a mais e, por outro, o montante já pago pelo primeiro à segunda no montante de 17.130.000$ e o valor das obras por ele eventualmente realizadas e o dos materiais a cargo dela pagos por ele. A Relação descreveu os factos em que a sua decisão assentou, equacionou as questões que considerou dever conhecer e operou a subsunção ao direito que entendeu aplicável sob motivação fáctico-jurídica suficiente. Independentemente do acerto ou desacerto da decisão proferida no acórdão no confronto dos factos provados e do direito aplicável, que não releva para a solução sobre o vício de nulidade em causa, constata-se a existência de conexão lógico-jurídica entre a fundamentação e a decisão. Assim, independentemente de ocorrer ou não erro de julgamento, do que se não trata, na espécie, é de contradição entre o segmento de fundamentação fáctico-jurídica e o decisório, pelo que não ocorre a nulidade do acórdão invocada pela recorrente. 5. É o seguinte o núcleo de factos provados que essencialmente relevam para a decisão do recurso. O preço dos trabalhos executar pela recorrente, como empreiteira, para construção da obra em causa, da titularidade do recorrido, cifrava-se em 27.000.000$, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado. A recorrente assumiu a obrigação de realizar os trabalhos mencionados sob II 6 e 7. Os trabalhos mandados fazer a mais ou a menos seriam pagos ou deduzidos ao preço constante da lista dos preços unitários, e, sendo os primeiros de espécie diferente, eram pagos pelo recorrido à recorrente, conforme o acordado entre ambos. O recorrido exigiu à recorrente, por um lado, a alteração que consistiu em as paredes interiores de toda a casa, ao nível da cave, rés-do-chão e primeiro andar, antes do reboco projectado, tipo seral, fossem revestidas previamente com reboco de argamassa de cimento. E, por outro, trabalhos a mais, não previstos no contrato, designadamente o reforço da estrutura de betão armado - vigas e pilares -, parede dupla na cave com lã de vidro, uma chaminé, um terraço nas traseiras, a edificação das paredes de uma casa de banho na cave e o reboco em argamassa de cimento nas paredes interiores da casa, de montante não apurado. Ademais, exigiu o recorrido à recorrente que as ombreiras e vergas e vãos das janelas e portas de sacadas do rés-do-chão e cave fossem substituídas por mármore cinzento pele de tigre. Assim, a recorrente realizou na obra trabalhos não previstos no contrato e não realizou outros nele previstos, designadamente por virtude das alterações que ocorreram. Acresce que a instalação eléctrica, redes de água e esgotos, fornecimentos e colocação da telha, isto é, a execução da cobertura do telhado, o fornecimento de carpintarias interiores e exteriores ficaram por conta do recorrido. Ademais, o recorrido, por um lado, executou alguns trabalhos da sua responsabilidade relativos a instalações de água e electricidade e, por outro, teve de diligenciar por ladrilhadores, estucadores, pintor, carpinteiro, afagador de parquet e de pedra mármore, tem de pagar-lhes e teve de comprar materiais, despendendo quantia não apurada. Finalmente, o recorrido só entregou à recorrente, no quadro do mencionado contrato, a quantia de 17.130.000$. 6. O ponto de partida para a resolução desta questão centra-se, essencialmente, no âmbito dos trabalhos que a recorrente se obrigou inicialmente a realizar para o recorrido no quadro do contrato de empreitada em análise e do preço que para o efeito foi entre ambos convencionado. Todavia, importa ter em linha de conta que a recorrente não terminou a obra, e ignora-se o valor do preço da parte dela que, no confronto com o preço convencionado, deixou de executar. Ademais, o preço que foi inicialmente convencionado entre a recorrente e o recorrido para a realização da obra sofreu a mutação decorrente do facto de a primeira ter realizado trabalhos para além dos inicialmente convencionados por iniciativa do recorrido, cujo valor não foi apurado. Acresce que o recorrido realizou trabalhos que deviam ter sido realizados pela recorrente, cujo valor também se ignora. Por outro lado, os trabalhos que inicialmente ficaram a cargo do recorrido e que ele executou não podem relevar em termos de débito à recorrente em relação ao preço que foi convencionado para a realização da obra, porque tal solução não é comportada pelos termos do contrato. Como se ignora o valor dos trabalhos efectivamente realizados pela recorrente, ou seja, dos que ela deixou de realizar, certo que não terminou a obra, nem o valor dos trabalhos que ela realizou para além do que estava convencionado, nem o valor dos trabalhos feitos pelo recorrido e que deviam ser feitos pela recorrente, devem as referidas vertentes ser relegadas para cômputo em execução de sentença (artigo 661º, nº. 2, do Código de Processo Civil). Decorrentemente, o recorrido deverá pagar à recorrente a diferença entre € 134.675,43 acrescidos do valor dos trabalhos mencionados sob II 11 e 16 trabalhos a mais realizados pela segunda, a apurar em execução de sentença, a cujo valor global deverá ser abatido, por um lado, o montante de € 85.444,08 e, por outro, o valor dos materiais e serviços mencionados sob II 21, a apurar em execução de sentença. Em consequência, o recurso procede no que concerne ao segmento do acórdão recorrido que incluiu no referido abatimento os trabalhos mencionados sob II 5 e os relativos a instalações de água e electricidade que o recorrido haja realizado, ou seja, integralmente. Vencido no recurso, de revista, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nº.s 1 e 2, do Código de Processo Civil). O valor do recurso para efeito de custas corresponde ao valor das obras acima referidas em relação ao qual prevaleceu o cálculo de abatimento constante do acórdão recorrido (artigo 11º do Código das Custas Judiciais). IV Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condena-se o recorrido a pagar à recorrente a diferença de valor que houver entre cento e trinta e quatro mil, seiscentos e setenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos, acrescidos do valor dos trabalhos mencionados sob II 11 e 16, a apurar em execução de sentença, e o de oitenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e oito cêntimos e do valor suportado pelo requerido com os materiais e serviços aludidos sob II 21, a apurar em execução de sentença, e no pagamento das custas do recurso, com base no valor das obras em relação às quais a recorrente obteve vencimento no recurso. Lisboa, 2 de Outubro de 2003 Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís |