Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4799
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: SJ200802280047991
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
Para que o companheiro sobrevivo possa obter o direito à pensão de sobrevivência, é necessário provar, a necessidade de alimentos, que os não pode obter da herança do falecido companheiro, nem das pessoas referidas nas als. a) a d) do art. 2009º do C.Civil, não bastando a mera prova de uma convivência com o beneficiário falecido, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- AA, residente na Rua ..................., ..., .. Esq. Ermesinde, Valongo, propõe contra o BB, com sede na Av. ........., ......., Lisboa, a presente acção com processo ordinário, pedindo que se declare que é titular da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, no âmbito dos regimes previstos nos DL 142/73 de 31/3 e 223/95 de 8/9, decorrentes da morte de CC, devendo ser a R. condenada a reconhecê-lo.
Fundamenta o seu pedido, em síntese, dizendo que viveu, desde 1991 e até à data da sua morte, como se marido e mulher fossem, com CC, o qual veio a falecer no dia 20-7-12-2004, tendo, inclusivamente, da relação nascido uma filha de ambos, DD, em 24-12-1992. À data da morte do CC, este apenas possuía, em comum com a A., a fracção autónoma que habitava e os respectivos bens móveis. A A. é solteira e tem como única filha a identificada menor. Aufere mensalmente a quantia líquida de 432,68 €, quantia insuficiente para suportar as suas despesas correntes. O falecido era pensionista da R.. Assim, encontra-se em situação de poder beneficiar, em virtude do óbito do CC da pensão de sobrevivência e do subsídio por morte, no âmbito dos regimes previstos nos DL 142/73 de 31/3 e 223/95 de 8/9.
1-2- A R. contestou excepcionando a incompetência do Tribunal em razão do território e impugnando parte dos factos alegados por os desconhecer. Sustenta ainda que para que a acção possa proceder, a A. teria que ter alegado e provado factos que possam de servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos, nos termos do art. 2020º do C.Civil. Relativamente ao subsidio por morte, a atribuição depende de requerimento nesse sentido no prazo de um ano a contar do óbito de pensionista, pelo que a A. terá que efectuar o respectivo requerimento em impresso próprio e dentro do dito prazo.
Termina pedindo a procedência da excepção e a improcedência da acção.
1-3- A A. respondeu à excepção, sustentando a sua improcedência.
1-4- Julgou-se procedente a excepção de incompetência do Tribunal em razão do território e, em consequência, foi o processo remetido às Varas Cíveis de Lisboa.
1-5- O processo seguiu aí os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a essa base e se proferiu a sentença.
1-6- Nesta considerou-se a acção procedente por provada, declarando-se que a A. tem direito a receber alimentos da herança de CC pelo que, como herdeira hábil, tem direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte, no âmbito dos regimes previstos nos DL 142/73 de 31/3 e 223/95 de 8/9.
1-7- Não se conformando com esta sentença, dela recorreu a R., recurso de apelação que, julgado no Tribunal da Relação de Lisboa foi julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
1-8- Novamente irresignada recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como de revista e com o efeito devolutivo.
1-9- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O douto acórdão recorrido não tomou em consideração quer os familiares, quer a herança. Aliás, basta uma breve leitura da Base Instrutória para se chegar à conclusão que não se encontra formulada nenhuma pergunta relativamente aos familiares da Autora ou à herança.

2ª- A existência do direito a alimentos depende, para além da carência económica de o alimentando, no momento da morte da sua companheira, conviver “more uxorio” com pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, há mais de dois anos, da impossibilidade de obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do artigo 2009º.

3ª- Deveriam ter sido formuladas as seguintes perguntas na Base Instrutória: Tinha a Autora direito a alimentos da herança? Podia a herança prestar alimentos à Autora ou aquela não lhos podia prestar, por insuficiência de bens? Não tem a Autora cônjuge, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos em condições de lhe prestar alimentos? (artigo 2009°, alínea a) a d) do Código Civil).

4ª- A acção declarativa intentada pela Autora com vista ao reconhecimento do direito daquele que se arroga à obtenção de pensão de sobrevivência por morte de CC com quem viveu em união de facto, sujeita o direito da Autora a exigir alimentos da herança do falecido ao preenchimento dos requisitos previstos nos alíneas a) a d) do art. 2009º do Código Civil;

5ª- Para que a acção pudesse proceder, a Autora tinha de ter alegado e provado factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos, nos termos acima indicados. Como poderá verificar-se no preceito atrás transcrito, o legislador, além dos requisitas previstos nas alíneas a) a d), na alínea e) exige ainda que a herança da falecida, por falta ou insuficiência de bens, não possa prestar alimento à Autora.

6ª - Assim sendo, é manifesto que a presente acção não podia deixar de ser julgada improcedente e, em tal conformidade, a BB devia ter sido absolvida do pedido, dado não estarem preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o reconhecimento do direito que a Autora se arroga.

7ª- O douto acórdão recorrido viola o disposto na Lei 135/99 citada, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a mesma acção e dela absolva a ora recorrente BB.
1-10- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
A) No dia 20 de Julho de 2004 faleceu CC, no estado de solteiro.

B) A Autora AA e CC são pais de DD que nasceu em 24.12.1992.

C) A Autora AA e CC, na data do falecimento deste, eram donos da fracção autónoma designada pela letra E, habitação no segundo andar esquerdo, Rua ......................., destinada a habitação, do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição......, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número ..... da freguesia de Ermesinde, Concelho do Porto.

D) CC deixou como única herdeira DD.

E) A Autora nasceu em 24 de Janeiro de 1966 e é solteira.

F) CC era pensionista da BB com o n° ...........

G) A A. viveu com CC desde 1991 até à morte deste na mesma habitação, partilhando a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente.

H) E tomando as refeições em conjunto.

I) E passeando e saindo juntos.

J) Tendo o mesmo círculo de amigos.

K) Cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis, electrodomésticos e outros que existem na referida habitação.

L) A Autora cuidava de CC quando este se encontrava doente e ele dela.

M) A Autora e CC auxiliavam-se mutuamente no dia a dia.

N) A Autora e CC eram reconhecidos e tratados como fossem marido e mulher.

O) A Autora tem a profissão de empregada de balcão auferindo a quantia mensal líquida de 432,68€.

P) A Autora tem como único rendimento o salário acima referido.

Q) A Autora gasta, com o pagamento do empréstimo que contraiu para a aquisição de habitação própria e permanente, energia eléctrica, telefone e água municipalizada, a quantia de 370,00€ mensalmente.

R) O rendimento de que a Autora dispõe é insuficiente para suportar as despesas de alimentação, vestuário e demais despesas indispensáveis para a sua subsistência.
2-2- A questão que se debate nos autos e que já havia sido levantada na apelação interposta para o Tribunal da Relação de Lisboa, é o de se saber se compete à A. provar a impossibilidade de obter alimentos da herança do falecido companheiro e das pessoas referidas nas als. a) a d) do art. 2009º do C.Civil, ou se é suficiente a mera prova de uma convivência, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, para que a mesma possa obter as prestações sociais em questão.
No acórdão da Relação relativamente ao assunto, considerando-se que depois da entrada em vigor da Lei 135/99 de 28/8 (que institucionalizou a união de facto e posteriormente a Lei 7/2001 de 11/5 que a substituiu) se colocou o cônjuge sobrevivo numa posição paralela ao companheiro em união da facto no que ao regime da segurança social respeita, entendeu-se que nos termos do art. 6º nº 1, em conjugação com os arts. 41º nº2 do DL 142/73 na redacção pelo DL 191-B/79 e art. 3º a) do DL 223/95, os requisitos necessários devem tão só circunscrever-se à prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido e à existência da união de facto por mais de dois anos. Para tal entendeu-se interpretar restritivamente o disposto no art. 2020º do C.Civil, isto é, limitando-o às condições que constam da respectiva previsão.
Adiante-se desde já que esta posição não é aceitável, sendo certo que, ultimamente, neste Supremo Tribunal se tem vindo a entender, de modo uniforme, que para que o companheiro sobrevivo possa obter o direito à pensão de sobrevivência, é necessário provar, a necessidade de alimentos, que os não pode obter da herança do falecido companheiro, nem das pessoas referidas nas als. a) a d) do art. 2009º do C.Civil, não bastando a mera prova de uma convivência, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges.
Vejamos melhor:
O art. 41º do Dec-Lei 142/73 de 31/3 na redacção introduzida pelo Dec-Lei 191-B/79 de 25/6 e em relação à pessoa em união de facto com o falecido, estabelecia que “aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito”. Quer dizer esta disposição, em relação às condições de admissibilidade do pedido de pensão de sobrevivência, remetia para as condições contempladas no art. 2020º do C.Civil, sendo que a concessão da pensão dependia de uma sentença judicial que declarasse o direito a alimentos.
Posteriormente o Decreto - Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro consagrou um regime de protecção às pessoas que tenham vivido situações de facto análogas às dos cônjuges (art. 8º nº 1), permitindo atribuir-lhes prestações pecuniárias, denominadas prestações de sobrevivência e de subsídio por morte (art. 3º nº 1). Visam estas prestações compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste (art. 4º nº 1). Nos termos do mencionado art. 8º nº 1 “o direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do art. 2020º do C.Civil”.
Em sintonia com esta disposição, estabelece o art. 2º do Dec-Reg. 1/94 de 18/1 “tem direito às prestações a que refere o número anterior, a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”, acrescentando o art. 3º nº 1 que “a atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do art. 2020º do Código Civil”. Por sua vez o nº 2 deste artigo 3º, estabelece que “no caso de não ser reconhecido tal direito, com o fundamento da inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativas interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para atribuição das mesmas prestações”.
Do cotejo destas disposições verifica-se que, tanto o art. 8º nº 1 do Decreto-Lei n.º 322/90, como o art. 3º do Dec-Reg. 1/94 remetem para os pressupostos definidos no art. 2020º nº 1 do C.Civil (o mesmo era reafirmado pelo art. 6º da Lei 135/99 de 28/8, que foi, porém, revogado pela Lei 7/2001 de 11/5)
Por sua vez esta Lei 7/2001 de 11/5 (que adoptou medidas de protecção para as uniões de facto), no seu art. 6º nº 1 estipula que “beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis”. Para o presente caso interessam os direitos referidos na alínea e) (derivados da morte do beneficiário, pela aplicação do regime de segurança social da lei). Mais uma vez se verifica que a lei remete para as condições constantes no art. 2020º, acrescentando que a determinação dessas circunstâncias depende de uma definição judicial.
Estabelece o art. 2020º nº 1 do C.Civil que “aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º”.
Significa isto que para que o requerente de alimentos, nos termos desta disposição, os possa obter da herança do falecido, terá em primeiro lugar que provar que os não consegue adquirir nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º, isto é, do seu cônjuge ou ex-cônjuge, dos seus descendentes, dos seus ascendentes e dos seus irmãos (conferir esta disposição legal).
Relacionando aquelas normas com os arts. 2020º nº1 e 2009º als. a) a d) do C.Civil, somos em crer que se poderá concluir o seguinte:
Para que uma pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, mas com vivência, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges com uma pessoa falecida beneficiária do regime geral de segurança social, possa beneficiar das prestações da segurança social, é necessário que prove, em primeiro lugar, que carece de alimentos e que não os consegue adquirir, do seu cônjuge ou ex-cônjuge, dos seus descendentes, dos seus ascendentes e dos seus irmãos por inexistência ou insuficiência de bens e, em segundo lugar, que os não logre, por idêntica razão, obter da herança do seu falecido companheiro. Deve, para o efeito, interpor acção contra a instituição de segurança social competente para atribuição das prestações, tendente a demonstrar estas circunstâncias.
Portanto, face às normas evidenciadas, não é possível defender-se, como faz a A., que basta a invocação e prova da existência de uma convivência análoga à dos cônjuges por mais de dois anos, para que o requerente possa obter as prestações sociais em causa.
Só recusando-se a aplicação das ditas normas por inconstitucionais, é que seria possível defender esta posição.
Neste contexto é de referir que a polémica em redor da questão foi levantada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 88/2004 (in www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040088) referenciado pela A., segundo o qual julgou inconstitucional “por violação do princípio da proporcionalidade tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º, 18º nº 2, 36º nº 2, 363º nºs 1 e 2 todos da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 40º nº 1 e 41º nº 2 do Estatuto das pensões de Sobrevivência no funcionalismo público, quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da BB a quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos do companheiro falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil (1). O fundamento essencial do acórdão, foi considerar injustificada e desproporcionada a diferenciação entre a posição do cônjuge sobrevivo e do companheiro em uma união de facto, no que toca ao direito às prestações por morte. Referiu-se a este propósito nomeadamente que “tendo presente que o direito de constituir família (artigo 36º, n.º 1, da Constituição) não é apenas produto do casamento, mas pode também resultar de uma situação de união de facto estável e duradoura (nos termos que o legislador, dentro da sua liberdade de conformação, fixa), é, no mínimo, duvidoso que o condicionamento do direito à pensão de sobrevivência, tal como fixado na interpretação normativa que é objecto do recurso - necessidade da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, o qual terá de ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009° do Código Civil -, possa ser considerado um instrumento adequado e aceitável para a prossecução de eventuais objectivos políticos de protecção ou incentivo ao casamento. Ao invés, não deixaria, se assim fosse utilizado, de lhe ser aplicável a crítica de que poderia conduzir a uma perversão mercantilista da instituição casamento. Por outro lado, não sendo o “unido de facto” herdeiro do de cujus, mais difícil se revela sustentar aquele condicionamento”.
Sucede que esta orientação do Tribunal Constitucional foi abandonada reiteradamente, concretamente, pelos Acs. 159/05, 614/2005, 644/2005, 705/2005, 707/05 e 517/06 (todos em www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), que decidiram não julgar inconstitucionais as normas em causa. Isto porque se entendeu considerar justificada a diferenciação de regime entre o casamento e a união de facto, razão por que nada impede que o legislador ordinário, ao disciplinar as condições de atribuição das prestações sociais por morte, estabeleça regimes diferentes consoante se trate de pessoas casadas ou de pessoas a viver em união da facto e que, assim, seja mais exigente em relação a estes. No acórdão do Tribunal Constitucional 159/05 referiu-se, na óptica da (violação) do princípio da igualdade, que “a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio - por exemplo, distinguindo entre a posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge. A diferenciação de tratamento em causa na presente norma não pode, assim, ser considerada como destituída de fundamento razoável ou arbitrária, verificando-se, por outro lado, um indiscutível paralelo entre ela e o tratamento sucessório de ambas as situações (introduzido pela reforma de 1977 e cuja conformidade com a Lei Fundamental não é aqui questionada)”. Isto é, considerou-se o tratamento diferente do casamento e da união de facto não viola o princípio da igualdade, visto que a diferenciação de tratamento tem fundamento razoável, sendo que este princípio apenas veda discriminações arbitrárias e desprovidas de justificação racional. Acrescentou-se no mesmo acórdão no que toca ao princípio da proporcionalidade que “o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo a exclusão total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico - como o da destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios - pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal recorte é aceitável - se segue um critério constitucionalmente aceitável - tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis - sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador … Ora, como revela o paralelo da solução normativa em causa com a posição sucessória do cônjuge sobrevivo e da união de facto - não equiparada, aliás, pelas Leis n.ºs 135/99 e 7/2001 -, o tratamento post mortem do cônjuge é, justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por disciplinar mais favoravelmente o casamento. Esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro em união de facto - que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do beneficiário - é adequada à prossecução do fim de incentivo à família fundada no casamento, que não é constitucionalmente censurável (sublinhado nosso) e antes recebe até (pelo menos numa certa leitura) particular acolhimento no texto constitucional. A conveniência de tal distinção de tratamento post mortem, com os concomitantes reflexos patrimoniais, pode ser, e será com certeza, diversamente apreciada a partir de diversas perspectivas, no debate político-legislativo - em que poderão vir a encontrar acolhimento argumentos como o da distinção entre o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência, a existência e o sentido dos descontos efectuados pelo companheiro falecido, à luz do regime então vigente e da sua situação pessoal, ou a maior ou menor conveniência em aprofundar consequências económicas específicas de uma relação familiar como o casamento. Mas a Constituição não proscreve essa distinção, ainda quando ela tem como consequência deixar de fora do regime estabelecido para a posição sucessória do cônjuge o companheiro em união de facto”. Como se refere no Acórdão deste Supremo de 13-9-07 (www.dgsi.pt/jstj.nsf, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza) “as condições especificamente exigidas no caso da união de facto decorrem da circunstância da união de facto não implicar necessariamente, por opção das partes, deveres patrimoniais, ou uma geral solidariedade patrimonial, como sucede com o casamento. Não se afiguram assim excessivas tais exigências não infringindo o princípio constitucional da proporcionalidade as normas que as prevêem: a união de facto não importa, diferentemente do que sucede com o casamento, um dever de solidariedade entre os seus membros”. Quer dizer a diferenciação de regimes é adequada, razoável, não se verificando qualquer desproporcionalidade entre normas.
Em síntese:
Para que uma pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens mas com vivência, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges com uma pessoa falecida beneficiária do regime geral de segurança social, possa beneficiar das prestações da segurança social, é necessário que prove, que carece de alimentos e que não os consegue obter, do seu cônjuge ou ex-cônjuge, dos seus descendentes, dos seus ascendentes e dos seus irmãos por inexistência ou insuficiência de bens e os não logre receber, por idêntica razão, da herança do seu falecido companheiro. Deve, para o efeito, interpor acção contra a instituição de segurança social competente para atribuição das prestações, tendente a demonstrar estas circunstâncias (neste sentido tem vindo a decidir uniformemente este Supremo Tribunal, como se verifica compulsando, entre outros, o acórdão já referido, os acórdãos de 23-10-07 (Relator Cons. Azevedo Ramos), de 20-9-07 (Relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 24-4-07 (Relator Cons. Silva Salazar) e de 14-11-06 (Relator Cons. Sousa Leite) todos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf).
As disposições legais que impõem estes procedimentos, não são inconstitucionais.
No caso vertente os factos provados demonstram a carência da A. de alimentos. Verifica-se, porém, que não foi alegado e não está provado a A. não possa pedir e receber alimentos das pessoas a que alude o art. 2009º als. a) a d) do C.Civil e da herança do falecido companheiro. Era à A. que cabia provar estes requisitos, como decorre do art. 342º nº 1 do C.Civil, porque constitutivos do seu direito.
Assim, por falta de preenchimentos destes requisitos, a acção não poderá deixar de improceder.
A revista terá provimento.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento à revista, julgando-se improcedente a acção, absolvendo-se a R. do pedido.
Custas na acção e no recurso pela A..
Garcia Calejo (Relator)
Mário Mendes
Sebastião Póvoas
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(1) -Os motivos de adesão a este juízo de inconstitucionalidade leva a que considerar, igualmente, inconstitucionais as normas do nº 1 do art. 6º da Lei 7/2002, do art. 8º do Dec-Lei 320/90 e do art. 3º do Dec-Reg 1/94.