Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3341/15.9T8LRA.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
CASO JULGADO
DANOS FUTUROS
VENCIMENTO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Ana Prata, Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Lisboa, 1991, p. 180 e ss.;
- Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p. 394;
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. I, p. 640.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, N.º 1, 633.º E 636.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 11-10-1994, PROCESSO N.º 84.734, IN WWW.DGSI.PT E CJSTJ, ANO II, TOMO III- 1994, P. 83;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19.
Sumário :

I. Tendo a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância,  relativamente  às obrigações SLN 2004 e 2006, subscritas pelos autores, considerado verificados os pressupostos da responsabilidade civil do réu, enquanto intermediário financeiro,  por violação dos deveres de informação, tendo o banco réu aceitado esta decisão, pois  dela não recorreu ( nem mesmo através de recurso subordinado ou de ampliação do recurso dos autores, nos termos dos artigos 633º e 636º , ambos do Código de Processo Civil)  e tendo os autores restringido o objeto do seu recurso de apelação à questão da atendibilidade  dos danos para eles decorrentes da subscrição das obrigações SLN 2006, inquestionável se torna, ante o disposto no artigo  619º, nº 1 do Código de Processo Civil,  que o caso julgado formado pela sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, na parte respeitante à verificação daqueles pressupostos, impede a reapreciação pelo  Supremo Tribunal de Justiça das questões atinentes à  ilicitude da atuação do banco, à  sua culpa presumida, aos danos sofridos pelos autores  e ao nexo de causalidade adequada entre o  incumprimento pelo banco dos deveres de informação e estes  danos.

II. Por dano futuro deve entender-se  aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.

III. Nos termos  do  disposto no artigo 564º, nº 2 do Código Civil,  o dano futuro só será indemnizável antecipadamente quando seja previsível  – isto é,  quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em acontecerá, a sua ocorrência - e   certo – , ou seja,  quando a sua  produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.

E isto acontece  quer o dano certo seja  determinável ( quando  pode ser fixado  com precisão no seu montante) ou indeterminável ( quando não é possível fixar o seu valor antecipadamente  à sua verificação), pois num e noutro caso não está posta em causa a realidade do evento, mas tão somente a extensão  do evento e a sua expressão monetária.

IV. Assim, considerados verificados, em termos definitivos, os pressupostos  da responsabilidade civil contratual do banco réu  para com os  autores, a circunstância das obrigações SLN 2006 por eles subscritas não se mostrarem vencidas,  à data da propositura da presente ação, não exonera o banco da obrigação de indemnizar os autores pelo dano para eles decorrentes dessa subscrição, visto estarmos perante um dano que já se apresentava, naquela data, como um dano futuro previsível e  certo e, por isso, indemnizável, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2 do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL



I. Relatório


1. AA e BB, instauraram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco CC, SA, pedindo a condenação do réu a restituir-lhes a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros à taxa legal para as operações comerciais, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, para tanto e em síntese, que:

São clientes do banco réu há mais de 15 anos e são investidores não qualificados.

Em outubro de 2004,  tinham no banco réu um depósito a prazo no montante de € 200.000,00.

Seduzidos pelos funcionários deste banco, os autores, em 19.10.2004, aceitaram subscrever quatro obrigações SLN .... 2004, no valor de € 50.000,00, cada uma, no valor global de € 200.000,00.

 O boletim de subscrição foi colocado na frente do autor marido, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

Os autores só subscreveram os títulos supra mencionados porque lhes foi afiançado pelo banco réu que o retorno das quantias subscritas eram garantidas pelo próprio Banco, que se  tratava de um produto sem risco, com melhor remuneração do que um depósito a prazo e que podia ser resgatado a qualquer altura,  apenas  com uma penalização nos juros, como sucede com os depósitos a prazo.

Os funcionários do banco tinham perfeita consciência de que os autores, em circunstância alguma, aceitariam subscrever obrigações subordinadas.

Não foi dada aos autores uma nota informativa da operação.

Em abril de 2006, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do banco réu, dando-lhe conhecimento de que tinha um produto seguro e bem remunerado  e  que tomara a liberdade de subscrever por ele uma obrigação de € 50.000,00.

Os autores nunca chegaram a assinar qualquer contrato de subscrição.

A CC SA não pagou as obrigações SLN .... 2004, na data do seu vencimento, em 24 de outubro de 2014.

2. Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

3. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou  a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o Banco CC, SA « a pagar aos Autores AA e BB, a quantia de duzentos mil euros (€ 200.000,00), acrescida de juros remuneratórios fixados para a conta de depósitos n.º 0000000, vencidos no período compreendido entre 19 de Outubro de 2004 e 25 de Outubro de 2014, deduzidos os juros semestrais recebidos pelos Autores e relativos àquela subscrição de obrigações SLN .... 2004, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».

4. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em  22 de Novembro de 2018, julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, na parte em que absolveu o réu da obrigação de indemnizar os autores pelo dano para eles decorrente da subscrição da obrigação SLN 2006, decidiu aditar à condenação já efetuada na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância o seguinte:

«Mais se condena a ré a pagar aos autores a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros remuneratórios fixados para o período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a data da propositura da acção, deduzidos os juros que os autores receberam referentes à Obrigação SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».


5.  Inconformado com esta decisão, dela interpôs o banco réu recurso de revista  para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

« 1) Mantém-se apenas em discussão a determinação e demonstração de eventual dano que os AA possam ter, ou não sofrido pela subscrição de uma obrigação SLN 2006, porquanto esta obrigação não se tinha vencido à data de propositura da presente acção e por não ter sido alegado quanto ao reembolso, ou não, do capital investido na respectiva data de vencimento – sendo apenas esse o objecto deste recurso!

De facto,

2) Os AA. nunca alegaram qualquer facto relativo ao não reembolso desta Obrigação SLN 2006, fosse na sua petição inicial fosse em articulado superveniente, como, ao invés, um tal facto não consta tão pouco do elenco de factos provados, ao contrário do que sucede para as Obrigações de 2004 – vide facto 45)!

3) O douto acórdão em crise vem a adoptar posição sobre a natureza da responsabilidade do Banco enquanto intermediário financeiro, traduzida na responsabilidade pré-contratual do mesmo.

4) A responsabilidade pré-contratual pressupõe a violação de boa fé na negociação de um contrato ou na sua formação! Ou seja, é, por definição, uma responsabilidade que a existir se refere a direitos gerais impostos pela boa-fé e ordem pública, pré-contratuais!

5) A responsabilidade contratual pressupõe o incumprimento de um dever que emerja de contrato! E com isso pressupõe necessariamente a pré-existência de um contrato, com um regime convencional e/ou legal aplicáveis!

6) Uma solução de responsabilidade mitigada, não nos parece que seja critério eficaz ou válido sequer, em face da incompatibilidade entre uma responsabilidade cujo acto ilícito dependa de contrato ou que seja prévia a este!

7) A actividade de intermediação financeira é sustentada no estabelecimento de duas (ou mais) relações contratuais paralelas,

8) Sendo que a principal, relação de cobertura, é a de intermediação financeira propriamente dita, sujeita a direitos e deveres gerais, aplicáveis à actividade de intermediação em geral, e sujeita a um regime extenso e exaustivo de capacidade para o exercício da actividade, de informação sobre as mais variadas circunstâncias dessa actividade, de defesa de mercado, etc...

9) Ao abrigo desse contrato, depois, o intermediário poderá prestar um dos serviços elencados no art.º 289º nº 1 e 290º do CdVM – também eles enquadráveis contratualmente, desta vez no âmbito dos chamados contratos de execução.

10) Em causa nos autos está a especial relação de mandato estabelecida por força da prestação dos serviços de intermediação de recepção e transmissão de ordens, no caso ordens de subscrição de uma obrigação SLN 2006!

11) O dever de informação, ou, por contraposição, o direito à informação decorre do regime legal aplicável assim ao contrato de intermediação, e bem assim ao contrato associado ao concreto serviço de intermediação que o intermediário financeiro presta.

12) Ou seja, esta prestação é devida a título de crédito a uma prestação contratual acessória do serviço de recepção e transmissão de ordens - existe apenas e só por força do contrato!

13) É, por isso, uma prestação de natureza contratual, ainda que com origem legal!

14) Assim, o incumprimento de uma tal obrigação de informar, a implicar responsabilidade, será claramente uma responsabilidade contratual, e não uma responsabilidade pré-contratual!

15) A decisão recorrida violou assim, por errónea interpretação o disposto nos art.ºs 227º e 798º do Código Civil.

Por outro lado,

16) É hoje pacífico que no caso de incumprimento de obrigações contratuais, e ressalvadas as situações de resolução do contrato – que aqui igualmente não se colocou por qualquer forma -, esse dano deverá ser fixado de acordo com o chamado dano de incumprimento, o interesse contratual positivo – nos termos do art.º 562º do Código Civil.

17) Ora, se não resulta dos autos qualquer tipo de incumprimento, concretamente no que se refere à Obrigação de 2006, desde logo não poderemos, nesta sede, determinar sequer a existência do dano, e muito menos do seu valor!

18) Daí a necessidade de os AA. alegarem a verificação do incumprimento, por ser determinante na existência de dano, e por outro, alegarem igualmente o valor que teria ficado por reembolsar, para determinação do montante do dano!

19) Nada disso foi feito nos autos, e portanto, não podemos afirmar a existência de qualquer dano, e muito menos o valor de um suposto dano!

Sem prejuízo do alegado,

E ainda que assim se não entenda,

20) Sempre a invocação do interesse contratual negativo como critério de determinação da indemnização, por força de uma alegada responsabilidade pré-contratual tornando-se distinta da indemnização fixada pelo interesse contratual positivo, obrigaria a que se alegasse e provasse um qualquer dano, como obrigaria a que se alegasse e provasse um respectivo montante!

21) Pois que se o interesse contratual negativo corresponde à situação patrimonial em que o credor estaria acaso não tivesse contratado – o que restou igualmente por alegar!

22) Ou seja, dos autos resulta qualquer dano relativo à obrigação SLN 2006, ainda que calculado pelo interesse contratual negativo, até porque ele sempre será diferente do mero valor investido!

23) Por esse motivo, violou a decisão recorrida o disposto no citado art.º 562º do Código Civil».


Termos em que conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele pela revogação do douto acórdão recorrido e sua substituição por outro que absolva o Banco-Réu do pagamento de 50.000,00€ e respetivos juros de mora, relativos à subscrição de uma obrigação SLN 2006.


6. Os  autores responderam, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

« A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

C. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

D.E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

E. O que na realidade não era verdade e, como da simples leitura do mesmo se retira, o douto acórdão recorrido assim também o considerou.

F. Referiram os recorridos, no inicial petitório, que haviam tomado conhecimento de que a SLN havia introduzido em juízo Processo Especialde Revitalização, juntando aos autos o anúncio de tal respetivo.

G. Explicaram os recorrentes que a apresentação de tal P.E.R. determinava o vencimento imediato de todas as dívidas da devedora SLN.

H. Nos termos do disposto no artigo 17.º-D, n.º 2 do C.I.R.E., qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação do despacho no portal Citius, para reclamar os seus créditos.

I. Nestas dívidas não pode deixar de estar incluída, por legal imposição, a subscrição das obrigações SLN 2006, isto independentemente do prazo de maturidade de tais obrigações.

J. A maturidade inicial da obrigação SLN 2006, independentemente do prazo inicialmente   contratado, não   pode   deixar   de   se   considerar   vencida   pela apresentação do P.E.R.

K. Os recorridos alegaram na petição inicial que o Banco recorrente se recusa a restituir-lhes as quantias que lhe foram confiadas.

L. Os recorridos referiram ainda que o Banco réu invoca que é a SLN, com quem estes nunca celebraram qualquer negócio, a única responsável pelo pagamento desses valores.

M. E ainda demonstraram que o Banco réu tem, na sua posse, os títulos objeto da presente causa, pelo que poderá, querendo, exercer os direitos correspondentes aos mesmos junto da ... e juntaram, para o efeito, documento emitido pelo Banco réu, que não foi impugnado, a comprová-lo.

N. Os recorridos construíram a sua p.i. e delinearam o seu pedido e a sua causa de pedir de uma forma que não deixava dúvidas de que a obrigação SLN 2006 não estava paga.

O. Segundo as regras da repartição do ónus da prova, sempre competiria ao Banco recorrente demonstrar o pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.

P. Hoje em dia, é um facto notório, é do conhecimento geral e qualquer cidadão minimamente informado sabe que a G.... S.A. foi inclusive declarada insolvente, sem alguma vez ter pago as obrigações SLN .... 2004 e as obrigações SLN 2006.

Q. Ficou plenamente demonstrado e provado nos autos que ao autor foi dito que o produto financeiro SLN 2006 era semelhante a um depósito a prazo.

R. Foi enganosa a informação prestada pelo Banco CC ao autor marido acerca das características do produto financeiro SLN 2006.

S. Do mail junto como Doc. 8 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

T. O mail junto como Doc. 7 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.

U. Tal documento traduz-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

V. O facto incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

W. O Banco devia ter informado o recorrido marido que se tratava de obrigações subordinadas, explicando em que consistia a subordinação, que o Banco se limitava a colocá-las no mercado e que o produto em causa em nada era semelhante a um depósito a prazo e não era sequer adequado ao perfil de investidor dos autores.

X. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior e que, como tal se integra na lei interpretada.

Y. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Z. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

AA. O Banco réu não logrou provar que informou o autor marido, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN 2006.

BB. Dos documentos n.º 5, n.º 6, n.º 7 e n.º 8 da petição inicial e da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

CC. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

DD. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

EE. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que os autores reclamam salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que o autor marido acabou por adquirir uma obrigação SLN 2006.

FF. Foi assegurado ao autor marido que este não corria risco com a aplicação, que subscrever um deposito a prazo ou subscrever as obrigações SLN 2006 era a mesma coisa e que eram aplicações semelhantes a um deposito a prazo e que tinham capital garantido.

GG. Se tivessem sido previamente explicadas ao autor marido as características da obrigação SLN 2006 que este veio a subscrever, ou se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa do produto, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, que aquela obrigação era apenas assumida pela SLN e que, no caso de insolvência da SLN, o pagamento do capital por ele investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, como se infere da aludida nota informativa sob as epígrafes “Reembolso Antecipado” e “Garantias e Subordinação”, o autor marido nunca teria aceitado tal subscrição.

HH. O contrato de conta bancária constitui o contrato bancário primogénito; é ele que inaugura, através da celebração de um contrato de abertura de conta, a relação obrigacional que é a relação jurídica bancária.

II. O contrato de abertura de conta está na origem de uma relação obrigacional complexa, consubstanciada na existência de um conjunto de direitos subjetivos (em sentido amplo) e os deveres jurídicos ou de sujeições que advêm de um mesmo facto jurídico.

JJ. Emerge daquele contrato-quadro um feixe de deveres de proteção, a cargo do intermediário financeiro, que se desdobram e autonomizam dos deveres acessórios de conduta e que têm por finalidade conservar a atual situação jurídica dos bens de ambos os sujeitos da relação obrigacional complexa, tutelando-os contra ingerências externas lesivas na sua pessoa, na sua propriedade ou no seu património.

KK. O dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, relativamente aos deveres de informação.

LL. Tal princípio baseia-se na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores, com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade.

MM. Havendo uma ligação especial entre o intermediário financeiro e a prossecução dos referidos deveres de proteção, formam-se por causa disso os denominados círculos de diligência devida.

NN. Não faz sentido que, em matéria de ónus da prova, se coloque o cliente investidor não profissional na posição/necessidade de produzir prova perante a falta de informação prestada pela entidade bancária sobre um produto financeiro complexo que desconhece e não domina.

OO. Não se vislumbra razão, sendo o direito processual civil instrumental em relação ao direito material, para exigir ao cliente bancário, no plano processual, um ónus probatório que, na prática, esvaziaria aquele escopo protetor que lhe é conferido em sede de direito material.

PP. O princípio constitucional da proporcionalidade impõe neste caso ao lesado uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur.

QQ. Nesta matéria têm outros ordenamentos jurídicos recorrido a figuras como as máximas da experiência resultantes da regra do id quod plerumque accidit, em Itália; a prova prima facie ou de primeira aparência, na Alemanha e as presunções graves, precises et concordantes, em França.

RR. A mais esclarecida doutrina processualista propugna o recurso a elementos racionais em campos onde se divisem direitos dos consumidores, onde se incluem os clientes bancários, de modo a proteger a parte mais frágil e evitar que o direito processual na prática frustrasse os direitos subjetivos que lhe foram conferidos pelo direito substantivo.

SS. De acordo com a mais moderna doutrina, o ónus probatório deve ser distribuído em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.

TT. Só este entendimento estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória e promovendo a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.

UU. Só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes., no plano do direito substantivo e garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais, no plano do direito adjetivo.

VV. No âmbito da responsabilidade o intermediário financeiro, cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte daquele demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

WW. Os autores, para além de serem investidores não qualificados, eram clientes conservadores, não dispostos a apostar em produtos de risco e que confiavam no seu gerente de conta relativamente aos produtos que lhes eram fornecidos e às informações que este lhes prestava.

XX. Sendo os autores investidores não qualificados, as informações a prestar sobre o produto que lhes estava a ser apresentado, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

YY. O Banco réu não só prestou informações falsas e omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produtos em causa, como desvalorizou por completo a informação de que seria um produto reembolsável a 10 anos, dando a entender ao autor marido que este poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, o que, como ora se sabe, não correspondia, de todo, à verdade.

ZZ. O autor marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente Banco.

AAA. Quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor; de igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor.

BBB. O escopo do n.º 1 do artigo 304º-A do CVM é a recuperação normativa da tutela do cliente – materializada, na fixação de deveres específicos no quadro da conduta devida e consagrada na fase da responsabilidade civil do prestador do serviço financeiro perante o cliente.

CCC. O n.º 1 do artigo 314.º do CVM encerra uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro, pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – princípio geral de ressarcibilidade dos danos – abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

DDD. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor. Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso. A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

EEE. No domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos contratuais, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

FFF. A conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida.

GGG. Quanto à culpa do intermediário financeiro, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

HHH. A presunção de culpa do intermediário financeiro projeta implicações ao nível da relação de causalidade.

III. O Banco Réu não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia e os factos dados como provados deixam demonstrada a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações prestadas ao autor marido.

JJJ. O Banco réu, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de angariação de investidores, numa atividade de canibalização de depósitos.

KKK. Tratou-se de técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência dos clientes a determinados produtos de risco que nunca subscreveriam se tivessem conhecimento de todas as caraterísticas dos produtos.

LLL. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

MMM. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

NNN. Tais informações são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas dos produtos financeiros onde iam ser investidas as poupanças dos autores e são dadas de modo a induzi-los em erro, ao insistirem na equiparação das obrigações SLN 2006 a simples depósitos a prazo, sem os alertarem para as respetivas diferenças.

OOO. O dever de informar torna-se muito mais operacional quando tenha estrutura obrigacional, devido à tutela da confiança.

PPP. As consequências advenientes da proteção da confiança tanto podem consistir na preservação da posição nela alicerçada como num dever de indemnizar.

QQQ. O Direito português exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real.

RRR. O dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

SSS. Para efeito de imputação dos danos, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM contém igualmente uma presunção de culpa e de causalidade.

TTT. Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

UUU. A exigência de prova em matéria de nexo de causalidade entre a atividade ilícita e culposa (dolosa) do Banco réu e o dano sofrido pelos autores constitui, de facto, uma verdadeira prova diabólica, na medida em que, na prática, é impossível.

VVV. A aplicação das regras gerais de ónus da prova em matéria de nexo de causalidade colocaria em causa a eficácia da proteção ressarcitória do investidor pela violação das obrigações de informação e de adequação, ao mesmo tempo que prejudicaria a eficácia preventiva ligada à responsabilidade civil.

WWW. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor, sob pena de se alimentar uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios, situação que o legislador de todo não visou, neste segmento económico de forte regulação do mercado.

XXX. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

YYY. O princípio da boa-fé, tal como está consagrado no instituto da culpa in contrahendo, faz deste o instrumento ideal para operar a proteção do contraente mais débil, uma vez que irá vincular mais fortemente o contraente mais forte.

ZZZ. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores.

AAAA. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor marido foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.

BBBB. A atividade profissional é um ponto de conexão idóneo para a imputação de danos enquanto preenche critérios gerais a atender no juízo de distribuição dosriscos relevantes como o da introdução ou controlabilidade de um risco, o da capacidade para a sua absorção ou repercussão e o do saber quem tira o primordial proveito da fonte do perigo.

CCCC. Em casos como a da responsabilidade do intermediário financeiro por  informação incompleta ou enganosa, a responsabilidade pela confiança representa o único modo de enquadrar dogmaticamente concretas soluções e regimes previstos, uma vez que a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade.

DDDD. Há imposições tão fortes da Justiça que não as acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quendo não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.

EEEE. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 799, n.º 1 do C. Civil.

FFFF. Os autores foram desapossados da quantia de 50.000,00€ em troca de um produto financeiro que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro.

GGGG. Ficou demonstrado nos autos que o Banco réu estava obrigado a prestar informação respeitante ao instrumento financeiro em causa, de forma completa, verdadeira, atual, clara e objetiva (art.º 7.º, n.º 1 do CVM), e não o fez; estava obrigado a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, e não o fez (art.º 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM); tinha o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão por parte do autor marido esclarecida e fundamentada, sobretudo por estar perante um investidor não qualificado, nomeadamente as relativas aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art.º 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM), e também não o fez.

HHHH. Se uma norma de proteção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de proteção e o prejuízo.

IIII. Todos estes princípios, derivados do princípio fundamental da boa-fé, levaram não só a doutrina a defender a responsabilidade civil dos Bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais, como o próprio legislador (artigos 304.º; 312.º e 314.º do CVM).

JJJJ. Pelo que terá o Banco Réu que responder pela violação dos deveres de informação previstos no artigo 312.º do CVM.

KKKK. A Jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal tem também perfilhado esta posição nomeadamente, entre outros, nos Acórdãos de 17.03.2016 ( Maria Clara Sottomayor) , de 10.04.2018 ( Fonseca Ramos) – Acórdão fundamento – de 18.09.2018 (Salreta Pereira) , de 18/09/2018 ( mara Olinda Garcia) e de 25 de outubro de 2018 (José Manuel Bernardo Domingos).

LLLL. Quanto à causalidade, ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar, a presunção de culpa do artigo 799º envolve uma presunção de causalidade.

MMMM. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações de que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei certeza quanto á sua ocorrência.

NNNN. Para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que os AA. não teriam subscrito aquela aplicação financeira se o dever de informar tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita.

OOOO. No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.

PPPP. O douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de 25/10/2018 é demonstrativo de que, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, não podem ter aplicação as regras gerais do artigo 563.º do Código Civil, sob pena de incorrermos em prova diabólica.

QQQQ. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

RRRR. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, uma vez que o Banco .... e a SLN tinham por presidente do conselho de administração DD.

SSSS. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

TTTT. Não foram violados quaisquer preceitos legais

UUUU. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido».


Termos em que pugna  pela manutenção do acórdão recorrido.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir, traduz-se em saber se relativamente  às obrigações SLN 2006, subscritas pelos autores, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual e contratual  do Banco réu, enquanto intermediário financeiro.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Factos provados:

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:


1. O Banco Réu girava anteriormente sob a denominação de Banco ... SA; (art. 3.º da PI)


2. Até à data da sua nacionalização, a totalidade do capital social do Banco ... era detido, na sua totalidade, pela CC SA; (art. 5.º da PI)


3. Pela Lei n.º 62-A/2008, de 11.11 o Estado procedeu à nacionalização da totalidade das acções do Banco ..., SA; (art. 4.º da PI)


4. O Presidente do Conselho de Administração da CC SA e do Banco ..., SA eram, em 2004 e em 2006, a mesma pessoa: DD; (art. 6.º da PI)


5. O Banco Réu e a Sociedade ............., SGPS, SA tinham objectivos comuns; (art. 51.º da PI)


6. O Banco Réu, para além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando como tal registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, desde, pelo menos, 1993; (art. 9.º da PI)

7. A ....., SGS, SA, hoje denominada ... SGPS, SA apresentou um processo especial de revitalização, o qual corre termos sob o n.º 22922/15.4, na 1.ª secção de Comércio, J 4, na comarca de Lisboa; (art. 156.º da PI)


8. Em Outubro de 2004, a ....Sociedade ............., SGPS, SA emitiu 1000 obrigações subordinadas, em forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00 cada, com a denominação de “SLN .... 2004”; (art. 58.º da PI)


9. O prazo de amortização das supra referidas obrigações era de 10 anos, a correr de uma só vez, portanto, em 25 de Outubro de 2014; (art. 58.º da PI)


10. Os valores captados pela emissão das obrigações SLN-.... 2004 foram utilizados para reforçar os rácios de capitais próprios do B...; (art. 65.º da PI)


11. Os funcionários do Banco tinham instruções para comercializarem o novo produto como um sucedâneo de um mero depósito a prazo e que podia ser movimentado sempre que o respectivo titular assim o desejasse; (art. 58.º da PI)


12. Havia prémios à produção atribuídos às agências do Banco Réu em função da quantidade de produtos financeiros que cada uma delas conseguia «colocar»; (art. 67.º da PI)


13. Os funcionários do balcão onde os Autores tinham depositado os seus valores acreditavam que o produto que estavam a vender era seguro, que não oferecia risco para os subscritores; (art. 69.º da PI)


14. As obrigações SLN ...., 2004 eram um produto melhor remunerado que um depósito a prazo; (art. 85.º da PI)


15. Os Autores são pessoas humildes e, por natureza, avessos ao risco; (arts. 2.º e 84.º da PI)


16. Os Autores são clientes do Banco Réu, pelo menos desde o ano 2002; (art. 19.º, da PI)


17. Os Autores eram simples aforradores que tinham no Banco ..., actualmente Banco CC, SA, depósitos a prazo; (art. 17.º da PI)


18. Em Outubro de 2004, os Autores tinham no Banco Réu uma conta bancária com o n.º 0000000, com um depósito a prazo no valor de € 200.000,00; (art. 77.º da PI)


19. Em Outubro de 2004, os Autores subscreveram quatro obrigações SLN .... 2004, no valor de € 50.000,00 cada; (art. 78.º da PI)


20. No dia 19 de Outubro de 2004, o Autor subscreveu o boletim de subscrição relativo às quatro obrigações supra referidas; (art. 79.º da PI)


21. O referido documento foi preenchido à mão por funcionários do Banco e o Autor limitou-se a assiná-lo; (art. 80.º da PI)


22. A nota informativa relativa às obrigações que foram subscritas pelos Autores não lhes foi entregues no momento da subscrição respetiva; (arts. 59.º e 86.º da PI)


23. Os Autores só subscreveram os títulos em causa nos autos porque lhes foi garantido pelo Banco que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio Banco e que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado que um depósito a prazo; (art. 85.º da PI)


24. Foi assegurado aos Autores que, não obstante tratar-se de obrigações a 10 anos, estes poderiam, querendo resgatá-las a qualquer altura, com o que apenas sofreriam uma penalização nos juros, como sucedida nos depósitos a prazo; (arts. 87.º e 89.º da PI)


25. Os Autores pretendiam que a aplicação não comportasse qualquer risco, que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e pudesse ser resgatada a qualquer altura, facto que era do conhecimento do Banco Réu; (arts. 90.º e 91.º da PI)


26. Os Autores nunca tinham investido na Bolsa, nunca tinham adquirido qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca tinham comprado ou vendido obrigações; (art. 92.º da PI)


27. Os Autores tinham pela confiança nos seus interlocutores no Banco Réu; (art. 94.º da PI)


28. Os funcionários do Banco não informaram os Autores de que ao subscreverem as obrigações SLN Rendimento 2004 deixavam de ter o controlo sobre o capital investido naquele produto, designadamente, de o movimentar e de o levantar; (art. 95.º da PI)


29. Era do conhecimento do Banco Réu que os Autores nunca aceitariam subscrever um produto como aquele que está em causa nos autos; (art. 93.º da PI)


30. Quando subscreveram as obrigações SLN Rendimento 2004, os Autores nunca pensaram que aquelas só poderiam ser reembolsadas a partir de Outubro de 2014; (art. 96.º da PI)


31. Em Abril de 2006, a CC SA voltou a emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, ou seja, com reembolso em 8 de Maio de 2016, com o valor nominal de € 50.000,00 cada e global de € 50.000.000,00, e com a denominação de SLN 2006; (art. 106.º da PI)


32. De novo, o produto foi apregoado como totalmente garantido pelo Banco Réu, como equivalente a um depósito a prazo e, de novo, não foi facultado aos Autores a respectiva nota informativa, tudo se passando como acontecera em 2004 (arts. 107.º e 109.º e 110.º da PI)


33. No ano de 2006, os Autores subscreveram uma obrigação SLN 2006, no valor de € 50.000,00; (art. 112.º, da PI)


34. Em Novembro de 2008 rebentou o escândalo Banco ...; (art. 113.º da PI)


35. O Banco Réu colocou no mercado obrigações da SLN e convenceu os Autores, através dos seus funcionários, de que o Banco garantia o retorno dos valores em causa; (art. 146.º da PI)


36. O Banco Réu assegurou aos Autores que se tratavam de aplicações substancialmente iguais a depósitos a prazo; (art. 167.º da PI)


37. A subscrição de 2004 foi feita por débito da conta de que os Autores eram titulares, a conta n.º 0000000; (arts . 34.º, 35.º e 36.º da Contestação)


38. Quando subscreveram as Obrigações SLN 2004, os Autores ficaram com um saldo descoberto no dia da respectiva liquidação financeira no montante de € 197.038,37 que vieram a cobrir com uma transferência, ordenada no mesmo dia, de € 216.180,41; (arts. 47.º e 48.º da Contestação)


39. Os Autores receberam extractos mensais onde lhes aparecia as obrigações como integrando a sua carteira de títulos e do qual constavam as obrigações em causa; (art. 51.º da Contestação)


40. O Boletim de Subscrição das obrigações SLN 2004 descreve a taxa de remuneração e o prazo e dele consta, também, que não era permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas (arts. 56.º e 60.º da Contestação)


41. A constituição de depósitos a prazo era familiar aos Autores; (art. 58.º da Contestação)


42. Os Autores sabiam que não estavam a contratar um depósito a prazo; (arts. 41.º e 42.º da Contestação)


43. Os Autores foram informados que a forma de obter liquidez era vender as obrigações, endossando-as a um terceiro, o que, à data, era extremamente fácil porque a procura superava a oferta; (art. 62.º da Contestação)


44. Os referidos títulos encontram-se depositados na carteira de títulos dos Autores junto do Banco Réu; (art. 81.º da PI)


45. A S...... SGPS, SA não pagou as obrigações SLN .... 2004 na data do seu vencimento; (art. 153.º da PI)


46. A ......, SGPS, SA pagou os juros semestrais, em Outubro de 2014 e em Abril de 2015; (art. 154.º da PI)


47. Os Autores receberam os juros referentes à obrigação SLN 2006; (art. 155.º da PI)


48. Banco Réu não forneceu aos Autores informação concreta acerca da exata posição dos mesmos perante a “SLN”, designadamente, informando que o Banco Réu se limitava a organizar, montar, agenciar e registar a emissão de papel comercial; (art. 177.º da PI)


49. Os Autores deram ordem de subscrição de uma obrigação SLN 2006, em 8 de Maio de 2006, por forma a rentabilizar o saldo da conta à ordem que tinham, à data, disponível a seu crédito e sempre de acordo com a mesma informação, em grau e natureza, da prestada para a subscrição das Obrigações SLN 2004; (arts. 49.º e 50.º da Contestação)

 

Factos não provados:

1. Os Autores são reformados e vivem do montante das respetivas reformas e dos rendimentos proporcionados por uma vida inteira de árduo trabalho, são de humilde condição social e com pouca instrução escolar, não tendo, qualquer deles, mais que o ensino primário completo (arts. 1.º e 2.º da PI);

2. Os Autores são ambos septuagenários, estão perto dos 80 anos, e à data dos factos já cada um deles tinha mais de 65 anos; (art. 82.º da PI)

3. No início do ano de 2004, na sequência de mais uma auditoria às contas do Banco Réu, o Banco de Portugal ordenou que este reforçasse os seus capitais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelos respectivos accionistas; (art. 49.º da PI)

4. Foi nessa altura engendrado um plano ao mais alto nível, pela cúpula dirigente do banco, com vista ao empossamento, pelo Banco, de grande parte das quantias que os seus clientes, como os aqui Autores, ainda ali tinham depositadas; (art. 55.º da PI)

5. O plano supra referido foi gizado ao nível do Conselho de Administração do banco, em Setembro de 2004, foi transmitido aos Diretores de Zona que, por sua vez, o transmitiram aos gerentes de cada um dos balcões distribuídos de norte a sul do país; (arts. 56.º e 57.º da PI)

6. Foram dadas instruções aos funcionários dos bancos para não entregarem nem mostrarem aos clientes a nota informativa relativa às obrigações SLN de 2004; (arts. 59.º e 60.º da PI)

7. Na altura vigorava a Instrução de Serviço (IS) n.º 19/01 de 05-02-2003, a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o Banco Réu; (art. 64.º da PI)

8. Todos os funcionários do Banco tinham pleno conhecimento que os Autores pretendiam que a aplicação não comportasse qualquer risco, que a recuperação de valores fosse segura a 100% e que a aplicação pudesse ser resgatada a qualquer altura; (arts. 90.º e 91.º da PI)

9. Todos os funcionários do Banco que lidavam com os Autores sabiam que estes nunca tinham investido na Bolsa, nunca tinham adquirido a qualquer banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo e que nunca tinham comprado ou vendido obrigações; (art. 92.º da PI)

10.  Todos os funcionários do Banco que lidavam com os Autores tinham perfeita consciência de que os Autores nunca, em circunstância alguma, aceitariam subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos; (art. 93.º da PI)

11.  Aquilo que sempre preocupou os Autores foi terem recursos suficientes para poderem pagar o internamento num Lar da 3.ª idade se tal viesse a ser necessário e terem dinheiro sempre disponível para fazer face a uma qualquer adversidade ou doença; (arts. 99.º e 100.º da PI)

12.  Os Autores pretendiam ter uma velhice tranquila, segura e com conforto financeiro; (art. 102.º da PI)

13.  No início do ano de 2006, o Banco de Portugal voltou a insistir com o banco Réu na necessidade de reforçar os capitais próprios, mediante aumento de capital e a solução engendrara pela administração do banco foi uma operação financeira do género da de 2004; (arts. 104.º e 105.º da PI)

14.  No caso da subscrição das obrigações SLN .... 2006 os Autores não chegaram a assinar qualquer contrato de subscrição, tendo o produto sido subscrito à revelia dos mesmos; (art. 111.º da PI)

15.  Em Abril de 2006, o Autor recebeu um telefonema de um funcionário do Banco Réu que lhe disse que tinha um novo produto seguro e bem remunerado e que tomara a liberdade de subscrever por ele uma obrigação de € 50.000,00; (art. 112.º da PI)

16.  Os Autores participaram, como os demais depositantes do Banco ..., na corrida aos depósitos que se seguiu à nacionalização do Banco; (art. 114.º da PI)

17.   Numa primeira fase, os funcionários do Banco Réu diziam a todos os investidores, como aos Autores, para terem paciência e aguardarem pois teriam em breve o seu dinheiro de volta; (art. 116.º da PI)

18.  Apesar de inúmeras vezes os Autores terem exigido que lhes fosse dada informação, nomeadamente documento escrito com as condições de aplicação das quantias, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação e demais informação, a mesma nunca lhes foi fornecida, a não ser após a nacionalização do Banco; (art. 124.º da PI)

19.  Os gestores de conta não tinham a noção do que estavam a vender; (art. 130.º da PI)

20.  Em virtude da sólida confiança que se havia estabelecido entre os Autores e os funcionários do Banco Réu, aqueles nunca prestaram muita atenção ao conteúdo dos diversos documentos que lhes foram sendo apresentadas pelos segundos, designadamente, aos documentos que incorporavam ordens para movimentação, a débito e a crédito, das contas de depósito, à ordem e a prazo, que os autores detinham no banco Réu; (arts. 132.º e 133.º da PI)

21.  Os autores nem sequer sabiam da existência da CC SA e nunca tiveram qualquer relacionamento ou contacto com qualquer representante da mesma; (art. 135.º da PI)

22.  Os Autores nunca tiveram intenção de adquirir obrigações da ....................., SGPS, SA; (art. 136.º da PI)

23.  Nas datas em que os quantitativos foram retirados da sua conta de depósitos à ordem, nem o Banco Réu nem a SLN eram titulares das obrigações transaccionadas; (art. 138.º da PI)

24.  Os Autores aceitaram celebrar tais negócios sob o compromisso de o Banco ... recomprar as obrigações nas datas acordadas, pelo valor da compra, pagando aos Autores juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida; (art. 168.º da PI)

25.  Os Autores sabem agora que nem o Banco Réu nem a ............ SGPS, SA podiam validamente celebrar tais negócios; (art. 168.º da PI)

26.  À data da subscrição pelos Autores, o Banco Réu não tinha as obrigações depositadas numa qualquer conta de valores mobiliários escriturais; (art. 171.º da PI)

27.  A subscrição das obrigações SLN .... 2004 pelos Autores foi feita com perfeito conhecimento do produto, da sua natureza e condições de remuneração, reembolso e liquidez, características que lhes foram explicadas (arts. 37.º, 38.º e 39.º da Contestação)

28.  Nos próprios dias que se seguiram à subscrição das obrigações, os Autores constituíram depósitos a prazo, tendo facilmente verificado as diferenças entre os produtos e os procedimentos inerentes à contratação de cada um deles; (arts. 44.º e 45.º da Contestação)

29.  Os Autores nunca efectuaram qualquer reclamação após receberem os extractos mensais da sua conta; (arts. 51.º, 52º e 53.º da Contestação)

30.  Em momento algum o Banco Réu garantiu o pagamento da emissão de obrigações; (art. 73.º da Contestação)

31.  O Autor subscreveu outros instrumentos financeiros representativos de dívida, como papel comercial e outras emissões obrigacionistas; (arts. 79.º da Contestação)


***


3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com a questão de saber se relativamente  às obrigações SLN 2006, subscritas pelos autores estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual e contratual  do Banco réu, enquanto intermediário financeiro.


Procurando enquadrar esta questão importa, desde logo, salientar que, na presente ação,  os autores reclamaram do réu a restituição da quantia de € 250.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação  e até integral pagamento, correspondente ao capital  por eles investido  na subscrição de obrigações  emitidas pela Sociedade ............., SGPS, SA, nos anos de 2004 e 2006.

E,  ante os factos dados como provados e supra descritos  no ponto 3.1, considerou-se, na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que: 


« Pese embora se desconheça quais sejam as habilitações literárias dos Autores - elemento útil para aferir do conhecimento deles em matéria de investimento – está provado que aqueles eram «o típico cliente do depósito a prazo» e que o Banco Réu tinha conhecimento desse facto (…)

Sendo o grau de diversificação da carteira do cliente um elemento importante para avaliar a disponibilidade do cliente de exposição ao risco, no caso concreto, o simples facto de os Autores serem «o típico cliente do depósito à ordem» deveria ter levado o Banco Réu, em conformidade com o supra referido dever de adequação - que mais não é que uma manifestação do dever de protecção dos interesses legítimos do cliente - a não propor aos Autores a subscrição das obrigações SLN em causa nos autos, já que a aquisição dos mesmos envolve um risco substancialmente superior ao dos depósitos a prazo (facto notório). Com efeito, representando as “obrigações” um direito de crédito sobre a entidade emitente (vd. art. 348º, do Código das Sociedades Comerciais), tal implica que a entidade emitente fique obrigada a restituir o montante que lhe é mutuado e, sendo convencionado, os juros respectivos ao titular da obrigação (credor obrigacionista). Pelo que, no caso de subscrição de obrigações, há sempre que contar com o risco do não cumprimento da obrigação de restituição dos valores obrigacionistas porque aquela restituição depende da «saúde financeira» da entidade emitente. E, não se diga que, à data em que as obrigações SLN 2004 e SLN 2006 foram comercializadas pelo Banco ... , o produto em causa era seguro porque «estava tudo a correr normalmente», «conseguiam vender obrigações subscritas por clientes em cinco minutos porque a sua procura era superior à oferta», «os números revelavam a estabilidade da Sociedade ............. e do Banco ...», porquanto apesar da aparente «estabilidade financeira» da SLN e do Grupo onde o Banco ... se inseria, o produto (obrigações) não deixa de ser, em si mesmo, um produto de risco, logo, completamente desaconselhável para clientes como os Autores que, conforme está comprovado nos autos, tinham uma política de investimento do mais conservador que existe: a realização de depósitos a prazo.

Do exposto, resulta, por conseguinte, que o Banco ..., actualmente Banco CC, violou de forma manifesta o dever de adequação e de protecção previstos nos arts. 304º e 314º, do CMVM.

Os factos provados revelam que o Banco Réu não só ocultou informação, como forneceu informação incompleta e incorrecta, induzindo, assim, em erro os Autores.

Com efeito:

Resultou provado que nem a nota informativa relativa às obrigações que foram subscritas pelos Autores lhes foi entregue no momento da subscrição (vd. Facto provado nº.s 22). E essa nota informativa continha informação relevante – e não revelada pelos funcionários do Banco Réu aos Autores – sobre a natureza do produto em causa e sobre o grau de risco do produto.

 Com efeito, analisando a referida nota de subscrição relativa às obrigações “SLN .... 2004”, verifica-se que consta da mesma, designadamente, que:

«A presente oferta pública de subscrição não foi objecto de notação por qualquer sociedade de prestação de serviços de notação de risco (rating) registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

As condições da emissão obrigacionista objecto desta nota informativa foram aprovadas pelo Banco de Portugal, em 1 de Outubro de 2004, pelo que o presente empréstimo obrigacionista é considerado, para efeitos do cálculo dos fundos próprios da EMITENTE, como empréstimo subordinado. Assim, as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que:

. Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE;

. O prazo inicial de reembolso das obrigações é de 10 anos;

. Os obrigacionistas não poderão solicitar o reembolso antecipado da emissão

(...)

. O eventual reembolso antecipado da emissão por iniciativa da EMITENTE terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal.

«O Banco E..., SA não preparou, analisou ou confirmou a informação prestada pela Emitente. Em conformidade, este prospecto não implica qualquer responsabilidade, compromisso ou garantia do banco E..., SA quanto à suficiência, veracidade, objectividade e actualidade do conteúdo da informação prestada pela EMITENTE, nem envolve, por parte do Banco E..., SA qualquer juízo de valor quanto à situação económica e financeira da EMITENTE, à sua viabilidade ou à qualidade dos valores mobiliários que constituem a presente oferta, nem qualquer avaliação ou juízo de valor quanto à oportunidade e validade do investimento que depende exclusivamente do critério dos investidores.

(...)».

Do documento em causa resulta, desde logo, que a “apregoada” “saúde financeira” da entidade emitente – a Sociedade ............., SGPS, SA – não foi sujeita a uma prévia análise de risco por parte de entidades com competência para tal desiderato (as chamadas “agências de rating”) e que o Banco E..., SA – entidade responsável pela organização e montagem da operação – também não analisou nem confirmou a qualidade da informação prestada pela entidade emitente sobre a sua situação económica e financeira.

Uma simples leitura do documento em causa poderia ter alertado os Autores – caso lhes tivesse sido facultado o documento quando subscreveram as obrigações SLN 2004 – de que a “propalada” «segurança do produto» não tinha sido sujeita a qualquer filtro designadamente por entidades terceiras alheias ao grupo ao qual pertenciam o Banco Réu e a entidade emitente das obrigações.

Resulta também do documento em causa que as obrigações em causa são «obrigações subordinadas», isto é, obrigações em que o titular da obrigação, em caso de insolvência da entidade emitente, apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns. E esta informação não foi facultada nem tão pouco explicada aos Autores. Dir-se-á que é feita uma menção à «subordinação» no boletim de subscrição relativo às obrigações SLN 2004. Contudo, dada a elevada iletracia financeira que existe em Portugal, não se pode pretender que os Autores, e os clientes do Banco ... de uma maneira geral, soubessem o significado da expressão «obrigações subordinadas». É óbvio que os funcionários do Banco que executaram a colocação destas obrigações deveriam ter explicado aos clientes do Banco Réu o significado da expressão «obrigações subordinadas» e os riscos envolvidos. E está provado que não o fizeram e não o explicaram aos Autores (vd. depoimento da testemunhas EE e FF).

Confrontando o teor da referida nota informativa com a informação que era prestada aos clientes do Banco Réu e que foi prestada aos Autores, logo se conclui existir uma manifesta dissonância entre ambos. Resulta expressamente daquele documento que «os obrigacionistas não poderão solicitar o reembolso antecipado da emissão e que o eventual reembolso antecipado da emissão por iniciativa da EMITENTE terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal. E, no entanto, o que os funcionários transmitiam aos clientes e que transmitiram aos Autores foi que o novo produto era um sucedâneo de um mero depósito a prazo e que podia ser levantado sempre que o respectivo titular o desejasse, apenas sofrendo uma penalização dos juros (vd. factos provados n.os 11 e 24) e mais: que o Banco garantia o retorno dos valores em causa (vd. facto provado n.o 35).

Ou seja, para os Autores – porque assim foram convencidos pelo Banco Réu – o seu investimento era semelhante a um depósito a prazo e o retorno do capital investido estava garantido pelo próprio Banco, junto de quem subscreveram as obrigações SLN.

De todo o exposto resulta que o Banco Réu não só omitiu deveres de informação, como induziu os Autores em erro, assim violando, quer deveres de informação, quer deveres de lealdade na relação pré-negocial com os Autores.

Aqui chegados, importa definir o tipo de responsabilidade civil que está em causa.

Prescreve o art. 304º-A, do Código de Mercado dos Valores Mobiliários que «1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhe sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por deveres de informação.».

A disposição normativa supra citada consagra uma cláusula de imputação delitual e uma cláusula de imputação obrigacional, esta resultante do incumprimento, pelo intermediário financeiro e perante os seus clientes das obrigações a que aquele está adstrito.

Conforme referido supra, no domínio da intermediação financeira, a crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros justifica esclarecimentos e uma lealdade acrescidos por parte do intermediário financeiro, especialmente quando esteja perante investidores não qualificados. Nestes casos, a protecção do outorgante mais débil é assegurada através de dispositivos virados para o dever de informar.

In casu, o Banco Réu ocultou informação aos Autores e forneceu-lhes informação errónea (recorde-se que transmitiu aos Autores que o Banco garantia o retorno do capital investido, quando, na verdade, a responsabilidade pelo retorno do capital e juros convencionados era da DD, SGPS, SA, enquanto entidade emitente das obrigações) com o intuito de os convencer a subscrever um produto de risco que nunca teria sido adquirido pelos Autores caso tivessem tido pleno conhecimento das características do produto e dos riscos associados ao mesmo.

Os factos provados revelam, pois, que a responsabilidade em causa nos autos é uma responsabilidade pré-contratual.

Aquele tipo de responsabilidade está consagrada no art. 227º, do Código Civil, o qual prescreve:

«Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.».

A “boa-fé” referida na disposição normativa em causa é a boa-fé objectiva, equivalendo a uma remissão para os valores fundamentais do sistema os quais são mediados pelos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. A boa-fé prevista no art. 227º, do Código Civil origina deveres de segurança, de informação e de lealdade.

A violação da relação pré-negocial é fonte de responsabilidade obrigacional (neste sentido, vd., entre outros, Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil II, Almedina, 2014, p. 248).

Os pressupostos da responsabilidade obrigacional são a) o facto voluntário, b) a ilicitude, c) a culpa, d) o dano e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O “facto voluntário”, enquanto comportamento dominável pela vontade, pode revestir a forma da ação ou a da omissão. A assunção de determinada actividade de intermediação financeira perante o cliente implica que a conduta do primeiro se desenvolva segundo padrões de profissionalismo.

A “ilicitude” resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro e essa desconformidade traduz-se na inexecução da obrigação para com o cliente.

A “culpa”, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o  comando legal.

O art. 304.º, n.º 2, do do CMVM introduziu um novo padrão de aferição de culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família a que se refere o art. 487º, nº 2, do Código Civil.

Aquela disposição normativa prescreve que: «Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.»

«O art. 304º, nº 2 estabelece, com efeito, um padrão de diligentissimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.» (vd. Gonçalo Castilho, ob. cit. p. 210).

Nos termos do art. 304º-A, nº 2, do CMVM, estabelece-se uma presunção de culpa, esclarecendo-se que a mesma também vale para a responsabilidade pré-contratual, bem para os casos de violação de deveres de informação, independentemente da fonte de onde os mesmos emerjem.

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o art. 563º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.».

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa: assim, «o incumprimento pré-contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado. Só este elemento da responsabilidade in contrahendo poderá proporcionar a restrição do núcleo dos danos indemnizáveis: para o serem têm estes de se encontrar causalmente ligados ao ilícito pré-contratual, não sendo admissível a reparação de prejuízo que aquele ilícito não constitua, em abstracto, causa potencialmente idónea e, em concreto, não tenha representado condição  necessária da respectiva ocorrência. (...).» (vd. Ana Prata in Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Lisboa, 1991, pp. 180 e ss.).

No caso em apreço, está provado que o Banco Réu ocultou informação aos Autores e forneceu-lhes informação errónea com o intuito de os convencer a subscrever um produto de risco que nunca teria sido adquirido pelos Autores caso tivessem tido pleno conhecimento das características do produto e dos riscos associados ao mesmo.

Logo, a conduta do Réu é ilícita e culposa – pois o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de culpa – e provocou danos aos Autores, na medida em que foi apenas porque acreditaram no Banco Réu (que o produto era seguro e equivalente a um depósito a prazo e que o Banco Réu asseguraria o retorno do capital e o pagamento dos juros convencionados) que os Autores subscreveram as obrigações SLN, encontrando-se, até à data, desembolsados do capital investido nas obrigações SLN 2004 pois apesar das obrigações terem atingido a maturidade, a entidade emitente não lhes devolveu o capital investido (apenas lhes pagou os juros convencionados). Quanto às obrigações SLN 2006, as mesmas não tinham ainda atingido a maturidade à data da interposição da ação.


*


Prescreve o art. 798º, do Código Civil que «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.».

Por sua vez, dispõe o art. 562º, do mesmo diploma normativo que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.».

E o art. 564º, nº 1, do Código Civil prescreve que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.».

In casu, os Autores pretendem que o Banco Réu seja condenado a restituir-lhes a totalidade do capital investido (€ 250.000,00) quer com a subscrição das obrigações SLN 2004 quer com a subscrição da obrigação SLN 2006 (acrescido de juros de mora, contados desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa legal comercial).

Está provado que aquele valor foi, efectivamente, o valor investido pelos Autores na subscrição das obrigações SLN, mercê da conduta do Banco Réu supra descrita.

Está também provado que a SLN – Sociedade ............. SGPS, SA não pagou as obrigações SLN .... 2004 na data do seu vencimento, embora tivesse pago os juros semestrais respectivos e que haviam sido convencionados.

Resultou também da prova produzida nos autos que o valor investido pelos Autores na subscrição das obrigações “SLN Rendimento 2004” estava numa conta de depósitos que os Autores detinham junto do Banco Réu (vd. facto provado nº. 37).

Por conseguinte, na indemnização a fixar pelo Tribunal e atento o disposto no art. 562º, do Código Civil, há que ter em linha de conta o capital investido e não reembolsado, os juros remuneratórios que esse capital teria «rendido» aos Autores caso tivesse permanecido na conta de depósitos nº 0000000 durante todo o período da aplicação, isto é, desde 19 de Outubro de 2004 e até 25 de Outubro de 2014, e os juros remuneratórios que os Autores receberam por força daquele investimento.

Relativamente à obrigação SLN 2006, à data da interposição da presente ação, aquela ainda não tinha atingido a sua maturidade (vd. facto provado nº 31) e os Autores não alegaram, na pendência da ação, que não foram reembolsados do valor investido na sua subscrição, pelo que uma eventual falta de pagamento do capital investido na subscrição da obrigação SLN 2006 não pode ser considerada pelo Tribunal no cômputo da indemnização devida aos Autores.

Assim sendo, o valor da indemnização devida aos Autores corresponderá ao valor do capital investido na subscrição das obrigações SLN .... 2004 (€ 200.000,00), acrescido de juros à taxa remuneratória fixada para a conta de depósitos nº 0000000 durante todo o período da aplicação, isto é, desde 19 de Outubro de 2004 e até 25 de Outubro de 2014, deduzidos os juros semestrais recebidos pelos Autores e relativos àquela subscrição.

Ao valor final acrescerão juros de mora, calculados à taxa legal civil de 4%, contados desde a data da citação e até integral pagamento, em conformidade com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 806º e 805º, nº 1, do Código Civil».


E com base nesta fundamentação, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância julgou  « a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o Banco Banco CC, SA a pagar aos Autores AA e BB, a quantia de duzentos mil euros (€ 200.000,00), acrescida de juros remuneratórios fixados para a conta de depósitos nº 0000000 vencidos no período compreendido entre 19 de Outubro de 2004 e 25 de Outubro de 2014, deduzidos os juros semestrais recebidos pelos Autores e relativos àquela subscrição de obrigações SLN .... 2004, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».



*



Ora,  tendo o banco réu aceitado esta decisão do Tribunal de 1ª Instância, pois  dela não recorreu ( nem mesmo através de recurso subordinado ou de ampliação do recurso dos autores, nos termos dos arts. 633º e 636º , ambos do CPC)  e tendo os autores restringido o objeto do recurso de apelação que interpuseram para o Tribunal da Relação de Lisboa à questão da atendibilidade  dos danos para eles decorrentes da subscrição das obrigações SLN 2006, inquestionável se torna, ante o disposto no art.  619º, nº 1 do CPC,  que o caso julgado formado pela sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, na parte em que considerou verificados os pressupostos da responsabilidade civil do réu, enquanto intermediário financeiro,  por violação dos deveres de informação, ou seja, a  ilicitude da sua atuação, a  sua culpa presumida, os danos sofridos pelos autores   e o nexo de causalidade adequada entre o  incumprimento dos referidos deveres e estes  danos,  impede a reapreciação desta questão por parte deste Supremo Tribunal.

Daí que uma vez considerados verificados, em termos definitivos, os pressupostos  da responsabilidade civil contratual do banco réu, importe, unicamente, indagar se este  está obrigado a indemnizar os autores pelos danos que os mesmos alegam ter sofrido em consequência  da subscrição das obrigações SLN 2006.



*


No sentido negativo pronunciou o Tribunal de 1ª Instância, argumentando que :


« Relativamente à obrigação SLN 2006, à data da interposição da presente ação, aquela ainda não tinha atingido a sua maturidade (vd. facto provado nº 31) e os Autores não alegaram, na pendência da ação, que não foram reembolsados do valor investido na sua subscrição, pelo que uma eventual falta de pagamento do capital investido na subscrição da obrigação SLN 2006 não pode ser considerada pelo Tribunal no cômputo da indemnização devida aos Autores ».


Por seu turno, o Tribunal da Relação, apreciando  os elementos constantes dos autos e considerando que os autores propuseram a presente ação  com fundamento na responsabilidade civil pré-contratual e considerado, no cômputo da indemnização, as obrigações subscritas, quer em 2004, quer em 2006,  entendeu que, não estando «  em causa responsabilidade contratual,  não se tem que discutir obrigações ou prestações contratuais e o vencimento das mesmas.

Por essa razão, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, é irrelevante que a Obrigação SLN 2006 tivesse ou não atingido a sua maturidade de 10 anos.

(…)

Com efeito, a indemnização visa colocar o investidor lesado na situação em que estaria se a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida.

No caso como o da presente acção, em que está provado que os autores efectuaram uma aplicação de capital que, no caso de terem sido devidamente informados, não realizariam, a reparação do dano consiste na colocação do lesado na posição patrimonial em que se encontraria no caso de não ter efectuado essa aplicação.

Como se diz no referido acórdão, trata-se de responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negativo, e não pelo interesse contratual positivo.

O lesado só poderia exigir ser colocado na situação patrimonial em que estaria se a informação prestada estivesse correcta

Assim sendo, é irrelevante que ainda não tivesse decorrido o prazo por que foi subscrita a Obrigação, na medida que o valor do dano há-de corresponder ao valor da subscrição e de que os autores/apelantes ficaram privados de movimentar livremente como seria no caso de um vulgar depósito a prazo.

A ré apenas responde pelo dano efectivamente causado aos autores, dano esse que neste momento não é possível determinar, na medida em que os autores têm direito ao valor investido de € 50.000,00, acrescido dos juros remuneratórios correspondentes a um depósito a prazo desde a subscrição da Obrigação e até ao momento da propositura da acção, bem como de juros moratórios à taxa legal contados a partir da citação e até pagamento integral, deduzido do valor dos juros recebidos pelos autores e relativos a tal subscrição» .


E, com base nesta fundamentação, decidiu condenar « a ré a pagar aos autores a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros remuneratórios fixados para o período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a data da propositura da acção, deduzidos os juros que os autores receberam referentes à Obrigação SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».

Contra este entendimento, insurge-se a recorrente, sustentando, por um lado, que contrariamente ao defendido no acórdão recorrido, o incumprimento dos deveres de informação  no âmbito de um contrato de intermediação financeira  não se enquadra na  responsabilidade civil pré-contratual, integrando, antes, um caso de responsabilidade contratual.

E, por outro lado, que o dano decorrente  do  incumprimento de obrigações contratuais deve, nos termos do art. 562º do C. Civil,  ser fixado de acordo com o chamado dano de incumprimento ou seja, com o interesse contratual positivo, pelo que não tendo os autores alegado qualquer tipo de incumprimento no que respeita à obrigação SLN 2006,  não  é possível determinar  a existência do dano, e muito menos, do seu valor.

Mas mesmo admitindo uma indemnização pelo interesse contratual negativo, aos autores sempre caberia o ónus de alegar e provar a existência de um qualquer dano bem como do respetivo montante, o que os mesmos não lograram fazer, pelo que inexiste fundamento para a condenação da recorrente nos termos impostos pelo acórdão recorrido que violou, por isso, o disposto no citado art. 562º.



*



Vejamos,  então, de que lado está a razão, importando, para tanto, indagar da natureza jurídica da operação estabelecida entre o banco réu e os autores.

E a este respeito, diremos, desde logo, que resultando dos factos  dados como provados e  supra descritos que o banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, estando  como tal registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e que, nessa qualidade comercializou, aos seus balcões, as Obrigações SLN-.... 2004 e as Obrigações SLN 2006,  executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas pelos autores, das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a CC SA, temos por certo, face ao disposto nos  artigos 289º nº 1, 290º nº 1 al. b), e 293º nº 1 al. a) e art. 295º, nº1, todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro[2], que , no caso dos autos, a intervenção do Réu não pode deixar de ser considerada como  uma atividade de intermediação financeira ( serviço de investimento em valores mobiliários)  e o contrato celebrado entre os autores e o réu  como um contrato de intermediação financeira, relativo à “recepção e transmissão de ordens por conta de outrem”, e que  serviu e de base à subscrição  pelos autores das Obrigações SLN-.... 2004 e as Obrigações SLN 2006.

Daqui decorre, claramente, que a  responsabilidade civil do Banco réu, enquanto intermediário financeiro, pela violação dos deveres de informação  impostos pelos artigos  arts. 7º,  304 e 312º, todos do CVM, no âmbito da relação banco – autores ( clientes/investidores), tem natureza contratual na medida em que tais normas consubstanciam  uma série de deveres acessórios que conformam e integram-se  na  prestação principal emergente do contrato de intermediação financeira ( cfr. art. 314º do CVM).

Mas se é certo assistir razão à recorrente neste particular aspeto, o mesmo já não podemos dizer relativamente  aos argumentos por ela avançados  quanto  à  ausência de verificação de qualquer  dano no que toca às  Obrigações SLN 2006,  a 10 anos e  com reembolso  em 8 de maio de 2016 .

É que defender que não existe nos autos qualquer elemento do qual se possa retirar o prejuízo efetivo resultante  para os autores da subscrição das Obrigações SLN 2006, pela simples circunstância destas obrigações,  à data da interposição da presente ação, ainda não se mostrarem vencidas, é esquecer que, no que respeita ao cálculo da indemnização, estabelece o  art. 564º, nº 2  do C. Civil,  que « Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se  não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior». 

Por dano futuro deve entender-se, nas palavras do Acórdão do STJ, de 11.10.1994 ( proc. nº 84.734) [3] ,  «  aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado»

Por outro lado, da  conjugação da norma do citado art. 564º, nº 2  com o  art. 563 do C. Civil, parece contentar-se a lei com a probabilidade da existência ( e não mera hipótese) desses danos futuros, característica que, no fundo, se reporta não apenas à ocorrência dos danos, como à sua amplitude.

Com efeito, como refere Paulo Mota Pinto, “a própria determinação da extensão do dano a indemnizar é ainda um resultado da causalidade, tendo que se aplicar o critério da causalidade (ou imputação) adoptado para determinar essa extensão” [4].

E porque assim é, bem se compreende  que, segundo o  disposto no citado art. 564º, nº 2 do C. Civil,  o dano futuro só será indemnizável antecipadamente quando seja previsível –   « quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em acontecerá, a sua ocorrência» - e   certo – ,  quando a sua « produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível»[5].

E isto acontece  quer o dano certo seja  determinável ( quando  pode ser fixado  com precisão no seu montante) ou indeterminável ( quando não é possível fixar o seu valor antecipadamente  à sua verificação), pois num e noutro caso não está posta em causa a realidade do evento, mas tão somente a extensão  do evento e a sua expressão monetária, ou seja,  no dizer do citado Acórdão do STJ, de  11.10.1994, « a diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; ao passo que, em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida  para decisão  ulterior», nos termos  do disposto  no art. 564º, nº2 do C. Civil e art. 609º, nº2 do C. P. Civil.  

Diferentemente, se o dano futuro for imprevisível, o que sucede « quando o homem medianamente prudente e avisado  o não prognostica»,  não pode o  mesmo, nos termos do citado art. 564º, nº 2,  ser objeto de indemnização antecipada, pelo que « o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois  de o dano acontecer, depois de lesado».  

E o mesmo vale dizer quanto ao dano previsível, mas eventual, ou seja, « aquele  cuja produção se apresenta, no momento de acerca deles se formar juízo,  como meramente possível, incerto, hipotético», a não ser que estejamos perante um grau de menor incerteza, caso em que, de acordo com o afirmado no citado Acórdão do STJ, de   de 11.10.1994, « o dano futuro  deve considerar-se  como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável».

Ora, porque, tal como sublinha este mesmo acórdão, « só perante cada caso concreto  é que será possível  fazer a  avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente », diremos, desde logo, que ante a factualidade dada como provada e supra descrita nos pontos 31, 33, 49, 3 e 7, temos por certo, não obstante as Obrigações SLN 2006 não se mostrarem vencidas,  à data da interposição da presente ação, que o dano decorrente para os autores da respetiva subscrição,  já se apresentava, nessa data,  como um dano futuro previsível e  certo e, por isso, indemnizável, nos termos do disposto no art. 564º, nº 2 do C. Civil.

Acresce que, à data da prolação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância ( 07.11.2016), tais obrigações já se mostravam vencidas, facto que não podia deixar de ser atendido pelo tribunal de acordo com o disposto no art. 611º, nº1 do C. P. Civil.

Trata-se, assim, de um dano  determinável, na medida em que o respetivo valor  há-de corresponder ao valor da subscrição -  € 50.000,00, acrescido de juros remuneratórios fixados para o período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a data da propositura da ação, deduzidos os juros que os autores receberam referentes à Obrigação SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao condenar a recorrente no pagamento destes valores.


Termos em que improcedem, neste particular, as razões da Recorrente.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido ainda que com base em fundamentação diversa da plasmada no acórdão .

As custas devidas na ação e nos recursos   ficam a cargo do recorrente.



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Supremo Tribunal de Justiça, 19 de junho de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina  Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/2007[2], de 31 de outubro, por ser o vigente à data da celebração do contrato objeto do presente litígio.
[3] Acessível in wwwdgsi.pt/stj e publicado na CJ/STJ, Ano II, Tomo III- 1994, pág. 83.
[4] In “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, vol. I, pág. 640.
[5] Cfr. Mário Júlio Almeida Costa , in, “Direito das Obrigações”, 1979, pág. 394.