Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3872
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
IN DUBIO PRO REO
DECLARAÇÃO
CO-ARGUIDO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DE COGNIÇÃO
Nº do Documento: SJ20071127038725
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

1 – A apreciação da questão de facto, impugnada amplamente à luz do princípio de livre apreciação da prova, ou à luz dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cabe exclusivamente às Relações (art.ºs 427.º e 428.º do CPP), escapando aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe sindicar exclusivamente a questão de direito (art. 432.º do CPP).

2 – Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º conhece de facto e de direito.

3 – A revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do CPP, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»), e deixou de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei n.º 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.ºs 427.º e 428.º n.º 1).

4 – Não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova. O art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.

5 – No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no aresto citado e com a limitação indicada, hoje normativizada na nova redacção do art. 345.º, n.º 4 do CPP dada pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto.

6 – O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
7 – Saber se um Tribunal de instância deveria ter ficado na dúvida sobre determinados factos é uma questão de facto que escapa igualmente aos poderes de cognição do STJ.

8 – Com a atenuação especial da pena prevista no art. 72.º do C. Penal criou-se uma válvula de segurança para situações particulares, nas quais, a imagem global por contraposição ao conjunto de casos que o legislador considerou no momento de fixação da moldura penal abstracta, respectiva, exige uma moldura penal menos severa.
AcSTJ de 27.11.2007, proc. n.º 3872/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

Decisão Texto Integral:


1.

O Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (2.ª secção) condenou o arguido AA pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado do art. 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n.º 2, als. a) e f), do C. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e o arguido BB pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado do art.210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do C. Penal, com referência ao art.204.º, n.º 2, als .a) e f), do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Julgou ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC, Companhia de Segurança, Ldª, e, consequentemente, condenou os demandados AA e BB a pagar-lhe o montante de 21.940 Euros acrescido de juros à taxa anual de 4%, nos termos da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e vincendos, até integral pagamento, absolvendo-os no mais.

Inconformados recorreram os dois arguidos para a Relação de Lisboa suscitando as seguintes questões: (i) suficiência da prova para dar como provados os factos da acusação imputados aos arguidos, havendo erro notório na valoração daquela prova; (ii) violação dos princípios da “livre apreciação da prova” e do “in dubio pro reo”; (iii) validade do reconhecimento dos arguidos feito pela testemunha NA; (iv) medida excessiva das penas aplicadas, devendo o AA ser condenado em pena mais reduzida, suspensa na sua execução; (v) procedência do pedido de indemnização formulado pela “CC” contra os arguidos.

Aquele Tribunal Superior (Recurso n.º 1296/07-5 (170)) julgou improcedentes os recursos.
Ainda inconformado, recorre agora para este Tribunal o arguido AA, que suscita as seguintes questões:

— Errada valoração da prova, violação do princípio da livre apreciação da prova, e do principio do in dubio pro reo (conclusões 1.ª a 36.ª);

— Medida da pena (conclusões 37.ª a 47ª).

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, que concluiu pela integral confirmação do acórdão recorrido, negando-se provimento ao recurso do arguido AA.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.

Nela, o Ministério Público sustentou que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento da questão de facto e das respectivas regras instrumentais, sendo certo que não foi invocada qualquer proibição absoluta de prova, mas tão só questionada a convicção. Quanto à pena aplicada ao recorrente considera-a benevolente, atendendo ao dolo intenso e à grande ilicitude. Trata-se de um assalto à mão armada de valor consideravelmente elevado que, em concreto ultrapassa largamente o valor necessário à qualificação e em que as necessidades de prevenção geral de integração são elevadas, dada a inquietude social que geram. A defesa remeteu para a motivação de recurso.

Cumpre, pois, conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a valoração da prova feita pelas instâncias, que teriam violado o princípio da livre apreciação da prova, e o princípio do in dubio pro reo.

Sustenta ele que foi cometido erro na valoração da prova e a determinação da medida da pena aplicada pelo acórdão recorrido (conclusão 3.ª), por ter sido dada como provada a sua participação nos factos ocorridos no dia 4 de Junho do ano transacto sem que os elementos probatórios conduzam a tal conclusão (conclusão 4.ª), quando dera como provado que ao “arguido AA incumbia abordar o funcionário da CC quando no regresso do Lidl a fim dos arguidos se apoderarem dos valores que aquele transportasse consigo. Para tanto, utilizaria um revólver, facto este que era do conhecimento do arguido BB e do indivíduo não identificado, que lhe deram o seu o seu acordo” (conclusão 5).

A convicção do tribunal a quo assentou “designadamente nas declarações prestadas pelo arguido BB aquando do primeiro interrogatório judicial e que constam a fls. 136 a 137 dos autos, lidas em audiência...” e ainda “conjugando o depoimento das testemunhas PA e NA em audiência de julgamento” (conclusão 6.ª), mas os elementos probatórios constantes dos autos não permitem ao tribunal concluir, com rigor e segurança, que o recorrente praticou os factos de que vem acusado (conclusão 7.ª).

A testemunha NA, em julgamento, reconheceu o recorrente como o indivíduo que empunhou a arma e levou os sacos que o seu colega trazia de dentro do Lidl (conclusões 8.ª e 9.ª), mas depois refere apenas reconhece os arguidos pela sua constituição fisica!! (conclusão 10.ª), quando nunca esteve naquele local, naquela data, (conclusão 11.ª) e, sendo os factos de 4.6.2005, durante o inquérito, a mesma testemunha não reconheceu os arguidos nem pessoal nem fotograficamente (conclusões 12.ª e 15.ª), o que só fez 16 meses após os factos, em sede de julgamento, sem quaisquer hesitações (conclusão 13.ª)

A prova de julgamento não pode deixar de ser confrontada com o que se passou no inquérito (conclusão 14.ª), não sendo aquele depoimento isento (conclusão 16.ª), não tendo a outra testemunha, que se encontrava a fazer serviço com a Testemunha NA, o PA reconhecido os arguidos (conclusão 17.ª), quando foi a testemunha que foram retirados os sacos, que esteve frente com o individuo que terá empunhado a arma, e que no douto acórdão se referem como sendo o recorrente (conclusões 18.ª e 19.ª), como valorar este depoimento? (conclusão 20.ª)

O recorrente sempre declarou a sua não participação nos factos, reclamando sempre a sua inocência (conclusão 23.ª). O Tribunal a quo ao valorar aquele depoimento violou o disposto nos art.ºs 127°, 410.º n.° 1 al. c) do CPP e o art. 32°. da CRP (conclusão 24.ª), verificando-se erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410° n.° 1 al. c) do CPP e uma violação do principio da presunção da inocência (conclusão 25.ª),

Quanto às declarações do arguido BB, em 1.º interrogatório judicial, lidas em audiência, em que referiu que o recorrente participou nos factos, é de salientar que em julgamento o mesmo negou a sua intervenção como o fez o recorrente (conclusão 26.ª), não podiam, pois, ser valoradas essas declarações do co-arguido (conclusão 27.ª), mas foi nelas que se fundou, quase exclusivamente, o Tribunal a quo (conclusões 28.ª e 29.ª), prova insuficiente para a condenação do recorrente, e a sua valoração como elemento essencial de prova, sem qualquer corroboração, constitui interpretação materialmente inconstitucional do artigo 345°., n°. 1 do CPP, por infringir o artigo 32.°, n.°s 1 e 6 da CRP (conclusões 30.ª, 31.ª e 32.ª).

A convicção do tribunal não se baseou numa valoração lógica, racional e objectiva de toda a prova que apreciou em audiência de julgamento (conclusão 34.ª), pelo que se fica com dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tomar um obstáculo intelectual à aceitação de tais factos, efectivamente se passaram, havendo assim lugar à aplicação do princípio “in dubio pro reo” (conclusão 35.ª). Foi assim violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do CPP e o princípio do in dúbio pro reo, previsto no art. 32.º da CRP (conclusão 36.ª)

Vejamos, pois, da valia desta alegação.

A primeira observação é a de que ela coloca essencialmente em causa a questão de facto que escapa à censura deste Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, que no caso é.

Com efeito, é jurisprudência pacífica e continuada deste Tribunal que a apreciação da questão de facto, impugnada amplamente à luz do princípio de livre apreciação da prova, ou à luz dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cabe exclusivamente às Relações (art.ºs 427.º e 428.º do CPP), escapando aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe sindicar exclusivamente a questão de direito (art. 432.º do CPP) (cfr. v.g., o AcSTJ de 08/02/2007, proc. n.º 159/07-5, www.stj.pt).

Mesmo em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.

Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º conhece de facto e de direito.

Com efeito, e como este Tribunal tem insistentemente proclamado, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» (art. 427.º do CPP). E só excepcionalmente – em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» – é que é possível recorrer directamente para o STJ (art.ºs 432.º, d), e 434.º).

Ora, como resulta do exposto, o presente recurso – proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) – visa, no ponto em causa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto e não exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CPP) que, no caso do Supremo Tribunal de Justiça exige a prévia definição (pela Relação, se chamada a intervir) dos factos provados.

E, no caso, a Relação – avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso – manteve-os, definitivamente, no rol dos «factos provados».

De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do PP, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).

Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei n.º 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.ºs 427.º e 428.º n.º 1).

Hoje, pretendendo-se impugnar um acórdão final do tribunal colectivo ou do tribunal do júri:

– se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça;

– ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação , caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º).

Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.

O que significa que está fora do âmbito legal do actual recurso a repreciação da matéria de facto, mesmo com base em vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação.

Para mais quando, como no caso, para além do objecto do recurso já detalhadamente apreciado pelo tribunal ora recorrido, não se vislumbram vícios a que fosse mister dar resposta.

Duas palavras são devidas, no entanto, quanto à legalidade das declarações do co-arguido e à violação do princípio in dubio pro reo.

Quanto ao valor das declarações do co-arguido.

Dispõe o art. 133.º do CPP:

"1. Estão impedidos de depor como testemunhas:

a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;

b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição;

c) As partes civis.

2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem."

Face a este preceito, designadamente à al. a) do n.º 1, tem sido questionado se o arguido está absolutamente impedido de testemunhar no próprio processo em que figure com essa qualidade.

A Doutrina já respondeu que os arguidos não estão impedidos de produzir prova "por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.º' 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.º' 343.º e 345.º, todos do CPP, mas que essas declarações – na decorrência de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros arguidos. Rodrigo Santiago (Reflexões sobre as "Declarações do Arguido" como Meio de Prova no CPP de 1987) conclui deste jeito:

"1. os co-arguidos estão impedidos de ser testemunhas relativamente uns aos outros, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 133.º do CPP;

2. não estão, todavia, impedidos de produzir prova "por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.º' 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.º' 343.º e 345.º, todos do CPP. Porem;

3. as declarações assim prestadas por um ou mais dos co-arguidos - na decorrência, repete-se, de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros;

4. servindo tais declarações, únca e exclusivamente, como meio de defesa do arguido ou arguidos que as tiverem prestado - art.º 343.º, n.º 2 do CPP. Logo, 5. da motivação da sentença, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, in fine, do CPP constar que as declarações dos co-arguidos contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma nulidade do julgamento, por assunção de um meio de prova proibido".

Mas a propósito da mesma questão do depoimento de co-arguido, enquanto meio proibido ou não de prova, também se concluiu pela não proibição, lembrando, no entanto, que se trata de um meio de prova frágil, que impõe o controle pela defesa do co-arguido e prefere a corroboração por outras provas.

Teresa Beleza conclui assim (Rev. Min. Públ., Ano 19, 58 e 59):

"O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação.

Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.

Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s).

A sua valoração seria ilegal e inconstitucional".

Entendeu o Tribunal Constitucional que é inconstitucional, por violação do art. 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.º' 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (Ac. n.º 524/97, de 97/07/14, DR II S de 97-11-27).

No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25-2-99 (Acs STJ VII, 1, 229), "está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art. 32º, n.º 5 da CRP.". Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3): "As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova."

No sentido de os cuidados que se impõem ao Tribunal devem redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório pelo co-arguido, mas que não impede a livre apreciação por parte do tribunal, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, I, pág. 727).

E conclui-se igualmente que é a posição interessada do arguido, a par de outros intervenientes citados nesse art. 133.º, que dita o impedimento, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

Com referem aqueles autores (pág. 726-7):

"Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, construir no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho.

É, pois, esta posição interessada que dita o impedimento, posição reforçada no caso do arguido, dado o seu estatuto especial. Isso mesmo entendeu o STJ ao decidir que este artigo visa proteger próprio impedindo-o de depor contra si, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade (Ac. de 96-10-17, BMJ, 460-399).

Daqui decorre também que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido nele podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

Cuidado que deve redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório, mas que não impede, a nosso ver, a livre apreciação por parte do tribunal."

Este Tribunal afirmou, impressivamente (Ac. de 3-5-00, Acs STJ VIII, 2, 180): "não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova."

E tem sido neste último sentido que se tem formado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito decidiu-se que "(1) a crítica feita no sentido de que não seria lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP; (2) na verdade, este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, estabelecendo o art. 126°, aquelas que são proibidas, não constando deste elenco o caso das declarações dos co-arguidos. Estas são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.; (3) o que acontece é que a Lei Processual ao proibir que o arguido seja ouvido como testemunha, pretende, tão só, protegê-lo e impedi-lo, por exemplo, que venha a ser condenado por perjúrio"(Ac. do STJ de 03-06-1993, proc. n.º 44347).

E que "o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo" (Ac. do STJ de 04-05-1994, proc. n.º 44383).

"Nada impede que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido" (Ac. do STJ de 30-05-1996, proc. n.º 498/96). No mesmo sentido o Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96): "(1) - Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. (2) - O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2."

Claramente no sentido sustentado pelos últimos autores referidos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art. 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa. Porém, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Ac. do STJ de 10-12-1996, proc. n.º 48697).

"O sentido da norma do art.º 133.º, n.º 1, al. a), do CPP é o de que com ela se intenta proteger o próprio arguido, impedindo-o de depor contra si próprio, nada obstando a que preste declarações, nomeadamente para se defender de uma acusação ou aligeirar a sua responsabilidade nela." (Ac. do STJ de 31-01-2001, proc. n.º 3574/00-3). No mesmo sentido o Ac. de 29-3-00 (proc. n.º 1134/99): "(1) - O que o art.º 133.º, do CPP, pretende evitar é que o arguido ou co-arguidos prestem declarações que sejam incriminatórias de si próprios. (2) - Um arguido que decide prestar declarações, ao indicar factos ou circunstâncias que excluam ou diminuam a ilicitude ou a sua culpa, relevando para a minoração da medida da pena, pode directa ou indirectamente contribuir para a prova incriminatória de outros arguidos. (3) - A lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito - entre as quais se destaca a de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado - não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos. (4) - De molde a evitar que os co-arguidos possam usar de reivindicta ou se desresponsabilizem recíproca ou multilateralmente, mandam as regras da experiência comum que se use de cautela na valoração de tais declarações."

"Se é certo que os arguidos no mesmo processo ou em processos conexos não podem depor como testemunhas, não é menos verdade que sempre podem prestar declarações, que o tribunal valorizará dentro das balizas do art. 127.º do CPP." (Ac. do STJ de 30-11-2000, proc. n.º 2828/00-5). Cfr. ainda o Ac. do STJ de 26-3-98 (proc. n.º 44/98): "Não existe qualquer disposição legal que proíba que as declarações de co-arguido possam valer como meio de prova, pelo que as mesmas poderão ser objecto de valoração por parte do tribunal, para fundamentar a sua convicção sobre os factos que dá como provados, dentro da regra da livre apreciação da prova."

"As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art. 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (art.º 343, n.º 1, do CPP) (Ac. do STJ de 23-10-1997, proc. n.º 679/97)

Deve, assim, entender-se, em síntese, que é a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.

Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.

O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.

Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 28-6-01, proc. n.º 1552/01-5, de 5.6.03, proc. n.º 976/03, de 22/06/2006, proc. n.º 1426/06-5 e de 8-2-2007, proc. 28/07-5, com o mesmo Relator).

No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no aresto citado e com a limitação indicada, hoje normativizada na nova redacção do art. 345.º, n.º 4 do CPP dada pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto.

Assim, não merece censura a posição das instâncias de que podiam valorar as declarações prestadas pelos co-arguidos.

Quanto à pretendida violação do princípio in dubio pro reo.

Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, só para citar os acórdãos mais recentes do mesmo Relator:
— O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5)
— O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena. (Ac. de 28/06/2001, proc. n.º 1568/01-5).

— (1) Não resultando da decisão recorrida que o Tribunal recorrido ficou na dúvida quanto aos elementos que permitiram estabelecer a culpabilidade dos recorrentes, e que nesse estado de dúvida decidiu contra os arguidos, não pode o STJ sindicar o uso feito do princípio in dubio pro reo. (2) Com efeito, não está então em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista, pelo que resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista. (3) As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (AcSTJ de 08/11/2001, 1924/01-5)

— (9) Se não resulta da decisão recorrida que o Tribunal recorrido ficou na dúvida quanto aos elementos que permitiram estabelecer a culpabilidade dos recorrentes, e que nesse estado de dúvida decidiu contra os arguidos, não pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso feito do princípio in dubio pro reo, por não estar em causa, então, uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista. (10) Saber se, face a determinados factos provados e não provados, deveria o Tribunal da 1.ª Instância ter ficado na dúvida quanto à existência de determinado elemento, constitui matéria de facto que escapa aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça. (11) As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (12) Não resultando da decisão recorrida que o Tribunal recorrido ficou na dúvida quanto aos elementos que permitiram estabelecer a culpabilidade dos recorrentes, e que nesse estado de dúvida decidiu contra os arguidos, não pode o STJ sindicar o uso feito do princípio in dubio pro reo. (13) - Com efeito, não está então em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista, pelo que resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista. (14) - As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 24/01/2002, proc. n.º 3036/01)

— (3) O STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova que escapa ao poder de censura do STJ (Ac. de 02/05/2002, proc. n.º 599/02-5, de 23/01/2003, proc. n.º 4627/02-5 e de 21.10.2004, proc. n.º 3247/04-5). (4) - Saber se um Tribunal de instância deveria ter ficado na dúvida sobre determinados factos é uma questão de facto que escapa igualmente aos poderes de cognição do STJ. (Ac. de 02/05/2002, proc. n.º 599/02-5 )

— O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena. (Ac. de 14/11/2002, proc. n.º 3316/02-5)

Donde se vê também que, saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (cfr. no mesmo sentido o AcSTJ de 21.10.2004, proc. n.º 3247/04-5, com o mesmo Relator)

Ora, não resulta das decisões em causa, que as instâncias tivessem ficado em estado de dúvida e nessa dúvida tenham decidido contra o arguido. O que sucede é que fundamentaram a sua convicção com cuidado, exactamente para resolver e afastar qualquer dúvida.

Improcede também esta crítica do recorrente.

2.2.

É a seguinte a factualidade apurada pelas instâncias, que não merece intervenção oficiosa deste Tribunal.

Factos provados
– A recolha de valores do supermercado denominado Lidl da Presa, sito na Estrada ...., nº 000, ..., área da comarca de Lisboa, era habitualmente assegurada por funcionários da firma CC-Companhia de Segurança, Ldª, que, para tanto, se faziam transportar numa carrinha de transporte de valores.
– Cientes de tal facto, os arguidos e um terceiro indivíduo não identificado, decidiram apoderar-se de quantias monetárias e outros valores que a firma CC estivesse encarregue de ir buscar ao Lidl.
– Por isso, no dia 4 de Junho de 2005, na execução do planeado os mesmos arguidos e o terceiro indivíduo não identificado dirigiram-se para o mencionado estabelecimento de supermercado denominado Lidl.
– O arguido BB ficou encarregue de exercer vigilância no local, observando as operações realizadas pelos funcionários da firma CC a fim de sinalizar ao arguido AA o momento em que este deveria actuar.
– Para tanto, uma vez chegado ao local, o arguido BB ficou posicionado no exterior do estabelecimento de que se trata junto ao local onde se encontravam os carrinhos de compras dado que, daí, podia observar na totalidade os movimentos dos funcionários da firma CC.
– Por sua vez, ao arguido AA incumbia abordar o funcionário da CC quando do regresso do Lidl a fim dos arguidos se apoderarem dos valores que aquele transportasse consigo. Para tanto, utilizaria um revólver, facto este que era do conhecimento do arguido BB e do indivíduo não identificado, que lhe deram o seu acordo.
– Ao terceiro indivíduo não identificado incumbia assegurar a fuga do arguido AA aguardando-o num motociclo que estacionou perto do local dos factos.
– Cerca das 17h05m da data supra mencionada chegou ao estabelecimento Lidl em causa a carrinha de transporte de valores (CTV) nº 2242 da CC, à data conduzida por NA, o qual, na mesma data exercia a função de motorista de CTV.
– Na mesma carrinha era transportado o ofendido PA, que naquela data desempenhava funções de vigilante de transporte de valores da firma CC.
– Aos mencionados funcionários da firma CC incumbia procederem a uma operação de recolha de valores a depositar a favor do Lidl precedida de uma entrega de quatro sacos de moeda metálica que perfaziam a quantia global de 2.675 Euros.
– Para tanto, e no cumprimento dos procedimentos de segurança instituídos pela firma, NA estacionou a CTV à porta do estabelecimento em causa tendo o ofendido PA saído para o exterior a fim de proceder à entrega dos sacos de moeda metálica que transportava consigo no supermercado Lidl já mencionado, o que este fez. Após isto PA recolheu dois sacos no Lidl, um deles contendo o pagamento da moeda metálica previamente entregue e o outro, contendo a quantia de 21.940 Euros do Lidl para ulterior depósito a favor deste estabelecimento comercial. Quando o ofendido PA, munido dos aludidos sacos contendo as mencionadas quantias monetárias, se aproximou do exterior do estabelecimento Lidl fez sinal de rádio a NA indicando-lhe que ia sair. Este último, por não se ter apercebido de qualquer facto suspeito, fez sinal a PA indicando-lhe que podia regressar.
– Assim, quando PA se preparava para entrar na carrinha de transporte de valores da CC, facto este observado pelo arguido BB, este arguido, efectuou o sinal combinado com o arguido AA de molde a avisá-lo que chegara o momento de se apoderar dos valores.
– Ao aperceber-se da descrita conduta do arguido BB, de imediato o arguido AA, na execução do planeado, aproximou-se do ofendido PA empunhando um revólver cromado, aparentando ser de calibre 32 – que não se mostrou possível apreender e examinar – na direcção do último e declarou, dirigindo-se àquele ofendido, "larga, larga".
– Atenta a descrita conduta do arguido o ofendido PA, por passar a temer pela sua integridade física e vida, largou os sacos contendo valores monetários que transportava consigo assim como um "terminal de emissão de recibos", acondicionado numa mala própria para o efeito, com o valor global de 2.163,45 Euros (dois mil cento e sessenta e três Euros e quarenta e cinco cêntimos).
– O arguido AA de imediato agarrou os sacos e o terminal de que se trata e iniciou a fuga apeada saltando o varandim lateral de delimitação do estabelecimento Lidl indo de encontro ao indivíduo não identificado que o esperava num motociclo de pequena cilindrada.
– O montante global dos valores dos quais os arguidos se apoderaram ascendeu, assim, a, pelo menos, 26.778,45 Euros (vinte e seis mil setecentos e setenta e oito Euros e quarenta e cinco cêntimos).
– Contudo, no percurso da fuga o arguido AA deixou cair o saco contendo o pagamento da moeda metálica, no valor de 2.675 Euros (dois mil seiscentos e setenta e cinco Euros) que, deste modo, veio, ulteriormente, a ser recuperado pela firma ofendida.
– De seguida, o arguido AA e o terceiro indivíduo não identificado abandonaram o local fazendo-se transportar para o efeito no aludido motociclo.
– Por sua vez, o arguido BB permaneceu algum tempo no local tendo, de seguida, regressado a sua casa.
– No dia seguinte os arguidos repartiram as quantias monetárias das quais se haviam apoderado sendo que o arguido AA entregou ao arguido BB quantia não concretamente apurada mas nunca inferior a 500/700 Euros.
– Com tal quantia o arguido BB adquiriu um veículo de marca Opel, modelo Corsa, cor verde.
– No dia 24 de Agosto de 2005 o arguido detinha ainda a quantia de 175 Euros (cento e setenta e cinco Euros) e uma libra em ouro amarela com aro em ouro no valor global de 109 euros (cento e nove euros), que lhe foram apreendidos, quantia e libra em ouro essas provenientes da descrita actividade ilícita deste arguido.
– No dia 24 de Junho de 2005, o arguido AA foi detido pela P.S.P. pelo facto de deter e transportar consigo um revólver de marca Smitth e Wesson, de calibre 32 mm assim como cinco munições de calibre 32 mm, que lhe foram apreendidos, facto este que deu origem ao Inquérito como NUIPC 75/05.6JAPMD no âmbito do qual, em 17/10/05 foi deduzida acusação contra este arguido imputando-se-lhe a prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho.
– No dia 18 de Agosto de 2005, na sequência de busca à residência onde habitava o arguido AA o mesmo tinha ali colocadas no seu quarto doze munições de calibre 32 as quais lhe foram apreendidas.
– Os arguidos actuaram em conjugação de esforços e segundo plano previamente combinado.
– Quiseram apoderar-se da quantia monetária e dos outros objectos supra mencionados, o que conseguiram, apesar de bem saberem que os mesmos lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono.
– Para o efeito, ao agirem do modo descrito, utilizando o revólver já mencionado, cujas características e poder intimidatório conheciam, visaram que o funcionário da firma CC, PA, se sentisse prejudicado na sua liberdade de determinação, por temer pela sua integridade física e vida e desse modo não lhes oferecesse qualquer resistência, o que, de igual modo, conseguiram.
– Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, apesar de saberem que a sua conduta lhes era proibida por lei.
– O arguido AA sofreu já condenações pela prática de crimes de furto qualificado e roubo agravado.
– O arguido BB não tem antecedentes criminais.
– O arguido AA vive com a mãe e uma irmã.
– O arguido AA é pedreiro e actualmente está de baixa, não tendo qualquer rendimento.
– O arguido BB vive com os pais.
– O arguido BB é empregado de balcão desde 2004, auferindo 300 Euros por mês.
– A CC é uma empresa que se dedica à actividade de segurança privada, designadamente ao tratamento, transporte e guarda de fundos e valores, por conta e á ordem de terceiros.
– No exercício da sua actividade procede à entrega e recolha de dinheiro e outros valores, os quais são transportados em carrinhas blindadas, serviço que é efectuado por um motorista, que permanece sempre dentro da viatura e por um "porta valores" que transporta os valores de e para a viatura.
– No dia 4 de Junho de 2005 o motorista NA e o "porta valores" PA foram recolher valores ao supermercado Lidl da Presa, tendo os arguidos praticado contra os mesmos os factos supra descritos.
– A CC, enquanto entidade prestadora de serviços ao Lidl, em 7 de Setembro de 2005 ressarciu o seu cliente do valor em que este ficou prejudicado - 21.940 Euros».

*
Factos não provados:
– A CC não accionou o seguro de responsabilidade civil de que é titular, por o valor da franquia exceder o valor do prejuízo sofrido.
2.3.

Medida da pena.

Subsidiariamente, defende o recorrente que a pena que lhe foi concretamente aplicado é excessiva (conclusão 37), não tendo o Tribunal a quo ponderado de forma criteriosa, quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção (prevenção geral ligada à defesa da sociedade e à contenção da criminalidade e prevenção especial positiva ligada à reintegração social do agente), bem como as demais exigências do art. 71.º, n°. 2 do C. Penal (conclusão 38).

Ao ter imputado ao recorrente um grau de ilicitude elevado, o Tribunal não teve em conta que aos factos dos autos foram muito rápidos, não tendo estado ninguém em perigo (conclusão 39), e não teve em conta as necessidades de prevenção especial positiva das penas, deixando ao recorrente pouco espaço de resposta à sua reintegração social (conclusões 40 e 44), sendo que o grau de ilicitude dos factos terá de ser efectuado em função dos meios utilizados pelo agente (conclusão 41), resultando que o grau de ilicitude dos factos terá de ser considerado diminuto e não elevado, se tivermos em conta os meios utilizados e a própria actuação do agente (conclusão 42), que deveriam ter sido favoravelmente ponderados, nas atenuações especiais que não aplicou (conclusão 43).

O relatório do Instituto de Reinserção Social bastante favorável ao recorrente, referindo que este se encontra bastante apoiado e que lhe seria favorável a aplicação de uma pena suspensa (conclusão 45).

O ao condenar o recorrente numa pena excessiva e consequentemente desadequada, violou o art. 210.º, n.º 1 e 2, os art.ºs 71º e 72° do C. Penal, dado que não foram ponderadas de forma criteriosa: o grau de ilicitude do agente, as exigências de prevenção, quer penal, quer especial, a primeira foi muito valorizada sendo certo que o mesmo fim seria assegurado com uma medida de pena menos severa e a segunda não foi sequer ponderada (conclusão 46). Deve ser-lhe aplicada uma pena que possa ser suspensa na sua execução (conclusão 47).

Escreve-se na decisão recorrida:

«3.2 As penas aplicadas aos arguidos são excessivas, devendo ser os arguidos condenados em pena mais reduzida, suspensa na sua execução?
Para o efeito, teria a respectiva pena de ser especialmente atenuada, afirmando o AA que o “acórdão recorrido deveria ter ponderado favoravelmente e não o fez, o modo de execução dos factos e as atenuações especiais que não aplicou”, enquanto o BB pugna igualmente pela atenuação especial da pena e pela sua suspensão.
Mas, devia ter sido atenuada especialmente a pena, ao abrigo do art. 4.º do DL 401/82, de 23/09?
O tribunal recorrido não esqueceu que o arguido BB tinha, à data dos factos, 18 anos de idade. (…)
Sendo assim, não pode esse arguido beneficiar da pretendida atenuação especial da pena prevista no citado art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, conforme decidido pelo tribunal “a quo”.
Por outro lado, a pretendida atenuação especial da pena só poderia ser atingida caso se verificasse o condicionalismo previsto no art. 72.º, n.º 1 e 2, do CP, ou seja, caso resultasse dos factos provados alguma circunstância – das enunciadas nas várias alíneas do mencionado n.º 2 ou outra de igual valor – susceptível de diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Conforme refere Figueiredo Dias (In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, § 444, pág. 302), com os citados normativos, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que tem sido justificada nos seguintes termos: «Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena».
«Hipóteses que em muitos casos, o próprio legislador prevê, mas que a apontada incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação especial.
O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber: - Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e, em geral, das exigências de prevenção; - A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”».
A via trilhada pelo legislador ao elaborar as aludidas normas foi a de elencar exemplificativamente circunstâncias atenuantes de especial valor, a fim de dar ao juiz critérios mais rigorosos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral. Ou seja, sem criar obstáculo à necessária liberdade do juiz, põem-se à disposição deste princípios delimitadores mais sólidos e facilmente apreensíveis para que, em cada caso concreto, se decida pela aplicação ou não do instituto em causa.
As situações a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do citado artigo não têm, por si só, a virtualidade de conferir poder atenuativo especial, impondo-se o seu relacionamento com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
In casu nenhuma das aludidas circunstâncias se verifica, nem outra que se lhe possa equiparar na produção dos efeitos exigidos para desencadear tal atenuação.
Em consequência, tendo em conta a correcção da subsunção jurídica levada a cabo pelo tribunal a quo, a moldura correspondente ao crime cometido, dentro da qual haverá de ser encontrada a medida concreta da pena, tem como limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 15 anos de prisão.
O tribunal optou por condenar em 5 anos e 6 meses de prisão o BB e em 3 anos e 6 meses o BB.
Fundamentou tais penas no seguinte:
«…, no doseamento da pena, a favor dos arguidos, de relevante, há a considerar a sua modesta condição sócio-económica, militando ainda a favor do arguido BB a ausência de antecedentes criminais.
Como circunstâncias que depõem contra os arguidos há que ponderar o modo de execução e a extrema gravidade objectiva e subjectiva dos factos e das suas consequências; o dolo com que actuaram, directo e intenso, tratando-se de um quadro revelador de culpa elevada; os prejuízos causados, bem como a falta de preparação conveniente da sua personalidade para prever os resultados possíveis da sua conduta e manter uma conduta lícita, e ainda, quanto ao arguido BB, os antecedentes criminais.
Ponderadas são ainda as intensas exigências de prevenção geral, porquanto é certo que a relativa frequência deste tipo de crimes gera um sentimento social de expectativa que constitui motivo de atenção e preocupação por parte da comunidade e do legislador.
No que concerne às exigências de prevenção especial as mesmas são relevantes para que os arguidos sejam dissuadidos de praticar outros crimes e interiorizem as consequências da sua conduta.
Tudo ponderado – a culpa dos arguidos e as necessidades de prevenção do crime – à luz do principio de que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade, e, ainda, no principio de que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (Prof. Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p.227), considera-se adequada a aplicação ao arguido AA de uma pena de cinco anos e seis meses de prisão e ao arguido BB de uma pena de três anos e seis meses de prisão.»
Dispõe o art.º 40.º, do CP, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1) e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.º 2). Acrescenta o art.º 71.º, n.º 1: «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Dos citados artigos extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena.
Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa – “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção.
Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».
Para dar concretização legal aos mencionados parâmetros, enumera o n.º 2 do citado art.º 71.º, do CP, a título exemplificativo, um conjunto de circunstâncias que devem ser tomadas em consideração, na medida em que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o respectivo agente.
É, pois, à luz de tais princípios, que terá de ser encontrada a pena adequada ao caso concreto.
Tendo em conta todo o condicionalismo salientado supra – o muito elevado grau de ilicitude dos factos, o modo de execução destes, gravidade das suas consequências, valor do prejuízo causado, intensidade do dolo, motivos que determinaram os arguidos, condições pessoais e situação económica destes, ausência de antecedentes criminais quanto ao BB e idade deste, sem esquecer as exigências de prevenção - conclui-se que o tribunal recorrido fixou as respectivas penas com total respeito pelos enunciados critérios, dando aplicação aos mesmos e ao que determina o citado art. 71.º, n.ºs 1 e 2 als. a) a e), do CP, apresentando-se as penas impostas aos arguidos justas, adequadas, proporcionais e necessárias do ponto de vista da prevenção especial de socialização, aquém dos limites impostos pela culpa mas ainda suficientes para permitir a desejada “estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”(Jakobs, 1 n.º m 4 ss, apud Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, ed. Notícias 1993, § 303, pág. 228).
Sendo, por isso, de confirmar as aludidas penas.
Perante o que dispõe o art. 50.º do CP, falece desde logo o principal pressuposto da suspensão da execução da pena, que é o de a pena aplicada não ser superior a 3 anos de prisão, limite que é ultrapassado no presente caso relativamente a ambos os arguidos.»

Merecem concordância estas considerações.
Na verdade, dispõe o art. 72.º do C. Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1), enumerando o n.º 2 diversas dessas circunstâncias, a que não se reporta a recorrente, como se viu. Assim se criou uma válvula de segurança para situações particulares, que foi já apresentada da seguinte forma:
"Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo "normal" de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena" [Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 302. Cfr. no mesmo sentido, a sua intervenção na Comissão Revisora (Acta n.° 8, 78-9): ora, o que na verdade aqui ocorre é uma visão integral do facto que leva o julgador a concluir por uma especial atenuação da culpa e das exigências da prevenção].

Seguiu-se neste art. 72.º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação (cfr., neste sentido Leal-Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I, em anotação ao art. 72.º).

Assim, sem entravar a necessária liberdade do juiz, oferecem-se princípios reguladores mais sólidos e mais facilmente apreensíveis para que se verifique, em concreto, quando se deve dar relevo especial à atenuação.

As situações a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 do art. 72.º não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.

Em boa verdade não pede expressamente o recorrente para este Supremo Tribunal de Justiça a atenuação especial da pena, mas refere na conclusão 46.ª o art. 72° do C. Penal como violado, por insuficiente ponderação de «grau de ilicitude do agente, as exigências de prevenção, quer penal, quer especial, a primeira foi muito valorizada sendo certo que o mesmo fim seria assegurado com uma medida de pena menos severa e a segunda não foi sequer ponderada». E pede como se viu, uma pena «que possa ser suspensa na sua execução (conclusão 47)», ou seja (naquele momento) não superior a 3 anos de prisão.

Mas não indica, como fundamento dessa atenuação especial, qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 72.º do C. Penal. Aliás fica por considerações genéricas e abstractas sobre os fins das penas, sem tomar em consideração nos seus raciocínios os reais contornos de facto do caso concreto.

Ora da matéria de facto provada, que se transcreveu, resulta efectivamente um assalto à mão armada, em co-autoria material com mais duas pessoas, cuidadosamente planeado, quer no momento e modo de aproximação e concretização, quer na fuga.

Com ameaça da mencionada arma de fogo, e temendo o empregado da demandante pela sua vida, conseguiu apropriar-se do valor global de, pelo menos, 26.778,45 Euros (vinte e seis mil setecentos e setenta e oito Euros e quarenta e cinco cêntimos).

Foi o recorrente que desempenhou um papel central na acção deste assalto, pois foi ele que se dirigiu ao indivíduo que transportava o dinheiro, o ameaçou com a arma de fogo e se apropriou da quantia e bem em causa, enquanto um dos outros a avisou do momento oportuno de actuar e o outro o transportou na fuga.

Não merece, pois, censura a afirmação das instâncias de que a sua conduta é de elevada ilicitude, atendendo ao já descrito modus operandi e às consequências da sua acção. O dizer-se que poderia ter sido ainda pior, não diminui a ilicitude da acção real e das suas concretizadas consequências.

No que se refere à culpa vem ainda assente que os arguidos actuaram em conjugação de esforços e segundo plano previamente combinado e quiseram apoderar-se da quantia monetária e dos outros objectos supra mencionados, o que conseguiram, apesar de bem saberem que os mesmos lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono.

Actuaram de forma livre, voluntária e consciente, apesar de saberem que a sua conduta lhes era proibida por lei, tendo utilizado o revólver, visando o funcionário da firma CC, fazendo com que este se sentisse prejudicado na sua liberdade de determinação, por temer pela sua integridade física e vida e desse modo não lhes oferecesse qualquer resistência, o que, de igual modo, conseguiram.
Também se deu como provado que o arguido AA sofreu já condenações pela prática de crimes de furto qualificado e roubo agravado, que vive com a mãe e uma irmã, que é pedreiro e estava de baixa, não tendo qualquer rendimento.

Não se vê assim circunstância que, diminuindo consideravelmente a ilicitude ou a culpa, deva levar à atenuação especial da pena.

E as referidas circunstâncias não só não justificam a atenuação especial da pena, como não suportam uma intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça no abaixamento da pena concreta que lhe foi infligida.

Com efeito, importar começar por analisar os poderes de cognição deste Tribunal nessa matéria.

É certo que está afastada a concepção da determinação da pena concreta, em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização intervinham coeficientes de difícil ou impossível racionalização, tudo relevando da chamada «arte de julgar». E que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (art.ºs 70.º a 82.º do C. Penal): aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do C. Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.

Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, como é o caso. Tem-se aceite a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação é sindicável em recurso de revista. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.
Já se tem considerado, por outro lado, que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Determinada a moldura penal abstracta correspondente ao crime em causa), numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente (o esquema arquitectado para o cometimento do assalto à mão arma, com estudo prévio e detalhado do objectivo e do modo de actuar dos funcionários da firma transportadora dos valores, o esquema de fuga, o valor envolvido, o temor provocado no funcionário quanto à sua integridade física e vida);
– A intensidade do dolo ou negligência (o dolo foi directo e intenso);
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (o arguido actuou em conjugação de esforços e segundo plano previamente combinado e quis apoderar-se da quantia monetária e dos outros objectos mencionados);
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica (acima descritas);
– A conduta anterior ao facto e posterior a este (sofreu já condenações pela prática de crimes de furto qualificado e roubo agravado, não interiorizou o desvalor da sua conduta);
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (como a evolução analisada demonstra).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele e que se vieram de abordar.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa claramente dentro da sub–moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto que se salientaram, não se mostrando que a aplicada se mostra desproporcionadas ou violadora das regras de experiência, por forma a permitir e justificar a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo que improcede a sua pretensão de ver diminuída essa pena.
Sendo assim, fica prejudicada a outra questão suscitada pelo recorrente: a suspensão da execução da pena, atento o disposto no art. 50.º do C. Penal.
4.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5-.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso.
Honorários legais ao Defensor oficioso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 5 Ucs.

Lisboa, 27 de Novembro de 2007.


Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa
Arménio Sottomayor