Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/19.0T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
NULIDADE DO CONTRATO
REMUNERAÇÃO
MEDIADOR
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
NEXO DE CAUSALIDADE
COMISSÃO
VALIDADE
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A atividade desenvolvida pela mediadora, com vista à angariação de interessados para o negócio objeto da mediação, sem que esse negócio se concretize, não sendo a ausência de resultado imputável ao cliente, não é considerada uma atividade que, só por si, aporte alguma vantagem ou benefício para o cliente.

II. Se da atividade desenvolvida pela Autora não foi alcançado nenhum dos resultados a que o pagamento da retribuição estava condicionado, não faz qualquer sentido que, por força da nulidade do contrato, a Autora possa obter aquilo a que não teria direito se o contrato fosse válido.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA


ENTRE


LEILOEIRA DO LENA, UNIPESSOAL LDª
(aqui patrocinado por AA, adv.)

Autora / Apelante / Recorrido

CONTRA

BB

(aqui patrocinado por CC, adv.)

Réu / Apelado / Recorrente



I – Relatório

A Autora intentou a presenta acção pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 95.681,04 € a título de indemnização por incumprimento contratual, e juros moratórios.

     Para fundamentar tal pedido alega que celebrou com o Réu um contrato que veio a caracterizar como de prestação de ‘serviços preparatórios de realização de uma venda’ que, não obstante não ter dado origem a qualquer transação imobiliária, se foi indevidamente prolongando no tempo, vindo a Autora a incorrer em despesas no montante peticionado com deslocações, reuniões e promoções, por incumprimento por banda do Réu dos seus deveres de lealdade e informação.

    O Réu contestou invocando a nulidade do contrato por falta de forma, a ilegitimidade activa e passiva, e por impugnação.

   No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva.

    A final foi proferida sentença que qualificou como de mediação imobiliária o contrato celebrados entres as partes, o qual se caracteriza (regra geral, e sem que no caso ocorra nenhuma das previstas excepções a essa regra) por a remuneração só ser devida havendo lugar à concretização da transacção visada; não tendo a transacção realizada decorrido da actuação da Autora não havia obrigação de pagar qualquer remuneração; como não se verifica qualquer obrigação de indemnizar em função da violação dos deveres acessórios uma vez que não ficou provada essa violação; ademais o contrato sempre havia de ser considerado nulo por falta de forma; e não assistindo à Autora direito a qualquer quantia na eventualidade da validade do contrato, não lhe assistirá igualmente tal direito a título de restituição do que haja sido prestado; tendo julgado a acção improcedente.

    Inconformada apelou a Autora, impugnando a matéria de facto e invocando erro de julgamento na qualificação do contrato e, ainda que assim não fosse, que a declaração de nulidade sempre implicaria a devolução do que houvera sido prestado.

    A Relação manteve inalterada quer a matéria de facto quer a qualificação do contrato como de mediação imobiliária e a sua invalidade formal; no entanto, considerando que a nulidade implica ‘a repristinação das coisas no estado anterior ao negócio’ e que ‘no estado anterior ao negócio a Autora não tinha realizado as despesas que veio a realizar’ pelo que ‘a reposição das coisas no estado anterior à realização do contrato apenas se logra se a Autora for reembolsada daquelas despesas’, condenou “o Réu a restituir à Autora o valor correspondente às despesas por esta suportadas com as diligências realizadas no âmbito do contrato celebrado com o Réu, em montante a liquidar e até ao máximo de € 95.681,04,a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação”.

   Agora irresignado veio o Réu interpor recurso de revista concluindo pela nulidade do acórdão por condenação em objecto diverso (artigo 615º, nº 1, al. e), do CPC) e que, na inexistência de nexo de causalidade entre a actividade da Autora e a realização do negócio, nada há a restituir.

     Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

     O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (artigo 40º do CPC).

    Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639º do CPC)

    O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

    Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

     Destarte, o recurso merece conhecimento.

      Vejamos se merece provimento.           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

    De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

    Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

    Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

 - da nulidade do acórdão;

- se há lugar a restituição do prestado.


III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

1. Factos Provados:

1.1. A autora é uma sociedade comercial com o seguinte objeto social: “Leilões judiciais e particulares, avaliações, administração, compra e venda de propriedades. Compra, administração, gestão e alienação de imóveis, próprios e alheios, compra de prédios e a revenda dos adquiridos para esse fim, incluindo o arrendamento, estudo e elaboração de projetos relacionados com a atividade imobiliária, urbanizações e loteamentos, respetiva venda e administração e prestação de serviços conexos.

1.2. Em finais de 2012 a autora, na pessoa do seu legal representante, DD, e o réu, acordaram no sentido de a autora arranjar comprador para uns imóveis situados na freguesia ..., concelho ....

1.3. Nesse âmbito, a autora foi solicitando informações ao réu para poder fornecer as informações que entendia necessárias a potenciais interessados.

1.4. O réu, por seu turno, foi fornecendo as informações que lhe eram solicitadas.

1.5. A autora diligenciou pela realização de visitas aos imóveis.

1.6. A 4 de Março de 2016 a autora informou o réu de que os interessados tinham achado os montantes excessivos, mas que remeteriam proposta dentro dos parâmetros que consideravam razoáveis.

1.7. Em simultâneo, a autora continuava a diligenciar pela obtenção de novos interessados e a agendar novas visitas.

1.8. Bem como a esclarecer dúvidas por parte dos interessados.

1.9. Contudo, a autora continuava a informar o réu de que os potenciais interessados consideravam o valor dos imóveis excessivo.

1.10. A autora publicitou os imóveis no seu site.

1.11. A 23 de Setembro de 2016 a autora informou o réu de que tinham sido colocados entraves à realização das visitas por parte do caseiro, EE.

1.12. Algum tempo após tal mensagem de correio-electrónico, o réu informou o gerente da autora de que parte dos comproprietários tinham apresentado, em parceria com terceiros, uma proposta para adquirir os imóveis por um valor que o réu achava interessante.

1.13. Como tal, deveria a autora considerar suspensa a diligência de venda dos imóveis até que esses interessados concretizassem o negócio.

1.14. A 23 de Fevereiro de 2017 a autora, não tendo mais informações do réu, solicitou-lhe informações relativas à situação dos imóveis.

1.15. A 27 de Fevereiro de 2017, atenta a falta de resposta do réu, foi reiterado o pedido anteriormente feito pela autora, tendo esta manifestado a urgência que o gerente tinha em falar com o réu.

1.16. Nesse mesmo dia a autora deu conhecimento ao réu de que tinha um potencial comprador para os imóveis e que queria reunir com o réu.

1.17. A 1 de Março de 2017 o réu informou que o ponto da situação se mantinha e que parte dos comproprietários se apresentaram em parceria com terceiros com uma proposta para adquirir as outras partes.

1.18. Informou ainda que entre a semana a que se reportava aquela mensagem de correio-electrónico e a subsequente estaria em condições de verificar a concretização do negócio ou de continuar no mercado com os potenciais interessados da autora.

1.19. A 15 de Março de 2017 a autora contactou novamente o réu, solicitando que informasse se existiam desenvolvimentos.

1.20. Aludiu ainda a autora que existia um potencial comprador insatisfeito, porquanto seria possível que os imóveis já estivessem vendidos, tendo solicitado ao réu que este confirmasse tal facto.

1.21. A 16 de Março de 2017 o réu informou que ainda não estavam vendidos, mas que estavam num avançado estado de negociação.

1.22. Não obstante, nesse mesmo dia autorizou a autora a fornecer o seu contacto a um potencial comprador.

1.23. A 27 de Março de 2017 a autora voltou a entrar em contacto com o réu, tendo solicitado informações, uma vez que tinham dois potenciais compradores interessados na aquisição dos imóveis.

1.24. Nessa data a autora manifestou também desconforto quanto à posição que tinha naquele momento.

1.25. A 10 de Maio de 2017, a autora solicitou ao réu que se pronunciasse quanto à aquisição da herdade, uma vez que tinham um interessado em oferecer seis milhões de euros, tendo a autora uma comissão de 5% no negócio.

1.26. Nesse mesmo dia o réu informou que o negócio estava a ter uma solução interna.

1.27. A 11 de Maio de 2017 a autora solicitou esclarecimentos, uma vez que a mensagem de correio-electrónico do réu não tinha sido esclarecedora.

1.28. Nesse mesmo dia o réu respondeu, dizendo que “em finais de 2012 princípios de 2013, após ter conhecido (…) o Sr. DD, proprietário da sociedade “Leiloeira do Lena” abordei, em conversa informal, o interesse em colocar em venda propriedades agrícolas no ... - ...(s) - em que era comproprietário com uma quota de 1/6, pelas razões oportunamente colocadas.

Dessa conversa surgiu o interesse e a disponibilidade por parte do Sr. DD para promover a referida venda, sem, contudo, existir, ou sequer ser pressuposto, qualquer vínculo contratual formal ou temporal, muito menos o vínculo de exclusividade.

Apenas o de idoneidade, ou seja, caso a intermediação fosse direta ou indiretamente promovida pelo Sr. DD ou pela sua sociedade, haveria o compromisso e garantia de nessa venda intermediada nas condições descritas, haver lugar ao pagamento dos serviços prestados.

Havia confiança e interesses mútuos, um, para o risco de através da sua atividade comercial corrente, de utilizar os seus meios, nomeadamente os financeiros, e promover junto dos seus potenciais clientes ou interessados, a referida venda e, na concretização, ressarcir os riscos e receber a sua intermediação, outro, para cumprir com o pagamento da intermediação, caso a referida venda fosse direta ou indiretamente promovida pelo primeiro. Ocorre que, infelizmente para ambos, e com o quadro de vínculo atrás descrito, a concretização do negócio das herdades, não teve qualquer intervenção direta ou indireta do Sr. DD ou da “Leiloeira do Lena”, pelo que o alegado interesse económico e financeiro da sua exposição não terá razões de existir, pois no negócio efetuado, nem de forma alguma intervieram, contactaram, promoveram, ou contribuíram para a sua realização”.

1.29. A autora exerce a sua atividade com orientação para o lucro.

1.30. A autora realizou diligências no sentido de conseguir a venda dos imóveis. 1.31. A autora não tinha a exclusividade na venda.

1.32. A venda dos imóveis foi registada a 29 de Março de 2017.

1.33. Nessa data o réu não avisou a autora da venda dos imóveis.

1.34. A autora reuniu duas vezes com o autor, reuniu com potenciais clientes, efetuou uma deslocação aos imóveis para tirar fotografias e nove deslocações para os visitar com clientes, com o que teve despesas de deslocação.

1.35. Sobre os prédios para os quais o autor queria arranjar comprador encontrava-se em execução um contrato de exploração cinegética e a atribuição de subsídios agrícolas através do IFAP.

1.36. Relativamente a um dos prédios para os quais o autor queria arranjar comprador, sito em ..., também se encontrava em negociação com a ... o aumento da área de regadio.

1.37. Atento o que se refere em 1.35. e 1.36., o réu não queria a divulgação pública da alienação dos prédios.

1.38. O réu, ao ter conhecimento por um confinante da publicidade da venda dos imóveis com o respetivo nome (“Herdade ...” e “Herdade ...”) no “site” da autora, logo demostrou junto do DD o seu desagrado, exigindo a retirada imediata da identificação dos prédios dessa publicitação, o que veio a acontecer.

1.39. Em finais do ano de 2012, no âmbito de outro assunto em que ambos eram interessados, o réu referiu ao DD que existiam propriedades da sua família no ... (...) e que estavam a pensar, o réu e demais familiares, em aliená-las, se surgisse uma oferta que entendessem ajustada.

1.40. Também transmitiu que alguns dos proprietários demonstravam um interesse reduzido na venda, pelo que a mesma até poderia não acontecer.

1.41. O DD, na qualidade de gerente da autora, disponibilizou-se para, mesmo nessas circunstâncias, tentar conseguir um comprador para esses imóveis.

1.42. Nessa conversa ficou clarificado não só que existia uma sociedade arrendatária que detinha o direito de preferência na venda e que, mesmo que tal não acontecesse, os familiares do autor (proprietários em comum dos imóveis), também poderiam exercer esse direito.

1.43. No caso de a autora obter comprador e de o negócio se concretizar com esse comprador, o réu estava na disposição de a remunerar através de montante que não foi concretizado.

1.44. O réu apenas representava o quinhão da sua mãe que correspondia a 1/3 da totalidade dos prédios e, após o seu falecimento, 1/6.

1.45. Nunca foi colocada pelo réu a possibilidade da publicitação da venda em “site” da autora.

1.46. O DD sabia que uma eventual venda dependia da vontade de todos os interessados e não só do réu.

1.47. O réu respondeu aos e-mails que lhe foram remetidos pela autora, fornecendo os elementos sobre as propriedades que lhe foram solicitados, partindo do princípio que se destinavam a ser transmitidos a eventuais interessados para, se fosse esse o caso, apresentarem propostas de aquisição.

1.48. Na atividade desenvolvida pelo DD através da autora, normalmente, havendo leilão, qualquer comissão é paga por quem compra.

1.49. Os demais proprietários dos imóveis não conheciam o DD ou a autora.

1.50. A alienação dos prédios acabou por se verificar à sociedade arrendatária, no exercício do seu direito de preferência.

1.51. O réu não transmitiu de imediato a venda ao DD a pedido da compradora, com o argumento de que existiam situações pendentes que pretendia solucionar antes da publicitação do negócio (trabalhadores e contrato cinegético em execução).

1.52. O DD solicitou ao réu que permitisse uma deslocação ao local dos prédios pelo seu irmão – FF – para os visualizar e fotografar.

1.53. Tal visita não foi facilitada pelo funcionário agrícola dos prédios, o que provocou desagrado ao DD.

1.54. Assim, foi estipulado que qualquer visita posterior deveria ser comunicada ao réu por e-mail com a indicação da data e hora pretendida, garantindo-se, assim, a prévia indicação ao encarregado agrícola para que a acompanhasse, o que passou, invariavelmente, a acontecer.

1.55. O gerente da autora e os seus funcionários deslocaram-se aos prédios com autorização do réu e da gerência da sociedade arrendatária nos dias 04.02.2015, 23.02.2015, 26.02.2015, 06.11.2015, 18.02.2016, 03.03.2016, 14.04.2016, 19.05.2016 e 16.09.2016.

1.56. A autora exerce a atividade a que se alude em 1.1. 1.57. Nunca chegou a ser realizado qualquer leilão.

2. Factos Não Provados:

2.1. A publicitação dos imóveis a que se alude em 1.10. verificou-se ao longo de 3 anos.

2.2. A autora teve custos com a publicitação dos imóveis a que se alude em 1.10.

2.3. Autora e réu acordaram que se os imóveis fossem vendidos através de interessado apresentado pela autora, os custos com a promoção e publicitação dos imóveis seriam absorvidos pela comissão; e se os imóveis fossem vendidos a outro interessado, o réu teria de ressarcir a autora pelos custos em que esta incorreu.

2.4. As conversas que o réu manteve sempre foram com o DD em nome individual e não como gerente da autora.

2.5. O réu sempre informou o DD que não pretendia ver qualquer leiloeira envolvida no assunto, porquanto esse facto transmitia aos potenciais interessados uma necessidade na venda que, de forma alguma, existia.

2.6. Na ocasião a que se alude em 1.39. e 1.40., o réu também transmitiu que a situação descrita em 1.40. poderia implicar que o réu tivesse, previamente, que interpor uma ação de divisão de coisa comum com vista à definição definitiva dos titulares do direito de propriedade e que possibilitasse, só assim, a realização da alienação dos imóveis.

2.7. O DD sabia e sempre teve a consciência de que não seria ressarcido pelo réu de qualquer despesa que viesse a efetuar no âmbito dos contatos que se dispôs efetuar.

2.8. A percentagem de 5% referida no e-mail datado de 10.05.2017 nunca foi anteriormente falada e aceite pelo réu.

2.9. Pelo motivo referido em 1.56., a autora propôs ao réu a celebração de um contrato de prestação de serviço de leilão, o qual nunca foi reduzido a escrito porquanto o réu não quis.


IV – O direito

  Invoca o Réu a nulidade do acórdão por o mesmo se pronunciar acerca de objecto diverso do pedido uma vez que este consistia em indemnização decorrente do incumprimento contratual dos deveres acessórios (cuja existência, aliás, não foi reconhecida) e o acórdão decidiu sobre a reconstituição do prestado em função da nulidade, ou seja, coisa diversa do que era o objecto da acção.

    Mas sem fundamento.

   Com efeito, o objecto da acção consistia na apreciação do direito a uma atribuição patrimonial no montante de 95.681,04 (efeito útil pretendido) em virtude do incumprimento contratual decorrente do circunstancialismo em que se desenrolou uma concreta relação negocial (causa de pedir). O modo como desse quadro circunstancial se extrai o incumprimento – se da violação da boa-fé, se da violação dos deveres acessórios – não releva como diferenciador do objecto do processo, que se mantém o mesmo, mas apenas ao nível da integração jurídica da base factual atendível.

Como igualmente não se extravasa o âmbito do objeto do processo se se aprecia a existência de uma causa de invalidade da relação negocial invocada bem como as consequências de tal invalidade, conforme a doutrina estabelecida no Assento nº 4/95 (DR, I-A, 17MAI1995).

   Conclui-se, assim, pela não ocorrência da invocada nulidade.


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    Sobre a problemática do dever de restituição em função da declaração de nulidade do contrato de mediação imobiliária pronunciou-se este Supremo Tribunal em acórdão proferido em 29ABR2021 (Proc. 5722/18.7T8LSB.L1.S1) nos seguintes termos.


«(…) o artigo 289.º do Código Civil determina que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Tenha-se presente, no entanto, que se a atividade prestada não corresponde a qualquer benefício da contraparte, esse dever de restituição não existe. Não pode ser restituído aquilo que não se recebeu.
É isso que, por vezes, sucede nas situações de nulidade dos contratos de mediação.
As especiais caraterísticas da prestação do mediador no contrato de mediação e da sua sinalagmaticidade, colocam algumas dificuldades no apuramento do âmbito do dever de restituição, perante um contrato de mediação nulo.
Num contrato de mediação com exclusividade, conforme resulta do disposto no artigo 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, apesar da prestação a que a mediadora se obriga ser uma prestação de meios, a obrigação de retribuição, a cargo do cliente, está condicionada à obtenção de resultados: a concretização do negócio visado pelo contrato de mediação ou do contrato-promessa a ele relativo, com interessado angariado pela mediadora, ou a mera angariação de interessado no negócio, não se concretizando este por causa imputável ao cliente [Sobre a sinalagmaticidade das prestações no contrato de mediação, CARLOS LACERDA BARATA, Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Almedina, 2002, pág. 202-203, ANTÓNIO MENEZERS CORDEIRO, Do Contrato de Mediação, O Direito, Ano 139 (2007), n.º 3, pág. 550-552, HIGINA ORVALHO CASTELO, O contrato de mediação, cit. pág. 406-412, FERNANDO BAPTISTA, (Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, 2019), pág. 118-131, e MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, O Contrato de Mediação e o Direito do Mediador à Remuneração, 13.07.2017, na Revista de Direito Comercial on-line.].
Daí que, mesmo que a mediadora desenvolva toda uma atividade no sentido de se realizar o negócio pretendido pelo cliente, se o negócio não se concretizar por causa que não seja imputável a este, não é devida qualquer retribuição. Como se disse no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.04.2008 [Proferido no Processo n.º 4498/07, relatado por Santos Bernardino, acessível em www.dgsi.pt, assim como todos os acórdãos aqui citados.]: esta é uma fatalidade com que as empresas de mediação, que são comerciantes, que exercem uma actividade comercial numa economia de mercado, têm de viver, e é nesse pressuposto que a desempenham, sendo que as percentagens cobradas sobre o valor das vendas que ajudam a concretizar têm já em conta o risco normal, a álea que é inerente a essa actividade , acautelando as situações em que o contrato de mediação não proporciona a correspetiva remuneração e apenas redunda na realização de despesas estéreis e inúteis.
A atividade desenvolvida pela mediadora, com vista à angariação de interessados para o negócio objeto da mediação, sem que esse negócio se concretize, não sendo a ausência de resultado imputável ao cliente, não é considerada uma atividade que, só por si, aporte alguma vantagem ou benefício para o cliente.
Daí que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, num caso de nulidade de um contrato de mediação em que o negócio mediado não se concretizou, se tenha recusado a ordenar a restituição de qualquer valor à mediadora, por força do efeito retroativo da nulidade contratual [O mesmo fizeram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2008, Proc. 3945/05 (Rel. João Bernardo), inédito, e de 27.05.2010, no Proc. n.º 9934/03, (Rel. Hélder Roque), sendo essa posição também sufragada por FERNANDO BAPTISTA, ob. cit., pág. 86-87.]. Já quando o negócio mediado se concretiza por ação da mediadora, a nulidade do contrato pode dar origem ao dever de o cliente “restituir” o resultado bem sucedido da atividade da mediadora, pagando um valor equivalente à retribuição acordada [HIGINA ORVALHO CASTELO, Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, 05.07.2020, na Revista de Direito Comercial on-line, FERNANDO BAPTISTA, ob. cit., pág. 84-86, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.04.2004, Proc. 04A800 (Rel. Azevedo Ramos), de 11.02.2010, Proc. 2044/07 (Rel. Pereira da Silva) inédito, e de 19.04.2012, Proc. 1634/05 (Rel. Álvaro Rodrigues) inédito].»

  Aplicando tal entendimento, que por inteiro se sufraga, ao caso dos autos desde logo se vislumbra não haver lugar a qualquer restituição das despesas incorridas uma vez que não se verificando qualquer nexo causal entre a actividade da Autora e a realização do negócio, não há prestação de relevo (valiosa) de actividade ao Réu susceptível de retribuição.


V – Decisão

  Termos em que se concede a revista, revogando a decisão recorrida e repristinando a sentença da 1ª instância.

   Custas, aqui e nas instâncias, pela Autora.

                                                                                  

Lisboa, 23JUN2022

Rijo Ferreira (relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista