Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2139/12.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO
TRIBUNAL COMUM
EXECUÇÃO FISCAL
BANCO
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
PROCESSO PENDENTE
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ABSOLVIDA A RÉ DA INSTÂNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES DO TRIBUNAL / TRIBUNAL / GARANTIAS DA COMPETÊNCIA –PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / EXTINÇÃO E ANULAÇÃO DA EXECUÇÃO.
Doutrina:
-João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, Edições Ática, 183 a 188;
-Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, Volume III, anotação 3 ao art. 148.º, 28 a 30 ; anotação 2 ao art. 204.º, 442.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 96.º, ALÍNEA A), 97.º, N.º 1, 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 846.º, N.ºS 4 E 5.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º E 20.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT), APROVADO PELO DL N.º 433/99, DE 26-10: - ARTIGOS 2.º, ALÍNEA E), 6.º, N.ºS 2 E 3, 10.º, N.º 1, ALÍNEA F), 151.º, N.º 1 E 204.º.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 49.º, N.º 1, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


- DE 15-01-1997, PROCESSO N.º 18.785, IN DR DE 14 DE MAIO DE 1999, HTTP://WWW.DRE.PT/PDFGRATISAC/1997/32210.PDF, 21 A 25;
- DE 14-10-2009, PROCESSO N.º 0851/09;
- DE 14-07-2010, PROCESSO N.º 0231A/10);
- DE 25-01-2012, PROCESSO N.º 01188/11;
- DE 14-03-2012, PROCESSO N.º 0114/12;
- DE 12-04-2012, PROCESSO N.º 0536/11;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 0193/14;
- DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 073/17, TODOS ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A CGD gozou da possibilidade de cobrar mediante execução fiscal as dívidas originadas em relação de direito privado, designadamente as dívidas comerciais de que fosse credora no exercício da sua actividade comercial (art. 61.º, n.º 1, do DL n.º 48 953, de 05-04-1969, na redacção do art. 17.º do DL n.º 693/70, de 31-12, e art. 159.º, n.º 1, do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 664/70, de 31-12).

II - Essa possibilidade ficou arredada, após as alterações introduzidas pelo n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 241/93, de 08-07, e após a alteração introduzida no estatuto da CGD pelo DL n.º 287/93, de 20-08, segundo as quais, a CGD, até então denominada “Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência”, passou a ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, denominada “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (cfr. art. 1.º do referido diploma legal).

III - Não obstante, o art. 9.º, n.º 5, do DL n.º 287/93, de 20-08 manteve essa possibilidade no tocante aos processos pendentes à data.

IV - Tendo a execução sido instaurada antes da entrada em vigor do DL n.º 287/93, de 20-08, aplica-se ainda aquele regime de cobrança anteriormente previsto no CPT e actualmente no CPPT (cfr. art. 10.º do DL n.º 433/99, de 26-10, que aprovou o CPPT), radicando, portanto, nos tribunais tributários a competência para proceder à cobrança coerciva da dívida à CGD, não obstante a natureza civilística da mesma.

V - Tendo sido pagas, no âmbito deste processo executivo, diversas importâncias e entendendo os autores (ali executados) que já haviam pago o suficiente para solver a dívida exequenda, juros e demais encargos, deveriam pedir a sustação da execução e o apuramento/liquidação da sua eventual responsabilidade (arts. 846.º, n.os 4 e 5, do CPC, e 2.º, al. e), do CPPT).

VI - Discordando dessa liquidação, nomeadamente quanto aos juros ou quaisquer outros encargos cobrados, deveriam colocar a questão perante o tribunal tributário territorialmente competente, ao qual cabe, nos termos dos arts. 49.º, n.º 1, al. d), do ETAF, 10.º, n.º 1, al. f), 151.º, n.º 1, do CPPT, e 6.º, n.os 2 e 3, do DL n.º 433/99, de 26-10, conhecer de qualquer incidente de natureza jurisdicional, suscitado em execução fiscal.

VII - O tribunal judicial é absolutamente incompetente para a acção proposta pelos ali executados contra a CGD, com vista a obter a “declaração de que já pagaram à ré as importâncias emergentes do referido mútuo hipotecário, nada mais sendo por eles devido, e a condenação da ré a devolver-lhes a quantia de € 6 955,94, bem como todas as importâncias que recebam por conta do mútuo hipotecário a partir da instauração da acção (07-11-2012), acrescidas de juros à taxa legal a partir da citação, e o cancelamento do registo da hipoteca e penhora da fracção autónoma dada em garantia”.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Caixa Geral de Depósitos, SA, alegando, em síntese, que:

No dia 24/09/1982, celebraram com a ré um contrato de empréstimo (mútuo com hipoteca) destinado à aquisição de uma fração, nos termos do qual se confessaram devedores à mesma da quantia de €7.980,77 (1.600.000$00), a amortizar em 300 prestações mensais.

Foi estabelecido entre os outorgantes que a taxa de juro contratual seria a máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações, sendo inicialmente de 26%, suportada pela forma seguinte: pelos mutuários, 22,25%; pela Caixa mutuante, 1 % e pelo Banco de Portugal, 2,75%.

Para garantia desse empréstimo, respectivos juros e despesas, os autores constituíram hipoteca sobre a referida fração "D", cave esquerda do prédio urbano sito no Impasse …., lote n.° 3, no lugar de …., freguesia de … — Cacém.

O conteúdo do contrato foi apresentado aos autores num formulário pré-elaborado e não sujeito a discussão ou a alteração, que os autores se limitaram a subscrever.

Não existe qualquer cláusula inserida no contrato que permita à ré considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação decorrente do contrato e quando subscreveram o contrato desconheciam as consequências que o não pagamento atempado das prestações lhes acarretaria.

Não pagaram à ré a 1ª prestação contratual, nem nenhuma outra subsequentemente vencida.

Em Setembro de 1987, foi instaurada execução fiscal para cobrança coerciva da quantia exequenda no valor de 3.138.278$00 (€15.653,66), acrescidos de juros vincendos computados a partir de 08/03/1986, tendo sido aplicada, entre 8/11/82 e 8/3/86, a taxa de juro de 28,86% sobre os 1.600.000$00.

No âmbito do processo de execução, foi penhorada a fração autónoma dada de hipoteca.

Segundo o Serviço de Finanças de Loures 4, em 16/02/2012 a importância em falta para a liquidação da dívida exequenda ascendia a €9.162,72 euros, tendo já sido penhorada a quantia de €16.485,53.

A taxa de juros que foi aplicada no capital que precede foi de cerca de 30,4%.

A ré jamais teve em conta que as taxas máximas legalmente admitidas foram, sucessivamente, decrescendo e, desde 08/11/1982 e até hoje, a ré e o Serviço de Finanças de Loures continuam a calcular juros moratórios a uma taxa igual ou superior a 28%.

Apesar das quantias já entregues pelos autores à data de 30/10/2012, a ré continua a reclamar dos autores a importância de €54.039,12, continuando a pugnar por uma taxa de juros moratórios de 28% sobre um capital que inclui juros capitalizados.

Tendo em conta as quantias já entregues e as taxas de juros moratórios máximas a aplicar sucessivamente ao mútuo em causa nos autos, os autores já nada devem, devendo ser-lhe restituída a quantia já paga em excesso.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir:

a) a declaração de que já pagaram à ré as importâncias emergentes do referido mútuo hipotecário, nada mais sendo por eles devido;

b) a condenação da ré a devolver-lhes a quantia de €6 955,94, bem como todas as importâncias que recebam por conta do mútuo hipotecário a partir da instauração da acção (07/11/2012), acrescidas de juros à taxa legal a partir da citação;

c) o cancelamento do registo da hipoteca, sobre a fração urbana "D" melhor identificada nos autos, hipoteca essa efetuada através da AP. 60 de 1…2/04/22 e da penhora, da mesma fração "D", efetuada através da AP. 3…6 de 13/09/2010.

A ré contestou, excepcionando o caso julgado, abuso de direito e falta de interesse em agir, e impugnando também a versão factual dos autores, contrapondo, em resumo, que:

O contrato celebrado não é de adesão, tendo sido celebrado por escritura pública e as respetivas condições foram negociadas entre as partes.

Os autores nunca pagaram qualquer prestação das acordadas e a taxa de juro aplicada entre 08/11/1982 e 08/03/1986 é de 28% sobre o capital de Esc. 1.600.000$00, conforme acordado entre as partes.

A taxa de juro era fixa — 28% (26% + 2%) - e os juros podem ser capitalizados.

As quantias recebidas no âmbito da execução fiscal foram imputadas à quantia exequenda encontrando-se ainda em dívida, em 05/12/2012, a quantia de €59.318,98, concluindo, desse modo, pela improcedência da acção.

Os autores replicaram a pugnar pela improcedência das excepções.

Foi proferido saneador a julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado, reportada a alegados pagamentos efetuados pelos autores em datas anteriores à instauração da execução fiscal que lhes foi movida e improcedente no que concerne a alegados pagamentos efetuados pelos mesmos em datas posteriores à instauração da execução fiscal, bem como à alegada incorreção do cálculo de juros moratórios por ela efetuado no âmbito do mesmo contrato.

Foi igualmente julgada improcedente a exceção dilatória invocada pela ré de falta de interesse em agir.

Fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, que mereceram reclamação dos autores não atendida, apresentaram estes articulados supervenientes, que foram admitidos.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença (21.10.2015) que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.

Discordando dessa decisão, apelaram os autores, com ampliação do seu objecto por parte da ré, tendo a Relação de …, na parcial procedência do recurso e total improcedência da ampliação do seu objecto, revogado parcialmente o sentenciado em 1ª instância e decidido:

1 - Julgar parcialmente procedente o pedido formulado na alínea a) do pedido, declarando que os autores pagaram à ré, por conta do empréstimo referido nos autos, as quantias apuradas nos factos provados nos pontos 15, 16, 33 e 35 dos factos provados;

2 - Absolver a ré em relação ao pedido formulado sob a alínea b) do pedido, condenando-a, porém, a reconhecer que, por força do incumprimento dos autores, o contrato de mútuo referido nos autos vence juros de mora nos termos referido neste acórdão, relegando-se para liquidação de sentença o apuramento das taxas de juros moratórios e respetivo valor devido a esse título desde 08/11/1982 até 07/11/2012;

3 - Absolver a ré do pedido formulado sobre a alínea c) do pedido.

Inconformados, interpuseram recursos de revista a ré e os autores, estes subordinadamente, tendo a primeira finalizado a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1. 0 mútuo em apreço foi contratado ao abrigo do Decreto-lei 435/80 de 02/10.

2. Nos termos contratuais foi estipulado que "A taxa de juro contratual será a máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações; sendo inicialmente de vinte e seis por cento ao ano".

3. À data da celebração do mútuo e à data do incumprimento encontrava-se em vigor o Aviso 2/83, de 20 de Abril de 1982, que definiu a taxa de juros máxima de 26%.

4. Como refere e bem o Acórdão recorrido, estas cláusulas e normas referem-se aos juros remuneratórios.

5. Assim, a taxa de juros remuneratórios aplicável ao contrato era variável, sendo a máxima legal em cada momento em vigor, sendo fixada no momento do vencimento da prestação.

6. Quanto aos juros de mora o art. 19º do Decreto-lei 435/80, de 2 de Outubro, prevê que em caso de mora e durante a mesma incidirá sobre a prestação ou prestações vencidas a taxa de juro contratual em vigor, acrescida de 2%.

7. A taxa de juros moratórios não foi indexada de forma variável à taxa de juros contratual, nos termos pretendidos pelo Acórdão recorrido.

8. De acordo com o normativo legal invocado, não se prevê que ao longo da duração da mora, deva o Banco ir contabilizando as diversas taxas de juros remuneratórios, mas somente verificar à data em que se verifica a mora qual a taxa contratual em vigor e aplicar durante todo o tempo que perdurar tal mora sendo essa taxa acrescida de 2%.

9. É este o sentido do disposto no art. 19º do Decreto-lei 435/80 de 2 de Outubro.

10. Assim, como os Autores incumpriram o pagamento do empréstimo logo na 1ª prestação - 8/10/1982, nunca tendo pago qualquer prestação do empréstimo, verifica-se que a esta data era aplicável a taxa de 26%.

11. Pelo exposto, foi bem aplicada a taxa de juros de mora de 28%.

12. No contrato de mútuo, não foi prevista qualquer alteração da taxa de juros moratórios, pelo que tendo sido declarado vencido por incumprimento do pagamento da 1ª prestação, a taxa de juros de mora é de 28%.

13. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. 01B4403, de 07/02/2002.

14. Termos em que decidindo diferentemente violou o Acórdão recorrido o disposto no art. 19º do Decreto-lei 435/80, de 2 de Outubro.

15. Nos termos da art. 17º do Decreto-lei 435/80 de 2/10 prevê-se a capitalização de juros.

16. A Recorrente pode igualmente capitalizar juros atento o disposto nos arts. 14º e 16º do Decreto-lei 459/83, de 30 de Dezembro e legislação subsequente, nomeadamente Decreto-lei 328-B/86 de 30 de Setembro e Decreto-lei 344/78, de 17 de Novembro.

17. Não resulta do regime invocado e aplicável ao contrato dos autos qualquer necessidade de acordo prévio para tal capitalização, nem qualquer exigência de interpelação.

18. E assim militam os usos bancários.

19. Os usos comerciais bancários são maioritariamente afirmados pela doutrina e jurisprudência no que respeita à capitalização de juros no domínio bancário.

20. Os usos, com a dimensão do referido, precisam tanto de ver a sua existência provada como uma lei, resultando a sua existência da mera existência de comportamentos concludentes dos envolvidos - bancos e clientes - aceites pela doutrina e jurisprudência, como é o caso.

21. Ainda que tivesse aplicação a doutrina do Acórdão, segundo o qual só com o Decreto-Lei n.º 344/78, na redação do Decreto-lei n.º 83/96 e o Decreto-Lei n.º 58/2013 passou a ser prevista a capitalização dos juros de mora, o que não se aceita, sempre tais diplomas teriam aplicação logo que publicados, pelo que, pelo menos a partir de 1996 os juros moratórios do contrato dos autos podiam ser capitalizados.

22. Termos em que decidindo que a Recorrente não poderia capitalizar juros, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 17º do Decreto-lei 435/80 de 2/10 e também o disposto nos arts. 14º e 16º do Decreto-lei 459/83, de 30 de Dezembro e legislação subsequente, nomeadamente Decreto-lei 328-B/86 de 30 de Setembro e Decreto-lei 344/78, de 17 de Novembro.

Por sua vez, os autores remataram a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido considerou que a taxa de juros moratórios deve ser apurada em liquidação de sentença, sem prejuízo das quantias pagas pelos autores e comprovadas nestes autos, de harmonia com os pontos 15, 16, 33 e 35 dos factos provados, as quais devem ser atendidas em termos de apreciação do pedido formulado sob a alínea a).

2. As quantias pagas em sede de execução fiscal por conta do mútuo hipotecário encontram-se descritas no acórdão recorrido, sob os factos provados 15, 16, 23, 33, 34 e 35.

3. O douto acórdão recorrido não atendeu, talvez por mero lapso, ao valor constante do facto provado sob 34., a quantia global de €102 780,98, que - até 7 de Julho de 2015 - foi depositada à ordem dos autos de execução fiscal aludidos em 11 dos factos provados.

4. Ora, tal quantia engloba as quantias referidas sob os factos provados 15, 16 e 33.

5. Dos factos provados em 34 e 35 do acórdão sob recurso, resulta que as importâncias depositadas à ordem dos autos de execução fiscal n.ºs 34…7 ou 34…47 do 4.° Serviço de Finanças de Loures, proveniente dos pagamentos aludidos em 15. e 16., de descontos na pensão do executado e da quantia depositada pela ré na sequência aquisição pela mesma da fracção penhorada à ordem dos aludidos autos se cifravam, em 28 de agosto de 2015, na quantia global de 104.127,38 euros (= €102.780,98, facto provado 34+673,20€+673,30€, facto provado 35).

6. Sendo a ré uma instituição financeira cujo escopo é a realização de operações mercantis relacionadas com dinheiro, é apodítico que deve ter, em cada momento, um conhecimento claro dos créditos (capital e juros) que lhe são devidos.

7. Na execução fiscal em alusão, em benefício do banco réu, este reclama e cobra montantes - a apurar em liquidação de sentença - que exorbitam os que lhe são devidos, não informando, como devia, o processo de execução fiscal que já recebeu os créditos que lhe são devidos, pelo que se deve considerar que a falta de liquidez lhe é imputável para os efeitos do n.°3 do art.° 805.° do Código Civil, contando-se os juros de mora desde a data da citação tal como foi peticionado, conforme o n.° 1 do antedito normativo.

8. O acórdão recorrido violou as disposições de direito substantivo que precedem.

9. Pelo que, deverá ser revogado o acórdão recorrido, devendo o segmento decisório sob 1. ser substituído por outro que declare que à ordem dos autos de execução fiscal aludidos em 11-até 28 de agosto de 2015, foi depositada a quantia global de 104.127,38 euros, valor este a ter em conta em sede de liquidação de sentença, nos termos do segmento decisório 2, condenando-se a ré a devolver aos autores os valores que se apurem terem sido pagos para além do capital e juros devidos, acrescidos de juros de mora à taxa legal sobre estes valores desde a data da citação, até efetivo reembolso.

Autores e ré ofereceram contra-alegações a pugnar pelo insucesso do recurso da parte contrária.

O relator no Supremo Tribunal de Justiça, prevenindo como possível a declaração de incompetência absoluta do tribunal judicial e de molde a evitar que tal fosse tido como decisão surpresa, proferiu o despacho de folhas 846, convidando as partes a pronunciarem-se sobre essa temática, faculdade exercida por ambas, a ré a manifestar a sua concordância (cfr. fls. 850) e os autores a pugnar pelo prosseguimento deste processo, com a apreciação dos recursos interpostos, dado que a execução fiscal que está na génese desta acção foi, entretanto, extinta pelo pagamento, não sendo já possível dirimir ali as questões suscitadas nesta acção (cfr. 852 e 853).

Foram colhidos os vistos, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

 II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1 - AA e BB, aqui Autores, casaram entre si no dia 26 de Dezembro de 1966, sem a precedência de convenção antenupcial (cfr. certidão de fls. 36 e 37).

2 - No dia 24 de Setembro de 1982, Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui Ré, e os Autores acordaram, por escritura pública, nos termos do documento que é fls. 148 a 154 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual aquela emprestou a estes, pelo prazo de 25 anos, a quantia de €7 980,77 (então de Esc. 1.600.000$00), para que adquirissem uma habitação, confessando-se os Autores desde logo devedores daquela importância à Ré e sujeitando as partes o acordo ao Dec-Lei n° 435/80, de 02 de Outubro, entretanto revogado e substituído pelo Dec-Lei n° 459/83, de 30 de Dezembro.

3 - No acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 02 foi estabelecido, entre os Outorgantes que a «taxa de juro contratual será a máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações, «sendo inicialmente de vinte e seis por cento ao ano», suportada pela forma seguinte: pelos Autores, 22,25%; pela Ré, 1 %; e pelo Banco de Portugal, 2,75%.

4 - No acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 02 foi estabelecido, entre os Outorgantes, que o empréstimo seria amortizado em 300 prestações mensais, crescentes, vencendo-se a primeira em 08 de Novembro de 1982, sendo nela a parte a cargo dos Autores de € 91,62 (então de 18.368$00).

5 - No acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 02 os Autores obrigaram-se a manter provisionada a conta de depósito à ordem de que eram titulares na Agência da Ré de …, para que fossem efectuados os débitos relativos aos pagamentos devidos, ficando ainda acordada a possibilidade de a Ré «debitar na conta do empréstimo os respectivos juros e quaisquer despesas relativas ao mesmo e a cujo reembolso tenha direitos.

6 - Para garantia do empréstimo referido nos factos anteriores, respectivos juros e despesas, os Autores constituíram hipoteca sobre a fracção «D», correspondente à cave esquerda do prédio urbano sito no Impasse …, Lote n.° 3, no lugar de …, freguesia de …, concelho de Sintra, descrita na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o n.° 6…76, a fls. 238, do L.° B-162, a que hoje corresponde a ficha n.° 6…9/20…21-D da Conservatória do Registo Predial de … (conforme certidão predial que é fls. 51 e 52 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

7 - A hipoteca referida no facto anterior foi registada a favor da Ré, na Conservatória do Registo Predial de …, através da AP. 60 de 1…2/04/22, para garantia do capital mutuado, no valor então de Esc. 1.600.000$00 (hoje, € 7.980,77), do juro anual até 24%, e despesas no então valor de Esc. 64.000$00 (hoje, € 319,23), no então montante máximo de Esc. 2.816.000$00 (hoje, € 14.046,15)

8 - No acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 02 lê-se que a «credora (...) reserva-se o direito de considerar vencido o empréstimo se o objecto da hipoteca for alienado sem o seu consentimento ou se os devedores deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do presente instrumento».

9 - Os Autores não pagaram à Ré a primeira prestação devida por conta do empréstimo referido nos factos anteriores, nem nenhuma outra subsequentemente vencida, nem mantiveram a sua conta depósito à ordem existente junto dela provisionada para tal efeito.

10 - A Ré aplicou inalteradamente ao empréstimo referido nos factos anteriores a taxa de juro de mora de 28% (26% de taxa de juros contratual + 2% de acréscimo), sobre o capital de Esc. 1.600.000$00 (€ 7.980,77), fazendo-o nomeadamente no período entre 08 de Novembro de 1982 a 08 de Março de 1986.

11 - Em Setembro de 1987, a Ré requereu ao Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância das Contribuições Impostos de Lisboa que promovesse a execução do património dos Autores (sendo os autos distribuídos em 16 de Novembro de 1987, autuados sob o n.° 5…1/87, do 10.° Juízo, e corrido termos no 4.° Serviço de Finanças de Loures, sob o n.° 34…7, ou 34…47), tendo a execução fiscal por objecto a cobrança coerciva da dívida resultante do empréstimo não pago, de que a Ré se arrogava, no montante de Esc. 3.138.278$00 (€ 15.653,66), acrescidos de juros vincendos, computados a partir de 08 de Março de 1986 (tudo conforme requerimento de instauração de execução que é fls. 53 dos autos e certidão de execução fiscal que é fls. 121 a 141 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

12 - A «NOTA DE DÉBITO» que serviu de base ao processo de execução fiscal referido no facto anterior foi passada pela Ré, considerando-se a mesma então credora de Esc. 3.138.278$00 (€ 15.653,66) - sendo Esc. 1.600.000$00 de capital, sendo Esc. 1.537.878$00 de juros de 08.11.1982 a 08.03.1986, e sendo Esc. 400$00 de despesas - ; acrescia ainda, «a partir da última data acima referida, quanto a juros, o débito agravar-se-á de 2.14301 [10,68€], por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 28%, acrescida das despesas extrajudiciais que a caixa [a CGD] efectue de responsabilidade do devedor, a liquidar oportunamente, nos termos do mesmo título e das disposições da lei», explicando-se que, de «harmonia com o Art° 7° do Decreto-Lei n° 344/78 de 17 de Novembro, aquela taxa está agravada da sobretaxa de 2% ao ano» (tudo conforme «NOTA DE DÉBITO» que é fls. 54 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

13 – No referido processo de execução fiscal, o aqui co-Autor AA não apresentou qualquer oposição à execução, ao contrário do que fez a co-Autora mulher.

14 - No processo de execução fiscal referido, foi penhorada a fracção urbana designada pela letra «D», antes dada de hipoteca pelos Autores à Ré, para garantia do empréstimo concedido por ela, sendo a penhora registada através da AP. 3…6 de 13/09/2010, para garantia de uma quantia exequenda indicada como sendo de € 128.086,98.

15 - No decurso do processo de execução fiscal referido nos factos anteriores, o co-Autor efectuou pagamentos voluntários para pagamento parcial da dívida exequenda, recebendo a Ré, por transferência bancária, o quantitativo global de € 20.864,08 (€ 15.653,66, em 18.07.2002 - conforme guia de pagamento que é fls. 64 e fls. 142 - e € 5.210,42, em 05.06.2006 — conforme documento confirmação de ocorrência de pagamento que é fls. 65 e fls. 143, que aqui se dão por integralmente reproduzidos), montante que foi imputado à dívida exequenda, com data-valor de 18.07.2002.

16 - Em 18 de Julho de 2002, para além do pagamento da quantia de € 15.653,66, por conta da dívida exequenda, o co-Autor pagou ainda a quantia de € 359,13, a título de taxa de justiça, e a quantia de € 32,34, a título de outros encargos (tudo conforme guia de pagamento já reproduzida no facto anterior).

17 - Por despacho de 20 de Julho de 2009, o Serviço de Finanças ordenou a penhora da pensão auferida pelo co-Autor marido, não tendo o mesmo deduzido qualquer oposição à dita penhora.

18 - Até 13 de Dezembro de 2012 (data de apresentação da contestação), a Ré recebeu pelo menos o montante de € 20.153,86, proveniente da penhora ordenada na pensão auferida pelo Autor.

19 - Em 23 de Outubro de 2002, o co-Autor marido apresentou à Ré a proposta de pagamento da dívida objecto do processo de execução fiscal referido nos factos anteriores, cuja cópia é fls. 144 e 145 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...)

1° O processo em causa arrasta-se há cerca de 17 (dezassete) anos sem nunca essa Caixa ou Serviço a isso destinado, ter apressado a sua evolução.

2° É o executado que vai pagar juros exorbitantes sem nada fazer para isso, e sem qualquer culpa.

3° Aliás, a fracção em causa é uma cave completamente deteriorada, antiga, com área de 78,5 m2 e valor patrimonial de 5.051,52 €.

4° Foi avaliada o ano passado em cerca de 32.422,00

Assim, e apesar de toda a ratão que lhe assiste, o mesmo vem respeitosamente propor a V. Exas., o seguinte:

1° É atribuída a fracção o valor de 51.000,00 €

2° 0 executado já pagou a quantia exequenda no valor de 15.653,66 na Repartição de Finanças do Cacém em 18/07/2002.

3° No caso de ser aceite esta proposta o executado pagaria nesse mesmo dia a importância de 11.000,00.

4° O restante - 24.346,34 €, seria pago no prazo de 20 (vinte) meses, com o desconto mensal feito na sua conta, dessa Caixa Geral de Depósitos.

Estou certo que V. Exca., concordará com esta proposta dada a ratão que me assiste, conforme todos os dados que constam no processo ai existente…(…..)».

20 - Em 20 de Novembro de 2002, o co-Autor marido apresentou à Ré um aditamento à proposta de pagamento da dívida objecto do processo de execução fiscal referido nos factos anteriores, cuja cópia é fls. 146 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

Em aditamento à minha proposta de 22 do passado mês de Outubro do corrente ano, cumpre-me informar V. Exa., que para evitar mais problemas judiciais, proponho como última proposta o valor de 53.500,00, aumentando assim mais 2.500,00 a anterior proposta.

Relativamente ao remanescente que seria pago no prazo de 20 meses, o mesmo passaria para 18 (dezoito) meses a descontar mensalmente na minha conta constituída nessa C.G. Depósitos…(..)».

21 - A Ré autorizou ao co-Autor marido a liquidação da dívida, mediante as condições que lhe comunicou em 18 de Fevereiro de 2003, constante da carta cuja cópia é fls. 147 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

Em resposta à carta de V. Exa. de 20 de novembro de 2002, informamos que, após apreciação da proposta ali apresentada, autoriza-se a liquidação do empréstimo nos seguintes termos e condições, que deverão ser cumulativamente observadas:

a) Consolidação da divida em 53.500,00 e;

b) Pagamento aí efectuado no Serviço de Finanças de Sintra — Cacém de 15.653,66 C, cujo montante se encontra já creditado em Contas a Liquidar;

c) Pagamento imediato de 11.000,00 e;

d) Pagamento do remanescente através de 18 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de 30 dias a contar desta data e as demais nos meses subsequentes, acrescidas do montante correspondente aos juros vencidos nos termos da alínea e);

e) O remanescente creditício a pagar nos termos da pretendente alínea d) vencerá juros à taxa de 7%.

f) Custas pelo proponente, incluindo as de parte, que provisionará a Caixa para o efeito;

g) O incumprimento de qualquer uma das obrigações previstas nas anteriores alíneas a) a f) implicará a ineficácia do presente plano e a imediata exigibilidade da totalidade da dívida nos termos judicialmente peticionados, naturalmente deduzida das entregas eventualmente efectuadas,…(…)».

22 - Os Autores não actuaram conforme referido no facto anterior.

23 - No processo de execução fiscal referido nos factos anteriores, a Ré adquiriu a fracção autónoma designada pela letra «D» - antes hipotecada em garantia do empréstimo que concedera aos Autores -, procedendo ao respectivo registo de aquisição pela AP. 2400 de 2013.01.29 (conforme auto de adjudicação que é fls. 201, e certidão da Conservatória de Registo Predial que é fls. 202 e 203 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

24 - As condições do empréstimo foram negociadas e acordadas entre os Autores e a Ré, não tendo sido impostas por esta, sem qualquer discussão.

25 - Aquando da negociação dos termos do empréstimo, a R., através dos funcionários do balcão respectivo, forneceu aos AA. as informações acerca das condições do mesmo e disponibilizou-se a prestar-lhes as informações e esclarecimentos que os AA. solicitassem acerca do teor do contrato em causa.

26 - Aquando da negociação dos termos do empréstimo, foi entregue ao A. um documento contendo as condições do contrato a celebrar, documento que o mesmo levou para casa, tendo lido o respectivo conteúdo.

27 - A escritura pública de celebração do empréstimo aludido em 2- foi lida na presença dos AA., não tendo estes solicitado qualquer esclarecimento acerca do conteúdo da mesma.

28 - Os AA. conheciam e tinham consciência que o não pagamento de qualquer das prestações relativa ao empréstimo acarretava o vencimento imediato de todas as prestações em dívida.

29 - Os AA. e R. acordaram que a taxa de juro aplicável era a aludida no ponto 3- dos Factos Provados.

30 - Um dos factores que influenciam a fixação da taxa de juro é a solidez e a estabilidade da moeda.

3 1- A taxa de juro fixada aludida no ponto 3- foi fixada por referência ao escudo, que, à data, era uma moeda fraca.

32 - A taxa de inflação em 1982, em Portugal, era superior a 20%.

33 - Até 30/10/2012 tinham sido efectuados descontos na pensão do A. à ordem dos autos de execução fiscal referidos em 11- no valor de € 24.593,72.

34 - Até 7 de Julho de 2015 foi depositada à ordem dos autos de execução fiscal aludidos em 11- a quantia total de € 102.780,98 proveniente dos pagamentos aludidos em 15- e 16-, de descontos na pensão do executado e da quantia depositada pela R. na sequência da aquisição pela mesma da fracção penhorada à ordem dos aludidos autos.

35 - Em 03/08/2015 foi depositada à ordem dos autos de execução fiscal aludidos em 11- a quantia de € 673,20 proveniente de desconto na pensão do executado e em 28/08/2015 foi depositado igual montante com a mesma proveniência.

36 - Os AA. não aceitaram as condições de liquidação de dívida comunicadas pela Ré através da carta datada de 18 de Fevereiro de 2003 e aludida em 21.

Fruto do que, entretanto, foi carreado pelas partes (fls. 858 a 860), há que aditar ainda o seguinte:

37 – A execução fiscal referida em 11 foi extinta pelo pagamento, em 30/10/2015.

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão dos recursos (principal e subordinado) passam, atentas as conclusões dos recorrentes (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[1]), pela análise e resolução das seguintes questões:

A – recurso principal

- cálculo e capitalização dos juros devidos.

B – recurso subordinado

- determinação das quantias já pagas pelos autores e se há lugar à fixação a juros moratórios a cargo da ré.

Antes de enfrentar tais questões, convém ter presente que o litigio tem a sua génese no incumprimento de contrato de empréstimo/mútuo bancário celebrado entre as partes em 1982 e que motivou a instauração de execução fiscal, em 1987, tendo por objecto a cobrança coerciva da dívida resultante do empréstimo não pago e juros vincendos a partir de 08 de Março de 1986.

Nessa altura, a CGD, em razão das funções de utilidade e ordem pública que lhe estavam confiadas por lei, gozava da possibilidade de cobrar mediante execução fiscal as dívidas originadas em relações de direito privado, designadamente as dívidas comerciais de que fosse credora no exercício da sua actividade comercial (art. 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.953, de 5 de Abril de 1969, na redacção do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro, e art. 159.º, n.º 1, do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70, de 31 de Dezembro).

Essa possibilidade ficou arredada, após as alterações introduzidas pelo n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 241/93, de 8 de Julho, e após a alteração introduzida no estatuto da CGD pelo Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, segundo as quais, a CGD, até então denominada “Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência”, passou a ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, denominada “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (cfr. art. 1.º do referido diploma legal). Não obstante, o art.º 9º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, manteve essa possibilidade no tocante aos processos pendentes à data[2].

No caso, tendo a execução sido instaurada antes da entrada em vigor do DL nº 287/93, de 20/7, aplica-se ainda aquele regime de cobrança anteriormente previsto no CPT e actualmente no CPPT (cfr. art. 10º do DL 433/99, de 26/10, que aprovou o CPPT), radicando, portanto, nos tribunais tributários a competência para proceder à cobrança coerciva da dívida à Caixa Geral de Depósitos, não obstante a natureza civilística da mesma[3].

Tendo sido pagas, no âmbito desse processo executivo, diversas importâncias (mencionadas nos pontos 15, 16, 33 e 35 dos factos provados) e entendendo os autores (ali executados) que já haviam pago o suficiente para solver a dívida exequenda, juros e demais encargos, o que deviam ter feito era pedir a sustação da execução e o apuramento/liquidação da sua eventual responsabilidade (art.ºs 846º, n.ºs 4 e 5, do Cód. Proc. Civil Civil e 2º, alínea e), do CPPT). E, discordando dessa liquidação, nomeadamente, quanto aos juros ou quaisquer outros encargos cobrados, deveriam ter suscitado a questão perante o tribunal tributário territorialmente competente, ao qual cabe, nos termos dos art.ºs 49°, n.º 1, d), do ETAF, 10°, nº 1, f), 151º, n.º 1, do CPPT, e 6º, n.ºs 2 e 3, do DL 433/99, de 26 de Outubro, conhecer de qualquer incidente de natureza jurisdicional, suscitado em execução fiscal.

Aliás, o que deveriam ter feito, em primeiro lugar, era terem-se oposto, no momento oportuno, à execução fiscal e feito uso dos pertinentes fundamentos de defesa, incluindo os que poderiam ser utilizados caso o credor fosse outra entidade bancária.

Com efeito, em casos como o presente, que não se enquadram na situação típica gizada pelo legislador relativamente à execução fiscal, dado não ter a dívida em cobrança origem num acto tributário de liquidação, mas antes num empréstimo efectuado pela CGD no âmbito da sua actividade comercial, tem sido admitido aos executados um amplo leque de fundamentos, ou melhor, todos os que poderiam ser usados caso o credor fosse outra entidade bancária e não apenas os taxativamente indicados no art. 204.º do CPPT, ficando, desse modo, assegurados os princípios da igualdade e do acesso ao direito (art.ºs 13.º e 20.º, n.º 1, da Constituição da República) que estariam irremediavelmente comprometidos caso funcionasse a referida taxividade[4].

Contudo, em vez disso, optaram os autores (ali executados) por deslocalizar essa questão, desviando-a para os tribunais judiciais, tendo instaurado a presente acção, com vista a obter a «declaração de que já pagaram à ré as importâncias emergentes do referido mútuo hipotecário, nada mais sendo por eles devido, e a condenação da ré a devolver-lhes a quantia de €6 955,94, bem como todas as importâncias que recebam por conta do mútuo hipotecário a partir da instauração da acção (07/11/2012), acrescidas de juros à taxa legal a partir da citação».

Sucede que a matéria relativa ao apuramento e liquidação da sua responsabilidade competia, como já se disse, à jurisdição tributária, e não aos tribunais judiciais, pelo que e independentemente do mérito ou bondade do anteriormente decidido neste processo, há que reconhecer a incompetência absoluta do tribunal judicial – art.ºs 96º, a), 97º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil – o que prejudica o conhecimento de ambos os recursos. Mais, tendo os autores (ali executados) permitido que a execução fiscal fosse extinta pelo pagamento, sem nela terem suscitado ou obterem solução jurisdicional quanto às questões que transferiram para o tribunal judicial, viram precludido[5] esse direito, não sendo possível a este tribunal, atenta a estrutura e configuração da causa delineadas na petição inicial, fazer o aproveitamento do processo pelo qual os autores se batem a fls. 852 e 853.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar os tribunais judiciais incompetentes, não se toma conhecimento de ambos os recursos e absolve-se a ré da instância.

Custas pelos autores (em todas as instâncias).


*


Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

*


Lisboa, 30 de Novembro de 2017


António Piçarra (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

___________


[1] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que o recurso tem por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013 e o processo é posterior a 01 de Janeiro de 2008 (cfr. os seus art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º).
[2] Cfr. sobre essa possibilidade, respectiva justificação, alteração do regime legal da CGD e constitucionalidade da norma que permitiu que continuassem a ser cobradas em execução fiscal as dívidas à CGD originadas no exercício da sua actividade comercial, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 3 ao art. 148.º, págs. 28 a 30.
[3] Cfr, neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, págs. 28 a 30, e, entre outros, os acórdãos de STA, de 14-07-2010 (proc. 0231A/10), de 14-10-2009 (proc. 0851/09), de 14-03-2012 (proc. 0114/12), de 25-01-2012 (proc. 01188/11), de 12-04-2012 (proc. 0536/11), de 14-12-2016 (proc. 0193/14) e de 15-02-2017 (proc. 073/17), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cfr, neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, anotação 2 ao art. 204.º, pág. 442, e acórdão do STA de 15-01-1997, proferido no processo com o n.º 18.785, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Maio de 1999 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32210.pdf), págs. 21 a 25,
[5] Cfr. sobre o efeito preclusivo e suas nuances, João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, Edições Ática, págs. 183 a 188.