Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FERREIRA RAMOS | ||
| Nº do Documento: | SJ200212170034491 | ||
| Data do Acordão: | 12/17/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 272/02 | ||
| Data: | 04/09/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I 1. A 12.02.092, no Tribunal da Comarca de Viseu, os autores: 1. A, por si e em representação de seu filho menor, B; 2. C e mulher, D; 3. E e F; 4. G e mulher, H; 5. I e J, por óbito do primitivo autor L; 6. M e mulher N; 7. O; 8. P; 9. Q; 10. R; 11. S; 12. T; 13. U; 14. V, X e Z, propuseram acção declarativa com processo sumário, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra: 1. A'; 2. B'; 3. C'; 4. D'; 5. E'; e 6. F', pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar indemnizações cujos montantes globais indicam para os diferentes autores, montantes acrescidos de juros de mora vencidos, desde 13.07.90 - data da notificação judicial avulsa - até à data da propositura da acção, e vincendos. Para tanto, e muito em síntese, alegaram ter ocorrido um acidente de viação no dia 15.04.90, em que intervieram os veículos JD-..., QP-... (conduzido pelo réu E', e propriedade da ré F') e MP-... (conduzido pelo réu D', e propriedade da ré C' ), por culpa exclusiva dos condutores dos dois últimos veículos, e do qual resultou a morte de todos os ocupantes do primeiro veículo (o condutor e mais oito passageiros). Contestaram os réus, concluindo pela sua absolvição. Foi requerida, e admitida, a intervenção provocada de G', e do H'. O Centro Nacional de Pensões e o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa deduziram pedido de reembolso de subsídios e prestações pagas a familiares de alguns falecidos. 2. Os autos prosseguiram sua tramitação e, após julgamento (tendo as rés seguradoras assumido, em partes iguais, a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações a fixar - cfr. fls. 978), a 20.06.01 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente: - absolvendo os intervenientes e os réus indicados sob os nºs 3 a 6; e - condenando as rés seguradoras, A' e I', a pagar aos autores as indemnizações arbitradas a fls. 1025 v. e 1026, e ao Centro Nacional de Pensões e Centro Regional de Segurança Social as quantias indicadas a fls. 1027. Inconformados, autores e rés - estas, subordinadamente - apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 09.04.02, julgou parcialmente procedente o recurso principal dos autores e totalmente procedente o recurso subordinado da seguradora B', em consequência do que: - revogou, em parte, a sentença impugnada, fixando as indemnizações devidas aos autores, por danos não patrimoniais próprios, nos montantes de 2.000.000$00 para cada um dos pais das vítimas J', L' e M', e para cada uma das filhas de N', e de 1.500.000$00 para cada um dos filhos de O' e P'; fixando a indemnização pelos danos patrimoniais futuros, por morte de N', no montante de 5.600.000$00, acrescendo ao montante das arbitradas indemnizações por danos patrimoniais, juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; - confirmando, quanto ao mais, a sentença (fls. 1145). 3. Deste acórdão trazem os réus a presente revista, oferecendo alegações de que extraíram as seguintes conclusões: "1ª Verificados os pressupostos legais (artigo 805º do Código Civil) para a constituição da mora a que se refere o artigo 804º e 806º do mesmo Código, são devidos juros. 2ª A mora constituiu-se com a interpelação que, no caso sub judice, ocorreu com a notificação judicial avulsa, sendo a partir daí devido juros às taxas legais. 3ª Não há que distinguir onde o legislador não distinguiu. 4ª Não existe na lei qualquer alusão que determine a possibilidade de parte da obrigação estar em mora e parte não estar. 5ª Formulado o pedido na petição pelo autor e citados os réus, a instância torna-se estável por força do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 481º do Código Civil, não sendo possível substituir a condenação em juros peticionada por qualquer outra, designadamente procedendo à condenação em indemnização por valores actuais. 6ª Não é justo que o devedor se subtraia às consequências da dilação no tempo de cumprimento da obrigação à custa do credor. 7ª No caso sub judice são devidos juros de mora sobre todo o valor da indemnização, independentemente das verbas que lhe estão subjacentes, a contar de 13 de Julho de 1990. 8ª Existe um direito autónomo decorrente do sofrimento que necessariamente constitui a ofensa e conjunto de lesões físicas que a vítima mortal recebe e são causa do seu óbito. 9ª Este direito integra o património da vítima, porque constituído em vida, transmitindo-se aos seus herdeiros segundo as regras da sucessão. 10ª Confrontados os valores fixados nos presentes autos com outros processos que podemos denominar de ‘mediáticos’, torna-se evidente a discrepância entre ambos e pouco claro o critério para tal distinção. 11ª Os valores indemnizatórios fixados em Portugal continuam largamente abaixo dos valores fixados nos países comunitários, do bloco-germânico e ainda distantes dos nossos vizinhos espanhóis. 12ª Para além disso, os montantes peticionados, embora dentro dos limites da razoabilidade, sofrem por parte dos tribunais uma espécie de redução oficiosa baseada numa presunção de exagero daqueles. 13ª São indemnizáveis todas as perdas decorrentes do óbito daquele que presta alimentos, ainda que em espécie e de forma espontânea, inclusive aqueles em que são credores os ascendentes e prestadores os seus descendentes. 14ª Provada a prestação efectiva de apoio, deve ser fixada correspondente verba de indemnização, nos termos do nº 3 do artigo 495º do Código Civil. 15ª Tendo a Caixa Nacional de Pensões e o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa formulado pedidos de reembolso contra os responsáveis pelo acidente, vindo as seguradoras a aceitar esta obrigação, não pode a sentença determinar a redução na verba da indemnização por dano patrimonial futuro peticionada pelos familiares a quem as vítimas prestavam alimentos. 16ª As viúvas recebem há cerca de cinco anos uma indemnização provisória de 60.000$00 por mês que vão pura e simplesmente perder? 17ª A fixação da pensão provisória mensal de 60.000$00 por certo que teve por base, entre outros factores, o montante provável global da indemnização. 18ª Estamos perante pessoas carenciadas que, por esse motivo e porque a ela tinham direito, peticionaram uma pensão provisória, indispensável ao seu sustento que agora não têm capacidade de repor, caso tal venha a ser exigido. 19ª Mostram-se ajustadas as verbas peticionadas para ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais das vítimas e seus familiares pelo que a acção deve proceder na totalidade. 20ª Mostram-se violadas as disposições acima citadas designadamente os artigos 483º, 495º, 496º, 563º, 566º, 804º, 805º e 806º do Código Civil e 481º e 663º do Código do Processo Civil". A ré seguradora B' pugnou pela confirmação do julgado (fls. 1179-1182). Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II Não vindo impugnada a matéria de facto considerada provada, nem sendo caso de se proceder oficiosamente à sua alteração, para ela se remete ao abrigo do disposto nos artigos 713º, nº 6, e 726º, do CPC. Remissão que se justifica seja mais ampla, nos termos e em conformidade com o que vai dizer-se. 1. No presente recurso de revista somos confrontados com questões já submetidas ao Tribunal da Relação, que se debruçou sobre cada um delas, analisando-as detalhadamente, e dando-lhes solução. Com o decidido não se conformaram, porém, os recorrentes. Divergência que fazem alicerçar em argumentação que já foi devidamente ponderada pelo acórdão recorrido, sem que tivesse logrado acolhimento - a mesma argumentação que, diga-se, ora trazem à consideração deste Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que as conclusões do recurso de revista coincidem, no essencial, com as apresentadas com o recurso de apelação (cfr. 1075 v. e 1076). Acórdão que, após enunciar as várias questões a enfrentar, delas fez um adequado enquadramento e tratamento do ponto de vista legal, discorrendo e avançando razões válidas que, ademais, fez apoiar em passos de doutrina e jurisprudência pertinentes, assim alcançando solução juridicamente correcta. O mesmo vale por dizer que se mostram preenchidos os pressupostos definidos no nº 5 do artigo 713º do CPC, norma que nos permite negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada. 2. Remissão que, todavia, não abrange todas as questões decididas. Na verdade, dela excluímos algumas questões às quais, a nosso ver, o acórdão não deu a melhor solução. Precisando, a nossa divergência reconduz-se tão-só a uma questão, todavia desdobrável em várias sub-questões, consoante a natureza das verbas ou componentes da indemnização. Quais sejam, indemnização: - pela perda do direito à vida; - pelos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares das vítimas; - pelos danos patrimoniais. Vejamos. III 1. Perda do direito à vida Os montantes arbitrados a este título, pela sentença de 1ª instância, foram deixados intocados pelo acórdão recorrido que, sobre este ponto, apenas cuidou de apreciar o momento desde quando eles são devidos - no que confirmou, bem, o decidido na sentença. Pensamos, porém, que o seu aumento se revela justificado. 1.1. Quantitativos diferentes, assinale-se. Na verdade, embora pudesse dizer-se, numa dada perspectiva, que o bem da vida, como valor individual e supremo de todo e qualquer ser humano, deveria, em abstracto, ser compensado de uma maneira uniforme, não pode ignorar-se que há outros valores de natureza vária, específicos de cada caso (idade, saúde, integração e relacionamento familiar e social, papel desempenhado na sociedade, etc.), que justificam, em obediência à equidade, diferentes montantes pecuniários (1). Assim se compreende que este Supremo Tribunal tenha vindo a arbitrar indemnizações de diferente quantitativo para indemnizar o dano morte, tendo em atenção as especificidades e particularismo do caso, ponderando, nomeadamente, que, sendo a perda da vida sempre definitiva, não será despicienda a diferença entre uma vida que se perde no seu ocaso dos dias e uma vida de uma pessoa saudável e na flor da idade (acórdão do STJ 12.03.2002, Proc. nº 28/02). 1.2. E porque também se aceita como válido o recurso aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, interessa sublinhar que, em decisões mais recentes deste Supremo Tribunal, temos vindo a assistir a um aumento, em relação a anteriores decisões, dos montantes atribuídos a este título. Vejamos: - acórdão de 26.3.98, Proc. nº 104/98: 10.000 contos; - acórdão de 11.01.2000, Proc. nº 1113/99: 7.000 contos; - acórdão de 17.10.2000, Proc. nº 214/00: 6.000 contos; - acórdão de 19.04.2001, Proc. nº 832/01: 10.000 contos; - acórdão de 05.07.2001, Proc. nº 1478/01: 8.500 contos; - acórdão de 27.09.2001, Proc. nº 2118/01: 8.000 contos; - acórdão de 30.10.2001, Proc. nº 2900/01: 7.000 contos; - acórdão de 15.01.2002, Proc. nº 3952/01: 10.000 contos; - acórdão de 28.05.02, Proc. nº 920/02: 8.000 contos. 1.3. Tudo ponderado, tendo em atenção o particularismo de cada caso, tal como decorre dos factos provados, reputamos como mais justos e equilibrados os seguintes valores: - 9.000.000$00, pela morte de Q'; - 9.5000.000$00, pela morte de R'; - 9.000.000$00, pela morte de S'; - 9.500.000$00, pela morte de J'; - 9.000.000$00, pela morte de L'; - 8.000.000$00, pela morte de M'; - 7.000.000$00, pela morte de T'; - 7.000.000$00, pela morte de O'; - 9.000.000$00, pela morte de N'. 2. Danos não patrimoniais 2.1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o respectivo montante ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima (2), como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do nº 2 artigo 496º do CC (nºs 1 e 3 do mesmo artigo). As circunstâncias referidas no artigo 494º são "o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso". A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., 1996, p. 630; acórdão do STJ de 7.7.99, Proc. nº 500/99). O montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (Antunes Varela, ob. e loc. cits., p. 627, nota (4); cfr. acórdãos do STJ de 25.11.93, CJ, ano I, tomo 3-143, de 5.11.98 e de 12.12.2000, Processos nº 975/98 e nº 3164/2000, respectivamente). Também neste domínio a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a evoluir no sentido de considerar que a indemnização, para responder adequada e actualizadamente ao comando do artigo 496º, não pode ser "miserabilista", devendo ser significativa e importar uma efectiva possibilidade compensatória, constituindo um lenitivo para os danos suportados e a suportar (entre muitos outros, cfr. acórdãos de 7.7.99, citado, de 28.5.98, Proc. nº 337/98, e de 29.02.2000, Proc. nº 24/2000). 2.2. O acórdão recorrido alterou, em parte, o decidido pela sentença, fixando em 2.000.000$00 o montante para cada um dos titulares do direito à indemnização, à excepção dos filhos do casal O' e T', a cada um dos quais atribuiu uma indemnização de 1.500.000$00. Discordamos - com respeito. E discordamos quanto aos montantes, e quanto à "excepção". Excepção que, em nosso entender, não tem justificação bastante. O acórdão terá valorado, de forma diferente, os "desgostos e sofrimentos" sofridos por uns e outros - e também terá atendido à idade do casal O' e de P' (77 e 78 anos) e, porventura, ao número (sete) de filhos. Mas, repete-se, afigura-se que não há razão válida para distinguir. Certo que nas respostas aos quesitos 262º (pais de J'), 272º (pai de L'), 288º (pais de M') e 309º e 312º (filhas de N') se utilizam os termos "imenso", "enorme", "grande" e "profundamente", reportados aos sofrimentos. Ao passo que da resposta ao quesito 299º consta que todos os (7) filhos (apenas) "sofreram com a sua morte". Não nos parece, porém, de atribuir tamanho significado à falta de um daqueles "termos" na resposta a este quesito 299º. Além de que há outros factos que, no caso, não podem deixar de ser considerados, a saber: - vítimas e filhos visitavam-se com frequência (quesitos 293º e 294º); - vítimas, filhos, noras e genros constituíam uma família muito unida (quesito 297º); - no dia do acidente estavam a fazer uma viagem para se reunir, tendo em vista comemorar as bodas de ouro (quesito 298º). Face ao que vem de expender-se, e tendo também em conta o que se ponderou no número precedente a propósito do cálculo dos danos não patrimoniais, entende-se como mais razoável e equilibrado fixar o valor desses danos em 3.000.000$00 para todos e cada um dos titulares. 3. Danos patrimoniais Em causa, apenas as indemnizações atribuídas pelas mortes de Q', S' e N' (3) . Em relação aos dois primeiros, a sentença de 1ª instância fixou, a título de danos futuros, a indemnização de 8.500.000$00 por cada um deles, e em relação ao último, a de 4.500.000$00. O acórdão recorrido aumentou esta para 5.600.000$00, mantendo aquelas duas outras. Vejamos se bem - apreciação que será feita à luz de três notas fundamentais (4) . 3.1. Numa primeira nota, importa salientar que a jurisprudência dominante tem-se firmado no sentido de a indemnização dever ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu (acórdãos de 17.2.92, BMJ, nº 420-414, de 31.3.93, BMJ, nº 425-544, de 8.6.93, CJ-STJ, ano I, tomo II, p. 138, de 11.10.94, CJ-STJ, ano II, tomo II, p. 89, de 12.6.97, Proc. nº 95/97, de 6.10.98, Proc. nº 728/98, e de 3.12.98, Proc. nº 892/98). Orientação a que subjaz o propósito de assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tanto um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa. Tem vindo a reconhecer-se, não obstante, que nenhum dos critérios que vêm sendo propostos é infalível, pelo que deverão ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, justificando-se, assim, que o seu uso seja temperado com um juízo de equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC (acórdãos de 5.5.94, CJ-STJ, ano I, tomo II, p. 86, de 11.10.94, já citado, de 28.9.95, CJ-STJ, ano 1995, tomo 3, p. 36, de 21.11.96, Proc. nº 291/96, de 25.11.98, Proc. nº 443/98, e de 15.12.98, Proc. nº 827/98). Ou seja, não se pode fazer uma fé absoluta em cálculos aritméticos rígidos, cumprindo também, e antes do mais, atender a outros factores, privilegiando a equidade com vista a encontrar a solução justa para o caso concreto, significando esta apreciação equitativa do dano que o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente, tendo antes a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe parecer mais justa (acórdão de 21.11.96, citado). Assim, não podem olvidar-se "todos os imponderáveis e variáveis económicas, tais como, a perenidade do emprego, a progressão na carreira profissional, a evolução dos salários, o desenvolvimento tecnológico, os índices de produtividade, a alteração das taxas de juro do mercado financeiro, a inflação, etc." (citado acórdão de 15.12.98, Proc. nº 827/98). Bem como o facto de o julgador "trabalhar" com montantes ilíquidos, abstraindo dos impostos. 3.2. A segunda nota respeita à taxa de juro, que representa um elemento de primordial importância pois, como facilmente se compreende, ela funciona como uma "constante" na fixação da quantia em dinheiro que há-de produzir o rendimento (fixo) mensal perdido; sendo que, quanto mais baixa for a taxa, maior será o capital encontrado através das fórmulas matemáticas, para que possa gerar aquele rendimento. Confrontada com a conjuntura económico-financeira e suas variáveis, compreende-se que a jurisprudência tenha vindo a baixar a taxa de referência de que, neste contexto, lança mão: 9%, 7% e, mais recentemente, 5% e 4% (acórdãos de 4.12.96, Proc. nº 543/96, de 19.11.98, Proc. nº 592/98, de 15.12.98, Processos nº 827/98 e nº 972/98, e de 16.3.99, citado na nota 2.). Como assim, não é razoável que, hoje, se atenda a uma taxa de referência de 7%, como fez o acórdão recorrido. 3.3. A última nota prende-se com o facto de, sem embargo de se aceitar, como regra, os 65 anos como limite de vida laboral activa, se poder/dever tomar também em consideração a idade que corresponde, hoje, à esperança de vida dos portugueses (neste sentido, acórdãos de 28.11.91, BMJ, nº 411-471, e de 15.12.98, citado, e Joaquim José de Sousa Dinis, CJ-STJ, ano V, tomo II-1997, p. 15) - "finda a vida activa do lesado, por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades" (acórdão de 28.9.95, CJ-STJ, ano 1995, tomo 3, p. 36). Esperança de vida que hoje já ultrapassa, para os homens, os 72 anos de idade. Ora, o acórdão recorrido, se considerou, por um lado, como limite da vida activa os 70 anos, já não cuidou de levar em linha de conta o apontado aspecto da esperança de vida. 3.4. Decorre de tudo quanto se disse que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida profissional activa, sem esquecer a necessidade de também ter em conta a apontada esperança de vida. E não será descabido recordar, a finalizar, que o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, não visa uma maior fonte de rendimento das seguradoras, traduzindo antes "um sinal legislativo acerca da justificação de significativas indemnizações - não de mais, mas não de menos" (acórdão do STJ de 16.12.93, CJ-STJ, ano 1993, tomo 3, p. 182). Tudo ponderado, e tendo presente, como se disse, que só o uso da equidade permitirá encontrar o montante que mais justa e equilibradamente compense a perda/diminuição de natureza patrimonial, entendemos alterar, para mais, as indemnizações arbitradas, no que concerne aos três casos ora em causa (5), fixando os seguintes montantes: - 10.500.000$00, pela morte de Q', nascido a 8.1.44, e tendo em conta os factos provados a fls. 1012 v. (quesitos 184º-187º); - 9.500.000$00, pela morte de S', nascido a 18.2.48, e atento os factos provados a fls. 1013 v. e 1014 (quesitos 235º-239º); - 6.600.000$00, pela morte de N', nascido em 1938, e tendo em consideração os factos provados a fls. 1015 v. (quesitos 302º-304º). 6. Resumindo e concluindo, tudo sopesando e valorando com o equilíbrio e ponderação que se exige, entendemos como mais justos, criteriosos e adequados às circunstâncias do caso, os seguintes quantitativos: a) pela perda do direito à vida: - de Q', 9.000.000$00 (Euros: 44.891,81); - de R', 9.5000.000$00 (Euros: 47.385,80); - de S', 9.000.000$00 (Euros: 44.891,81); - de J', 9.500.000$00 (Euros: 47.385,80); - de L', 9.000.000$00 (Euros: 44.891,81); - de M', 8.000.000$00 (Euros: 39.903,83); - de T', 7.000.000$00 (Euros: 34.915,85); - de O', 7.000.000$00 (Euros: 34.915,85); - de N', 9.000.000$00 (Euros: 44.891,81). b) a título de danos não patrimoniais, 3.000.000$00 (Euros: 14.963,94) para todos e cada um dos titulares. c) a título de danos patrimoniais: - 10.500.000$00 (Euros: 52.373,78), pela morte de Q'; - 9.500.000$00 (Euros: 47.385,80), pela morte de S'; - 6.600.000$00 (Euros: 32.920,66), pela morte de N'. Termos em que: a) se concede parcialmente a revista, revogando o acórdão recorrido na medida em que se decide condenar as rés seguradoras a pagar aos autores as indemnizações que se elencaram no ponto 6., que antecede; b) se confirma, quanto ao mais, esse acórdão. Custas, nas instâncias e Supremo, na proporção do decaimento. Lisboa, 17 de Dezembro de 2002 Ferreira Ramos Silva Paixão Lemos Triunfante ________ (1) - Este - que iremos seguir de perto -, relatado pelo Relator do presente Processo. (2) - Face à factualidade assente, decidiram as instâncias, bem, que não havia lugar a qualquer indemnização pelos alegados, mas não provados, sofrimentos a que as vítimas poderiam ter estado sujeitas antes da morte. (3) - Quanto às não arbitradas indemnizações pelas outras mortes, ao abrigo do nº 3 do artigo 495º do Código Civil, vale a remissão inicialmente feita para o acórdão recorrido (sobre a interpretação daquele nº 3 podem ver-se, na doutrina, Vaz Serra, "O dever de indemnizar e o interesse de terceiros", BMJ, nº 86-122, Antunes Varela, ob. e loc. cits., pp. 646-647, Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", anotação ao artigo 495º, e na jurisprudência deste STJ, entre outros, os acórdãos de 15.3.99, Proc. nº 22/99, 15.6.99, Proc. nº 474/99, 07.06.2001, Proc. nº 634/01, 27.09.2001, Proc. nº 2427/01 e de 22.11.2001, Proc. nº 2858/01). (4) - Para maiores desenvolvimentos, cfr. acórdãos do STJ de 16.3.99, Proc. nº 30/99, CJSTJ, ano VII, tomo I-167, e de 30.04.02, Proc. nº 403/02, que iremos acompanhar de perto (deles foi relator o deste Processo). (5)- A que não obsta o montante peticionado a este título, uma vez que o montante global do pedido não é ultrapassado - cfr. acórdão do STJ de 16.10.2001, Proc. nº 1880/01. |