Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
143/11.5TBCBT.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CERTIDÃO
ACORDÃO FUNDAMENTO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ÓNUS JURÍDICO
FOTOCÓPIA
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
OMISSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / MODO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 135.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 637.º, N.º 2
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-02-2007, PROCESSO N.º 14127/14.8T8PRT.P1.S.1;
- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 135/18.3YHLS-A.L1.S1.
Sumário :
I - Invocando-se, como fundamento da admissão do recurso, a existência de oposição de julgados, o incumprimento do ónus contido na parte final do n.º 2 do art. 637.º do CPC (o qual não se basta com a junção de mera cópia extraída da base de dados) determina a imediata rejeição daquele, sem que haja lugar à formulação de convite à junção de certidão do acórdão fundamento.

II - O entendimento exposto em I não contende com o princípio da cooperação – já que o mesmo não pode servir para obstar à aplicação de comandos legais que associam determinadas consequências processuais à omissão de atos por eles prescritos – nem com o princípio consagrado no art. 20.º da CRP, já que, conquanto não o suprima, o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos e posto que o mencionado ónus traduz uma adequada e proporcionada ponderação dos interesses em causa.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça




- I-


1. Nestes autos de expropriação, quer a expropriante, quer a expropriada vieram interpor “recurso para uniformização de jurisprudência” para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 66º, nº5, do Código das Expropriações (CE) e dos arts. 672º, nº1, al. c) e 672º, nº4, ambos do CPC.

2. Na Relação, o Exmo. Juiz Desembargador Relator proferiu despacho a admitir os recursos como revista excecional, considerando ter sido invocada a previsão típica do art. 672º, nº1, al. c), do CPC.

3. Neste Supremo, porém, a Formação, a que se alude no art. 672º, nº3, do CPC, proferiu acórdão a não admitir a revista excecional (atento o disposto no art. 66º, nº5, do CE) e a determinar a remessa dos autos à distribuição como revista normal.

4. A relatora proferiu, então, decisão a não admitir a revista, nos seguintes termos:

“Uma vez que no processo de expropriação não é, em regra, admissível recurso para o STJ do acórdão proferido pela Relação (cf. art. 66º, nº5, do CE), como é, aliás, expressamente referido nas alegações da revista, quer a expropriante, quer a expropriada invocaram, como fundamento do “recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência”, que o acórdão proferido nestes autos contraria decisões proferidas pelos Tribunais da Relação, e que identificam.

Ora bem.

Não obstante, as recorrentes terem afirmado pretender interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, é patente não se mostrarem verificados os respetivos pressupostos, enunciados nos arts. 688º e ss. do CPC.

Estamos assim em crer que a referência a esse meio extraordinário de impugnação de decisões judiciais se deve a lapso manifesto, tanto mais que as recorrentes se limitaram a mencionar o disposto no art. 672º, do CPC, numa clara demonstração de que, afinal, pretendiam impugnar a decisão recorrida ao abrigo daquele normativo, e não de outro.

Não tendo, porém, sido admitida a revista excecional, e admitindo que a contradição jurisprudencial invocada por qualquer das recorrentes possa (ainda assim) servir de fundamento da revista (normal) ao abrigo do art. 629º, nº2, do CPC[1], importa que se averigue se se mostram cumpridos os requisitos formais da sua admissibilidade, ali previstos.

Dispõe-se no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC que:

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…):

e)  Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

Como tem sido entendido, este fundamento de revista circunscreve-se a recursos de decisões proferidas pela Relação em casos em que o acesso ao terceiro grau de jurisdição estaria vedado por razões estranhas à alçada da Relação.

A este respeito escreve Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, em anotação a este preceito:

“Foi repristinada a solução semelhante que já constara do art. 678.º, n.º 4, do CPC de 1961 (…), reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal estaria vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento ao recurso reside em motivos de ordem legal estranhos ao valor do processo ou da sucumbência, em confronto com o valor da alçada da Relação.

Desta forma, ampliaram-se as possibilidades de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, pelo facto de, em regra, surgirem em ações em que, apesar de terem um valor processual superior à alçada da Relação, não se admite o recurso de revista.”

Podem, assim, indicar-se como exemplo de decisões em que se encontra, em princípio, limitada a recorribilidade para o Supremo as proferidas pela Relação nos processos de expropriação, atento o disposto no art. 66º, nº5, do CE, como é o caso dos autos.

Mostrando-se, por outro lado, verificados os requisitos atinentes ao valor quer da alçada (EUR 693.781,57), quer da sucumbência (EUR 37.779,97 – cf. fls. 962), veremos se as recorrentes observaram o disposto no art. 637º, nº2, do CPC, no qual se preceitua que:

“O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.”

A este respeito, nas respetivas alegações, cada uma das recorrentes cita vários acórdãos proferidos por Tribunais da Relação, sem, contudo, juntar cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento.

Ora, conforme se decidiu no ac. deste Supremo Tribunal, proferido em 6.4.2017, no processo n.º 872/09.3TBCSC.L1.S1, (Nunes Ribeiro), com o requerimento de interposição de recurso deve o recorrente juntar obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento. Efetivamente, a junção da aludida cópia constitui um requisito de admissibilidade do recurso, cuja falta dita, como afirma aquela norma, a “imediata rejeição” do recurso, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento.

Em sentido convergente com esta orientação, se pronunciou também o STJ no ac. de 6.11.2018, proferido no processo nº 1148/04.8TCGMR-A.G1.S2 (Lima Gonçalves).

Por seu turno, sublinhando a exigência e rigor com que deve ser analisado o cumprimento dos deveres a cargo do recorrente que invoca a oposição de julgados, se pronunciou este Supremo Tribunal no acórdão de 14.9.2017, no proc. n.º 1029/12.1TVLSB-A.L1.S1 (Fernando Bento) assim sumariado:

“ (…)


III - O fundamento específico de recorribilidade a que se refere o art. 637º, nº2, do CPC, é o fundamento concreto do recurso, a razão, o motivo que determina a parte a pretender um reexame da questão por um tribunal superior.

IV - Se o recorrente está onerado com a indicação do fundamento específico do recurso quando interpõe recurso nos termos gerais, por maioria de razão se compreenderá tal exigência nos casos em que o recurso só é admissível atendendo ao seu fundamento específico, ou seja, naqueles casos em que, segundo a regra geral, o recurso seria inadmissível, mas que a lei adjetiva, excecionalmente, em função de fundamentos que expressamente prevê, admite.

(…)

VI - A mera citação e referência a jurisprudência variada nas alegações de revista, no sentido e em apoio da solução que a recorrente defende e pretende ver reconhecida pelo tribunal, não se confunde com a invocação do fundamento específico da revista respeitante a conflito jurisprudencial evidenciado pela contradição ou oposição entre o acórdão recorrido e outro acórdão (da Relação ou do STJ).

VII - Não é por se citarem vários acórdãos, sufragando a mesma solução de determinada questão de direito que, só por si, se invoca a contradição de julgados.

VIII - O recorrente tem o ónus de convencer o tribunal da existência de um acórdão que decidiu a questão de direito em sentido diverso e com o qual ele concorda, pretendendo que a mesma solução seja dada ao seu caso.“

Nesta conformidade, atendendo a que, no caso dos autos, nem a expropriante, nem a expropriada juntaram cópia do acórdão-fundamento, impõe-se concluir pela imediata rejeição do recurso, o que se decide (arts. 637º, nº2 e 652º, a. b), do CPC).

Cada recorrente suportará as custas dos respetivos recursos.”.


5. Desta decisão, a expropriante veio reclamar para a Conferência, alegando, em breve síntese, que:

Muito embora não tenha juntado cópia dos vários acórdãos mencionados nas alegações de recurso, indicou o link do site da base de dados da DGSI, onde se encontram publicados, em versão integral.

Tal indicação dispensa a junção da cópia dos acórdãos, uma vez que oferece as mesmas garantias e cumpre os objetivos visados pelo legislador.

A não ser assim entendido, e sob pena de violação do direito a um processo equitativo e do princípio da cooperação, deveria a recorrente ter sido convidada a juntar cópia do acórdão-fundamento.


- II -


6. Salvo o devido respeito, a reclamante não tem razão.

Na verdade, o art. 637º, nº2, do CPC estabelece, com total clareza, que, nos casos que constituem exceções à recorribilidade das decisões (v.g. art. 629º, nº2, do CPC) o recorrente deve indicar, nas conclusões das suas alegações, os motivos especiais de admissibilidade do recurso; e que, quando se invoque contradição jurisprudencial, deve ainda demonstrar essa contradição juntando, obrigatoriamente, cópia do acórdão fundamento, ainda que não certificada, sob pena de imediata rejeição do recurso.

Há, assim, que reconhecer que a inobservância do requisito formal que obriga à junção da cópia do acórdão-fundamento com o requerimento de interposição de recurso, conduz à rejeição imediata do recurso, sem admitir um convite dirigido à parte para suprir a omissão.[2]

É, aliás, o que também sucede quando o requerimento de interposição do recurso não contenha alegações ou estas não tenham conclusões, caso que a lei fulmina com o indeferimento imediato, sem haver lugar a despacho de aperfeiçoamento (cf art. 641º, nº2, do CPC).

Nem se digaque a mera remissão para a Base de Dados em que se encontram publicados os acórdãos indicados pela recorrente satisfaz as exigências legais.[3]

Se assim fosse, o legislador não teria deixado de o dizer. Não o tendo feito, não pode, como sabemos, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cf. art. 9º, nº2, do CC).

Por outro lado, e ao contrário do sustentado pela reclamante, cremos que a decisão sob reclamação não violao princípio da cooperação, consagrado no art.7.º do CPC, o qual, como se sabe, não é absoluto ou ilimitado, nem pode, naturalmente, servir para obstar à aplicação de comandos legais que, perante determinada conduta (omissiva) das partes, extraem as respetivas consequências processuais.

Finalmente, é de afastar a alegada violação de preceitos constitucionais, designadamente do art. 20º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois as garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva contempladas naquele normativo não são incompatíveis com a existência de regras processuais, dispondo o legislador ordinário de ampla liberdade de conformação nesta matéria.

A garantia do acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso, pelo que o legislador ordinário não poderia, por exemplo, e no limite, abolir o sistema de recursos na globalidade, ou estabelecer constrangimentos que na prática o inviabilizassem.

Podem, todavia, ser definidos requisitos de admissibilidade dos recursos, como sucede relativamente à norma constante do art. 637º, nº2, do CPC, a qual inequivocamente traduz uma adequada e proporcionada ponderação de todos interesses em presença por parte do legislador ordinário.


- III -


7. Nestes termos, acorda-se em indeferir a presente reclamação para a conferência, confirmando-se integralmenteo despacho proferido pela relatora.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 6.6.2019



Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu


__________

[1] Não cabendo aqui aprofundar as diferenças entre o recurso extraordinário de revista excecional previsto no art. 672.º, n.º 1, al. d), do CPC e o recurso ordinário de revista ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, vide, a este propósito, o Acórdão do STJ de 22/02/2007, proc. n.º 14127/14.8T8PRT.P1.S.1 (Tomé Gomes).
[2] Acompanhando este entendimento, cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 135.
[3]Note-se quea situação retratada no ac. deste STJ de 9.1.2019, proc. 135/18.3YHLS-A.L1.S1, que a reclamante traz agora à colação, tem contornos completamente distintos do caso que nos ocupa. Com efeito, naquele processo, o recorrente identificou nas alegações o acórdão-fundamento e protestou juntar a respetiva cópia certificada, com nota do trânsito em julgado, o que veio efetivamente a fazer; no caso em apreço, com o requerimento de interposição do recurso, a recorrente não junta a cópia do acórdão fundamento, nem adianta qualquer justificação para tal omissão.