Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
51/14.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MELO LIMA
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
JUIZ
DELIBERAÇÃO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
INSPECÇÃO JUDICIAL
PRAZO
CLASSIFICAÇÃO
NULIDADE
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPARCIALIDADE
IMPEDIMENTO
ANULAÇÃO
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo civil”, Anotado, 1.º vol., p. 388; 5.ºvolume, p. 143.
- GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” ANOTADA, VOL. II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pp. 589, 590, 596, 597,793, 803.
- IRENEU BARRETO , “Notas para um Processo Equitativo...” in Documentação e Direito Comparado , nºs 49/50 , pp. 114 e 115 .
- JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo civil”, Anotado, VOL. I, 3ª EDIÇÃO, Coimbra Editora, p.. 381.
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J.PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, pp. 244, 245, 247, 591, 601, 603.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 615.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 1.º.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 6.º, 44.º A 51.º, 124.º, N.º1, AL. B), 125.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 205.º, N.º1, 216.º, N.º5, 217.º, N.º1, 218.º, 266.º, 268.º, N.º3.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS, NA REDACÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 3/99, DE 13-01: - ARTIGO 12.º.
LEI Nº 21/85, DE 30 DE JULHO - ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 34.º, 35.º, N.º2, 36.º, 37.º, 136.º, 149.º, ALS. A) D) E E), 161.º, N.º 3, 178.º.
REGULAMENTO DAS INSPECÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGOS 2.º, N.º1, 4.º, 7.º, 8.º, N.º2, 5.º, N.º1, 6.º, N.º 3, 15.º, N.º2, 17.º, N.º1, ALÍNEAS C) D), E) E F), N.º2, 21.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE ADMINISTRATIVO:
-DE 14.08.2002 (PROCESSO Nº01160/02);
-DE 23.04.2003 (PROCESSO Nº 0651/03).
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05.11.2002, PROC. N.º 047814, EM WWW.DGSI.PT
-DE 05.05.2005, PROC. N.º 05B839, EM WWW.DGSI.PT
-DE 12.05.2005, PROC. N.º 05B840, EM WWW.DGSI.PT
-DE 18.04.2006, PROC. N.º 06A871, EM WWW.DGSI.PT
-DE 30.04.2014, PROC. Nº 319/10.2TTGDM, EM WWW.DGSI.PT
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-Nº 227/97, IN DR – II SÉRIE, Nº146, 7383; N.º 61/02; AMBOS WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :

I - Nem da periodicidade prevenida, quer no EMJ (art. 36.º, n.º 1), quer no RIJ (art. 5.º, n.º1), nem da definição dos «Elementos a considerar nas classificações» (art. 37.º do EMJ) ou da regulamentação estabelecida no Capítulo III (arts. 13.º a 19.º do RIJ), relativa ao «Procedimento de inspecção ao serviço de juízes», decorre o estabelecimento de uma obrigatoriedade absoluta de apreciação, in singulos, de cada um dos tempos que integrem o exercício sob avaliação.
II - A delimitação temporal prevista no art. 6.º, n.º 3, do RIJ não pode significar outra coisa que não seja a fixação de um mínimo de tempo de serviço que, de forma adequada, consinta a realização da pretendida avaliação do serviço prestado. Com menor limite de tempo, inexiste tempo suficiente para uma fundamentada e/ou justificada avaliação do serviço. O facto de não ter sido considerado o trabalho desenvolvido entre Maio de 2008 a Agosto de 2008 pelo recorrente não implica a violação de disposição legal nem omissão de acto relevante para a decisão final de avaliação.
III - É nula a sentença sempre que o juiz deixe de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA e art. 178.º do EMJ. O tribunal tem que decidir a questão posta mas não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a pretensão da parte. Na deliberação sub iudicio, o Plenário cuidou em identificar as questões para que foi convocado a pronunciar-se, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia.
IV - A fundamentação não pode obviar a uma parametrização gizada à luz do princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se que a mesma seja, no mínimo, suficiente, inteligível e congruente. De acordo com o art. 125.º do CPA é de acolher o entendimento segundo o qual a referência à exposição sucinta dos fundamentos deflui que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar. Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade.
V - No que respeita ao exercício jurisdicional, é indubitável que, num Estado de Direito, a solução jurídica dos conflitos deverá fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade (arts. 218.º e 266.º, ambos da CRP). Estas regras devem ser analisadas numa dupla vertente: a subjectiva e a objectiva, na ideia de que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.
VI - Aos impedimentos que aos Juízes de direito cumpre respeitar no exercício da iuris dictio, acresce o dever de igual respeito relativamente aos impedimentos legalmente estabelecidos quando no exercício de função tipicamente administrativa, como seja aquela que são chamados a exercer enquanto vogais do CSM (cf art. 161.º, n.º 3, do EMJ e arts. 6.º e 44.º a 51º, todos do CPA).
VII - Os juízes vogais que tiveram intervenção na deliberação do Permanente (1 deles enquanto relator desta) e do Plenário do CSM que atribuiu a classificação de Bom com Distinção ao recorrente, apresentam, no plano objectivo, um interesse directo e pessoal na classificação que vier a ser definitivamente atribuída ao recorrente, porque, se for obtida por este a classificação de Muito Bom, tal irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o recorrente ocupará em relação àqueles, ficando este a ocupar uma posição mais adiantada na classificação do que aqueles.
VIII - Estamos perante um interesse impeditivo de cada um dos juízes vogais, isto é, existe um objectivo conflito de interesses. Na aparência objectiva não se pode ilidir o interesse da cada um dos vogais em causa relativamente à classificação a atribuir ao recorrente.
IX - A deliberação recorrida é assim inválida por violação das garantias de imparcialidade, anulável nos termos do art. 51.º do CPA, face à confirmação do impedimento, existente mas não declarado.
Decisão Texto Integral:

*

Acordam os Juízes Conselheiros que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA, Juiz ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, interpor recurso da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 2014, que decidiu atribuir-lhe a classificação de serviço de «BOM COM DISTINÇÃO».

Sob o pedido de que seja declarada nula ou, caso assim se não entenda, seja, nos termos do disposto no artigo 135º do CPA, anulada a deliberação impugnada, invocou os seguintes fundamentos, que se sintetizam:

1.1 Vício de omissão de pronúncia [Artigos 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artº 178º do EMJ]:
Posto que o período de inspeção compreendesse o exercício entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a deliberação impugnada nada referiu quanto ao trabalho desenvolvido no hiato de 27 de maio a 15 de setembro de 2008: para além de não ter considerado o trabalho desenvolvido nesse período, «sequer teceu qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do A.».
   

1.2 Vício de falta de fundamentação [Artigos 268º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP); 124º, nº1, al. a) e 125º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA); 16º do Regulamento Interno do Conselho Superior da Magistratura (RICSM)]:
A fundamentação da deliberação impugnada revela-se manifestamente insuficiente, sobretudo se atendermos que aí foi fixado um novo conjunto de factos – numerados de 1 a 15, na pág. 39 da deliberação, sob o dístico «da reclamação ressalta a seguinte factualidade a apreciar» - sobre o qual o R. não teceu qualquer juízo valorativo, não se alcançando, por isso, em que medida é que o mesmo contribuiu, ou não, para o sentido decisório.
De igual passo, correspondendo a alínea B) da Reclamação apresentada pelo A., na sequência da deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 18 de março de 2014, a um conjunto de refutações demonstrativas do erro nos pressupostos de facto de que tal deliberação padecia, a deliberação ora impugnada, «sobrevoando» «olimpicamente» as razões jurídico-fundamentais subjacentes à reclamação, limita-se a concluir no sentido da verificação de «um diferente entendimento/discordância», «mas sem que se detete qualquer vício que inquine a deliberação reclamada».

1.3 Violação do princípio da imparcialidade [Artigos 266º/2 da CRP; 6º, 44º, nº1, al. c), 47º/2 do CPA]:
Quatro dos vogais do CSM, que assinaram a Deliberação sub iudicio – a saber: (i) Juiz ... BB (relator da Deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 18 de março de 2014); (ii) Juíza ... CC (Relatora da Deliberação impugnada); (iii) Juiz ... DD; (iv) Juiz ... EE – «têm um interesse direto e pessoal na classificação de serviço que for atribuída em definitivo ao A.», «porquanto tal classificação irá influenciar o número de ordem que o mesmo ocupará em relação a estes quatro vogais do CSM em futuro movimento judicial.»
Dizer, concretizando: «[s]e o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de ‘MUITO BOM’, continuaria a ocupar a posição nº 155 quanto à antiguidade, mas já teria o número de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação a estes quatro ilustres vogais do CSM».
Destarte, estavam aqueles vogais impedidos de participar na produção da deliberação impugnada, antes «deveriam ter-se abstido de intervir no presente processo de inspeção
À sobreposse: «entender-se que aos vogais do CSM não se aplicam os impedimentos consagrados no art.º 44º do CPA, ex vi do art.º 178º do EMJ, é realizar uma interpretação inconstitucional de tais preceitos, porquanto a mesma é manifestamente violadora dos princípios a que a Administração está vinculada, nomeadamente os da legalidade, da justiça e da imparcialidade, consagrados nos artigos 2º e 266º, nºs 1 e 2, da CRP

1.4 Erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais [Artigos 33º, 34º/1 e 37º/1 do EMJ; 13º, 15º, 16º,nº1, als. a) e b) do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ)]:
No que tange à «capacidade humana para o exercício da profissão», resulta da Deliberação impugnada que «não há que relevar qualquer crítica, antes é de saudar a sua inegável capacidade e sensibilidade humana para o exercício da função de magistrado judicial».
No que à «adaptação ao serviço» diz respeito, deflui da Deliberação sub specie que, «não obstante se efetuarem alguns reparos (‘pontuais’ ou ‘ocasionais’)», não deixou de se afirmar que «[n]uma perspetiva de síntese conclusiva neste exercício da NUT a prestação do Sr. Juiz AA é muito positiva, e a orientação que imprime ao serviço a seu cargo, mostra-se ajustada às solicitações do cargo, à complexidade dos processos e às características do meio social e económico de cada uma das comarcas integradas».
No que concerne à «preparação técnica» do A., decorre da mesma Deliberação «que é, em regra, positiva ou muito positiva, ‘sendo indiscutível o acerto final das decisões e das penas cominadas e o bom recorte técnico das peças elaboradas, qualidades que atravessam os seus acórdãos’, no âmbito da jurisdição penal, e ‘manuseia com acerto os institutos jurídicos e apresenta uma visão integrada do ordenamento jurídico’, quando atuando no seio da jurisdição cível.»
«É certo que a Deliberação impugnada não deixa de dar como assentes alguns reparos à preparação técnica do A.» contudo, «tais reparos ou sugestões não são suficientes para deixarmos de afirmar que estamos perante uma prestação meritória», sendo certo, ainda, que «estamos perante reparos que não merecem consenso no seio dos processos de inspeção, como sejam os relativos à inclusão de juízos conclusivos ou de conceitos jurídicos na fixação da matéria de facto (…) ou não se afiguram como críticas relevantes (…) suscetíveis de influenciar a positividade da atuação do A.»
De todo o modo, «a classificação do serviço do A. há-de assentar não na análise individual de cada um dos critérios de avaliação instituídos no art.º 13º do RIJ, mas outrossim na imagem global do seu desempenho como resultado da soma das avaliações individuais apuradas.»
Ora, in casu, «a prestação funcional do A. não pode deixar de ser considerada global e amplamente meritória, porquanto da análise individual de cada um dos critérios de avaliação estabelecidos no artº 13º do RIJ, sempre resulta uma atuação positiva ou muito positiva, sendo que somente quanto à preparação técnica a prestação do A. mereceu reparos menos positivos, que, ainda assim, não deixam de ser excecionais».
Desta arte, «considerando, por um lado, a carreira e aprestação francamente positiva» por parte do A., e, por outro, a dimensão normativa dos preceitos aplicáveis, a classificação de serviço mais ajustável ao seu desempenho global durante o período sob inspeção, seria a de ‘MUITO BOM’, sob pena de «manifesto erro na apreciação dos pressupostos jurídico- factuais», a determinar a anulação, por ilegal, da Deliberação tomada.

2. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, na apreciação prévia prevista no artº 173º/1 do EMJ, pronunciou-se no sentido da inexistência de alguma questão que obstasse ao conhecimento do recurso.

3. Citado, o Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, formulando a conclusão de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente, consignando, relativamente a cada um dos itens que sustentam aquele, as razões por que os mesmos devem improceder.

4.Observada a notificação a que alude o artº 176º do EMJ, apresentaram alegações:

4.1 O Recorrente, Juiz AA:

Depois de tecidas «breves considerações de direito» (sic), enunciou uma série de conclusões no sentido da verificação dos vícios que deixou apontados no peticionado recursivo - vícios já acima sintetizados e que despiciendo se tornaria, agora, repetir – rematando no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.

4.2 O Conselho Superior da Magistratura:

Deu «por reproduzida a resposta à alegação de recurso elaborada ao abrigo do disposto no artº 174º do EMJ.»

5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta:

Emitiu Parecer no sentido de que «a Deliberação recorrida não enferma dos vícios apontados pelo recorrente e deverá ser mantida.»

6. Colhidos os Vistos e disponibilizado aos Ex. Mos Adjuntos o projeto, em suporte informatizado, é altura de decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. Delimitação objetiva do recurso

Constituem themas decidendum saber se a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 204:
i. Incorre no vício de omissão de pronúncia;
ii. Incorre no vício de falta de fundamentação;
iii. Viola o princípio da imparcialidade;
iv. Incorre em erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.

2. CONHECENDO

2.1 Vício da omissão de pronúncia.

2.1.1 Desenha-o o Ex.mo Juiz Recorrente sob o seguinte quadro fáctico-argumentativo:

 

(i) Abrangendo o período de inspeção o tempo de serviço compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a Exma. Senhora Inspetora Judicial, no Relatório Final que elaborou, apenas considerou para a avaliação do mérito do Recorrente, as funções exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012;

(ii) Na reclamação apresentada junto do Conselho Plenário do CSM, o Senhor Juiz/Recorrente, «para além de requerer esclarecimento quanto ao período efetivo a considerar», peticionou a retificação do erro e, desta arte, a contabilização, para efeitos da avaliação do seu mérito, do trabalho desenvolvido, durante cerca de três meses, enquanto juiz do Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de ..., com a cumulação de funções no Tribunal da Comarca de Tábua e no Tribunal de Execução de Penas de ...;

(iii) Porém, na Deliberação sob impugnação, o Plenário do CSM não só não considerou «o trabalho desenvolvido» no período em causa, como não teceu, sequer, qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do Recorrente.

Em causa, em síntese e conjugadamente: num primeiro momento, a omissão na avaliação inspetiva do trabalho desenvolvido no período 27.05.2008> 15.09.2008; num segundo momento, a omissão de pronúncia, por parte do Pleno do CSM, relativamente à Reclamação adrede aduzida.

2.1.2 Compulsada a documentação que suporta o presente recurso, são factos processualmente adquiridos, com relevância para o conhecimento da questão sub specie:

a) Constam do Relatório de Inspeção Judicial Ordinária, elaborado pela Exma. Inspetora Judicial, respeitante à Inspeção ao serviço prestado pelo Senhor Juiz/Recorrente:

a1) Do item «I – Registo biográfico e nota curricular»:
«[p]or deliberação do CSM datada de 15.07.2003, (o Recorrente) foi nomeado para o ...º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de ...; e, por deliberação de 19.03.2007, acumulando funções no Tribunal da Comarca de ... e, a partir de 28.02.2008, acumulando funções no Tribunal de Execução de Penas de ....

Por deliberação datada de 31.03.2008, é nomeado, a pedido, Juiz do Círculo de ....
Finalmente, por deliberação, datada de 31.03.2009, o Senhor Juiz foi transferido com preferência para a Comarca de ..., como Juiz de afetação exclusiva de ..., onde se mantém na atualidade.

(…….)
A presente inspecção ordinária inserida na planificação do ano de 2013 para a 13ª área, justifica-se pela prestação do Senhor Juiz no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 a 31 de dezembro de 2012, a qual se desenvolveu no ex-Círculo de ... e na qualidade de Juiz de afetação exclusiva na Comarca do ....» [Fls.48]

a2) Noutro passo, no item «II – Exercício da Função – Apreciação e Fundamentação, 2. Adaptação ao Serviço»:
«Balizada esta inspecção entre 27 de maio de 2008 [Nota de rodapé: “A anterior inspeção estendeu-se até 26/5/2008”] e 31 de dezembro de 2012, é de ordinário que, na análise do trabalho desenvolvido pelo Senhor Juiz AA avulta o seu desempenho enquanto juiz de exclusividade na área penal, com sede em ..., que perdura ininterruptamente por cerca de 3 anos, cargo para que foi nomeado desde a criação da comarca do ... – 14 de abril de 2009 – e aí se mantendo na atualidade; anteriormente exerceu no antigo círculo Judicial de ..., entre 1 de setembro de 2008 e até 13 de abril de 2009» [Fls. 49]

b) Na RESPOSTA ao Relatório de Inspeção Ordinária, o ora Recorrente, no «Item B) – Discordância quanto às notas apontadas», sob o número «III – pág. 18, nota 3 – A anterior inspeção estendeu-se até 26.05.2008», teceu as seguintes considerações:
«Por isso, indiquei e juntei (“TEP-decisões” e “relatório TEP”) parte do trabalho desenvolvido na acumulação do TEP de ... (no período posterior àquela data) que me parece relevante nalguns aspetos: embora se trate da área penal, tem outras vertentes.
Para além do rigor das decisões, proferidas como sentenças, existem os despachos de sustentação em matéria melindrosa (por força de [de] alterações introduzidas pela reforma de 2007 do Código Penal de 2007) e em que neguei liberdade condicional em situações em que o Conselho Técnico e o Ministério Público pugnavam pela libertação; dos recursos interpostos (todos pela mesma defensora) todas as decisões foram confirmadas.
Creio que será mais uma faceta de avaliação dentro da abrangência da presente inspeção.
Verifico que nada foi considerado a tal respeito.
Pelo menos, inexiste razão ou nota explicativa que justifique que tal trabalho não merece avaliação nesta sede inspetiva

c) Na «Informação Final», elaborada nos termos do Art. 18º, nº7, do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ), a Exma. Senhora Inspetora Judicial pronunciou-se sobre a antedita pretensão nos seguintes termos:
«A anterior inspeção ao trabalho do Senhor Juiz estendeu-se até 26 de maio de 2008, conforme consta a fls. 34 do PA, que recolhe o respetivo Relatório.
Ora como dali se extrai, essa inspeção integrou o serviço prestado pelo Senhor Juiz no ...º Juízo Criminal de ... e no ...º Juízo Criminal de ..., e considerou, igualmente, o trabalho prestado em regime de acumulação no Tribunal de ..., e no Tribunal de Execução de Penas de ....
Assim sendo, sem prejuízo do interesse manifestado pelo Senhor Juiz na apresentação de peças relativas ao serviço no TEP de ..., e por mim acolhido, entendo que a presente inspeção não tinha de incluir a avaliação específica do trabalho ali desenvolvido, pois que o Senhor Juiz exerceu aquele serviço em regime de acumulação entre 28 de fevereiro de 2008 e até 15 de julho de 2008, o que se revela, sem necessidade de desenvolvimentos, absolutamente irrelevante partindo do marco inicial de 27 de maio de 2008.»

d) No acórdão proferido pelo Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, em 18 de março de 2014,

d1) Com referência ao ponto decorrente das alíneas precedentes – com correspetiva transcrição quer da Resposta ao Relatório apresentada pelo Exmo. Sr. Juiz, quer da Informação Final, lavrada pela Exma. Senhora Inspetora Judicial - exarou-se o seguinte:
«2.2 Quanto à adaptação ao serviço, deixando de parte, porque meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013, em que o Exmo. Sr. Juiz ... exerceu funções no ...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., há que distinguir dois outros períodos: o de 1 de setembro de 2008 a 13 de abril de 2009; e o de 14 de abril de 2009 a 31 de dezembro de 2012

d2) Lavrou-se, a final, o seguinte decisum:
«[a]cordam os membros do Permanente do Conselho Superior da Magistratura em atribuir ao Exmo. Sr. Juiz ... AA, pelo seu desempenho no período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a classificação de Bom com Distinção.»

e) Na Reclamação desta Deliberação para o Plenário do Conselho (Artigos 165º e 167º, nº1, do EMJ), o ora Recorrente declarou (sob o item «I – Questões prévias – algo incompreensível no teor da deliberação») não compreender «o percurso lógico nem o mecanismo de raciocínio desenvolvido para atingir a permanente unanimidade» quanto, nomeadamente, a saber:
«g) Qual o período efetivamente abrangido pela inspeção: para o termo inicial, o relatório balança entre “15 de setembro de 2008” (pág. 64) e 27 de maio de 2008 (textualmente na pág. 64: “prestação do Senhor Juiz no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e pág. 65: “Balizada esta inspeção entre 27 de maio de 2008 e… ); a Deliberação, na pág. 86, diz “deixando de parte, porque meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013” (Nota de rodapé: «parece que ‘2013’ é mero lapso de escrita e deve ser lido como ‘2008’»); porém, ao definir o período da inspeção diz na primeira página e no ‘dispositivo’ da página final: «período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012» (Nota de rodapé: «pelo menos é uma questão de rigor, não apenas técnico…, mas de serviço efetivo.») [Fls. 29 – alínea g)]

f) Na Deliberação do Plenário do CSM, de 17 de junho de 2014, consignou-se:
«Especificamente quanto à questão da alínea g), resulta evidente que o período inspetivo é de 27 de maio de 2008 a 31 de dezembro de 2012, o que colhe inegável apoio no teor da deliberação reclamada, maxime no seu segmento decisório.»

2.1.3 Perante o quadro fáctico deixado desenhado importa, então, cuidar de saber se, como pretende o Exmo. Juiz Recorrente, a Deliberação tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura se mostra viciada a ponto de dever ser considerada nula ou anulável, por «omissão de pronúncia».

Se bem se interpreta o sentido conferido pelo Exmo. Juiz Recorrente ao segmento da instância recursiva sub specie, desenvolve-se o mesmo - como se deixou já anunciado em 2.1.1, in fine - sob duas vertentes: de uma parte, reage contra o facto de que, compreendendo embora o período de inspeção o tempo de serviço prestado entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a Exma. Senhora Inspetora Judicial apenas considerou para a avaliação do mérito do Recorrente, as funções exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012 – o que é dizer, não teve em conta na avaliação inspetiva o trabalho desenvolvido no período 27.05.2008> 15.09.2008 –; reage, outrossim, contra o Acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura na medida em que não só não considerou «o trabalho desenvolvido» no período em causa, como não teceu, sequer, qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do Recorrente, não obstante a reclamação adrede aduzida.

Estas duas vertentes que o Exmo. Recorrente cobre sob o mesmo manto jurídico é, antes, em termos restritos, passível de uma dupla consideração jusprocessual.

Seguramente, quando o Exmo. Recorrente se coloca no âmbito de uma falta de resposta à reclamação, imputa à decisão sob recurso o vício da omissão de pronúncia: deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar (Art. 615º, nº1, al. b) NCPC); diferentemente, porém, quando com referência ao ato inspetivo, põe em causa a omissão de avaliação – dizer, a não consideração do exercício jurisdicional no período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 15 de setembro do mesmo ano ([1]) –, o Exmo. Recorrente não pode deixar de se reportar à omissão de ato, segundo a previsão do art. 195º/1 do NCPC.

Verdade é que, sob esta segunda perspetiva, o Exmo. Juiz foi sucessivamente - na Resposta ao «Relatório da Inspeção Ordinária», depois na Reclamação para o Conselho Permanente do CSM e, finalmente, na Reclamação para o Plenário do mesmo CSM – apontando o que considerou constituir uma falha da inspeção judicial.

Impõe-se o conhecimento da questão sob uma e outra vertentes.

2.1.3.1 No que à omissão de ato/avaliação concerne.

Dispõe a norma ínsita no antedito artigo 195º/1 da lei adjetiva civil: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa

Dizer, «[s]alvo se a lei dispuser diversamente, o vício (“irregularidade”) não gera nulidade se (…) a omissão do ato ou da formalidade prescrita não influir no exame ou na decisão da causa, isto é, na sua instrução, discussão ou julgamento (Alberto dos Reis, Comentário, II, pág. 486)» ([2])

Apelando ao ensinamento do ora citado mestre de Coimbra, é o seguinte o sentido com que deve entender-se o passo «quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa»:
«Os atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos atos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.»
 

A relevância/irrelevância que ressuma do texto transcrito, subjazeu, como se entende, qual juízo de ponderação nas sucessivas tomadas de posição a respeito da inspeção judicial levada a efeito: em primeira mão, por parte da Exma. Inspetora Judicial, depois pelo Permanente do CSM e, finalmente, pelo Plenário do mesmo CSM.

Una voce, com o sentido último e único da irrelevância.

Dizer.

Da economia das sucessivas tomadas de posição – maxime, a partir da explicação dada pela Exma. Senhora Inspetora Judicial [Supra II, 2.1.2. alínea c)] resulta percetível para um declaratário normal que se formalmente o tempo de abrangência da inspeção era o compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, em termos de relevância prática – e, aqui, sem prejuízo da consideração dos trabalhos apresentados pelo Exmo. Juiz inspecionado, com referência a todo o tempo formalmente estipulado – o período sob consideração balizava-se entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012.

Porquê assim?

Recorde-se a justificação emprestada, desde logo, pela Exma. Inspetora Judicial:

«A anterior inspeção ao trabalho do Senhor Juiz estendeu-se até 26 de maio de 2008, conforme consta a fls. 34 do PA, que recolhe o respetivo Relatório.

Ora como dali se extrai, essa inspeção integrou o serviço prestado pelo Senhor Juiz no ...º Juízo Criminal de ... e no ...º Juízo Criminal de ..., e considerou, igualmente, o trabalho prestado em regime de acumulação no Tribunal de Tábua, e no Tribunal de Execução de Penas de ....

Assim sendo, sem prejuízo do interesse manifestado pelo Senhor Juiz na apresentação de peças relativas ao serviço no TEP de ..., e por mim acolhido, entendo que a presente inspeção não tinha de incluir a avaliação específica do trabalho ali desenvolvido, pois que o Senhor Juiz exerceu aquele serviço em regime de acumulação entre 28 de fevereiro de 2008 e até 15 de julho de 2008, o que se revela, sem necessidade de desenvolvimentos, absolutamente irrelevante partindo do marco inicial de 27 de maio de 2008.»

Pelo mesmo diapasão, de forma mais ou menos expressa ou tácita, afinaram o Permanente quando «deixou de parte», porque «meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013», bem como o Plenário quando, sem pôr em causa a justificada natureza «residual», num preclaro realce formal, repetiu a definição conferida pelo Permanente relativamente à delimitação do período inspetivo entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012.

Perguntar-se-á, de novo: um tal entendimento e uma tal prática, no (eventual) sacrifício do material ao formal poderão consubstanciar uma qualquer violação por que a lei declare nulo o ato ou a omissão e/ou poderão, de todo o modo, representar um sacrifício relevantemente negativo no exame inspetivo e deliberação final sobre o mérito na apreciação do serviço prestado pelo Exmo. Juiz recorrente?

Para uma resposta sob a vertente normativa (stricto sensu), importará, partindo da base da pirâmide, ter presente o alicerce constitucional em que assenta o Conselho Superior da Magistratura: «é um órgão constitucional autónomo, que tem como função essencial a gestão e disciplina da magistratura dos tribunais judiciais e cuja existência e composição satisfazem dois requisitos: (a) garantir a autonomia dos juízes dos tribunais judiciais, tornando-os independentes do Governo e da Administração; (b) atenuar de algum modo a ausência de legitimação democrática dos juízes, enquanto titulares de órgãos de soberania (…), envolvendo os dois órgãos de soberania diretamente eleitos – o PR e a AR – na composição do órgão superior de gestão da magistratura judicial» ([3])

Nos termos do art. 217º/1 da Lei Fundamental, competem ao Conselho Superior da Magistratura «a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar», «nos termos da lei».

Com o dizer-se «nos termos da lei», passa-se a um outro patamar, mais concretamente à Lei nº 21/85, de 30 de julho [Estatuto dos Magistrados Judiciais > EMJ] e ao que ela previne em termos de «Classificações» (Capítulo III), com particular relevância, no que ora importa, para os Critérios e efeitos das classificações (Art. 34º), Periodicidade das classificações (Art. 36º) e Elementos a considerar nas classificações (Art. 37º).

A partir dele (EMJ), como bem se assinala no Ac. TC nº61/02, «[c]ompetindo constitucionalmente ao CSM a gestão e a disciplina dos juízes, nelas compreendendo-se a classificação ou avaliação, têm de caber-lhe poderes para emitir normas regulamentares, tendo, assim, o Regulamento (…) cabimento na competência subjetiva e objetiva do respetivo órgão emissor.»

Vale dizer, prosseguindo na transcrição do aresto deixado identificado, «[p]or natureza, é inerente ao CSM, como órgão constitucional que é (…), o poder regulamentar, à semelhança do poder regulamentar do Governo (artigo 199º, alínea b) da Constituição), (….) não pode dizer-se que a Constituição imponha “qualquer numerus clausus das entidades com poder regulamentar”, apenas estabelecendo ela a inexistência de poder regulamentar não fundado numa específica lei anterior (precedência de lei)”.

Eis-nos chegados, assim, ao Regulamento das Inspeções Judiciais [RIJ].

Cabendo as normas deste nos poderes regulamentares do CSM, enquanto 'órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial' [Artigo 136º EMJ], o RIJ consubstancia o prolongamento das regras constantes do EMJ, que dele parte, qual fundamento legal, desde logo no que ao segmento do exercício da competência constitucionalmente atribuída da promoção concerne, para a densificação da normatividade prática reguladora das inspeções ao serviço dos juízes com vista à avaliação do respetivo mérito. [Artigos 149º, a) d) e e) do EMJ; 2º/1, al. b) do RIJ ([4])]

Retomando em mãos a questão relativa à verificação da eventual omissão de ato ou de formalidade decorrentes seja do EMJ, seja do RIJ, será de concluir, in casu, no sentido da inexistência de suporte normativo que consinta a ideia de uma positiva desconformidade legal.

Na verdade, nem da periodicidade prevenida quer no EMJ (Art.36º/1), quer no RIJ (Art.º 5º/1), nem da definição dos «Elementos a considerar nas classificações» (Artº 37º do EMJ) ou da regulamentação estabelecida no Capítulo III (Artºs 13º a 19º) do RIJ, relativa ao «Procedimento de inspeção ao serviço dos juízes», decorre qualquer estabelecimento de uma obrigatoriedade absoluta de apreciação, in singulos, de cada um dos tempos que integrem o exercício sob avaliação.

Um sentido bem diferente se recolhe aliás, de uma leitura sistemática do RIJ.

Dizer, numa perspetiva global, a partir do princípio reitor de que os serviços de inspeção do CSM hão de ter em vista «contribuir para a melhoria da qualidade do sistema de justiça, com especial incidência nas áreas da eficiência e da racionalização das práticas jurisdicionais, administrativas e de gestão» (Artº 2º/1 do RIJ), socorre-se o mesmo Conselho de um diferenciado tipo de inspeções – desde logo, umas aos tribunais, outras ao serviço dos magistrados judiciais -, distinguindo, no âmbito destas, as inspeções ordinárias e as inspeções extraordinárias: naquelas, tendo em vista a obtenção da informação acerca da prestação e do mérito dos juízes e a proposição ao CSM da adequada qualificação de serviço, sem prejuízo da especial ênfase à apreciação da aptidão do inspecionado para o exercício da função bem como à vertente pedagógica; nestas, as extraordinárias, a serem realizadas «quando o CSM, por motivo ponderado, entenda dever ordená-las e com o âmbito que, em cada caso, lhes fixar.» (Artºs 4º e 7º do RIJ)

Daqui decorre, se bem se ajuíza, um amplo poder discricionário que compete ao CSM na definição e/ou delimitação do exato âmbito de uma inspeção ao serviço de um magistrado judicial.

Pois não dispõe, ainda, o CSM de um outro tipo de inspeção - a inspeção complementar – na medida em que «pode» «por iniciativa própria ou a requerimento do inspecionado, sobrestar a atribuição da classificação quando, por motivo fundado, nomeadamente em caso de dúvida sobre a nota a fixar, decidir ordenar a realização de inspeção complementar ao serviço do magistrado judicial» ? (Artº 21º/3 RIJ)

Não é igualmente certo que «Os juízes de direito em comissão de serviço diferente da referida no número anterior [dizer: “em comissão de serviço em tribunais não judiciais”] são classificados se o Conselho Superior da Magistratura dispuser de elementos bastantes ou os puder obter através das inspecções necessárias»? (Arts. 35º/2 EMJ; 8º/2 do RIJ)

Da norma ínsita no art.º 6º/3 do RIJ, releva, de todo o modo e se bem se interpreta, uma conclusão de sentido diverso ao pretendido pelo Exmo Recorrente.

Dispõe-se aí: «A inspeção referida no número anterior [leia-se: inspeção ordinária classificativa dos juízes de direito] não deverá, por regra, ser efetuada antes do decurso dos primeiros seis meses de permanência dos juízes nos tribunais onde estiverem colocados aquando do início da inspeção

Uma tal delimitação temporal não pode significar outra coisa que não seja a fixação de um mínimo de tempo de serviço que, de forma adequada, consinta a realização da pretendida avaliação do serviço prestado. Como dizer: com menor limite de tempo, inexiste tempo suficiente para uma fundamentada e/ou justificada avaliação do serviço.

Eis-nos, desta arte, chegados à questão concreta relativa ao tempo que o Ex.mo Juiz tem por indevidamente desconsiderado, não já na perspetiva da violação direta de disposição legal, mas no sentido de omissão de ato relevante para a decisão final.

Logo importará, todavia, tornar exato qual o tempo em causa: três meses, como pretende o Ex.mo Recorrente (Supra II, 2.1.1)? Ou cerca de mês e meio, contas feitas como se entende deverem ser feitas?

Em causa, segundo a posição assumida pelo Ex.mo Juiz, a não consideração do exercício jurisdicional no período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 15 de setembro do mesmo ano.

Acontece que, em 2008 – ano a que se reporta a solução de continuidade apontada – vigorava a “Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais”, na redação conferida pela Lei Nº 3/99, de 13 de janeiro, dispondo-se na norma ínsita no artigo 12º «As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 14 de setembro», tendo sido naquele mesmo ano de 2008, pela Lei Nº52/2008, de 28 de agosto, que a parte final da redação daquele normativo foi alterada para «de 16 de julho a 31 de agosto», com início de vigência reportado ao 1º dia útil do ano judicial seguinte ao da sua publicação (Art. 187º/1 da Lei Nº52/2008).

Vale assim dizer, que no tempo identificado como “hiato” [27.05.2008> 15.09.2008] impor-se-á, por via do necessário desconto do tempo de «férias judiciais», a redução do tempo útil para o período compreendido entre 27.05.2008 e 15.07.2008, ou seja um tempo útil de 1 mês e 20 dias.

Nesta conformidade questionar-se-á, desde logo, a razoabilidade em se pretender exigir que o staff inspetivo se vá instalar num tribunal tendo em vista, relativamente a um tão curto período de tempo, proceder ao «Exame de processos, livros e papéis, findos e pendentes, na medida do (…) necessário para firmar uma segura convicção sobre o mérito do inspeccionando», à recolha da «Estatística do movimento processual»; à «Conferência de processos»; à «Visita das instalações». (Artº 17º/1, alíneas c) d), e) e f) RIJ) ([5])

Irrazoabilidade e inadequação com referência à pretendida justa ponderação das «circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal coletivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas» (Art.º 15º/2 RIJ; no mesmo sentido, Art. 34º/1 EMJ)

Ainda assim.

Impõe-se, de todo o modo, a tomada em linha de consideração que o Exmo. Juiz, ciente, por certo - na sequência da notificação adrede levada a cabo (Cfr. Fls. 20 do Apenso) - no sentido de que podia interferir na inspeção ao serviço que lhe era levada a efeito, usando da faculdade prevenida no artigo 17º nº2 do RIJ, indicou e juntou: «(“TEP-decisões” e “relatório TEP”) parte do trabalho desenvolvido na acumulação do TEP de ... (no período posterior àquela data) que (lhe)…parece(u) relevante nalguns aspetos: embora se trate da área penal, tem outras vertentes.» (Cfr. Fls. 210 do Apenso)

Junção que não foi produzida em vão, visto o respetivo acolhimento pela Exma. Senhora Inspetora Judicial [Supra II, 2.1.2, alínea c)] e, se bem se interpreta, a posição assumida pelo Conselho Permanente do CSM quando refere: «[q]ue o Exmo. Sr. Juiz fez tudo o que teve para fazer – e ainda mais, pois acumulou funções – e que o fez com qualidade.» [Apenso 1, Fls. 275 > 327]

2.1.3.2 No que à omissão de pronúncia concerne.

Conforme já referido em I, 1.1 o Exmo. Recorrente fez coincidir o vício da omissão de pronúncia com a ausência de qualquer comentário na deliberação impugnada quanto à (ir)relevância, na avaliação do A., do trabalho por si desenvolvido no hiato de 27 de maio a 15 de setembro de 2008, tendo assim por cometida a nulidade prevista no Art. 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi Arts. 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 178º do EMJ.

Pretende o Exmo. Recorrente, em termos práticos, que a deliberação recorrida seja revogada e substituída por outra que se pronuncie quanto ao trabalho desenvolvido no período compreendido entre 27 de maio e 15 de setembro de 2008.

Nos termos do artigo 615º, nº1, do NCPC é nula a sentença quando: a) (….); b) (…); c) (…); d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento

Em causa, um vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art. 608º, nº2 do NCPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. 

Vício relativamente ao qual importa, ainda, definir o exato alcance do termo «questões» por constituir o punctum saliens da nulidade.

Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de Alberto dos Reis, na distinção a que procedia:

«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»

«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» ([6])

O mesmo é dizer, conforme já decidido neste STJ, «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente». ([7])

Isto posto.

O Exmo. Juiz Recorrente, em sede de alegações produzidas neste recurso, depois de referir:
«[p]orque não foram considerados cerca de três meses do trabalho que por si foi desenvolvido enquanto juiz do ...º juízo criminal do Tribunal da Comarca de ..., com acumulação de funções no Tribunal da Comarca de ... e no Tribunal de Execução de Penas de ... (…) o Recorrente, na reclamação que apresentou junto do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), para além de requerer esclarecimento quanto ao período efetivo a considerar, peticionou, ainda, a retificação deste erro, assim como a contabilização, para efeitos da avaliação do seu mérito, de todo o trabalho desenvolvido em tais comarcas no período de 27 de maio de 2008 a 15 de setembro de 2008.» [Fls. 114]

concluiu no sentido de que a Deliberação do Plenário se mostra inquinada do vício de omissão de pronúncia na justa medida em que
«[a]penas veio esclarecer que o período efetivamente sob escrutínio era o compreendido entre 27 de maio de 2008 a 31 de dezembro de 2012, nada referindo quanto ao trabalho desenvolvido  pelo Recorrente no hiato de 27 de maio a 15 de setembro de 2008»

sendo certo que,


«[p]ara além de não considerar o trabalho desenvolvido nesse período, sequer teceu qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do Recorrente».

Cuidar-se-á, agora, saber se, efetivamente, o Plenário do CSM, na Deliberação tomada, «deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», incorrendo na nulidade de omissão de pronúncia.

Foi feita já referência ao alcance do termo «questões» por constituir o punctum saliens da nulidade.

In casu, importará ter em conta o que na Reclamação do Exmo. Juiz Recorrente consubstanciou «questão» e sua justa delimitação.

Consubstanciação que, seguramente, não coincidiu com a leitura feita pelo Plenário do CSM, quando apreendeu daquela Reclamação uma delimitação inferior à que o Exmo. Juiz enuncia em sede de alegações.

Dizer.

Na Deliberação sub iudicio, o Plenário cuidou em identificar as questões para que era convocado a pronunciar-se.

Fê-lo do seguinte modo:


«Em primeira linha, o Exmo. Juiz invoca questões prévias que pretende serem algo incompreensíveis do teor da deliberação e que se poderão sintetizar em três grupos: (i) relativa a factos [alíneas a) a e)]; (ii) questões concretamente colocadas [alíneas f), g), i) e j)]; (iii) diferente interpretação efetuada pelo Exmo. Juiz [alíneas h) e K)]
A primeira questão já foi analisada e decidida em matéria de facto, conforme constante supra.
Quanto ao segundo grupo de questões, as identificadas sob as alíneas f), i) e j), reconduzem-se a questões que o Exmo. Juiz coloca à luz do que ao longo da reclamação vai expondo ser o seu entendimento, sendo certo que a este propósito, a deliberação reclamada é clara, tendo acolhido o constante do relatório de inspeção e cabendo ainda ter presente o vertido na informação final.
Especificamente quanto à questão da alínea g), resulta evidente que o período inspetivo é de 27 de maio de 2008 a 31 de dezembro de 2012, o que colhe inegável apoio no teor da reclamação reclamada, maxime do seu segmento decisório.
O último grupo de questões assenta exclusivamente em diferente interpretação efetuada pelo Exmo. Juiz, pelo que, sendo legítimo que não aceite o sentido conferido na deliberação reclamada, facto é que nada há a censurar ao mesmo.» [Fls. 72]

Ora, em boa verdade em que termos foi posta a questão pelo Exmo. Recorrente na alínea g) da Reclamação para o Plenário do CSM?

Sob a epígrafe «I - Questões prévias – algo incompreensível no teor da deliberação», o Exmo. Juiz deu conta da subsistência de «algumas dificuldades para o entendimento daquela decisão», dizendo, nomeadamente, «não compreender o percurso lógico nem o mecanismo de raciocínio desenvolvido para atingir a permanente unanimidade», quanto, entre outros, ao seguinte aspeto: «g) - Qual o período efetivamente abrangido pela inspeção: para o termo inicial, o relatório balança entre “15 de setembro de 2008” (..) e 27 de maio de 2008; a deliberação, na pág. 86, diz “deixando de parte, porque meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013”; porém, ao definir o período de inspeção diz na primeira página e no “dispositivo” da página final: “período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012».[Apenso 1, Fls. 327 e 329]

Feita a leitura in integrum da Reclamação, agora sob apreço, são estes os limites da questão posta ao Plenário e não os alargados que o Exmo. Recorrente aponta no recurso interposto.

Não se olvida que, no uso do direito de «RESPOSTA AO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO ORDINÁRIA» (Artº. 18º/6 RIJ) [Apenso 1, fls.206 > 262], o Exmo. Juiz, quer no item «III – pág. 18, nota 3», «A anterior inspeção estendeu-se até 26.05.2008», quer na alínea C) “Elementos / factos relevantes que devem ser considerados”, apelou à valoração do trabalho desenvolvido na acumulação do TEP de ....

Pretensão que até encontrará fundamento de compreensão quando se tome em linha de consideração que, tendo sido notificado, pelo ofício em que a Exma. Senhora Inspetora Judicial lhe comunicou que «a partir de 29 de abril de 2013, daria início à Inspeção Ordinária ao seu serviço prestado no Tribunal de Execução de Penas de ..., ex-Círculo de ... e Juízos de ... – afetação exclusiva», e o convidava, «a apresentar trabalhos até ao máximo de dez, reportados ao período de 27-05-2008 a 31-12-2012 e,

bem assim, uma exposição breve sobre as circunstâncias em que ocorreu o seu desempenho que entenda pertinentes aos objetivos da inspeção…» [Apenso 1, Fls. 20], vê, depois, ser posto «de parte, porque meramente residual» o período de 27 de maio de 2008 a 31 de agosto de 2018.

Todavia, sobre a conformidade legal e/ou procedimental da assunção de natureza residual do antedito lapso temporal, assumiu-se já posição em 2.1.3.1 (omissão de ato/avaliação).

Neste momento a questão que se impõe conhecer e decidir tem a ver com a apontada nulidade de omissão de pronúncia.

Cuja solução não pode ser outra que não seja, na atenção aos justos limites em que foi colocada pelo Exmo. Juiz Recorrente, tê-la por não verificada.

Expondo o Exmo. Juiz as dificuldades de alma experienciadas na leitura da Decisão tomada pelo Conselho Permanente a cujo «entendimento» não lograva chegar, questionou na Reclamação «Qual o período efetivamente abrangido pela inspeção».

Esta a «questão» colocada.

E à questão assim colocada respondeu o Plenário do CSM, nos termos que despiciendo seria repetir.

Valendo na leitura desta resposta quanto se deixou exposto no antecedente item 2.1.3.1.

*

Em formulação de síntese, dir-se-á:
· Na inspeção ordinária que precedeu a inspeção agora sob apreciação, foi considerado um tempo de serviço com limite ad quem reportado a 26 de maio de 2008 [Fls.174 do Apenso 1 – Relatório da Inspeção].
· O tempo de abrangência da inspeção sob apreciação respeita, em termos formais, ao período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012 e, em termos práticos, ao período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012. (Cfr. Fls. 171 e 174 do Apenso 1 – Relatório da Inspeção)
· O período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 15 de setembro do mesmo ano, que incluiu o tempo de dois meses de férias judiciais (15 de julho a 15 de setembro), não foi objeto de inspeção específica, antes, sem prejuízo do acolhimento conferido pela Exma. Inspetora Judicial aos trabalhos apresentados relativos àquele período, foi considerado pelo CSM «meramente residual».
· A apreciação conjugada de tal designação, daquele acolhimento e do tempo muito relativo de exercício (1 mês e 20 dias) ilide a existência de uma qualquer prática de ato que a lei não admita ou de omissão de ato cuja irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
· Não se verifica a apontada nulidade de omissão de pronúncia, na Deliberação tomada pelo Plenário do CSM, na justa medida em que foi aí conhecida e decidida a questão suscitada pelo Exmo. Juiz.

Improcede, desta arte, a argumentação adrede deduzida pelo Exmo. Recorrente.

2.2 Vício da falta de fundamentação.

O segundo fundamento com vista à declaração da nulidade/anulabilidade da Deliberação, identifica-o o Recorrente com a falta de fundamentação.

Falta de fundamentação que explicita sob dois vetores:

(i) Não obstante o Plenário do CSM ter considerado a existência de um novo conjunto de factos com relevância para a determinação da classificação de serviço do Exmo. Recorrente – «numerados de 1 a 15» [Fls.65 >67] - «certo é que acaba por não tecer qualquer juízo valorativo acerca da mesma (factualidade), não demonstrando de que forma e em que medida é que essa factualidade contribui(u) para o sentido decisório ora impugnado». [Artigos 19º e 23º do Recurso, Fls. 8 e 9]

(ii) Conquanto na Alínea B) da Reclamação o Exmo. Recorrente tivesse deduzido «um conjunto de refutações» à Deliberação do Conselho Permanente do CSM, «suportadas documentalmente» e «através das quais (..) demonstra(va) o erro nos pressupostos de facto de que padecia tal deliberação», a Deliberação do Plenário do CSM não justificou «juridicamente e factualmente o porquê de tais refutações não poderem proceder.» [Artigos 27º a 32ºdo Recurso, Fls. 9 e 10]

Quid iuris?

2.2.1 O dever de fundamentação encontra, desde logo, fundamento jurídico-constitucional, seja com referência à Administração [Artigo 268º/3 da Constituição da República (CRP): «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos»] seja com referência aos Tribunais [Artigo 205º/1 CRP:  «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

É, aliás, como se entende, pelo cumprimento do dever de fundamentação que tanto a decisão administrativa quanto a iuris dictio logram, de uma parte, firmar a sua legitimação democrática e, de outra, proporcionar ao cidadão e/ou às partes no processo a razão ou razões seja do ganho de causa seja do decaimento nas pretensões formuladas, propiciando, relativamente a estas, a formulação de um juízo quanto à viabilidade de uma impugnação via reclamação ou recurso.

Fundamentação: com que limites?

O entendimento praticamente unânime, ao nível deste Supremo Tribunal de Justiça, aponta para limites apertados, de acordo com os quais, em formulação negativa, a falta de fundamentação apenas é identificável com a «total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão» ([8]), com a «falta absoluta da fundamentação de direito e não também (com) a sua eventual sumariedade ou erro» ([9]), não bastando, enfim, «que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente» ([10]), que seja «uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final». ([11])

Menos restritamente, dever-se-á entender, se bem se ajuíza, que a fundamentação não poderá obviar a uma parametrização gizada à luz do princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se, desta arte, que a mesma seja, no mínimo, suficiente, inteligível, congruente.

Na assunção de um critério geral, dir-se-á, ainda, com Rogério Soares e Vieira de Andrade «[q]ue sob o conceito de fundamentação, se encontram duas exigências de natureza diferente: por um lado, está em causa a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real (ou de facto) ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respetiva consequência; por outro lado, nas decisões discricionárias está em causa a motivação, ou seja, a exposição do processo de escolha da medida adotada, que permita compreender quais foram os interesses e os fatores (motivos) que o agente considerou nessa opção.» ([12])

Dando os primeiros passos no sentido do conhecimento concreto da questão sub specie, atender-se-á, desde logo, à imperatividade, in casu, do dever da fundamentação, já por via do sobredito fundamento constitucional, já por exigência imediata da lei ordinária – artigo 124º, nº1 al.b ) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) quando dispõe:
«Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente: b)Decidam reclamação ou recurso».

Ter-se-ão em conta, outrossim, os «Requisitos da fundamentação» definidos, em particular nos itens 1 e 2 do artigo 125º do referido CPA:
«1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato; 2. Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.»

Uma breve nota de referência ao pressuposto de que a exposição ou expressão dos fundamentos do ato deve ser sucinta, para significar, transcrevendo Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/ J.Pacheco de Amorim, que «como se diz «no Ac. do STA de 8.VI.95, 1ªSecção, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar…» : «Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade».([13])

2.2.2. O primeiro ponto que, em concreto, o Exmo. Juiz apontou como revelador de uma fundamentação manifestamente insuficiente, respeitou ao novo conjunto de factos fixado na Deliberação sob recurso, «sobre o qual [o Plenário do CSM] não teceu qualquer juízo valorativo, não se alcançando, por isso, em que medida é que o mesmo contribuiu (ou não) para o sentido decisório impugnado».

O novo conjunto de factos a que o Exmo. Juiz se reporta constam do seguinte excerto da Deliberação:


«Da reclamação ressalta a seguinte factualidade a apreciar:
1. De 12.11.1990 até ao seu ingresso no CEJ, o Exmo. Juiz foi docente na Faculdade de Direito da Universidade de ..., leccionando as disciplinas de processo civil II (executivo) no 1° semestre e direitos reais no 2° semestre.
2.Frequentou, na mesma Faculdade, mestrado na área de Ciências Jurídicas nas seguintes disciplinas: Direito Civil, Direito Comercial e Direito Processual Civil, que interrompeu quando ingressou no CEJ;
3. Foi juiz formador do CEJ de Setembro de 2005 até 2007;
4. Tem publicados os seguintes trabalhos em verbojutidico.net: - “Sobre a obrigatoriedade da transcrição integral para a acta das declarações gravadas em audiência”; este estudo foi citado e logrou adesão à sua interpretação no estudo relativo à transcrição para a acta das declarações prestadas em audiência de julgamento nos quatro votos de vencido do assento n° 2/2003, de 16.01.2003 do STJ [DR, 1 — série A, de 30.01.2003, págs 626, 627 e 628]; “Difamação. Prisão por dias livres” (sentença); “Actos sexuais em menores” (sentença).
5. As sentenças no âmbito das acções identificadas foram proferidas nos seguintes prazos:

Sentenças de 01/04/2008 a 13/04/2009:
NÚMEROESPÉCIEDATA DA CONCLUSÃODATA DA PROLAÇÃO
1086/07.2TBANDAc. Ordinária02.01.200928.02.2009
1203/060TBAN»»02.10.2009
18/08.5TBAND»26.11.200803.12.2008


6.O Exmo. Juiz proferiu 73 acórdãos em ..., contando assim o número total de 197 decisões prolatadas.
7. Na Comarca do ..., o Exmo. Juiz presidiu ao global de 197 julgamentos (124 contabilizados supra a que acrescem 73 em ...) e presidiu a um julgamento com intervenção do tribunal colectivo no âmbito de uma acção sob a forma de processo ordinário, tendo dado a resposta à respectiva matéria de facto e prolatado a sentença.
8. Em ..., o Exmo. Juiz procedeu a 34 julgamentos da matéria de facto da jurisdição cível, tendo proferido as respetivas decisões.
9- Teve intervenções como adjunto nos julgamentos presididos pelo Exmo. Juiz Dr. ... em cerca de 205 audiências de julgamento com participação na sala de audiência e depois na respetiva deliberação bem como nas “colaborações” em ..., ...e ....
10. Fez julgamentos (e respectivos acórdãos), em resultado de apensações de processos, pelo menos, nos seguintes casos:
10.1- ...:
49/10.5GBAND + 3 apensados (185/09.OGBAND, 368/09.3GBAND e 550/10.OGBAND) - (pág. 87 do apenso);
10.2- ...:
995/09.9GBAGD + 1009/09.4GBAGD;
184/09.2 GBAGD + 3 apensados (210/09.5GCAGD + 1187/09.2GBAGD + 1052/09.3GBAGD);
10.3- ...:

431/10.8JAAVR + 651/10.5GBILH;
409/10.IGAILH + 6 apensados (668/09.2GAILH + 258/10.7GAILH + 414/10.8GAILH + 510/10.IGAILH + 589/10.6GAILH + 594/10.2GAILH);´
472/08.5GAILH + 2 apensados (900/09.2GBILH e 108/10.4GAILH);
253/11.9GAILH + 3 apensados (303/11.9AILH + 489/11.2GAILH + 232/11.6GAILH);
403/10.2GAILH + 356/10.7GAILH;
19/08.3GBAVV + 3 apensados (2689/11.3PBAVR + 455/10.5GBILH + 44/11.7GBILH);
10.4- ...:
228/09.8GBOBR + 2 apensados (229/09.6GBOBR e 485/09.OGBOBR);
339/10.7gbobr + 2 apensados (350/10.8GBOBR e 420/10.2T3OBR);
439/11.6G-BOBR + 2 apensados (379/10.6GBOBR e 62/09.5GBOBR;
175/03.7IDAVR + 3 apensados (177/04.6TAOBR, 178/04.4TAOBR e 63/07.8IDAVR;
10.5- ...:
542/10.OJAAVR + 77/11.3T3VGS;
11. Enquanto decorreu a audiência de julgamento do processo 40/11.4JAAVR, entre setembro e novembro de 2012, solicitou ao Exmo. Senhor Presidente da Comarca a colaboração de colegas de ... o que tornou possível a composição do tribunal coletivo evitando adiamentos dos julgamentos que tinha agendados (7 julgamentos entre Setembro e Novembro de 2012).
12. Participou em pelo menos sete julgamentos como adjunto, em ..., enquanto decorreu a audiência de julgamento do processo 40/11.4JAAVR, entre setembro e novembro de 2012.
13- Participou noutros julgamentos na área de ...: 2 julgamentos em setembro de 2009, em ... e ....
14. No dia 09.09.2011 o Exmo. Juiz sofreu um acidente de viação que lhe provocou “lesões que demandaram para a sua consolidação, um período de noventa dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho quer geral, quer profissional”.
15. O acidente ocorreu numa sexta-feira e logo na segunda-feira seguinte continuou a trabalhar (dois julgamentos em ...: 334/10.3GBAGD e 1191/09.0) apesar das dores, do incómodo e do rosto marcado e negro apresentado um ferimento na zona da testa e olho direito que foi suturado com pelo menos doze pontos e um hematoma no olho direito e face.» [Fls. 65>67]

Emprestou o CSM a tal decisão de alteração (por acréscimo) dos factos relevantes para a decisão sobre o mérito a proferir, a seguinte motivação:
«A fundamentação da matéria de facto é analisada tendo presente o alegado pelo Exmo. Juiz sob os pontos 1 alíneas a) a e) e F) da sua reclamação.
Para o efeito, tem-se em consideração o seguinte:
-os documentos juntos pelo Exmo. Juiz com a sua reclamação e que constam em anexo;
-o teor do memorando elaborado pelo Exmo. Juiz no âmbito da sua inspecção, o qual, na ausência de qualquer suporte documental junto, foi tido em consideração pela Exma. Inspetora Judicial ao dar como assentes os factos relativos á nota biográfica e profissional do inspecionando. Assim sendo, não seria correto dar como assente determinada factualidade aí vertida, omitindo outra.
Outros factos existem que o Exmo. Juiz entende deverem ser aditados, maxime os identificados sob o ponto F), todavia, os mesmos ou são claramente conclusivos (vd. pontos 42 e 43), na medida em que decorrem da articulação da factualidade assente ou não colhem qualquer outro apoio no constante dos autos para além do considerado pela Exma. Inspetora Judicial (vd. pontos 25 a 30), sendo que a existência de processos complexos foi constatada e ponderada, embora não com a especificação agora alegada pelo Exmo. Juiz (vd. ponto 53).»

Não põe em causa o Exmo. Recorrente a fundamentação assim emprestada à decisão de facto.

Põe em causa, sim, que sobre este novo acervo fáctico o CSM não tenha tecido «qualquer juízo valorativo».

Na resposta, em sede de alegações, à questão assim suscitada, ponderou, em formulação de síntese que se acolhe como correta, o CSM:


«Em termos de análise, poder-se-á dizer que os referidos factos se organizam nos seguintes grupos: (i) dados biográficos e percurso profissional [factos 1 a 4]; (ii) prazo de prolação de sentenças no âmbito de ações ordinárias identificadas [facto 5]; (iii) presidência de audiências de julgamento com intervenção no tribunal coletivo, intervenção como adjunto e decisões prolatada [factos 5 a 13]; (iv) situação pessoal do recorrente e sua projeção na sua prestação [factos 14 e 15]

Acolhe-se, pari passu, a anotação feita relativamente ao 1º item no sentido de contrariar qualquer necessidade de especificação sublinhada dos factos adrede reproduzidos.  
«[n]unca foram colocados em causa os aspetos relativos à biografia e percurso profissional do recorrente, embora desta se tivessem retirado conclusões quanto à avaliação qualitativa da sua prestação no período sob inspeção» [Fls. 125]

quanto é certo que, em termos de avaliação global, se fez constar na Deliberação sob recurso:
«Se é certo que, conforme se retira do relatório de inspecção e foi acolhido na deliberação reclamada, o Exmo. Juiz conta com 19 anos e 7 meses de exercício efectivo da judicatura, sem mácula, com evidente esforço profissional e pessoal, empenho, dedicação, resultados positivos demonstrados no período sob inspecção, não menos certo é que nesse mesmo período, na sua prestação foram também registados aspectos menos conseguidos, os quais foram expressamente sinalizados.» [Fls. 79]

No que concerne aos grupos (ii) e (iii), retira-se da Deliberação o seguinte excerto:


«Na alínea D) da reclamação, no que respeita à produtividade, o Exmo. Juiz insurge-se contra a conclusão constante da deliberação reclamada de que “a carga processual não assume especial dimensão”, “o que é indicado pelos números acabados de referir (em média quarenta julgamentos) afigura-se mediana”, reiterando a sua discordância quanto à afirmação das “circunstâncias favoráveis” em que o serviço decorreu.
Este último aspeto foi já abordado.
Quanto à primeira conclusão, consta da deliberação reclamada: “A carga processual que é indicada pelos números acabados de referir afigura-se ser mediana, sobretudo se tivermos em conta que o juiz de afetação exclusiva aos julgamentos em processo coletivo, à semelhança do juiz de círculo da LOFTJ, não é o responsável pela tramitação dos processos. Aqui podemos atender ao referido estudo aprovado na sessão do Plenário de 12 de Março de 2012, onde se considerou que o VRP anual adequado para um juiz de afetação exclusiva é de 70 processos na qualidade de juiz presidente e outros tantos enquanto juiz adjunto.
A resposta dada pelo Exmo. Sr. Juiz ... foi absolutamente correta: agendamentos com curta dilação e de forma regrada, publicação dos acórdãos dentro dos prazos legais.
Ponderando globalmente os dois períodos, podemos afirmar que o Exmo. Sr. Juiz ... deu uma resposta positiva – e no 2.º período até muito positiva – às exigências do serviço, muito embora seja de considerar que estas não foram especialmente elevadas.”
Partindo-se da matéria de facto que foi dada como provada na deliberação reclamada, mas também daquela que nesta sede se deu por assente, nomeadamente no que concerne à pendência processual, ao número de julgamentos realizados, de acórdãos elaborados e de julgamentos nos quais o Exmo. Juiz interveio como adjunto, ao facto de ter presidido a julgamentos no âmbito de processos apensos, ao tipo de processos julgados, neste panorama global não se poderá efetivamente deixar de concluir que a carga processual tenha assumido especial dimensão.
Com esta afirmação não se pretende de forma alguma subvalorizar o trabalho com o qual o Exmo. Juiz se deparou e aquele que efetivamente realizou, tanto mais que no relatório de inspeção não foi colocada em causa a produtividade do Exmo. Juiz (nenhum reparo lhe tendo sido feito), constando expressamente do mesmo quanto ao período sob inspecção no círculo judicial de ... «[D]e qualquer modo, excluindo alguns atrasos verificados na prolação de sentenças, e que estão enunciados no quadro infra, é de concluir que o Senhor Juiz desempenhou positivamente o múnus atribuído
E quanto ao período em inspecção na comarca do ... foi concluído que: “[N]uma perspetiva de síntese conclusiva neste exercício na NUT a prestação do Senhor Juiz AA é muito positiva, e a orientação que imprime ao serviço a seu cargo, mostra-se ajustada às solicitações do cargo, à complexidade dos processos e às características do meio social e económico de cada uma das comarcas integradas.”
O mesmo aspeto foi também ressalvado na informação final elaborada pela Exma. Inspetora Judicial ao referir que “sendo certo que, tal como resulta do relatório não é questionada ou menorizado em qualquer das instâncias os índices de produtividade alcançados pelo Senhor Juiz. 
Como decorre da forma expositiva usada no relatório, as afirmações /ilações foram ilustradas através do conteúdo verificado em processos julgados pelo Senhor Juiz.”
A questão dos julgamentos realizados foi decidida e resulta agora clarificada na matéria de facto assente e respetiva fundamentação.
Na vertente da qualidade, o Exmo. Juiz pugna dever ser ponderado o baixo índice de recursos e o elevado grau de improcedência dos mesmos.
Por outro lado, defende também que tendo em conta a elevada complexidade dos processos haverá que atender ao elevado grau de convencimento das decisões.
Ora, a complexidade dos processos, o índice de recursos e o grau de improcedência dos mesmos, tudo resulta demonstrado na factualidade apurada e foi tido em consideração, todavia, a vertente menos conseguida/positiva da prestação do Exmo. Juiz ao nível da qualidade, prende-se com outros aspetos que se encontram expressamente mencionados no relatório de inspeção e que foram especificamente focados na deliberação reclamada. É quanto a estes que o Exmo. Juiz expressa na sua reclamação uma diferente perspetiva

Finalmente, no que respeita ao identificado grupo (iv), toma-se em linha de consideração o seguinte excerto da Deliberação sob recurso:
«[t]al como também invocado pelo Exmo. Juiz, não se questiona as dificuldades com que se deparou em consequência do acidente de viação de que foi vítima, registando-se o esforço que efectuou para continuar a desempenhar as suas funções, assegurando o seu serviço, mas também num período temporal transitório»

Dizer, pois.

Em face das transcrições que ficam reproduzidas, sem necessidade de particulares cavilações exegéticas, torna-se imperioso concluir no sentido de que falece a razão ao Exmo. Juiz Recorrente quando reclama que sobre o novo conjunto de factos fixado na Deliberação sob recurso, o Plenário do CSM não teceu qualquer juízo valorativo.

Ele deflui claro dos excertos reproduzidos.

Seguramente, sem a possibilidade da exata medida da sua concreção, sob pena de se pretender o irrazoável.

Não se olvide como, nos termos do artigo 34º do EMJ a classificação dos juízes deve atender: ao modo de desempenho da função; ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo; à capacidade de simplificação dos actos processuais; às condições do trabalho prestado; à sua preparação técnica; à sua categoria intelectual; ao exercício de funções enquanto formador dos auditores de justiça; aos trabalhos jurídicos publicados; à sua idoneidade cívica.

Se se tiverem presentes os critérios de avaliação definidos no RIJ (Art. 13º), na decorrência daquela delimitação no EMJ:


 1 — A inspeção dos magistrados judiciais incide sobre as suas capacidades humanas para o exercício da profissão, a sua adaptação ao tribunal ou serviço a inspecionar e a sua preparação técnica.
2 — No tocante à capacidade humana para o exercício da função, a inspeção leva globalmente em linha de conta os seguintes fatores, entre outros:
a) Idoneidade cívica, nomeadamente no que respeita ao pleno gozo dos direitos políticos e civis, à inexistência de condenação por qualquer crime gravemente desonroso, de declaração de incapacidade para administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado, de situação de incompatibilidade, ou de condenação em procedimento disciplinar;
b) Independência, isenção e dignidade da conduta, em particular no que concerne ao cumprimento do princípio de que os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores;
c) Relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral, mormente quanto ao cumprimento do dever de urbanidade;
d) Prestígio profissional e pessoal de que goza enquanto juiz e na decorrência do exercício da função;
e) Serenidade e reserva com que exerce a função, em especial quanto ao cumprimento do princípio de que os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos ou inquéritos pendentes, salvo quando autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo;
f) Capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sociocultural onde a função é exercida;
g) Capacidade e dedicação na formação de magistrados, nomeadamente através do exercício de funções docentes em escolas de magistratura de Portugal ou do estrangeiro, de funções de formação de magistrados no tribunal, ou de investigação científica de natureza jurídica destinada à formação de magistrados.
3 — A adaptação ao serviço é analisada, entre outros, pelos seguintes fatores:
a) Assiduidade, zelo e dedicação;
b) Produtividade, designadamente no que respeita à taxa de descongestionamento, que mede a relação entre processos entrados e findos, sem prejuízo da ponderação, para este efeito, de outros fatores, em especial a complexidade dos processos e qualidade das decisões;
c) Método, no sentido de adoção de um processo de decisão que se revele organizado, lógico e sistemático, sem prejuízo da complexidade dos processos e da qualidade das decisões.
d) Celeridade na decisão;
e) Capacidade de simplificação processual, designadamente através do recurso aos instrumentos processuais existentes para o efeito de que a lei dispõe;
f) Direção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas.
4 — Na análise da preparação técnica, a inspeção toma globalmente em linha de conta, entre outros, os seguintes fatores:
a) Categoria intelectual, no sentido de avaliação dos conhecimentos técnico -jurídicos adquiridos e da forma como tais conhecimentos são aplicados no exercício de funções;
b) Capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço;
c) Capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original;
d) Nível jurídico do trabalho inspecionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões.

facilmente se compreenderá quer a impossibilidade prática de estar a subordinar a apreciação processo a processo, decisão a decisão, dum trabalho produzido por um Magistrado Judicial, normalmente durante um período de quatro anos, quer a imperatividade da realização de uma avaliação global de acordo com os anteditos parâmetros de avaliação.

2.2.3 Justifica o Exmo. Juiz Recorrente, num segundo momento, a existência do vício de falta de fundamentação sob a argumentação de que, conquanto na Alínea B) da Reclamação o Exmo. Recorrente tivesse deduzido «um conjunto de refutações» à Deliberação do Conselho Permanente do CSM, «suportadas documentalmente» e «através das quais (..) demonstra(va) o erro nos pressupostos de facto de que padecia tal deliberação», a Deliberação do Plenário do CSM não justificou «juridicamente e factualmente o porquê de tais refutações não poderem proceder.»

É o seguinte o quadro das situações identificadas pelo Exmo. Juiz Recorrente como «incorretamente anotadas pelo relatório da inspeção» e que, conquanto rebatidas pelo Recorrente, a Deliberação sob recurso não analisou:

Censura do relatórioResposta - pág. da deliberação onde consta a resposta/notaDeliberação do CSM
Nos acórdãos destinados ao cúmulo jurídico de penas em casos de conhecimento superveniente do concurso, não reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatóriasIsto não é verdade; reproduzo o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias abrangidas; basta ver a págs. 8 e 40 o que demonstrei nas notas XI  e XLIV

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE apenas adere ao relatório, como “aspecto menos conseguido da prestação” (pág. 88) sem analisar a resposta
“algum aligeiramento no rigor” no PCC 7/08 em que insiste em erros/lapsos no tocante à identificação correcta do ilícito no âmbito do abuso sexual de menor gerando alguma turbulência no processoAfirmação incompreensível e infundada; pois o que houve foi a rectificação do lapso que existia na acusação quanto ao artigo do Código Penal correspondente ao crime imputado, o que foi feito nos seguintes termos: “Resulta do contexto que se tratou de manifesto lapso de escrita o «177» pelo que o tribunal entendeu como referindo-se ao artº «171».” Cf. pág. 31/32: nota XXXIA DELIBERAÇÃO NADA DISSE limitando-se a aderir ao relatório apesar da resposta demonstrar a falta de sentido da crítica feita (apontada como “deficiência detectada na anterior avaliação” que, depois, encontra eco na deliberação; porém, não tem qualquer sentido pois tratou-se da correcção de um lapso da acusação do Ministério Público.), pois tratou-se uma simples correcção da acusação

“respaldo de doutrina e ou de jurisprudência sem indagar correntes mais actuais”

o relatório de inspecção não diz que correntes mais actuais deveriam ter sido indagadas e que consequências diferentes daí seriam retiradas; cf. pág. 32, nota XXXII

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE, na resposta demonstrei que não tem qualquer sentido a afirmação do relatório de inspecção

no PCC 153/02 não é feita nenhuma ligação do contexto teórico da legítima defesa aos factos apuradosConsta do acórdão: “Na verdade não se demonstrou que o arguido tenha actuado com o intuito de se defender de qualquer agressão pois que a mesma tinha ocorrido tempo antes e o arguido “apenas” estava a discutir com o ofendido exactamente por causa de tal actuação deste; a afirmação do arguido de que lhe estavam a apertar o pescoço não ficou provada. Em suma, não se verifica esta causa de exclusão da ilicitude suscitada pela defesa do arguido.”

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE, na resposta demonstrei que não tem qualquer sentido o juízo conclusivo do relatório de inspecção e que induziu a deliberação sem análise

citação de jurisprudência espanholaDemonstro que a citação de jurisprudência espanhola acerca da prova testemunhal está inserida numa decisão do Tribunal da Relação de Guimarães; cf. pág. 33/34: nota XXXIVA DELIBERAÇÃO NADA DISSE acerca da resposta apresentada

falta dc pronúncia “sobre determinado ponto do pedido cível”Mostro que tal não é verdade pois elenquei nos n°s 15, 16, 18 e 20 dos “factos provados” tais despesas e alinhei entre as questões a decidir no pedido de indemnização onde foi decido e consta do dispositivo; na pág. 43: nota XLVII

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE ignorando completamente a resposta

o exame pericial “não consta como fundamento da convicção”mostro que na motivação da resposta à matéria de facto mencionei: “o documento de fls. 17 a 21 (relatório da perícia de investigação da paternidade) - Pág. 46/47: nota LII

-

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE acerca deste lapso do relatório de inspecção como demonstram os documentos das págs89, 90 e 92 do apenso

“carecer de abordagem crítica (...)dos argumentos determinativos da convicção” e um “mero efeito tautológico da decisão”demonstro que a apontada decisão da matéria de facto foi produzida veio meu antecessor Pág. 46: nota LIIIA DELIBERAÇÃO NADA DISSE apesar de o documento de pág. 96 do apenso mostrar que a “resposta à matéria de facto” foi decidida pelo meu antecessor

Alguma inconsistência sobre o carácter oficioso ou não oficioso no conhecimento das excepções peremptóriasRespondi que esses temas nem sequer foram (nem tinham que ser) abordados na sentença em causa: pág. 47: nota LVI

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE o que é incompreensível pois esses temas que nem sequer foram abordados na sentença em causa

faz longas e desnecessárias assentadas das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamentoRespondo mostrando a motivação para se perceber que não se trata de “assentada” mas de evidenciar/transparecer a dinâmica dos depoimentos para melhor se confrontar com outros que lhe são diversos e mais credíveis, demonstrei o lapso do relatório de inspecção que não aceita a importância e necessidade da indicação mais desenvolvidas dos depoimentos; cf. págs. 22 e 24: notas XXIV e XXVII

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE acerca da minha resposta sem analisar a situação concreta (mais, elevando tal a censura genérica)

falta de “espírito crítico, no sentido de convencer da razoabilidade do juízo probatório pelo qual o tribunal optourespondi que a leitura do teor do acórdão permite uma melhor compreensão da falta de sentido da censura, sem necessidade de qualquer outra justificação acrescida e coloco a itálico a melhor parte ilustrativa do inverso do que é censurado (outra leitura da resposta daria enfase ao esforço e cuidado que foram colocados na motivação da decisão, que identifica pormenorizadamente os “elementos probatórios produzidos em audiência e especifica os documentos, os resultados das perícias, a razão de ciência das testemunhas (e o sentido/teor dos depoimentos) e “depois, efectua verdadeira e exaustiva análise crítica dos elementos probatórios, apreciando-os conjugadamente à luz da lógica, das regras da normalidade, verosimilhança e experiência da vida, explicitando, com precisão e clareza, as razões (objectivas e racionais) relevantes para a formação da convicção do colectivo, não deixando dc apreciar expressamente questões surgidas quanto à possibilidade dc valoração das provas para formação da convicção do tribunal”), juntando documento na pág. 9 do apenso: nota XXIV da pág. 20

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE apesar de a resposta demonstrar na nota XXIV a razoabilidade do juízo probatório pelo qual o tribunal optou na sua decisão e a análise crítica do teor do relatório conjugado e ponderado face à demais prova

“limitativa a explanação jurídica constante da sentença na AO 742/07 relativo a dívida por fornecimento de mercadorias, não factualizando a mora do devedor, pedido que procede, pese embora a inexistência de alegação segundo a qual as facturas se venciam após 30 dias Mostrei corno “consta dos factos provados da sentença (pág. 101 do apenso): “3- A Ré recebeu os trabalhos e facturas [BI-2].4- Sem qualquer reclamação [BI-3].5- O prazo de pagamento das facturas referidas em 1. era de 30 dias” a ”contar da data de emissão das mesmas, conforme acordado [BI 4].6- A Autora por diversas vezes interpelou a Ré para que procedesse

ao pagamento das quantias referidas em 1. [BI-5]. 7- O que até à data não aconteceu [BI-6].”

A DELIBERAÇÃO NADA DISSE nem atendeu ao teor da sentença ou da justificação dada na nota LV transcrita na pág. 47

Sobre este concreto ponto da Reclamação, o Plenário do CSM pronunciou-se nos seguintes termos:
«Na alínea B) da sua reclamação o Exmo. Juiz expressa em quadro o que entende que a deliberação reclamada não analisou da resposta que apresentou, tendo por base situações que considera incorrectamente anotadas pelo relatório de inspeção.
Também aqui a questão se reconduz a um diferente entendimento/discordância por parte do Exmo. Juiz, mas sem que se detete qualquer vício que inquine a deliberação reclamada

Questão é, agora, saber se é de ter-se por verificado o apontado vício de falta de fundamentação.

Deixou-se referido que, nos termos do artigo 125º do CPA, «1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato; 2. Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.»

Outrossim, acolheu-se o entendimento de que daquela referência à exposição sucinta deflui que «a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar…» : «Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade»

Fazendo o enfoque das questões suscitadas pelo Exmo. Recorrente será fácil convir estarem em causa questões a inserir no âmbito da preparação técnica, o que logo permite dizer, no âmbito de questões que consentem a dissensão.

No caso concreto, lidos os sucessivos momentos constituídos já pelo Relatório da Inspeção, já pela Resposta oferecida pelo Exmo. Juiz, já pela decisão proferida pelo Conselho Permanente e, agora, pelo Plenário do CSM, ressuma dos mesmos um juízo de repetência na invocação das divergências travadas.

Neste sentido, seja exemplo de referência a decisão proferida pelo Conselho Permanente, da qual se retiram os seguintes passos:


«[n]o relatório foram apontados ao Exmo. Sr. Juiz ... diversos aspetos menos conseguidos da prestação do Exmo. Juiz, a saber:
- Na motivação da matéria de facto, recorre preponderantemente à transcrição dos depoimentos prestados em audiência, afastando-se amiúde da correta visão crítica das provas e da exigida explicitação das razões pelas quais uns factos são considerados provados e outros não provados;
- No tratamento jurídico das questões, procede a deambulações doutrinárias a propósito de questões que não suscitam dúvidas e é telegráfico no que tange às questões controversas;
-Nos acórdãos destinados ao cúmulo jurídico de penas em casos de conhecimento superveniente do concurso, não reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias e não concretiza os factos que suportam a medida da pena única;
- Na enunciação da matéria de facto inclui, por vezes, expressões conclusivas ou que contêm juízos de valor e conceitos de direito;
-Trata sinteticamente os pedidos de indemnização civil.
Como resulta da resposta apresentada, o Exmo. Sr. Juiz ... discordou destes reparos que foram dirigidos ao trabalho que prestou.
Analisados os exemplos que foram dados pela Exma. Senhora Inspetora Judicial e os trabalhos que o Exmo. Sr. Juiz ... apresentou, podemos concluir que existem aspetos que revelam apenas um estilo pessoal, como sejam o emprego do pronome indefinido alguém para aludir ao agente das ações criminosas cuja identidade não foi apurada.
Já assim não sucede com o emprego, na fundamentação de facto, do substantivo meliante, o qual contém em si mesmo uma carga negativa ou pejorativa (….).
Ademais houve casos em que na narração fáctica, foram incluídas expressões de natureza conclusiva, como sejam “só não se despistou devido à perícia” (…..)
Embora o uso destas expressões devesse ter sido evitado, certo é que o mesmo não prejudicou a compreensão da narrativa fáctica nem inquinou as decisões, pelo que revela apenas a falta de algum brio no serviço prestado pelo Exmo. Sr. Juiz no que concerne ao elemento preparação técnica.
Outros casos houve em que o Exmo. Sr. Juiz, ao invés de relatar os factos através de frases simples, com sujeito e predicado, o fez até de frases longas, de estrutura complexa e que, por isso mesmo são suscetíveis de gerar equívocos.
(…..)
«[o]utro dos reparos que a Exma. Sra. Inspetora Judicial fez ao serviço inspecionado – o de que, na motivação da matéria de facto, o Exmo. Sr. Juiz recorre preponderantemente à transcrição dos depoimentos prestados em audiência, afastando-se amiúde da correta visão crítica das provas e da exigida explicitação das razões pelas quais uns factos foram considerados provados e outros não provados.
Lidos os trabalhos apresentados pelo Exmo. Sr. Juiz ..., verificámos que, na realidade, é frequente o mesmo fazer longas e desnecessárias assentadas das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento.» [Apenso 1, Fls. 318>319]

Com o que vem de ser exposto pretende-se apenas significar que vistos os pontos referenciados pelo Exmo. Juiz Recorrente fácil é de ver a razão que cabe à apreciação oferecida pelo Plenário do CSM quando os reconduziu a «um diferente entendimento discordância por parte do Exmo. Juiz».

Exemplos paradigmáticos, as divergências decorrentes da afirmação de uma parte, de «longas e desnecessárias assentadas das declarações e depoimentos», e, de outra, a justificação de que não se trata de “assentada” mas de evidenciar/transparecer a dinâmica dos depoimentos; da afirmação de que não reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias e logo da negação no sentido de que reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias abrangidas.

Nesta conformidade, atento o circunstancialismo concreto a que respeita a fundamentação em causa não pode deixar de considerar-se a mesma como breve mas, seguramente, clara e bastante.


2.3 A violação do princípio da imparcialidade.

2.3.1 Com apelo às leis Fundamental – Art. 266º/2 da Constituição da República – e infraconstitucional – Arts. 6º e 44º do Código de Procedimento Administrativo, o Exmo. Juiz Recorrente, a partir de um quadro fáctico que desenhou e documentou com a apresentação do presente recurso, concluiu no sentido de ter sido violado o princípio da imparcialidade na Deliberação tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, alinhando a seguinte argumentação, que se transcreve:


«[q]uatro dos ilustres vogais do CSM que assinaram a douta deliberação impugnada têm um interesse direto e pessoal na classificação de serviço que for atribuída em definitivo ao A., motivo pelo qual estavam impedidos de participar na tomada da decisão que ora se impugna.
Isto é, o Exmo. Senhor Dr. Juiz ... BB (relator da douta deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 18 de março de 2014), a Exma. Senhora Dra. Juíza ... CC (relatora da douta deliberação impugnada), o Exmo. Senhor Dr. Juiz ... DD e o Exmo. Senhor Dr. Juiz ... EE, enquanto vogais do CSM que participaram na deliberação da classificação de serviço do A., apresentam, no plano objetivo (e não do prisma subjetivista ou intencional) um interesse direto e pessoal na classificação que vier a ser definitivamente atribuída àquele, porquanto tal classificação irá influenciar o número de ordem que o mesmo ocupará em relação a estes quatro digníssimos vogais do CSM em futuro movimento judicial.»
«[o] ora A. foi admitido no ... Curso Normal de Formação do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) em setembro de 1991, tendo, atualmente, a classificação de serviço "Bom com Distinção", ocupando a posição de antiguidade nº 155, com o nº de ordem 432 (cf.. doc. 2 que se junta).
Por sua vez, o Exmo. Senhor Dr. Juiz ... BB, frequentou ... Curso Normal de Formação do CEJ, com início em setembro de 1997, e detém, neste momento, a classificação de serviço de "Muito Bom", ocupando a posição de antiguidade nº 638, com o nº de ordem 334 (cf. doc. 3 que se junta).
Já a Exma. Senhora Dra. Juíza ... CC, frequentou ... Curso Normal de Formação do CEJ, com início em 1998, detém a classificação de serviço de "Muito Bom", e ocupa a posição de antiguidade nº 709, com o nº de ordem 373 (cf, doc. 4 que se junta).
O Exmo. Senhor Dr. Juiz ... DD, por seu turno, frequentou ... Curso Normal de Formação do CEJ, com início em setembro de 1997, detém a classificação de serviço de "Muito Bom" e preenche a posição de antiguidade nº 653, com o nº de ordem 341 (cf. doc. 5 que se junta).
Por fim, o Exmo. Senhor Dr. Juiz ... EE frequentou ... Curso Normal de Formação do CEJ, com início em 1991, detendo a posição de antiguidade nº 163, com o nº de ordem 42 (cf, doc. 6 que se junta).
Sucede que se o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de "Muito Bom", continuaria a ocupar a posição nº 155 quanto à antiguidade, mas já teria o nº de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação a estes quatro ilustres vogais do CSM que tiveram, recorde-se, intervenção direta na atribuição da classificação de serviço do A.
Assim, não se pode deixar de concluir que aqueles quatro ilustres vogais do CSM têm, ainda que de forma não intencional, um interesse direto na classificação de serviço do A., pois poderão ser, no plano objetivo, prejudicados ou beneficiados consoante a classificação que seja atribuída àquele.
Por isso, estavam os ilustres vogais do CSM impedidos de participar na produção da douta deliberação impugnada, nos termos do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea c), do CPA, motivo pelo qual deveriam ter-se abstido de intervir no presente processo de inspeção, o que, (…) não ocorreu.»
«[t]endo a douta deliberação impugnada sido produzida por membros do CSM que, do prisma objetivo, apresentam um interesse direto e pessoal no desfecho do presente processo de inspeção, não podemos deixar de considerar que a mesma se encontra inquinada por violação do princípio da imparcialidade, consagrado na norma do artigo 266º, nº 2, da CRP, e no artigo 6º do CPA (….)»
«Por tudo o quanto se disse, a douta deliberação impugnada é ilegal, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 135º do CPA».

2.3.2 No articulado da Resposta, o CSM, sem pôr em causa a Classificação, o Número de Ordem e a Antiguidade que o Exmo. Juiz Recorrente, com suporte documental, indicou relativamente a cada um dos quatro Juízes ... intervenientes, enquanto vogais do CSM, no processo da sua classificação de serviço – Exmo. Juiz ... BB (Relator da Deliberação tomada pelo Conselho Permanente do CSM), Exma. Juíza ... CC (Relatora da Deliberação tomada pelo Plenário do CSM), Exmo. Juiz ... DD e o Exmo. Juiz ... EE -, defendeu a inexistência de qualquer violação do princípio da imparcialidade, invocando para tanto:
· Aos vogais juízes do CSM aplica-se o regime de garantias, direitos e deveres dos magistrados judiciais previstos no respetivo EMJ;
· Nos termos do art. 159º, nºs 1 e 2 do mesmo Estatuto, «Os processos são distribuídos por sorteio, nos termos do regulamento interno», e «O vogal a quem o processo for distribuído é o seu relator».
· Estão sujeitos a distribuição os processos de inspeção, de inquérito, sindicâncias, disciplinares, reclamação, reabilitação, revisão e quaisquer outros [Art. 33º do Regulamento Interno do CSM – DR, 2ªSérie, de 27.04.1993].
· Constituem poderes dos vogais do CSM, a exercer singular ou conjuntamente, nomeadamente os de elaborar projetos de deliberação e propostas de parecer ou estudos sobre matérias da competência do CSM e apresenta-los nas reuniões do Conselho Permanente ou do Plenário.
· Constituem deveres dos vogais: a) comparecer às reuniões do Plenário e do Conselho Permanente se a este pertencerem; b) Desempenharem as funções para que sejam designados; c) Elaborar os projetos de decisão nos processos para que seja nomeado relator; d) Participar nas votações.
· O interesse que poderá eventualmente bulir com a garantia de imparcialidade, não poderá ser meramente abstrato, tem de se tratar de um interesse concreto, necessariamente subjetivo por reporte a situação concreta.
· O ponto de partida não deve nem pode ser o da suspeição, mas o dos deveres a que os magistrados judiciais estão vinculados, os quais se aplicam inevitavelmente ao serviço que prestam enquanto vogais juízes do CSM
· Nesta perspetiva e em concreto não se poderá dizer que os vogais juízes de primeira instância têm interesse na classificação dos demais juízes da mesma instância ou no desfecho dos seus processos disciplinares.

2.3.3 Cumpre conhecer deste segmento do recurso relativo à imputada violação do princípio da imparcialidade.

2.3.3.1 Num primeiro apelo de cariz constitucional, importa tomar em linha de consideração o princípio da imparcialidade com referência (i) quer à Administração Pública, (ii) quer ao Conselho Superior da Magistratura.

(i) No que ao CSM concerne.

Dispõe o artigo 218º da Constituição da República:
«1. O Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto pelos seguintes vogais:
a)  Dois designados pelo Presidente da República;
b)  Sete eleitos pela Assembleia da República;
c)  Sete juízes eleitos pelos seus pares, de harmonia com o princípio da representação proporcional.
2. As regras sobre garantias dos Juízes são aplicáveis a todos os vogais do Conselho Superior da Magistratura.
3. (……)»

Acerca da composição do CSM, referem GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA que a mesma
«obedece claramente às seguintes regras: (a) uma maioria de membros designados pelos órgãos de soberania diretamente eleitos – PR e AR -, acentuando assim a sua legitimação democrática e contrariando a criação de formas de autogestão corporativa da magistratura; (b) simultaneamente, uma forte presença de membros oriundos da própria magistratura, a maior parte deles eleitos pelos próprios juízes, de entre si (isto é, pelo conjunto dos juízes e não separadamente pelas várias categorias de juízes), o que se traduz numa certa medida de autogoverno da magistratura; (c) ausência de membros designados pelo Governo, sublinhando a separação entre a magistratura e o executivo e afastando toda a ingerência deste no governo daquela; (d) a entrega da presidência do CSM ao Presidente do STJ, de modo a evitar, através dessa união pessoal de cargos, qualquer conflito de legitimidade ou de autoridade, e por forma a reforçar a posição dos juízes do STJ dentro do Conselho.»

Em outro passo,
«Os membros do CSM designados pela própria magistratura são eleitos de harmonia com o princípio da representação proporcional (nº1/c), o que, além de corresponder a um princípio geral de direito eleitoral constitucional (Art. 113º - 5), garante uma adequada representação das várias correntes da magistratura judicial, contribuindo, assim, para acentuar a legitimidade democrática do CSM. (cfr. L nº 21/85, art. 148º - 1)» ([14])

Com o dizer-se «As regras sobre garantias dos Juízes são aplicáveis a todos os vogais do Conselho Superior da Magistratura», importará tomar sob consideração o disposto no artigo 216º, onde, sob a epígrafe «Garantias e incompatibilidades», se estabelece no nº5 que «A lei pode estabelecer outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz».

Retomando o ensinamento de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA a respeito deste item:
«No nº5 a constituição autoriza o legislador a estabelecer outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz. A lei pode, assim, densificar outras incompatibilidades para além das que estão previstas neste preceito. Algumas dessas incompatibilidades relacionam-se com a salvaguarda do princípio da imparcialidade. Estão, neste caso, as chamadas «incompatibilidades endoprocessuais», destinadas a evitar que convicções pré-adquiridas em fases anteriores do mesmo processo e da mesma res judicandi (sobretudo em processo penal) tenham influência marcante nos momentos decisórios («imparcialidade como ausência de preconceitos ou de parti pris»). É neste contexto que as incompatibilidades abrangem as figuras de impedimento e de recusa, de forma a garantir a chamada «incompatibilidade de prevenção», asseguradora da imagem de imparcialidade e de ausência de condicionamentos (alguns autores aludem aqui à «salvaguarda da substância e imagem da independência e da terciariedade do juiz»). ([15])

(ii) No que à Administração Pública diz respeito. ([16])

Nos termos do artigo 266º da CRP,
«1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.»

Seguindo, de novo, o ensinamento de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA:
«A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares dos órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, direto ou indirecto (cfr. CPA, arts. 3º e ss). As dimensões assinaladas revelam que o princípio da imparcialidade, enquanto princípio material vinculativo da administração, cumpre basicamente três funções: (i) o cidadão pode confiar em que os seus assuntos submetidos à apreciação da administração merecerão uma decisão imparcial; (ii) o titular de órgão ou o funcionário deve precaver-se que perante a hipótese de conflito de interesses a sua decisão seja considerada como violadora dos seus deveres pessoais e funcionais; (iii) a administração deve, enquanto organização, acautelar-se de, no caso de conflito de interesses, que as suas decisões corram o risco de não serem cumpridas ou aceites.» ([17])

Temos pois, numa apreciação conjugada, uma axiologia, que poder-se-ia dizer de cariz jus-ético, prevenindo, no âmbito lato das garantias e incompatibilidades, seja com referência aos Vogais do CSM, seja com referência à Administração Pública, a figura do impedimento.

2.3.3.2 Num segundo patamar, infraconstitucional, tomar-se-ão em consideração (i) desde logo o Estatuto dos Magistrados Judicias (EMJ), (ii) também, com particular razão de ser, o Código do Procedimento Administrativo (CPA).

No que respeita ao exercício jurisdicional, é indubitável que, num Estado de direito, a solução jurídica dos conflitos deverá fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade.

Independência/Imparcialidade comummente analisadas numa dupla vertente: a subjetiva - dizer também: a “independência vocacional” ([18]), a “atitude interna” super partes, a “postura”  “fora e acima das paixões e interesses que no pleito se agitam” ([19]) - e a objetiva  - na ideia de que o desempenho do cargo de juiz  seja rodeado de cautelas  legais destinadas a garantir  a sua imparcialidade  e a assegurar a confiança geral  na objetividade da jurisdição

Se relativamente àquela (subjetiva) pode valer a presunção da sua existência até prova em contrário, já relativamente a esta (objetiva) uma tal presunção seria manifestamente insuficiente ([20])

No ensinamento de Figueiredo Dias:
“ [...] tanto a doutrina [...] como a jurisprudência [....] europeias têm tomado em igual linha de consideração a dimensão objetiva e subjetiva da imparcialidade ; sendo certo que, se alguma preponderância é dada a alguma destas dimensões, ela se refere à dimensão objectiva; não só porque a demonstração da imparcialidade ou da parcialidade subjectiva (íntima) do juiz é de difícil alcance e demonstração, como porque, acima de tudo, se pretende colocar os tribunais, na sua atividade julgadora, a salvo de suspeições ou desconfianças que desmereçam a sua função jurídico-social. Na frase, ainda aqui lapidar, de Cavaleiro de Ferreira, ‘não importa, aliás, que na realidade das coisas o juiz permaneça imparcial, interessa, sobretudo, considerar se em relação com o processo poderá ser reputado imparcial” ([21] )

Nesta perspetiva objetiva assumem particular relevância as cautelas legais: ao nível primário das Leis Fundamental e substantiva, pelas garantias da “inamovibilidade” e da “irresponsabilidade” ([22] ); depois, ao nível da definição normativo-adjectiva, pela delimitação das situações de suspeição e/ou de impedimento. ([23])

Lembrar-se-á, ainda, pela particular pertinência para o caso concreto, que também o EMJ previne, no artigo 161º/3 uma situação de impedimento:
«A inspecção destinada a colher informações sobre o serviço e o mérito dos magistrados não pode ser feita por inspetores de categoria ou antiguidade inferiores às dos magistrados inspecionados

Aos impedimentos que aos Exmos. Juízes ... cumpre respeitarem no exercício da iuris dictio, acresce o dever de igual respeito relativamente aos impedimentos legalmente estabelecidos quando no exercício de função tipicamente administrativa, como seja aquela que são chamados a exercer enquanto vogais do Conselho Superior da Magistratura.

Dispõe o artigo 6º do CPA: «No exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação»

E no art. 44º (Casos de impedimento), estipula-se no nº1, alínea a):
«1. Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos:
a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.»

Entende-se assumir significação relevante que as normas relativas quer aos casos de impedimento (Artºs 44º a 47º e 51º) quer aos fundamentos de escusa e suspeição (Artºs 48º a 50º) se mostrem inseridas na Secção VI, sob a epígrafe «Das garantias de imparcialidade»

Dizer, são garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração das situações tipificadas como impedimentos, nas quais, basicamente, é na específica atenção à pessoa do titular do órgão ou à pessoa do agente da Administração Pública e ao interesse que a mesma tenha na decisão que ocorre a proibição de intervenção em procedimento administrativo ou em ato.

Sobre a delimitação do conceito de interesse impeditivo, acompanha-se o pensamento de Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim quando referem que nos casos das alíneas a), b) e c):
 «[h]á-de fazer-se em função de dois parâmetros: por um lado trata-se de garantir a objetividade e utilidade públicas da decisão administrativa em vista da (melhor) prossecução do interesse público, e, por outro lado, de assegurar a imparcialidade e a transparência dessa decisão, face àqueles que nela estão interessados e face à coletividade administrativa em geral

bem como quando  referem que:
 «[a] situação de impedimento,  a existir, se traduz na mera verificação de um pressuposto legal que conduz ao impedimento (e à invalidade do ato praticado pelo impedido) – considerando o Código que a situação de impedimento origina, em abstrato, uma perturbação no exercício da competência (…)» ([24])

2.3.3.3 No caso concreto: o quadro fáctico dado por adquirido relativamente aos Exmos. Vogais do Conselho, um deles enquanto Relator da decisão proferida pelo Conselho Permanente, os demais diretamente intervenientes na Deliberação do Plenário, configura uma situação de impedimento relativamente a cada um deles?

Seguramente, sim.

Conforme entendimento expresso no Ac. do STA, de 14 de agosto de 2002 (Processo nº01160/02),
«[o]princípio da imparcialidade , decorrente do artigo 266º da CRP e explicitado no artigo 6º do CPA, exige que a Administração no exercício da sua atividade trate de “forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”, tendo essa exigência sido origem do estabelecimento de uma série de impedimentos visando a concretização dessa forma de tratamento – vd. Nº1 do artigo 44º do CPA.
E entre eles encontra-se o que prescreve que “nenhum titular de órgão ou Agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo…quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.” Al. a) do citado preceito.
É, assim, visível que a lei, tendo em vista a promoção de um exercício imparcial da atividade administrativa, proíbe que o titular de um órgão ou agente da Administração, interessado (por si, ou na qualidade de representante ou gestor de negócios de outrem) no desenvolvimento ou no desfecho de um processo administrativo possa nele intervir.
Desse modo, e por força destes dispositivos, esse titular ou agente da Administração ficará impossibilitado de tomar decisões no procedimento administrativo sempre que os seus interesses (ou os interesses que representa) estejam conectados, direta ou indiretamente, com a causa que o mesmo visa alcançar (…).»

Apropriadamente, refere o Ac. do STA de 23.04.2003 (processo nº 0651/03): a Administração é como a mulher de César – não basta ser imparcial, tem também de parecer!

In casu, como alega o Exmo. Juiz Recorrente, os Exmos. Juízes Vogais em causa apresentam, no plano objetivo (e não do prisma subjectivista ou intencional) um interesse direto e pessoal na classificação que lhe vier a ser definitivamente atribuída.

Porquê?

Porque tal classificação – rectius, se obtida a classificação pretendida de Muito Bom – irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o Recorrente ocupará em relação aos quatro vogais sob referência.

Vale dizer, nas palavras do Exmo. Recorrente, «se o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de MUITO BOM, continuaria a ocupar a posição nº155 quanto à antiguidade, mas já teria o número de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação aos quatro vogais do CSM».

Não colhe, aqui, o argumento invocado pelo CSM de que «o ponto de partida não deve nem pode ser o da suspeição, mas o dos deveres a que os magistrados judiciais estão vinculados».

Consabidamente, posto que um juiz esteja obrigado a administrar a justiça casos há, devidamente tipificados na lei – nomeadamente adjetiva penal e adjetiva cível – que obrigam à sua declaração de impedimento.

Não é diferente o exercício no âmbito da função administrativa e a sujeição às garantias de imparcialidade – v.g. casos de impedimento - estabelecidas no Código do Procedimento Administrativo.

Vem a propósito lembrar, no sentido de uma melhor distinção entre impedimento e suspeição que
«[e]nquanto a situação de impedimento,  a existir, se traduz na mera verificação de um pressuposto legal que conduz ao impedimento (e à invalidade do ato praticado pelo impedido) – considerando o Código que a situação de impedimento origina, em abstrato, uma perturbação no exercício da competência -, na suspeição a lei já não impõe a proibição de intervenção do titular do órgão, deixando a questão à decisão de um órgão da própria Administração, conhecedor do carácter daquele que vai agir pela Administração e dos interesses que se jogam no respetivo procedimento.
Isto quer dizer que, se não se deu por um impedimento, que existia, a decisão final do procedimento nem por isso deixa de ser inválida; ao passo que se a escusa ou suspeição não forem declaradas, a decisão final, podendo ser impugnada com fundamento em parcialidade (desproporção ou desigualdade), não é, porém, imediata e diretamente ilegal, só pelo facto de ser de autoria daquela pessoa.» ([25])

É inelutável, pois, no caso concreto, a existência de um objetivo conflito de interesses. Na aparência objetiva não se pode ilidir o interesse de cada um dos Vogais em causa relativamente à classificação a atribuir ao Exmo. Juiz Recorrente.

Nesta conformidade, teria sido avisado que cada um dos referidos vogais tivesse suscitado o seu impedimento.

Porém, visto a confirmação do impedimento, existente mas não declarado, relativamente aos Exmos. Juízes de Direito, Vogais do Conselho Superior da Magistratura, a Deliberação do Plenário deste Conselho, de 17 de junho de 2014, mostra-se inválida por violação das garantias da imparcialidade, logo anulável nos termos do artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo.

2.4 Face à procedência da questão antecedente, fica prejudicada a apreciação relativamente ao alegado «erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-‑ factuais».

***

III DELIBERAÇÃO

Pelo exposto, na procedência do recurso interposto pela recorrente, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em anular a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 2014, que decidiu atribuir ao Exmo. Juiz AA a classificação de serviço de «BOM COM DISTINÇÃO»

Custas pelo Conselho Superior da Magistratura, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, sendo o respetivo valor tributário € 30.000,01, (atento o preceituado no n.º 2 do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e a taxa de justiça de 6 unidades de conta, de acordo com n.º 1 do artigo 7,º do Regulamento das Custas Judiciais e respetiva Tabela I - A, anexa a este último diploma.

Lisboa, 9 de Julho de 2015

Melo Lima (relator)

Gregório da Silva Jesus

Fernando Bento

Souto Moura

Ana Paula Boularot (com voto vencido)

Távora Vítor

Santos Cabral (com voto vencido)

Sebastião Póvoas (Presidente de secção)


-----------------------------------------------


[1] «Resulta do Relatório Final elaborado pela Exma. Senhora Inspetora que o período de inspeção a considerar no presente processo será o compreendido entre o dia 27 de maio de 2008 e o dia 31 de dezembro de 2012», «No entanto, e para total surpresa do A., o Relatório Final apenas considerou, para a avaliação do mérito do A, as funções que por este foram exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012, nomeadamente enquanto juiz do ex-círculo da Anadia e na qualidade de Juiz de afetação exclusiva na Comarca de Baixo Vouga" (cf, p. 22 da douta deliberação impugnada)» (Sic: Artigos 8º e 9º das Alegações de Recurso)
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITASISABEL ALEXANDRE, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOL. I, 3ª EDIÇÃO, Coimbra Editora, Pág. 381
[3] GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, VOL. II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág.596

[4] Vide: Deliberação (extrato) n.º 1868/2012, D.R. nº 235, Série II, de 2012-12-05.
[Aplicável às Inspeções realizadas a partir de 1 de janeiro de 2013, sendo certo que, in casu, o início da inspeção ocorreu a 29 de abril de 2013 (Fls.17)].
[5] Na Informação Final, a Exma. Senhora Inspetora Judicial referenciou que «a inspeção do Ex.mo Senhor Juiz (…) exigiu deslocação a várias comarcas, no total de nove…» [Apenso 1, fls. 268]
[6]   CPC Anotado, 5º, 143

[7] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt
[8] Ac. STJ de 05.05.2005, Proc. 05B839.dgsi.Net
[9] Ac. STJ de 12.05.2005, Proc. 05B840.dgsi.Net
[10] Ac. STJ de 05.11.2002, Proc.047814.dgsi.Net
[11] Ac. STJ de 18.04.2006, Proc.06A871.dgsi.Net
[12] Citados por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J.PACHECO DE AMORIMCÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, COMENTADO, 2ª EDIÇÃO, Almedina, pág. 591.
[13] Ibidem, 601 e 603
[14] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, VOLUME II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág.597.
[15] Ibidem, págs. 589,590 [Negritos e sublinhados do Relator]
[16] Com um «conteúdo institucional geral, extensivo a todas as formas de administração pública.» Ibidem, pág.793
[17] Ibidem, pág. 803 [Negritos e sublinhados do Relator]

[18] “A independência dos juízes é acima de tudo, um dever – um dever ético-social. A ‘independência vocacional’, ou seja, a decisão de cada juiz de ‘ao dizer o direito’, o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio - e acima – das influências exteriores, é, assim, o seu punctum saliens. A independência, nesta perspetiva, é sobretudo uma responsabilidade que terá a ‘dimensão’ ou a ‘densidade’ da fortaleza de ânimo do carácter e da personalidade moral de cada juiz.” Ac. Nº 227/97 Tribunal Constitucional, in DR – II Série, nº146, 7383.
[19] A . Reis - C.P.C. Anotado 1º, 388
[20] «Necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done ; it must also be seen to be doneIreneu Barreto , “Notas para um Processo Equitativo...” in Documentação e Direito Comparado , nºs 49/50 , pp 114 e 115 .
[21] Citado no já referido Ac. nº 227/97 do T. Constitucional
[22] Vide Artigos 5º e 6º da Lei 21/85.
[23] Vide, ex.g., Artigos 115º, 116º e 117º do NCPC
[24] CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMENTADO, 2ª Edição, Almedina, págs. 244 e 247
[25] Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, ob. cit. pág. 245
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencida. Confirmaria in totum a deliberação em crise.

Entendo que inexiste a suscitada questão de impedimento dos vogais do CSM apontados pelo Recorrente e pelas razões que invocou.

O impedimento não pode repousar sobre «hipóteses genéricas de eventuais conflitos de interesses», mas antes em situações reais e concretas que consubstanciem uma desconfiança na actuação da administração, o que se não lobriga no caso dos autos.

Ademais, a tese que faz vencimento põe em causa a composição do CSM a qual deverá então passar a ser, no plano dos elementos da judicatura, enformada por Juízes Conselheiros, única maneira de evitar que se ponha em causa as deliberações deste jaez. A não ser assim, na maioria dos casos em que se discutam classificações de serviço, concursos para os Tribunais da Relação, Concursos para o STJ e para presidentes de Comarca, todos ou quase todos os vogais magistrados estarão impedidos, o que leva a que toda e qualquer deliberação tomada esteja à partida inquinada e seja susceptível de ser anulada.

Ana Paula Boularot

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A afirmação da existência de impedimento em sede de procedimento administrativo, aplicável ao caso vertente, fundamenta-se na existência de circunstâncias específicas que contêm potencialidade para colidir com o comportamento isento e independente da Administração, colocando em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança dos interessados e da comunidade.

É evidente que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre aquela imparcialidade só podem conduzir à sua recusa ou escusa quando objectivamente consideradas. Assim, o mero convencimento subjectivo por parte de um interessado, ou o desvirtuamento da conduta em causa, extraindo consequências perfeitamente exógenas ao funcionamento do instituto, nunca terão virtualidade para fazer despoletar o referido incidente.

Falamos de uma razão séria, e grave, da qual resulte, inequivocamente, um estado de forte desconfiança sobre a imparcialidade da Administração (propósito de favorecimento de certo sujeito em detrimento de outro). Visa salvaguardar-se um bem essencial que é a equidistância sobre a condução do respectivo acto administrativo.

No caso vertente a decisão recorrida aponta que os Exmos. Juízes Vogais em causa apresentam, no plano objectivo um interesse directo e pessoal na classificação que lhe vier a ser definitivamente atribuída na medida em que al classificação em causa irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o Recorrente ocupará em relação aos quatro vogais sob referência. (1)

Falamos assim não duma concreta e real ameaça à imparcialidade em função dum interesse directo, imediato e objectivo no resultado do litígio, mas sim duma eventual situação de colisão de interesse que se poderá, ou não, concretizar em termos de futuro.

Na verdade, a posição em termos de antiguidade em nada é alterada com a classificação agora atribuída, mas é evidente que, no futuro, caso existam classificações diversas e caso os intervenientes concorram para atingir um mesmo objectivo a classificação ora atribuída poderá ter uma consequência diversa. Porém, e como se acentuou, falamos duma mera possibilidade, dum acontecimento incerto no futuro e não dum facto concreto que faça emergir aquela desconfiança sobre a imparcialidade.

Tal acontecimento hipotético não tem, em nosso entender, virtualidade para ser contraposto e anular um princípio de confiança nas pessoas e nas instituições. Aliás, a admitir-se como válida a tese consagrada na decisão de que se discorda, nenhum juiz de primeira instância eleito pelos seus pares como membro do CSM, e com notação inferior à máxima, poderia intervir em qualquer processo em que estivesse em causa a atribuição de notação dum outro juiz de primeira instância pois que, se este é mais antigo, a atribuição duma nota inferior poderá coloca-lo numa posição desfavorável em relação ao referido membro e, se é mais novo, na atribuição duma classificação máxima, ou superior, à daquele elemento do CSM será este que fica numa posição desfavorável.

Por igual forma o mesmo membro do CSM teria sempre interesse em que existisse uma sanção disciplinar nos processos sujeitos à sua apreciação relativos a juízes de primeira instância pois que os sancionados podem ser, por tal facto, colocados numa posição mais desfavorável num eventual futuro concurso para os tribunais superiores.

A admitir-se a interpretação do principio da imparcialidade com a abrangência que faz a decisão recorrida não só estamos a partir dum pressuposto que é a negação dos princípios que devem informar a actuação dum Juiz membro do Conselho Superior da Magistratura ou seja dum principio de desconfiança com fundamento num mero juízo hipotético e de concretização difusa, como concedemos uma interpretação extensiva que, em ultima análise, coloca em causa o funcionamento daquele Conselho.

Consequentemente negaria provimento ao recurso.

Santos Cabral

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(1) Como se refere na mesma decisão, «se o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de MUITO BOM, continuaria a ocupara posição nº 155 quanto à antiguidade, mas já teria o número de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação aos quatro vogais do CSM». Estamos, assim, em face de circunstâncias específicas que contêm potencialidade para colidir com o comportamento isento e independente da Administração, colocando em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança dos interessados e da comunidade.