Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | MELO LIMA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | RECURSO CONTENCIOSO JUIZ DELIBERAÇÃO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA INSPECÇÃO JUDICIAL PRAZO CLASSIFICAÇÃO NULIDADE DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO IMPARCIALIDADE IMPEDIMENTO ANULAÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 07/09/2015 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | RECURSO CONTENCIOSO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | PROVIDO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Doutrina: | - ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo civil”, Anotado, 1.º vol., p. 388; 5.ºvolume, p. 143. - GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” ANOTADA, VOL. II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pp. 589, 590, 596, 597,793, 803. - IRENEU BARRETO , “Notas para um Processo Equitativo...” in Documentação e Direito Comparado , nºs 49/50 , pp. 114 e 115 . - JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo civil”, Anotado, VOL. I, 3ª EDIÇÃO, Coimbra Editora, p.. 381. - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J.PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, pp. 244, 245, 247, 591, 601, 603. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 615.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 1.º. CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 6.º, 44.º A 51.º, 124.º, N.º1, AL. B), 125.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 205.º, N.º1, 216.º, N.º5, 217.º, N.º1, 218.º, 266.º, 268.º, N.º3. LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS, NA REDACÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 3/99, DE 13-01: - ARTIGO 12.º. LEI Nº 21/85, DE 30 DE JULHO - ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 34.º, 35.º, N.º2, 36.º, 37.º, 136.º, 149.º, ALS. A) D) E E), 161.º, N.º 3, 178.º. REGULAMENTO DAS INSPECÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGOS 2.º, N.º1, 4.º, 7.º, 8.º, N.º2, 5.º, N.º1, 6.º, N.º 3, 15.º, N.º2, 17.º, N.º1, ALÍNEAS C) D), E) E F), N.º2, 21.º, N.º3. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE ADMINISTRATIVO: -DE 14.08.2002 (PROCESSO Nº01160/02); -DE 23.04.2003 (PROCESSO Nº 0651/03). -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 05.11.2002, PROC. N.º 047814, EM WWW.DGSI.PT -DE 05.05.2005, PROC. N.º 05B839, EM WWW.DGSI.PT -DE 12.05.2005, PROC. N.º 05B840, EM WWW.DGSI.PT -DE 18.04.2006, PROC. N.º 06A871, EM WWW.DGSI.PT -DE 30.04.2014, PROC. Nº 319/10.2TTGDM, EM WWW.DGSI.PT -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -Nº 227/97, IN DR – II SÉRIE, Nº146, 7383; N.º 61/02; AMBOS WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT . | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário : | I - Nem da periodicidade prevenida, quer no EMJ (art. 36.º, n.º 1), quer no RIJ (art. 5.º, n.º1), nem da definição dos «Elementos a considerar nas classificações» (art. 37.º do EMJ) ou da regulamentação estabelecida no Capítulo III (arts. 13.º a 19.º do RIJ), relativa ao «Procedimento de inspecção ao serviço de juízes», decorre o estabelecimento de uma obrigatoriedade absoluta de apreciação, in singulos, de cada um dos tempos que integrem o exercício sob avaliação. II - A delimitação temporal prevista no art. 6.º, n.º 3, do RIJ não pode significar outra coisa que não seja a fixação de um mínimo de tempo de serviço que, de forma adequada, consinta a realização da pretendida avaliação do serviço prestado. Com menor limite de tempo, inexiste tempo suficiente para uma fundamentada e/ou justificada avaliação do serviço. O facto de não ter sido considerado o trabalho desenvolvido entre Maio de 2008 a Agosto de 2008 pelo recorrente não implica a violação de disposição legal nem omissão de acto relevante para a decisão final de avaliação. III - É nula a sentença sempre que o juiz deixe de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA e art. 178.º do EMJ. O tribunal tem que decidir a questão posta mas não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a pretensão da parte. Na deliberação sub iudicio, o Plenário cuidou em identificar as questões para que foi convocado a pronunciar-se, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia. IV - A fundamentação não pode obviar a uma parametrização gizada à luz do princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se que a mesma seja, no mínimo, suficiente, inteligível e congruente. De acordo com o art. 125.º do CPA é de acolher o entendimento segundo o qual a referência à exposição sucinta dos fundamentos deflui que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar. Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade. V - No que respeita ao exercício jurisdicional, é indubitável que, num Estado de Direito, a solução jurídica dos conflitos deverá fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade (arts. 218.º e 266.º, ambos da CRP). Estas regras devem ser analisadas numa dupla vertente: a subjectiva e a objectiva, na ideia de que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. VI - Aos impedimentos que aos Juízes de direito cumpre respeitar no exercício da iuris dictio, acresce o dever de igual respeito relativamente aos impedimentos legalmente estabelecidos quando no exercício de função tipicamente administrativa, como seja aquela que são chamados a exercer enquanto vogais do CSM (cf art. 161.º, n.º 3, do EMJ e arts. 6.º e 44.º a 51º, todos do CPA). VII - Os juízes vogais que tiveram intervenção na deliberação do Permanente (1 deles enquanto relator desta) e do Plenário do CSM que atribuiu a classificação de Bom com Distinção ao recorrente, apresentam, no plano objectivo, um interesse directo e pessoal na classificação que vier a ser definitivamente atribuída ao recorrente, porque, se for obtida por este a classificação de Muito Bom, tal irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o recorrente ocupará em relação àqueles, ficando este a ocupar uma posição mais adiantada na classificação do que aqueles. VIII - Estamos perante um interesse impeditivo de cada um dos juízes vogais, isto é, existe um objectivo conflito de interesses. Na aparência objectiva não se pode ilidir o interesse da cada um dos vogais em causa relativamente à classificação a atribuir ao recorrente. IX - A deliberação recorrida é assim inválida por violação das garantias de imparcialidade, anulável nos termos do art. 51.º do CPA, face à confirmação do impedimento, existente mas não declarado. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: |
* Acordam os Juízes Conselheiros que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório
1. AA, Juiz ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, interpor recurso da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 2014, que decidiu atribuir-lhe a classificação de serviço de «BOM COM DISTINÇÃO».
Sob o pedido de que seja declarada nula ou, caso assim se não entenda, seja, nos termos do disposto no artigo 135º do CPA, anulada a deliberação impugnada, invocou os seguintes fundamentos, que se sintetizam:
1.1 Vício de omissão de pronúncia [Artigos 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artº 178º do EMJ]: 1.2 Vício de falta de fundamentação [Artigos 268º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP); 124º, nº1, al. a) e 125º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA); 16º do Regulamento Interno do Conselho Superior da Magistratura (RICSM)]:
1.3 Violação do princípio da imparcialidade [Artigos 266º/2 da CRP; 6º, 44º, nº1, al. c), 47º/2 do CPA]:
1.4 Erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais [Artigos 33º, 34º/1 e 37º/1 do EMJ; 13º, 15º, 16º,nº1, als. a) e b) do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ)]: 2. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, na apreciação prévia prevista no artº 173º/1 do EMJ, pronunciou-se no sentido da inexistência de alguma questão que obstasse ao conhecimento do recurso. 3. Citado, o Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, formulando a conclusão de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente, consignando, relativamente a cada um dos itens que sustentam aquele, as razões por que os mesmos devem improceder.
4.Observada a notificação a que alude o artº 176º do EMJ, apresentaram alegações:
4.1 O Recorrente, Juiz AA: Depois de tecidas «breves considerações de direito» (sic), enunciou uma série de conclusões no sentido da verificação dos vícios que deixou apontados no peticionado recursivo - vícios já acima sintetizados e que despiciendo se tornaria, agora, repetir – rematando no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.
4.2 O Conselho Superior da Magistratura: Deu «por reproduzida a resposta à alegação de recurso elaborada ao abrigo do disposto no artº 174º do EMJ.»
5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta: Emitiu Parecer no sentido de que «a Deliberação recorrida não enferma dos vícios apontados pelo recorrente e deverá ser mantida.»
6. Colhidos os Vistos e disponibilizado aos Ex. Mos Adjuntos o projeto, em suporte informatizado, é altura de decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Constituem themas decidendum saber se a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 204: 2.1 Vício da omissão de pronúncia.
2.1.1 Desenha-o o Ex.mo Juiz Recorrente sob o seguinte quadro fáctico-argumentativo:
(i) Abrangendo o período de inspeção o tempo de serviço compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a Exma. Senhora Inspetora Judicial, no Relatório Final que elaborou, apenas considerou para a avaliação do mérito do Recorrente, as funções exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012; (ii) Na reclamação apresentada junto do Conselho Plenário do CSM, o Senhor Juiz/Recorrente, «para além de requerer esclarecimento quanto ao período efetivo a considerar», peticionou a retificação do erro e, desta arte, a contabilização, para efeitos da avaliação do seu mérito, do trabalho desenvolvido, durante cerca de três meses, enquanto juiz do Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de ..., com a cumulação de funções no Tribunal da Comarca de Tábua e no Tribunal de Execução de Penas de ...; (iii) Porém, na Deliberação sob impugnação, o Plenário do CSM não só não considerou «o trabalho desenvolvido» no período em causa, como não teceu, sequer, qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do Recorrente.
Em causa, em síntese e conjugadamente: num primeiro momento, a omissão na avaliação inspetiva do trabalho desenvolvido no período 27.05.2008> 15.09.2008; num segundo momento, a omissão de pronúncia, por parte do Pleno do CSM, relativamente à Reclamação adrede aduzida.
2.1.2 Compulsada a documentação que suporta o presente recurso, são factos processualmente adquiridos, com relevância para o conhecimento da questão sub specie:
a) Constam do Relatório de Inspeção Judicial Ordinária, elaborado pela Exma. Inspetora Judicial, respeitante à Inspeção ao serviço prestado pelo Senhor Juiz/Recorrente:
a1) Do item «I – Registo biográfico e nota curricular»: Por deliberação datada de 31.03.2008, é nomeado, a pedido, Juiz do Círculo de .... (…….)
a2) Noutro passo, no item «II – Exercício da Função – Apreciação e Fundamentação, 2. Adaptação ao Serviço»:
b) Na RESPOSTA ao Relatório de Inspeção Ordinária, o ora Recorrente, no «Item B) – Discordância quanto às notas apontadas», sob o número «III – pág. 18, nota 3 – A anterior inspeção estendeu-se até 26.05.2008», teceu as seguintes considerações:
c) Na «Informação Final», elaborada nos termos do Art. 18º, nº7, do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ), a Exma. Senhora Inspetora Judicial pronunciou-se sobre a antedita pretensão nos seguintes termos:
d) No acórdão proferido pelo Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, em 18 de março de 2014,
d1) Com referência ao ponto decorrente das alíneas precedentes – com correspetiva transcrição quer da Resposta ao Relatório apresentada pelo Exmo. Sr. Juiz, quer da Informação Final, lavrada pela Exma. Senhora Inspetora Judicial - exarou-se o seguinte: d2) Lavrou-se, a final, o seguinte decisum:
e) Na Reclamação desta Deliberação para o Plenário do Conselho (Artigos 165º e 167º, nº1, do EMJ), o ora Recorrente declarou (sob o item «I – Questões prévias – algo incompreensível no teor da deliberação») não compreender «o percurso lógico nem o mecanismo de raciocínio desenvolvido para atingir a permanente unanimidade» quanto, nomeadamente, a saber: f) Na Deliberação do Plenário do CSM, de 17 de junho de 2014, consignou-se: 2.1.3 Perante o quadro fáctico deixado desenhado importa, então, cuidar de saber se, como pretende o Exmo. Juiz Recorrente, a Deliberação tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura se mostra viciada a ponto de dever ser considerada nula ou anulável, por «omissão de pronúncia». Se bem se interpreta o sentido conferido pelo Exmo. Juiz Recorrente ao segmento da instância recursiva sub specie, desenvolve-se o mesmo - como se deixou já anunciado em 2.1.1, in fine - sob duas vertentes: de uma parte, reage contra o facto de que, compreendendo embora o período de inspeção o tempo de serviço prestado entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, a Exma. Senhora Inspetora Judicial apenas considerou para a avaliação do mérito do Recorrente, as funções exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012 – o que é dizer, não teve em conta na avaliação inspetiva o trabalho desenvolvido no período 27.05.2008> 15.09.2008 –; reage, outrossim, contra o Acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura na medida em que não só não considerou «o trabalho desenvolvido» no período em causa, como não teceu, sequer, qualquer comentário quanto à sua (ir)relevância para a avaliação do Recorrente, não obstante a reclamação adrede aduzida.
Estas duas vertentes que o Exmo. Recorrente cobre sob o mesmo manto jurídico é, antes, em termos restritos, passível de uma dupla consideração jusprocessual. Seguramente, quando o Exmo. Recorrente se coloca no âmbito de uma falta de resposta à reclamação, imputa à decisão sob recurso o vício da omissão de pronúncia: deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar (Art. 615º, nº1, al. b) NCPC); diferentemente, porém, quando com referência ao ato inspetivo, põe em causa a omissão de avaliação – dizer, a não consideração do exercício jurisdicional no período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 15 de setembro do mesmo ano ([1]) –, o Exmo. Recorrente não pode deixar de se reportar à omissão de ato, segundo a previsão do art. 195º/1 do NCPC. Verdade é que, sob esta segunda perspetiva, o Exmo. Juiz foi sucessivamente - na Resposta ao «Relatório da Inspeção Ordinária», depois na Reclamação para o Conselho Permanente do CSM e, finalmente, na Reclamação para o Plenário do mesmo CSM – apontando o que considerou constituir uma falha da inspeção judicial. Impõe-se o conhecimento da questão sob uma e outra vertentes.
2.1.3.1 No que à omissão de ato/avaliação concerne.
Dispõe a norma ínsita no antedito artigo 195º/1 da lei adjetiva civil: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.» Dizer, «[s]alvo se a lei dispuser diversamente, o vício (“irregularidade”) não gera nulidade se (…) a omissão do ato ou da formalidade prescrita não influir no exame ou na decisão da causa, isto é, na sua instrução, discussão ou julgamento (Alberto dos Reis, Comentário, II, pág. 486)» ([2]) Apelando ao ensinamento do ora citado mestre de Coimbra, é o seguinte o sentido com que deve entender-se o passo «quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa»: A relevância/irrelevância que ressuma do texto transcrito, subjazeu, como se entende, qual juízo de ponderação nas sucessivas tomadas de posição a respeito da inspeção judicial levada a efeito: em primeira mão, por parte da Exma. Inspetora Judicial, depois pelo Permanente do CSM e, finalmente, pelo Plenário do mesmo CSM.
Una voce, com o sentido último e único da irrelevância.
Dizer. Da economia das sucessivas tomadas de posição – maxime, a partir da explicação dada pela Exma. Senhora Inspetora Judicial [Supra II, 2.1.2. alínea c)] resulta percetível para um declaratário normal que se formalmente o tempo de abrangência da inspeção era o compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012, em termos de relevância prática – e, aqui, sem prejuízo da consideração dos trabalhos apresentados pelo Exmo. Juiz inspecionado, com referência a todo o tempo formalmente estipulado – o período sob consideração balizava-se entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012.
Porquê assim?
Recorde-se a justificação emprestada, desde logo, pela Exma. Inspetora Judicial:
«A anterior inspeção ao trabalho do Senhor Juiz estendeu-se até 26 de maio de 2008, conforme consta a fls. 34 do PA, que recolhe o respetivo Relatório. Ora como dali se extrai, essa inspeção integrou o serviço prestado pelo Senhor Juiz no ...º Juízo Criminal de ... e no ...º Juízo Criminal de ..., e considerou, igualmente, o trabalho prestado em regime de acumulação no Tribunal de Tábua, e no Tribunal de Execução de Penas de .... Assim sendo, sem prejuízo do interesse manifestado pelo Senhor Juiz na apresentação de peças relativas ao serviço no TEP de ..., e por mim acolhido, entendo que a presente inspeção não tinha de incluir a avaliação específica do trabalho ali desenvolvido, pois que o Senhor Juiz exerceu aquele serviço em regime de acumulação entre 28 de fevereiro de 2008 e até 15 de julho de 2008, o que se revela, sem necessidade de desenvolvimentos, absolutamente irrelevante partindo do marco inicial de 27 de maio de 2008.»
Pelo mesmo diapasão, de forma mais ou menos expressa ou tácita, afinaram o Permanente quando «deixou de parte», porque «meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013», bem como o Plenário quando, sem pôr em causa a justificada natureza «residual», num preclaro realce formal, repetiu a definição conferida pelo Permanente relativamente à delimitação do período inspetivo entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012.
Perguntar-se-á, de novo: um tal entendimento e uma tal prática, no (eventual) sacrifício do material ao formal poderão consubstanciar uma qualquer violação por que a lei declare nulo o ato ou a omissão e/ou poderão, de todo o modo, representar um sacrifício relevantemente negativo no exame inspetivo e deliberação final sobre o mérito na apreciação do serviço prestado pelo Exmo. Juiz recorrente?
Para uma resposta sob a vertente normativa (stricto sensu), importará, partindo da base da pirâmide, ter presente o alicerce constitucional em que assenta o Conselho Superior da Magistratura: «é um órgão constitucional autónomo, que tem como função essencial a gestão e disciplina da magistratura dos tribunais judiciais e cuja existência e composição satisfazem dois requisitos: (a) garantir a autonomia dos juízes dos tribunais judiciais, tornando-os independentes do Governo e da Administração; (b) atenuar de algum modo a ausência de legitimação democrática dos juízes, enquanto titulares de órgãos de soberania (…), envolvendo os dois órgãos de soberania diretamente eleitos – o PR e a AR – na composição do órgão superior de gestão da magistratura judicial» ([3])
Nos termos do art. 217º/1 da Lei Fundamental, competem ao Conselho Superior da Magistratura «a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar», «nos termos da lei».
Com o dizer-se «nos termos da lei», passa-se a um outro patamar, mais concretamente à Lei nº 21/85, de 30 de julho [Estatuto dos Magistrados Judiciais > EMJ] e ao que ela previne em termos de «Classificações» (Capítulo III), com particular relevância, no que ora importa, para os Critérios e efeitos das classificações (Art. 34º), Periodicidade das classificações (Art. 36º) e Elementos a considerar nas classificações (Art. 37º).
A partir dele (EMJ), como bem se assinala no Ac. TC nº61/02, «[c]ompetindo constitucionalmente ao CSM a gestão e a disciplina dos juízes, nelas compreendendo-se a classificação ou avaliação, têm de caber-lhe poderes para emitir normas regulamentares, tendo, assim, o Regulamento (…) cabimento na competência subjetiva e objetiva do respetivo órgão emissor.» Vale dizer, prosseguindo na transcrição do aresto deixado identificado, «[p]or natureza, é inerente ao CSM, como órgão constitucional que é (…), o poder regulamentar, à semelhança do poder regulamentar do Governo (artigo 199º, alínea b) da Constituição), (….) não pode dizer-se que a Constituição imponha “qualquer numerus clausus das entidades com poder regulamentar”, apenas estabelecendo ela “a inexistência de poder regulamentar não fundado numa específica lei anterior (precedência de lei)”.
Eis-nos chegados, assim, ao Regulamento das Inspeções Judiciais [RIJ]. Cabendo as normas deste nos poderes regulamentares do CSM, enquanto 'órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial' [Artigo 136º EMJ], o RIJ consubstancia o prolongamento das regras constantes do EMJ, que dele parte, qual fundamento legal, desde logo no que ao segmento do exercício da competência constitucionalmente atribuída da promoção concerne, para a densificação da normatividade prática reguladora das inspeções ao serviço dos juízes com vista à avaliação do respetivo mérito. [Artigos 149º, a) d) e e) do EMJ; 2º/1, al. b) do RIJ ([4])]
Retomando em mãos a questão relativa à verificação da eventual omissão de ato ou de formalidade decorrentes seja do EMJ, seja do RIJ, será de concluir, in casu, no sentido da inexistência de suporte normativo que consinta a ideia de uma positiva desconformidade legal. Na verdade, nem da periodicidade prevenida quer no EMJ (Art.36º/1), quer no RIJ (Art.º 5º/1), nem da definição dos «Elementos a considerar nas classificações» (Artº 37º do EMJ) ou da regulamentação estabelecida no Capítulo III (Artºs 13º a 19º) do RIJ, relativa ao «Procedimento de inspeção ao serviço dos juízes», decorre qualquer estabelecimento de uma obrigatoriedade absoluta de apreciação, in singulos, de cada um dos tempos que integrem o exercício sob avaliação. Um sentido bem diferente se recolhe aliás, de uma leitura sistemática do RIJ. Dizer, numa perspetiva global, a partir do princípio reitor de que os serviços de inspeção do CSM hão de ter em vista «contribuir para a melhoria da qualidade do sistema de justiça, com especial incidência nas áreas da eficiência e da racionalização das práticas jurisdicionais, administrativas e de gestão» (Artº 2º/1 do RIJ), socorre-se o mesmo Conselho de um diferenciado tipo de inspeções – desde logo, umas aos tribunais, outras ao serviço dos magistrados judiciais -, distinguindo, no âmbito destas, as inspeções ordinárias e as inspeções extraordinárias: naquelas, tendo em vista a obtenção da informação acerca da prestação e do mérito dos juízes e a proposição ao CSM da adequada qualificação de serviço, sem prejuízo da especial ênfase à apreciação da aptidão do inspecionado para o exercício da função bem como à vertente pedagógica; nestas, as extraordinárias, a serem realizadas «quando o CSM, por motivo ponderado, entenda dever ordená-las e com o âmbito que, em cada caso, lhes fixar.» (Artºs 4º e 7º do RIJ)
Daqui decorre, se bem se ajuíza, um amplo poder discricionário que compete ao CSM na definição e/ou delimitação do exato âmbito de uma inspeção ao serviço de um magistrado judicial. Pois não dispõe, ainda, o CSM de um outro tipo de inspeção - a inspeção complementar – na medida em que «pode» «por iniciativa própria ou a requerimento do inspecionado, sobrestar a atribuição da classificação quando, por motivo fundado, nomeadamente em caso de dúvida sobre a nota a fixar, decidir ordenar a realização de inspeção complementar ao serviço do magistrado judicial» ? (Artº 21º/3 RIJ) Não é igualmente certo que «Os juízes de direito em comissão de serviço diferente da referida no número anterior [dizer: “em comissão de serviço em tribunais não judiciais”] são classificados se o Conselho Superior da Magistratura dispuser de elementos bastantes ou os puder obter através das inspecções necessárias»? (Arts. 35º/2 EMJ; 8º/2 do RIJ)
Da norma ínsita no art.º 6º/3 do RIJ, releva, de todo o modo e se bem se interpreta, uma conclusão de sentido diverso ao pretendido pelo Exmo Recorrente. Dispõe-se aí: «A inspeção referida no número anterior [leia-se: inspeção ordinária classificativa dos juízes de direito] não deverá, por regra, ser efetuada antes do decurso dos primeiros seis meses de permanência dos juízes nos tribunais onde estiverem colocados aquando do início da inspeção.» Uma tal delimitação temporal não pode significar outra coisa que não seja a fixação de um mínimo de tempo de serviço que, de forma adequada, consinta a realização da pretendida avaliação do serviço prestado. Como dizer: com menor limite de tempo, inexiste tempo suficiente para uma fundamentada e/ou justificada avaliação do serviço.
Eis-nos, desta arte, chegados à questão concreta relativa ao tempo que o Ex.mo Juiz tem por indevidamente desconsiderado, não já na perspetiva da violação direta de disposição legal, mas no sentido de omissão de ato relevante para a decisão final.
Logo importará, todavia, tornar exato qual o tempo em causa: três meses, como pretende o Ex.mo Recorrente (Supra II, 2.1.1)? Ou cerca de mês e meio, contas feitas como se entende deverem ser feitas? Em causa, segundo a posição assumida pelo Ex.mo Juiz, a não consideração do exercício jurisdicional no período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 15 de setembro do mesmo ano. Acontece que, em 2008 – ano a que se reporta a solução de continuidade apontada – vigorava a “Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais”, na redação conferida pela Lei Nº 3/99, de 13 de janeiro, dispondo-se na norma ínsita no artigo 12º «As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 14 de setembro», tendo sido naquele mesmo ano de 2008, pela Lei Nº52/2008, de 28 de agosto, que a parte final da redação daquele normativo foi alterada para «de 16 de julho a 31 de agosto», com início de vigência reportado ao 1º dia útil do ano judicial seguinte ao da sua publicação (Art. 187º/1 da Lei Nº52/2008).
Vale assim dizer, que no tempo identificado como “hiato” [27.05.2008> 15.09.2008] impor-se-á, por via do necessário desconto do tempo de «férias judiciais», a redução do tempo útil para o período compreendido entre 27.05.2008 e 15.07.2008, ou seja um tempo útil de 1 mês e 20 dias.
Nesta conformidade questionar-se-á, desde logo, a razoabilidade em se pretender exigir que o staff inspetivo se vá instalar num tribunal tendo em vista, relativamente a um tão curto período de tempo, proceder ao «Exame de processos, livros e papéis, findos e pendentes, na medida do (…) necessário para firmar uma segura convicção sobre o mérito do inspeccionando», à recolha da «Estatística do movimento processual»; à «Conferência de processos»; à «Visita das instalações». (Artº 17º/1, alíneas c) d), e) e f) RIJ) ([5]) Irrazoabilidade e inadequação com referência à pretendida justa ponderação das «circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal coletivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas» (Art.º 15º/2 RIJ; no mesmo sentido, Art. 34º/1 EMJ)
Ainda assim. Impõe-se, de todo o modo, a tomada em linha de consideração que o Exmo. Juiz, ciente, por certo - na sequência da notificação adrede levada a cabo (Cfr. Fls. 20 do Apenso) - no sentido de que podia interferir na inspeção ao serviço que lhe era levada a efeito, usando da faculdade prevenida no artigo 17º nº2 do RIJ, indicou e juntou: «(“TEP-decisões” e “relatório TEP”) parte do trabalho desenvolvido na acumulação do TEP de ... (no período posterior àquela data) que (lhe)…parece(u) relevante nalguns aspetos: embora se trate da área penal, tem outras vertentes.» (Cfr. Fls. 210 do Apenso) Junção que não foi produzida em vão, visto o respetivo acolhimento pela Exma. Senhora Inspetora Judicial [Supra II, 2.1.2, alínea c)] e, se bem se interpreta, a posição assumida pelo Conselho Permanente do CSM quando refere: «[q]ue o Exmo. Sr. Juiz fez tudo o que teve para fazer – e ainda mais, pois acumulou funções – e que o fez com qualidade.» [Apenso 1, Fls. 275 > 327]
2.1.3.2 No que à omissão de pronúncia concerne.
Conforme já referido em I, 1.1 o Exmo. Recorrente fez coincidir o vício da omissão de pronúncia com a ausência de qualquer comentário na deliberação impugnada quanto à (ir)relevância, na avaliação do A., do trabalho por si desenvolvido no hiato de 27 de maio a 15 de setembro de 2008, tendo assim por cometida a nulidade prevista no Art. 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi Arts. 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 178º do EMJ. Pretende o Exmo. Recorrente, em termos práticos, que a deliberação recorrida seja revogada e substituída por outra que se pronuncie quanto ao trabalho desenvolvido no período compreendido entre 27 de maio e 15 de setembro de 2008.
Nos termos do artigo 615º, nº1, do NCPC é nula a sentença quando: a) (….); b) (…); c) (…); d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.» Em causa, um vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art. 608º, nº2 do NCPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. Vício relativamente ao qual importa, ainda, definir o exato alcance do termo «questões» por constituir o punctum saliens da nulidade. Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de Alberto dos Reis, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.» «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» ([6]) O mesmo é dizer, conforme já decidido neste STJ, «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente». ([7])
Isto posto. O Exmo. Juiz Recorrente, em sede de alegações produzidas neste recurso, depois de referir: concluiu no sentido de que a Deliberação do Plenário se mostra inquinada do vício de omissão de pronúncia na justa medida em que sendo certo que,
Cuidar-se-á, agora, saber se, efetivamente, o Plenário do CSM, na Deliberação tomada, «deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», incorrendo na nulidade de omissão de pronúncia. Foi feita já referência ao alcance do termo «questões» por constituir o punctum saliens da nulidade. In casu, importará ter em conta o que na Reclamação do Exmo. Juiz Recorrente consubstanciou «questão» e sua justa delimitação. Consubstanciação que, seguramente, não coincidiu com a leitura feita pelo Plenário do CSM, quando apreendeu daquela Reclamação uma delimitação inferior à que o Exmo. Juiz enuncia em sede de alegações.
Dizer. Na Deliberação sub iudicio, o Plenário cuidou em identificar as questões para que era convocado a pronunciar-se. Fê-lo do seguinte modo:
Ora, em boa verdade em que termos foi posta a questão pelo Exmo. Recorrente na alínea g) da Reclamação para o Plenário do CSM? Sob a epígrafe «I - Questões prévias – algo incompreensível no teor da deliberação», o Exmo. Juiz deu conta da subsistência de «algumas dificuldades para o entendimento daquela decisão», dizendo, nomeadamente, «não compreender o percurso lógico nem o mecanismo de raciocínio desenvolvido para atingir a permanente unanimidade», quanto, entre outros, ao seguinte aspeto: «g) - Qual o período efetivamente abrangido pela inspeção: para o termo inicial, o relatório balança entre “15 de setembro de 2008” (..) e 27 de maio de 2008; a deliberação, na pág. 86, diz “deixando de parte, porque meramente residual, o período de 27 de maio a 31 de agosto de 2013”; porém, ao definir o período de inspeção diz na primeira página e no “dispositivo” da página final: “período compreendido entre 27 de maio de 2008 e 31 de dezembro de 2012”».[Apenso 1, Fls. 327 e 329]
Feita a leitura in integrum da Reclamação, agora sob apreço, são estes os limites da questão posta ao Plenário e não os alargados que o Exmo. Recorrente aponta no recurso interposto.
Não se olvida que, no uso do direito de «RESPOSTA AO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO ORDINÁRIA» (Artº. 18º/6 RIJ) [Apenso 1, fls.206 > 262], o Exmo. Juiz, quer no item «III – pág. 18, nota 3», «A anterior inspeção estendeu-se até 26.05.2008», quer na alínea C) “Elementos / factos relevantes que devem ser considerados”, apelou à valoração do trabalho desenvolvido na acumulação do TEP de .... Pretensão que até encontrará fundamento de compreensão quando se tome em linha de consideração que, tendo sido notificado, pelo ofício em que a Exma. Senhora Inspetora Judicial lhe comunicou que «a partir de 29 de abril de 2013, daria início à Inspeção Ordinária ao seu serviço prestado no Tribunal de Execução de Penas de ..., ex-Círculo de ... e Juízos de ... – afetação exclusiva», e o convidava, «a apresentar trabalhos até ao máximo de dez, reportados ao período de 27-05-2008 a 31-12-2012 e, bem assim, uma exposição breve sobre as circunstâncias em que ocorreu o seu desempenho que entenda pertinentes aos objetivos da inspeção…» [Apenso 1, Fls. 20], vê, depois, ser posto «de parte, porque meramente residual» o período de 27 de maio de 2008 a 31 de agosto de 2018.
Todavia, sobre a conformidade legal e/ou procedimental da assunção de natureza residual do antedito lapso temporal, assumiu-se já posição em 2.1.3.1 (omissão de ato/avaliação). Neste momento a questão que se impõe conhecer e decidir tem a ver com a apontada nulidade de omissão de pronúncia. Cuja solução não pode ser outra que não seja, na atenção aos justos limites em que foi colocada pelo Exmo. Juiz Recorrente, tê-la por não verificada. Expondo o Exmo. Juiz as dificuldades de alma experienciadas na leitura da Decisão tomada pelo Conselho Permanente a cujo «entendimento» não lograva chegar, questionou na Reclamação «Qual o período efetivamente abrangido pela inspeção». Esta a «questão» colocada. E à questão assim colocada respondeu o Plenário do CSM, nos termos que despiciendo seria repetir. Valendo na leitura desta resposta quanto se deixou exposto no antecedente item 2.1.3.1.
* Em formulação de síntese, dir-se-á:
Improcede, desta arte, a argumentação adrede deduzida pelo Exmo. Recorrente.
2.2 Vício da falta de fundamentação.
O segundo fundamento com vista à declaração da nulidade/anulabilidade da Deliberação, identifica-o o Recorrente com a falta de fundamentação. Falta de fundamentação que explicita sob dois vetores: (i) Não obstante o Plenário do CSM ter considerado a existência de um novo conjunto de factos com relevância para a determinação da classificação de serviço do Exmo. Recorrente – «numerados de 1 a 15» [Fls.65 >67] - «certo é que acaba por não tecer qualquer juízo valorativo acerca da mesma (factualidade), não demonstrando de que forma e em que medida é que essa factualidade contribui(u) para o sentido decisório ora impugnado». [Artigos 19º e 23º do Recurso, Fls. 8 e 9] (ii) Conquanto na Alínea B) da Reclamação o Exmo. Recorrente tivesse deduzido «um conjunto de refutações» à Deliberação do Conselho Permanente do CSM, «suportadas documentalmente» e «através das quais (..) demonstra(va) o erro nos pressupostos de facto de que padecia tal deliberação», a Deliberação do Plenário do CSM não justificou «juridicamente e factualmente o porquê de tais refutações não poderem proceder.» [Artigos 27º a 32ºdo Recurso, Fls. 9 e 10]
Quid iuris?
2.2.1 O dever de fundamentação encontra, desde logo, fundamento jurídico-constitucional, seja com referência à Administração [Artigo 268º/3 da Constituição da República (CRP): «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos»] seja com referência aos Tribunais [Artigo 205º/1 CRP: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». É, aliás, como se entende, pelo cumprimento do dever de fundamentação que tanto a decisão administrativa quanto a iuris dictio logram, de uma parte, firmar a sua legitimação democrática e, de outra, proporcionar ao cidadão e/ou às partes no processo a razão ou razões seja do ganho de causa seja do decaimento nas pretensões formuladas, propiciando, relativamente a estas, a formulação de um juízo quanto à viabilidade de uma impugnação via reclamação ou recurso.
Fundamentação: com que limites? O entendimento praticamente unânime, ao nível deste Supremo Tribunal de Justiça, aponta para limites apertados, de acordo com os quais, em formulação negativa, a falta de fundamentação apenas é identificável com a «total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão» ([8]), com a «falta absoluta da fundamentação de direito e não também (com) a sua eventual sumariedade ou erro» ([9]), não bastando, enfim, «que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente» ([10]), que seja «uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final». ([11]) Menos restritamente, dever-se-á entender, se bem se ajuíza, que a fundamentação não poderá obviar a uma parametrização gizada à luz do princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se, desta arte, que a mesma seja, no mínimo, suficiente, inteligível, congruente.
Na assunção de um critério geral, dir-se-á, ainda, com Rogério Soares e Vieira de Andrade «[q]ue sob o conceito de fundamentação, se encontram duas exigências de natureza diferente: por um lado, está em causa a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real (ou de facto) ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respetiva consequência; por outro lado, nas decisões discricionárias está em causa a motivação, ou seja, a exposição do processo de escolha da medida adotada, que permita compreender quais foram os interesses e os fatores (motivos) que o agente considerou nessa opção.» ([12])
Dando os primeiros passos no sentido do conhecimento concreto da questão sub specie, atender-se-á, desde logo, à imperatividade, in casu, do dever da fundamentação, já por via do sobredito fundamento constitucional, já por exigência imediata da lei ordinária – artigo 124º, nº1 al.b ) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) quando dispõe: Ter-se-ão em conta, outrossim, os «Requisitos da fundamentação» definidos, em particular nos itens 1 e 2 do artigo 125º do referido CPA:
Uma breve nota de referência ao pressuposto de que a exposição ou expressão dos fundamentos do ato deve ser sucinta, para significar, transcrevendo Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/ J.Pacheco de Amorim, que «como se diz «no Ac. do STA de 8.VI.95, 1ªSecção, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar…» : «Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade».([13])
2.2.2. O primeiro ponto que, em concreto, o Exmo. Juiz apontou como revelador de uma fundamentação manifestamente insuficiente, respeitou ao novo conjunto de factos fixado na Deliberação sob recurso, «sobre o qual [o Plenário do CSM] não teceu qualquer juízo valorativo, não se alcançando, por isso, em que medida é que o mesmo contribuiu (ou não) para o sentido decisório impugnado». O novo conjunto de factos a que o Exmo. Juiz se reporta constam do seguinte excerto da Deliberação:
6.O Exmo. Juiz proferiu 73 acórdãos em ..., contando assim o número total de 197 decisões prolatadas. 7. Na Comarca do ..., o Exmo. Juiz presidiu ao global de 197 julgamentos (124 contabilizados supra a que acrescem 73 em ...) e presidiu a um julgamento com intervenção do tribunal colectivo no âmbito de uma acção sob a forma de processo ordinário, tendo dado a resposta à respectiva matéria de facto e prolatado a sentença. 8. Em ..., o Exmo. Juiz procedeu a 34 julgamentos da matéria de facto da jurisdição cível, tendo proferido as respetivas decisões. 9- Teve intervenções como adjunto nos julgamentos presididos pelo Exmo. Juiz Dr. ... em cerca de 205 audiências de julgamento com participação na sala de audiência e depois na respetiva deliberação bem como nas “colaborações” em ..., ...e .... 10. Fez julgamentos (e respectivos acórdãos), em resultado de apensações de processos, pelo menos, nos seguintes casos: 10.1- ...: 49/10.5GBAND + 3 apensados (185/09.OGBAND, 368/09.3GBAND e 550/10.OGBAND) - (pág. 87 do apenso); 10.2- ...: 995/09.9GBAGD + 1009/09.4GBAGD; 184/09.2 GBAGD + 3 apensados (210/09.5GCAGD + 1187/09.2GBAGD + 1052/09.3GBAGD); 10.3- ...: 431/10.8JAAVR + 651/10.5GBILH;
Emprestou o CSM a tal decisão de alteração (por acréscimo) dos factos relevantes para a decisão sobre o mérito a proferir, a seguinte motivação:
Não põe em causa o Exmo. Recorrente a fundamentação assim emprestada à decisão de facto. Põe em causa, sim, que sobre este novo acervo fáctico o CSM não tenha tecido «qualquer juízo valorativo». Na resposta, em sede de alegações, à questão assim suscitada, ponderou, em formulação de síntese que se acolhe como correta, o CSM:
Acolhe-se, pari passu, a anotação feita relativamente ao 1º item no sentido de contrariar qualquer necessidade de especificação sublinhada dos factos adrede reproduzidos. quanto é certo que, em termos de avaliação global, se fez constar na Deliberação sob recurso:
No que concerne aos grupos (ii) e (iii), retira-se da Deliberação o seguinte excerto:
Finalmente, no que respeita ao identificado grupo (iv), toma-se em linha de consideração o seguinte excerto da Deliberação sob recurso:
Dizer, pois. Em face das transcrições que ficam reproduzidas, sem necessidade de particulares cavilações exegéticas, torna-se imperioso concluir no sentido de que falece a razão ao Exmo. Juiz Recorrente quando reclama que sobre o novo conjunto de factos fixado na Deliberação sob recurso, o Plenário do CSM não teceu qualquer juízo valorativo. Ele deflui claro dos excertos reproduzidos. Seguramente, sem a possibilidade da exata medida da sua concreção, sob pena de se pretender o irrazoável. Não se olvide como, nos termos do artigo 34º do EMJ a classificação dos juízes deve atender: ao modo de desempenho da função; ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo; à capacidade de simplificação dos actos processuais; às condições do trabalho prestado; à sua preparação técnica; à sua categoria intelectual; ao exercício de funções enquanto formador dos auditores de justiça; aos trabalhos jurídicos publicados; à sua idoneidade cívica. Se se tiverem presentes os critérios de avaliação definidos no RIJ (Art. 13º), na decorrência daquela delimitação no EMJ: facilmente se compreenderá quer a impossibilidade prática de estar a subordinar a apreciação processo a processo, decisão a decisão, dum trabalho produzido por um Magistrado Judicial, normalmente durante um período de quatro anos, quer a imperatividade da realização de uma avaliação global de acordo com os anteditos parâmetros de avaliação.
2.2.3 Justifica o Exmo. Juiz Recorrente, num segundo momento, a existência do vício de falta de fundamentação sob a argumentação de que, conquanto na Alínea B) da Reclamação o Exmo. Recorrente tivesse deduzido «um conjunto de refutações» à Deliberação do Conselho Permanente do CSM, «suportadas documentalmente» e «através das quais (..) demonstra(va) o erro nos pressupostos de facto de que padecia tal deliberação», a Deliberação do Plenário do CSM não justificou «juridicamente e factualmente o porquê de tais refutações não poderem proceder.»
É o seguinte o quadro das situações identificadas pelo Exmo. Juiz Recorrente como «incorretamente anotadas pelo relatório da inspeção» e que, conquanto rebatidas pelo Recorrente, a Deliberação sob recurso não analisou:
Sobre este concreto ponto da Reclamação, o Plenário do CSM pronunciou-se nos seguintes termos:
Questão é, agora, saber se é de ter-se por verificado o apontado vício de falta de fundamentação. Deixou-se referido que, nos termos do artigo 125º do CPA, «1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato; 2. Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.» Outrossim, acolheu-se o entendimento de que daquela referência à exposição sucinta deflui que «a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato a fundamentar…» : «Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a da sua clareza, da sua apreensibilidade»
Fazendo o enfoque das questões suscitadas pelo Exmo. Recorrente será fácil convir estarem em causa questões a inserir no âmbito da preparação técnica, o que logo permite dizer, no âmbito de questões que consentem a dissensão. No caso concreto, lidos os sucessivos momentos constituídos já pelo Relatório da Inspeção, já pela Resposta oferecida pelo Exmo. Juiz, já pela decisão proferida pelo Conselho Permanente e, agora, pelo Plenário do CSM, ressuma dos mesmos um juízo de repetência na invocação das divergências travadas. Neste sentido, seja exemplo de referência a decisão proferida pelo Conselho Permanente, da qual se retiram os seguintes passos:
Com o que vem de ser exposto pretende-se apenas significar que vistos os pontos referenciados pelo Exmo. Juiz Recorrente fácil é de ver a razão que cabe à apreciação oferecida pelo Plenário do CSM quando os reconduziu a «um diferente entendimento discordância por parte do Exmo. Juiz». Exemplos paradigmáticos, as divergências decorrentes da afirmação de uma parte, de «longas e desnecessárias assentadas das declarações e depoimentos», e, de outra, a justificação de que não se trata de “assentada” mas de evidenciar/transparecer a dinâmica dos depoimentos; da afirmação de que não reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias e logo da negação no sentido de que reproduz o núcleo factual essencial de cada uma das decisões condenatórias abrangidas. Nesta conformidade, atento o circunstancialismo concreto a que respeita a fundamentação em causa não pode deixar de considerar-se a mesma como breve mas, seguramente, clara e bastante.
2.3.1 Com apelo às leis Fundamental – Art. 266º/2 da Constituição da República – e infraconstitucional – Arts. 6º e 44º do Código de Procedimento Administrativo, o Exmo. Juiz Recorrente, a partir de um quadro fáctico que desenhou e documentou com a apresentação do presente recurso, concluiu no sentido de ter sido violado o princípio da imparcialidade na Deliberação tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, alinhando a seguinte argumentação, que se transcreve:
2.3.2 No articulado da Resposta, o CSM, sem pôr em causa a Classificação, o Número de Ordem e a Antiguidade que o Exmo. Juiz Recorrente, com suporte documental, indicou relativamente a cada um dos quatro Juízes ... intervenientes, enquanto vogais do CSM, no processo da sua classificação de serviço – Exmo. Juiz ... BB (Relator da Deliberação tomada pelo Conselho Permanente do CSM), Exma. Juíza ... CC (Relatora da Deliberação tomada pelo Plenário do CSM), Exmo. Juiz ... DD e o Exmo. Juiz ... EE -, defendeu a inexistência de qualquer violação do princípio da imparcialidade, invocando para tanto:
2.3.3 Cumpre conhecer deste segmento do recurso relativo à imputada violação do princípio da imparcialidade.
2.3.3.1 Num primeiro apelo de cariz constitucional, importa tomar em linha de consideração o princípio da imparcialidade com referência (i) quer à Administração Pública, (ii) quer ao Conselho Superior da Magistratura.
(i) No que ao CSM concerne. Dispõe o artigo 218º da Constituição da República:
Acerca da composição do CSM, referem GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA que a mesma
Em outro passo,
Com o dizer-se «As regras sobre garantias dos Juízes são aplicáveis a todos os vogais do Conselho Superior da Magistratura», importará tomar sob consideração o disposto no artigo 216º, onde, sob a epígrafe «Garantias e incompatibilidades», se estabelece no nº5 que «A lei pode estabelecer outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz».
Retomando o ensinamento de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA a respeito deste item:
(ii) No que à Administração Pública diz respeito. ([16])
Nos termos do artigo 266º da CRP,
Seguindo, de novo, o ensinamento de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA:
Temos pois, numa apreciação conjugada, uma axiologia, que poder-se-ia dizer de cariz jus-ético, prevenindo, no âmbito lato das garantias e incompatibilidades, seja com referência aos Vogais do CSM, seja com referência à Administração Pública, a figura do impedimento.
2.3.3.2 Num segundo patamar, infraconstitucional, tomar-se-ão em consideração (i) desde logo o Estatuto dos Magistrados Judicias (EMJ), (ii) também, com particular razão de ser, o Código do Procedimento Administrativo (CPA).
No que respeita ao exercício jurisdicional, é indubitável que, num Estado de direito, a solução jurídica dos conflitos deverá fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade. Independência/Imparcialidade comummente analisadas numa dupla vertente: a subjetiva - dizer também: a “independência vocacional” ([18]), a “atitude interna” super partes, a “postura” “fora e acima das paixões e interesses que no pleito se agitam” ([19]) - e a objetiva - na ideia de que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objetividade da jurisdição Se relativamente àquela (subjetiva) pode valer a presunção da sua existência até prova em contrário, já relativamente a esta (objetiva) uma tal presunção seria manifestamente insuficiente ([20]) No ensinamento de Figueiredo Dias:
Nesta perspetiva objetiva assumem particular relevância as cautelas legais: ao nível primário das Leis Fundamental e substantiva, pelas garantias da “inamovibilidade” e da “irresponsabilidade” ([22] ); depois, ao nível da definição normativo-adjectiva, pela delimitação das situações de suspeição e/ou de impedimento. ([23]) Lembrar-se-á, ainda, pela particular pertinência para o caso concreto, que também o EMJ previne, no artigo 161º/3 uma situação de impedimento:
Aos impedimentos que aos Exmos. Juízes ... cumpre respeitarem no exercício da iuris dictio, acresce o dever de igual respeito relativamente aos impedimentos legalmente estabelecidos quando no exercício de função tipicamente administrativa, como seja aquela que são chamados a exercer enquanto vogais do Conselho Superior da Magistratura. Dispõe o artigo 6º do CPA: «No exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação»
E no art. 44º (Casos de impedimento), estipula-se no nº1, alínea a):
Entende-se assumir significação relevante que as normas relativas quer aos casos de impedimento (Artºs 44º a 47º e 51º) quer aos fundamentos de escusa e suspeição (Artºs 48º a 50º) se mostrem inseridas na Secção VI, sob a epígrafe «Das garantias de imparcialidade» Dizer, são garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração das situações tipificadas como impedimentos, nas quais, basicamente, é na específica atenção à pessoa do titular do órgão ou à pessoa do agente da Administração Pública e ao interesse que a mesma tenha na decisão que ocorre a proibição de intervenção em procedimento administrativo ou em ato.
Sobre a delimitação do conceito de interesse impeditivo, acompanha-se o pensamento de Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim quando referem que nos casos das alíneas a), b) e c): bem como quando referem que:
2.3.3.3 No caso concreto: o quadro fáctico dado por adquirido relativamente aos Exmos. Vogais do Conselho, um deles enquanto Relator da decisão proferida pelo Conselho Permanente, os demais diretamente intervenientes na Deliberação do Plenário, configura uma situação de impedimento relativamente a cada um deles?
Seguramente, sim. Conforme entendimento expresso no Ac. do STA, de 14 de agosto de 2002 (Processo nº01160/02),
Apropriadamente, refere o Ac. do STA de 23.04.2003 (processo nº 0651/03): a Administração é como a mulher de César – não basta ser imparcial, tem também de parecer!
In casu, como alega o Exmo. Juiz Recorrente, os Exmos. Juízes Vogais em causa apresentam, no plano objetivo (e não do prisma subjectivista ou intencional) um interesse direto e pessoal na classificação que lhe vier a ser definitivamente atribuída. Porquê? Porque tal classificação – rectius, se obtida a classificação pretendida de Muito Bom – irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o Recorrente ocupará em relação aos quatro vogais sob referência. Vale dizer, nas palavras do Exmo. Recorrente, «se o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de MUITO BOM, continuaria a ocupar a posição nº155 quanto à antiguidade, mas já teria o número de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação aos quatro vogais do CSM».
Não colhe, aqui, o argumento invocado pelo CSM de que «o ponto de partida não deve nem pode ser o da suspeição, mas o dos deveres a que os magistrados judiciais estão vinculados». Consabidamente, posto que um juiz esteja obrigado a administrar a justiça casos há, devidamente tipificados na lei – nomeadamente adjetiva penal e adjetiva cível – que obrigam à sua declaração de impedimento. Não é diferente o exercício no âmbito da função administrativa e a sujeição às garantias de imparcialidade – v.g. casos de impedimento - estabelecidas no Código do Procedimento Administrativo. Vem a propósito lembrar, no sentido de uma melhor distinção entre impedimento e suspeição que É inelutável, pois, no caso concreto, a existência de um objetivo conflito de interesses. Na aparência objetiva não se pode ilidir o interesse de cada um dos Vogais em causa relativamente à classificação a atribuir ao Exmo. Juiz Recorrente. Nesta conformidade, teria sido avisado que cada um dos referidos vogais tivesse suscitado o seu impedimento. Porém, visto a confirmação do impedimento, existente mas não declarado, relativamente aos Exmos. Juízes de Direito, Vogais do Conselho Superior da Magistratura, a Deliberação do Plenário deste Conselho, de 17 de junho de 2014, mostra-se inválida por violação das garantias da imparcialidade, logo anulável nos termos do artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo.
2.4 Face à procedência da questão antecedente, fica prejudicada a apreciação relativamente ao alegado «erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-‑ factuais». *** III DELIBERAÇÃO
Pelo exposto, na procedência do recurso interposto pela recorrente, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em anular a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 17 de junho de 2014, que decidiu atribuir ao Exmo. Juiz AA a classificação de serviço de «BOM COM DISTINÇÃO»
Custas pelo Conselho Superior da Magistratura, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, sendo o respetivo valor tributário € 30.000,01, (atento o preceituado no n.º 2 do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e a taxa de justiça de 6 unidades de conta, de acordo com n.º 1 do artigo 7,º do Regulamento das Custas Judiciais e respetiva Tabela I - A, anexa a este último diploma.
Lisboa, 9 de Julho de 2015 ----------------------------------------------- [1] «Resulta do Relatório Final elaborado pela Exma. Senhora Inspetora que o período de inspeção a considerar no presente processo será o compreendido entre o dia 27 de maio de 2008 e o dia 31 de dezembro de 2012», «No entanto, e para total surpresa do A., o Relatório Final apenas considerou, para a avaliação do mérito do A, as funções que por este foram exercidas no período compreendido entre 15 de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2012, nomeadamente enquanto juiz do ex-círculo da Anadia e na qualidade de Juiz de afetação exclusiva na Comarca de Baixo Vouga" (cf, p. 22 da douta deliberação impugnada)» (Sic: Artigos 8º e 9º das Alegações de Recurso) [2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOL. I, 3ª EDIÇÃO, Coimbra Editora, Pág. 381 [3] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, VOL. II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág.596 [4] Vide: Deliberação (extrato) n.º 1868/2012, D.R. nº 235, Série II, de 2012-12-05. [Aplicável às Inspeções realizadas a partir de 1 de janeiro de 2013, sendo certo que, in casu, o início da inspeção ocorreu a 29 de abril de 2013 (Fls.17)]. [5] Na Informação Final, a Exma. Senhora Inspetora Judicial referenciou que «a inspeção do Ex.mo Senhor Juiz (…) exigiu deslocação a várias comarcas, no total de nove…» [Apenso 1, fls. 268] [6] CPC Anotado, 5º, 143 [7] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt [8] Ac. STJ de 05.05.2005, Proc. 05B839.dgsi.Net [9] Ac. STJ de 12.05.2005, Proc. 05B840.dgsi.Net [10] Ac. STJ de 05.11.2002, Proc.047814.dgsi.Net [11] Ac. STJ de 18.04.2006, Proc.06A871.dgsi.Net [12] Citados por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J.PACHECO DE AMORIM – CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, COMENTADO, 2ª EDIÇÃO, Almedina, pág. 591. [13] Ibidem, 601 e 603 [14] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, VOLUME II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág.597. [15] Ibidem, págs. 589,590 [Negritos e sublinhados do Relator] [16] Com um «conteúdo institucional geral, extensivo a todas as formas de administração pública.» Ibidem, pág.793 [17] Ibidem, pág. 803 [Negritos e sublinhados do Relator] [18] “A independência dos juízes é acima de tudo, um dever – um dever ético-social. A ‘independência vocacional’, ou seja, a decisão de cada juiz de ‘ao dizer o direito’, o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio - e acima – das influências exteriores, é, assim, o seu punctum saliens. A independência, nesta perspetiva, é sobretudo uma responsabilidade que terá a ‘dimensão’ ou a ‘densidade’ da fortaleza de ânimo do carácter e da personalidade moral de cada juiz.” Ac. Nº 227/97 Tribunal Constitucional, in DR – II Série, nº146, 7383. Vencida. Confirmaria in totum a deliberação em crise. Entendo que inexiste a suscitada questão de impedimento dos vogais do CSM apontados pelo Recorrente e pelas razões que invocou. O impedimento não pode repousar sobre «hipóteses genéricas de eventuais conflitos de interesses», mas antes em situações reais e concretas que consubstanciem uma desconfiança na actuação da administração, o que se não lobriga no caso dos autos. Ademais, a tese que faz vencimento põe em causa a composição do CSM a qual deverá então passar a ser, no plano dos elementos da judicatura, enformada por Juízes Conselheiros, única maneira de evitar que se ponha em causa as deliberações deste jaez. A não ser assim, na maioria dos casos em que se discutam classificações de serviço, concursos para os Tribunais da Relação, Concursos para o STJ e para presidentes de Comarca, todos ou quase todos os vogais magistrados estarão impedidos, o que leva a que toda e qualquer deliberação tomada esteja à partida inquinada e seja susceptível de ser anulada. Ana Paula Boularot --------------- É evidente que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre aquela imparcialidade só podem conduzir à sua recusa ou escusa quando objectivamente consideradas. Assim, o mero convencimento subjectivo por parte de um interessado, ou o desvirtuamento da conduta em causa, extraindo consequências perfeitamente exógenas ao funcionamento do instituto, nunca terão virtualidade para fazer despoletar o referido incidente. Falamos de uma razão séria, e grave, da qual resulte, inequivocamente, um estado de forte desconfiança sobre a imparcialidade da Administração (propósito de favorecimento de certo sujeito em detrimento de outro). Visa salvaguardar-se um bem essencial que é a equidistância sobre a condução do respectivo acto administrativo. No caso vertente a decisão recorrida aponta que os Exmos. Juízes Vogais em causa apresentam, no plano objectivo um interesse directo e pessoal na classificação que lhe vier a ser definitivamente atribuída na medida em que al classificação em causa irá influenciar, em futuro movimento judicial, o número de ordem que o Recorrente ocupará em relação aos quatro vogais sob referência. (1) Falamos assim não duma concreta e real ameaça à imparcialidade em função dum interesse directo, imediato e objectivo no resultado do litígio, mas sim duma eventual situação de colisão de interesse que se poderá, ou não, concretizar em termos de futuro. Na verdade, a posição em termos de antiguidade em nada é alterada com a classificação agora atribuída, mas é evidente que, no futuro, caso existam classificações diversas e caso os intervenientes concorram para atingir um mesmo objectivo a classificação ora atribuída poderá ter uma consequência diversa. Porém, e como se acentuou, falamos duma mera possibilidade, dum acontecimento incerto no futuro e não dum facto concreto que faça emergir aquela desconfiança sobre a imparcialidade. Tal acontecimento hipotético não tem, em nosso entender, virtualidade para ser contraposto e anular um princípio de confiança nas pessoas e nas instituições. Aliás, a admitir-se como válida a tese consagrada na decisão de que se discorda, nenhum juiz de primeira instância eleito pelos seus pares como membro do CSM, e com notação inferior à máxima, poderia intervir em qualquer processo em que estivesse em causa a atribuição de notação dum outro juiz de primeira instância pois que, se este é mais antigo, a atribuição duma nota inferior poderá coloca-lo numa posição desfavorável em relação ao referido membro e, se é mais novo, na atribuição duma classificação máxima, ou superior, à daquele elemento do CSM será este que fica numa posição desfavorável. Por igual forma o mesmo membro do CSM teria sempre interesse em que existisse uma sanção disciplinar nos processos sujeitos à sua apreciação relativos a juízes de primeira instância pois que os sancionados podem ser, por tal facto, colocados numa posição mais desfavorável num eventual futuro concurso para os tribunais superiores. A admitir-se a interpretação do principio da imparcialidade com a abrangência que faz a decisão recorrida não só estamos a partir dum pressuposto que é a negação dos princípios que devem informar a actuação dum Juiz membro do Conselho Superior da Magistratura ou seja dum principio de desconfiança com fundamento num mero juízo hipotético e de concretização difusa, como concedemos uma interpretação extensiva que, em ultima análise, coloca em causa o funcionamento daquele Conselho. Consequentemente negaria provimento ao recurso. Santos Cabral -------- (1) Como se refere na mesma decisão, «se o A. obtivesse na sequência do presente processo de inspeção a classificação de MUITO BOM, continuaria a ocupara posição nº 155 quanto à antiguidade, mas já teria o número de ordem 37, o que significaria ocupar uma posição mais adiantada na classificação em relação aos quatro vogais do CSM». Estamos, assim, em face de circunstâncias específicas que contêm potencialidade para colidir com o comportamento isento e independente da Administração, colocando em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança dos interessados e da comunidade. |