Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | VASQUES DINIS | ||
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE DIREITO RESPOSTAS AOS QUESITOS LINGUAGEM COMUM RECURSO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GRAVAÇÃO DA PROVA ÓNUS DA ALEGAÇÃO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS | ||
| Nº do Documento: | SJ200705020025674 | ||
| Data do Acordão: | 05/02/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I – Para efeito do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do CPC, versam questões de direito as respostas aos quesitos da base instrutória que exprimam valoração jurídica, própria da subsunção de realidades factuais a uma previsão normativa, implicando necessariamente a interpretação da lei. II – Tal não sucede quando, na decisão proferida sobre a matéria de facto, se emprega o vocábulo “honorários”, com o sentido, corrente na linguagem comum, de pagamentos correspondentes à contrapartida retributiva da prestação de uma actividade, independentemente da qualificação da relação jurídica em que tal actividade se inscreve. III – A expressão “trabalhadores subordinados”, inserida na decisão da matéria de facto – para referir colaboradores de uma empresa em relação aos quais nenhuma dúvida se levante acerca da existência de um contrato de trabalho –, não deve ter-se por não escrita, já que a sua utilização, em tal contexto, não envolve um juízo de direito determinante da solução da questão da natureza do contrato vigente entre as partes – contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços. IV – O bloco normativo constituído pelos artigos 722.º, 2 e 729.º, n.º 2, do CPC, não consente a alteração, pelo Supremo Tribunal de Justiça, da decisão proferida sobre a matéria de facto, se não for alegada violação de regras de direito material probatório. V – O ónus de especificação imposto, pelo artigo 690.º-A, n.os 1 e 2, do CPC, ao recorrente que impugne a matéria de facto, mostra-se cumprido, desde que indique, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto àqueles pontos, referindo o número da cassete, o lado e as rotações em que começa e acaba cada depoimento, assinalados na acta de audiência, nos termos do artigo 522.º-C, n.º 2, do CPC.. VI – Não é exigível, para satisfação daquele ónus, que o recorrente indique a parte ou partes dos depoimentos, relativos aos pontos de facto impugnados, que faça referência ao que cada testemunha terá dito em relação a cada um dos pontos de facto, e que mencione as rotações do suporte magnético onde se localizam o início e fim de cada uma das partes ou passagens dos depoimentos referidos aos pontos de facto a reapreciar. VII – A ampliação da matéria de facto, prevista no artigo 729.º, n.º 3, do CPC, passa não só pela averiguação de factos que, tendo sido alegados, não foram apurados, mas também pela reapreciação de factos que, também alegados, terão sido deficientemente aquilatados, designadamente porque a Relação, indevidamente, não cuidou de proceder à reapreciação das provas gravadas, posto que o objectivo da ordem de ampliação da matéria de facto é o de fazer averiguar factos de que o tribunal pode tomar conhecimento e que não foram apurados ou que o foram deficientemente. VIII – A necessidade de ampliação pressupõe que, sem a reapreciação das provas gravadas e consequente pronúncia sobre os factos impugnados, não seja possível decidir da causa conforme o direito, implicando o juízo sobre tal necessidade a valoração jurídica, prévia, da globalidade dos factos definitivamente fixados, à luz do regime jurídico aplicável. IX – A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). X – O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte. XI – Para alcançar a identificação da relação laboral, é fundamental proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho. XII – É de qualificar como de prestação de serviços o contrato pelo qual o Autor ao serviço da Ré, empresa do ramo hoteleiro, actuou, como pianista, ao longo de seis anos, em horários e locais pré-definidos, utilizando, em regra, instrumentos pertencentes à Ré, num quadro em que: a retribuição foi estabelecida para cada actuação, sendo os pagamentos efectuados mensalmente, em função do número e tipo de actuações, contra a emissão de “recibos verdes”; o Autor, sem necessidade de dar conhecimento ou pedir autorização à Ré, prestava idêntica actividade a outras entidades do mesmo ramo industrial da Ré; sendo o Autor professor numa Academia de Música, cobrava à Ré honorários pela actuação dos seus alunos em unidades hoteleiras da Ré; e, durante a execução do contrato, a Ré nunca lhe proporcionou o gozo de férias, nem lhe pagou subsídio de férias e de Natal, sem que, naquele período de seis anos, o Autor houvesse revelado sinais de inconformismo perante tal situação, até ao momento em que viu reduzido o número de actuações. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I 1. "AA" demandou, no Tribunal do Trabalho do Funchal, em acção com processo comum, a “Empresa-A, alegando que: Concluiu, pedindo a condenação da Ré a reconhecê-lo como seu trabalhador efectivo, vinculado aos quadros da sua empresa, e a pagar-lhe a quantia € 29 179,68, relativa aos créditos emergentes do contrato de trabalho respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal que nunca lhe foram pagos 2. Na contestação, a Ré, pugnando pela improcedência da acção, alegou, no essencial, que: Em recurso de apelação, o Autor impugnou a sentença, quer quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, quer quanto à solução jurídica do pleito. No que diz respeito à pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, além do mais, que o Autor não satisfez, na alegação do recurso, as exigências contidas no artigo 690.º-A, do Código de Processo Civil, pelo que se declarou impedido de reapreciar a prova produzida, e gravada, na audiência de julgamento; e observou que o teor dos documentos juntos a fls. 262-325, por si só, não permitia a pretendida alteração daquela decisão. E, com base nos factos que a primeira instância declarou provados, qualificou a relação jurídica entre Autor e Ré como contrato de prestação de serviços e concluiu pela confirmação da sentença. 4. Para pedir a revogação do acórdão da Relação, interpôs o Autor este recurso de revista, formulando, após convite do relator, as conclusões que a seguir se transcrevem: 1.ª - As expressões «subordinados» do ponto 23 e «honorários» dos pontos n.os 21 e 27 da FF (Fundamentação de facto) são conceitos de direito ou conclusivos tanto mais que ao decidir e fixar assim ou nesses termos a matéria de facto já se está a introduzir nela elementos ou indícios do contrato de prestação de serviços e daí deverem ter-se por não escritas tais expressões ou as respostas àqueles pontos. (artigo 653.º) 2.ª - A resposta do ponto n.º 4 da F. F. não faz sentido devendo a sua palavra «Aquando» ser substituída por «Após» e esclarecer-se que a abertura do novo Hotel «...» aconteceu em 13 de Abril de 2003, conforme se vê do documento de fls. 308 (elemento fornecido pelo processo que impõe essa decisão diversa insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova acabando por ficar com esta ou outra redacção semelhante): 4 - Após a abertura do novo hotel «...», no Funchal em 13 de Abril de 2002 e que a ré explora, o A. actuava nele aos Domingos. 3.ª - As respostas dos pontos 8.º, 26.º e 27.º da FF enfermam da falta de clareza, enquanto o conteúdo da resposta daquele e mormente da sua expressão «no montante actual de € 60,45 por actuação» não só está em contradição com as dos outros dois pontos como também nem sequer foi alegado e daí dever dar-se como não provada essa parte do ponto 8 e nunca dever ser atendida quer na sentença da 1.ª Instância quer no douto Acórdão recorrido. (artigo 664.º do C.P.C.) 4.ª - Em consequência do que se vem dizendo desde a 3.ª conclusão e ainda das regras da lógica e da experiência comum, as actuais redacções dos pontos n.os 8, 26 e 27 devem ser substituídas por aquelas outras que se lhe apontam desde o final de fls. 5 a meados de 6 do texto das Alegações e que aqui se dão como reproduzidas (fundamentando-se essas alterações nos diversos documentos ou melhor recibos que nelas se alude e referenciam ou seja em dados constantes ou fornecidos pelo processo e que impõem a decisão ora propugnada e que por sua vez não é susceptível de ser destruída por qualquer outro meio de prova). 5.ª - Também se pretenderam alterar os pontos 5.º, 12.º, 13.º, 54.º por modo que passem a ter as redacções constantes de fls. 6 e 7 do texto das Alegações mas o douto Acórdão recorrido a fls. 6 indeferiu totalmente estas outras pretendidas alterações e quase in limine pretextando nos termos transcritos de fls. 10 a 12 daquele texto e o que tudo aqui se dá com o reproduzido. 6.ª - E com salvaguarda do respeito devido não deve ser assim, e pode dizer-se que no caso tem cabimento o velho adágio «ser preso por ter e não ter cão» pois e por um lado os Excelentíssimos Desembargadores não leram (1), os depoimentos das testemunhas porque entendem que só poderiam fazê-lo relativamente a determinadas passagens dos mesmos e por outro também não leram a transcrição que se faz do depoimento da testemunha principal (BB) pretextando que agora não é preciso transcrever nada. 7.ª - E isso quando o recurso nessa parte tem por objecto sobretudo a reapreciação dos meios de prova magneticamente reproduzidos e dos documentos de fls. 308, 7 a 139, 164 a 170, 262 a 325 pelo que a questão nada ou bem pouco tem a ver com limitação da competência do Supremo às questões de direito ou aplicação deste aos factos materiais fixado pelas instâncias, com a ressalva das sabidas excepções. (artigos 729.º n.º 3, 712.º n.º 6 do C.P.C. e 26.º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro) 8.ª - E o pouco que tem a ver é que a tónica ou o objecto principal do recurso se situa na actividade da Relação quanto à decisão da matéria de facto mas fora do âmbito daquelas disposições para se localizar e centrar no dever de sindicância da prova consagrado no n.º 2 do artigo 712.º do C.P.C. ou no do direito ao julgamento de recurso traduzido num segundo grau de jurisdição no âmbito da decisão da matéria de facto. 9.ª - Por conseguinte ou face às alterações do DL 39/95 e 183/2000 citados no texto apenas incumbia aos Recorrentes, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A, do C.P.C. indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem como quais os concretos meios probatórios constantes da gravação e do processo que impunham decisão diversa da impugnada e como os meios probatórios fundamento do erro na apreciação eram os depoimentos gravados fez-se a necessária indicação por referências ao assinalado na acta, para além da indicação e referenciação dos aludidos documentos. 10.ª - E vai daí que após algumas outras considerações (desviadas do ponto fulcral, com salvaguarda do respeito devido) o Tribunal da Relação acabe por negar provimento ao recurso sem ao menos proceder à audição de qualquer lado ou parte das cassetes referenciadas como assinaladas estão e foram na acta da audiência isto é com o inicio e termo de cada depoimento na respectiva gravação e cuja referência e sinalização foram feitas tanto no texto das Alegações da Apelação como nas XI e XlI conclusões, tal como sucede com os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados. 11.ª - No caso em apreço, por bem menos ou sem precisar de tanto, o douto o Acórdão recorrido tornou a Apelação nessa parte e medida mesmo inviável e fê-lo sem ouvir qualquer parte de alguma das referidas cassetes ou de reexaminar dos aludidos documentos. 12.ª - Em vez dessa audição e reexame, a Relação preferiu, a partir do já dado como não provado na 1.ª Instância e da respectiva justificação não fazer o resto acabando por não alterar uma linha do ali decidido e isso quando foi posta em causa ou se solicita uma reapreciação sistemática e substancial na prova produzida em audiência, pretendendo-se pois obter uma resposta antagónica à factualidade de diversos quesitos. 13.ª - Desta feita aplicar e interpretar assim, ou como fez o douto Acórdão recorrido, as normas dos n.os 1, 2 e 5 do artigo 690.º-A, do C.P.C. violam o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa ou seja com o sentido de que o recorrente tinha de indicar relativamente a cada quesito a parte do depoimento que justificara resposta diversa a fim de viabilizar a reapreciação da factualidade impugnada sob pena de rejeição do recurso no tocante à matéria de facto. 14.ª - Isto é, os n.os 1, 2 e 3 daquele artigo 690.º-A do C.P.C. e com aquela interpretação e aplicação são ofensivas do diploma básico, por equivaler a dizer que a questão ora sub judice é conflituante com a Constituição, designadamente por violação do preceituado no seu artigo 20.º n.º 1 como igualmente ofende o artigo 8.º da DUDH de 10/12/48 ao consagrar: «Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.» 15.ª – As formalidades processuais e os seus efeitos cominatórios são algo de inerente ao próprio processo mas a sua exigência não pode, mercê da extrema dificuldade que apresenta, representar um excesso ou uma intolerável desproporção que apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, deixando ao fim e ao cabo, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, podendo desse modo ser visto como a prescrição e imposição de obstáculos à livre e desmedida actuação processual das partes. 16.ª - A interpretação e aplicação que o Acórdão sub judice fez dos n.os 1, 2 e 5 do artigo 690.º-A do Cód. Proc. Civil dificulta a tarefa quer do tribunal quer dos demais intervenientes processuais e que por esse modo mais dificilmente descortinam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocadas pelos recorrentes. E assim sendo, então há-de concluir-se que a exigência alcançada pela referida interpretação do Acórdão recorrido do ponto de vista constitucional não se revela de qualquer sentido útil antes dificulta a missão dos próprios intervenientes processuais. 17.ª - Ainda que seja desconforme com a justiça e equidade que devem ser apanágio do processo, como vertente do direito de acesso aos tribunais, a dita exigência, de todo em todo, coarcta a possibilidade de se desfrutar da possibilidade de acesso à impugnação da matéria de fáctica ou ao direito ao recurso efectivo de acto que viola direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, como de resto aconteceu no caso em apreço e por isso mesmo motivador deste recurso. 18.ª - O Acórdão recorrido ao não reapreciar a matéria de facto impugnada em conformidade com o disposto nos artigos 690.º-A e 712 n.º 2, ambos do CPC, violou esses preceitos legais recusando-se a reapreciar a factualidade impugnada. 19.ª - É bem sabido que o STJ não aprecia matéria de facto a menos que se verifiquem as situações excepcionais previstas no artigo 722.º n.º 2 do CPC, podendo ainda ordenar a ampliação da mesmas quando faltem as bases factuais para aplicar o direito ou quando exista contradição na decisão de facto que inviabilize a decisão de direito e o que sucede no nosso caso. (artigo 729.º n.º 3). 20.ª - Não tendo a Relação reapreciado, em conformidade com o legalmente estabelecido a matéria de facto impugnada, está-se no âmbito da aplicação do artigo 729.º n.º 3, na medida em que «a aí prevista ampliação da matéria de facto pode passar, não só pela averiguação de factos que não foram apurados, mas também pela reapreciação de factos que o tenham sido deficientemente». (Cof. Ac. do STJ de 30/4/2002 - Revista n.º 917/02 - 1 ° - Sumários internos 4/2002) 21.ª - Perante o esquema desenhado pela lei, que aponta decisivamente no sentido de permitir um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não é defensável vir depois interpretá-la limitativamente no sentido do douto Acórdão recorrido sendo certo que, salvo melhor opinião, os recorrentes deram essencialmente cumprimento aos ónus que lhes são impostos pelo artigo 690.º-A do CPC. 22.ª - Indicaram claramente os pontos de facto com cuja decisão discordam e indicaram os concretos meios de prova em que alicerçam essa discordância por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C tanto mais que os quesitos estão, no caso, intimamente conexionados e os recorrentes acabam por fazer referência aos pontos concretos dos depoimentos que do seu ponto de vista justificam as alterações propostas bem como quando transcrevem as partes dos depoimentos que julgam relevantes para essa finalidade a ponto de se entender perfeitamente o que o recorrente pretende e no essencial estão satisfeitas as formalidades exigidas por lei, pelo que é excesso de formalismo não ter por verificados os pressupostos que condicionam a reapreciação da prova. 23.ª - Pelo contrário, sobre o mérito do recurso nesta parte a Relação limitou-se a tecer as considerações de ordem genérica transcritas de fls. 10 a 12 do texto das Alegações (e que aqui se dão como reproduzidas), sem nenhuma referência a qualquer depoimento concreto ou a documento dos autos. 24.ª - De todo o modo, a Relação não reapreciou a prova e ainda que o tenha feito em parte sempre seria insuficiente porque não fundamentada uma vez que na realidade não exterioriza relativamente aos pontos de facto impugnados, qualquer análise crítica da prova gravada para justificar a sua convicção no sentido da manutenção das respostas. (C[fr.] artigo 205.º n.º 1 da C. R. Portuguesa e 158.º n.º 1 e 653.º do C.P.C.) 25.º - Enquanto isso as cassetes gravadas nem sequer foram ouvidas ao menos quanto aos depoimentos que alegadamente fundamentariam as alterações pretendidas e isso é, como se viu, obrigatório (obrigatoriedade que não é dispensada pelo facto de os recorrentes terem transcrito uma parte desses depoimentos), como obrigatório é a efectiva reapreciação das provas no sentido acima exposto. (artigo 690.º-A, 522.º-C e 712.º n.º 2 do CPC) 26.ª - Por conseguinte, salvo sempre o devido respeito por diferente opinião afigura-se não verificada a reapreciação da matéria de facto impugnada, o que se traduz na violação das disposições legais que garantem o duplo grau de jurisdição em matéria de facto (artigo 690.º-A e 712.º n.º 2 do CPC) e o que justifica a revogação do douto Acórdão recorrido e a devolução dos autos à 2.ª Instância para, após a audição da prova gravada, se necessário, na sua integridade reapreciar tal prova em termos de formar convicção própria que justifique a alteração pretendida nos termos acima referidos. 27.ª - Como consta expressamente dos 64 documentos de fls. 262/325 (e não 17 como por lapso se diz na acta de fls. 327) eles são os Programas mensais de animação, suas revisões e alterações elaborados pela R. e que fazia distribuir, inclusive pelo A. e Recorrente. 28.ª - Do seu conteúdo, desta distribuição e sobretudo do depoimento daquela testemunha da R. BB, referida no n.º 1 da FF e gravado e transcrito nos já referidos termos, resulta decisivamente que nos eventos dos pontos n.os 4, 7, 15 (2.ª parte) 16, 19, 55 e 56 da FF, o A. actuava de acordo com esses programas, isto é segundo a vontade da R. expressa e transmitida ao A. desse modo e feitio. 29.ª - Desta feita fica esclarecido e adquirido para os autos, o modo e a forma através do qual o A. Recorrente estava às ordens da Recorrida para trabalhar ou tocar piano obtendo assim o prévio e indispensável conhecimento para poder chegar e actuar a horas e aos locais de trabalho e isso determinantemente em todas aquelas outras actuações que não as já antecipadamente acordadas e sabidas. 30.ª - Ou seja as referidas nos n.os 1 a 2 da FF ou as horas dos 6 dias da semana durante os jantares entre as 19 e 22 no restaurante ou Cúpula do Hotel ...., uma vez que estas horas e local já haviam sido previamente acordados no início do contrato entre Recorrente e Recorrido e daí e naturalmente da sua permanência e regularidade e que constem de todos os programas mensais do referido período dos finais 96 a 2002. 31.ª - E não só como também dessa feita fica desfeita qualquer dúvida e esclarecido, duma vez por todas, sobre quem, como e quando a Recorrida dava, confirmava e alterava as ordens e instruções ao A. Recorrente para como e onde devia tocar nos seus pianos. 32.ª - Consequentemente e tendo grande interesse e relevância para a boa decisão da causa (não obstante a qualificação da relação como de contrato de trabalho já resultar da factualidade assente na douta sentença da 1ª instância ou Acórdão recorrido) o facto que se requer devia ter sido dado como provado, na Relação ao abrigo do artigo 72.º do CPT mas como não o foi deve a matéria de facto ser ampliada e ele tomado em conta à sombra do artigo 712.º do CPC com o n.º 62 e por continuar a interessar deve sê-lo agora ao abrigo do artigo 729.º n.º 3 e com a redacção que se segue ou outra parecida. 62 - Nos períodos e eventos dos pontos n.os 7, 15 (segunda parte), 16, 19 e 56 da FF. o A. actuava de acordo com os programas mensais de animação da R. suas revisões, alterações e previsões do tipo ou género juntos de fls. 262 a 325 e que a mesma fazia distribuir pelos seus departamentos e inclusive pelo A. enquanto a actuação dos pontos 1.º e 2.º foram acordadas no inicio do contrato em finais de 1996. 33.ª - Se os factos dados como provados no douto Acórdão recorrido já impunham a sua qualificação como de trabalho subordinado por maioria de razão a mesma se impõe após a purificação, clarificação, correcção, alteração e ampliação de que se vem falando e cujos concretos meios probatórios a imporem estas outras decisões diversas das recorridas constam do processo e do registo de gravação por forma que não são susceptíveis de ser destruídas por outras provas e tudo como vimos, assim como aquele outro facto do ponto n.º 62 devia acrescer, ser dado como provado e tido em consideração nas Instâncias mas como não o foi deve sê-lo agora e como ali se diz. 34.ª - Por outro lado, e com ressalva de uma ou outra excepção, o A. Recorrente está de acordo com toda a legislação, doutrina e jurisprudência citadas no douto Acórdão recorrido só que aí não se subsumiu correctamente a referida factualidade (mesmo como já existia aquando da sua feitura) e daí a errada qualificação ou enquadramento jurídico que faz do contrato em apreço na medida em que é de trabalho subordinado e não autónomo de prestação de serviços e foi assim, desde logo ou em primeiro lugar, porque deu importância excessiva e primordial a alguns indícios ou sinais exteriores como se realmente o fossem do requisito básico do contrato de trabalho ou seja da denominada subordinação jurídica, e quando assim falamos, estamos precisamente a pensar o transcrito e escrito a fls. 22 de linha 1 a 4 do texto das Alegações e que aqui se dá como reproduzido. 35.ª - Como nada tem a ver a exclusividade com o dever de lealdade ou de não concorrência e daí nada significar o A. ter tocado piano para outros, dar aulas dessa arte ou mesmo levar os seus alunos a actuar esporadicamente para a própria R., tanto mais que o seu horário normal de trabalho era apenas das 19 às 22 horas (ou seja trabalho nocturno) ficando pois com muito tempo para poder fazer outras coisas e tocar piano para a R. em horas-extras, (no dizer da aludida testemunha BB) e o que fazia com certa regularidade contra o pagamento de quantias variáveis. 36.ª - Como também não impressiona o que se extrai dos recibos de quitação emitidos pelo próprio em impressos da Casa da Moeda já que de qualquer modo são insuficientes para os fins pretendidos pela R. pois de nenhuma maneira provam que se trate de recibos de «honorários». 37.ª - E o mesmo se diga, quer do facto do Recorrente nunca ter sido incluído no «quadro» dos trabalhadores da Recorrida, em qualquer seu mapa de horário de trabalho, inscrito na previdência nem pagar os subsídios de férias e de Natal pois para além do seu reduzido valor no conjunto dos factos provados com vista à classificação do contrato, se traduzem afinal, em faltas que são só da entidade patronal ou mais da entidade patronal que do próprio empregado não podendo por isso, essas faltas prevalecer contra o A. que, por tudo o que se vem do expondo, se mostra ligado à R. subordinadamente desde finais de 1996. 38.ª - Depois o douto Acórdão recorrido ao classificar o contrato em apreço como de serviço esqueceu esses outros sinais reveladores ou indícios no sentido de o contrato ser de trabalho e naturalmente existentes ao tempo do mesmo e que se mostram escritos de linhas 9 a 15 de fls. 21 do texto das Alegações e que aqui se dão como reproduzidas. 39.ª - Efectivamente o A. tocava com toda a regularidade, continuidade e permanência no restaurante do Hotel da R. às horas do jantar durante 6 dias por semana e para além disso sucedia também muitas vezes ou frequentemente o A. tocar em eventos diversos, como festas, cerimónias de fim de ano, aniversários, que a ré organizava no seu Hotel. Tocava ainda, uma vez por semana, às quintas- -feiras, no Bar ... do ..., das 20 horas às 00 h e 30 min. e, por vezes, actuava, aos domingos, no salão nobre do Hotel ..., à hora de chá, que é servido da 16 horas às 18 horas e o que indicia que a R. tinha o poder de determinar os momentos, locais e eventos em que o A. deveria tocar e o que contribui para a contratação de um vinculo laboral contratual ocorrendo com frequência e se vê do programas juntos. 40.ª - Actuando o A. na maioria das vezes nos Hotéis da R., esta podia fiscaliz[á-lo] quando quisesse e entendesse pois tinha essa possibilidade e oportunidade e se não o fazia mais ou melhor é porque não queria não obstante a actividade de pianista exigir conhecimentos técnicos especializados, a sua fiscalização e poder de dar ordens, instruções, directivas, indicações nesse campo encontrar-se naturalmente limitada. 41.ª - Ainda e sem com isso pretender desconsiderar os demais trabalhadores da R. (empregados de quartos, de mesa, limpeza, lavandaria, recepção, etc, etc.) há que reconhecer que os músicos, e mormente os pianistas, têm socialmente estatuto diverso do daqueles outros e daí a sua não sujeição a entrada pela mesma porta, o não assinar o livro, nem picar cartão de ponto, não usar crachá com indicação do seu nome enquanto e por outro devido àquele contrato de trabalho para realizar as suas actuações ele entrava pela porta principal do Hotel .... (pontos 22 a 25) 42.ª - De resto, ao actuar em alturas e ocasiões em conjunto com outros músicos e simultaneamente para muitas pessoas, o seu controle como que e por todos era feito naturalmente, a começar pelos clientes que logo protestariam enquanto o pessoal administrativo e a própria referida testemunha BB trabalham mesmo ao lado da porta principal e de onde podem ver quando é que o A. entra e sai do hotel. 43.ª- Por isso ou porque o douto Acórdão recorrido aponta indícios do contrato de trabalho subordinado que não o são e omite outros que o são, com salvaguarda do respeito devido, é que concordamos com Bernardo da Gama Xavier quando a fls. 303 do Curso de Direito do Trabalho, com o fito de o distinguir daquele outro de prestação de serviço, elenca como índices mais relevantes e que se mostram escritos a fls. 26 do texto das Alegações. 44.ª - Ora no nosso caso, a R. tem e explora os hotéis dos autos e entre os finais de 1996 a inícios de 2003 o A. tocou piano durante os jantares de 6 dias da semana entre as 19 e 22 horas no ... e ainda na animação daqueles de outros eventos em ocasiões e lugares que a R. organiza de acordo com os referidos programas juntos aos autos e tudo mediante uma retribuição mista ou de uma parcela certa a rondar os 353 contos por mês para o primeiro caso e de outra ou outras variáveis à volta duma média mensal de 141.965$00 ou 708,122 € para as restantes e sempre ou em qualquer dos casos, salvo uma ou outra rara excepção, tocava aos pianos da R.. 45.ª - Enfim todos os factos constantes do douto Acórdão, com ou sem as alterações ora apontadas são evidentes manifestações ou sinais de autoridade, direcção e fiscalização por parte da R. que assim detinha o ordenamento geral do trabalho do A. sempre obrigado a comparecer em lugares certos e a horas certas, sendo aquelas pertenças da Recorrida e ambos por ela fixados ou e determinados. 46.ª - Mesmo que susceptíveis de serem prestados com inteira autonomia ou de conta própria, a verdade é que, no caso, o não foram assim pelo Recorrente, que tinha de os executar, não como, quando ou onde quisesse e da maneira que entendesse, mas onde, quando e como lhe eram determinados ou se encontravam e eram planeados e alterados pela Recorrida, sendo precisamente no poder que esta tinha de resolver sobre o tempo, o local e o modo da actuação ou de cada prestação que residia a subordinação daquele a esta. 47.ª - Face ao exposto, o douto Acórdão recorrido devia ter concluído no sentido de que a factualidade provada integra juridicamente a existência e validade de contrato de trabalho subordinado nos moldes apresentados ou seja com o conteúdo ou objecto de que desde finais de 1996 a início de 2003 pelo menos o A. tocava piano aos jantares do Hotel ... da R. entre as 19 e 22 horas, durante seis dias por semana mediante a retribuição mensal de 353.000$00, como para além disso, o fazia com certa frequência em outras ocasiões organizadas e programadas pela R. contra o pagamento de quantias mensais variáveis em função do tipo e número das mesmas assumido essa a natureza de trabalho suplementar e pelo que recebia em média 141.965$00. 48.ª - Deste modo, há-de reconhecer-se que a actividade prestada pelo Autor à Ré, mediante retribuição e sujeito à autoridade e direcção desta, se deve caracterizar como execução dum contrato de trabalho subordinado. 49.ª - E à mesma conclusão e reconhecimento se chega se apreciarmos essas relações a partir da distinção entre as clássicas figuras da «locatio operarum» e «locatio operis», isto é pela prestação da actividade ou resultado do trabalho pois a actividade do Autor inserindo-se plenamente no processo produtivo da Ré e atenta a permanência, frequência e habitualidade com que era desenvolvida, inteiramente se adequa à «locatio operarum». 50.ª - E chegados aqui ou ao reconhecimento de que estamos perante contrato de trabalho, há que apreciar os restantes pedidos e eventualmente outros que se fizera ao abrigo dos artigos 74.º e 75.º do C. P. T. e assim tendo em conta que o A. nunca gozou férias por a R. lhe negar esse direito e que as vencidas se reportam aos 7 anos desde a sua admissão ao trabalho até à entrada da acção em Juízo, ele tem por aí a haver uma indemnização correspondente ao triplo das mesmas e a calcular (cada uma) na base da retribuição média mensal de 494.965$00 ou 2.468,88 €: (30 x 22 x 3 x 7) e o que soma 7.622.476$00 ou 38.020,75 € mais outra, devida a título de 7 subsídios das mesmas e que montam a 2.540.820$00 ou 12.673, 56 €. 51.ª- Para além de 7 subsídios de Natal, calculados e correspondentes à citada retribuição média mensal ou seja a um mês de retribuição por cada um deles e que importa em 3.464.755$00 ou 17.282,13 €. E o que tudo soma: 13.628.051$00 ou 67.976,43 €. 52.ª - E sendo licito ao Tribunal condenar em mais do que o pedido, como está provado que, a partir de finais 2002 inicio de 2003, o A. passou a actuar e a receber apenas 2 ou 3 dias no hotel ... no lugar dos 6 acordados e isso devido à reclamação do pagamento de férias, subsídios delas e do Natal (pontos 59 e 60 da FF) mais deve a R ser condenada a pagar a diferença entre o efectivamente recebido pelo A. e o que havia de receber naquele período caso não tivesse ocorrido tal alteração por impedimento da Recorrida e isso dali (ou daqueles finais) até que se venha a normalizar a situação laboral com o retorno do A. ao trabalho naqueles 6 dias e 3 horas em cada um destes, bem como a pagar o triplo das férias, subsídios destas, pelo seu não gozo e subsidio do Natal referentes àquele período devendo estas duas condenações acontecerem nas quantias que vierem a liquidar-se em execução de sentença uma vez que não são possíveis em quantias certas. 53.ª - Termos em que deve conceder-se provimento à Revista, revogando o douto Acórdão recorrido e condenando-se a R. no pedido ou então ordenar a remessa do processo à Relação de Lisboa para novo julgamento da apelação com efectiva reapreciação da prova gravada e documental junta e ainda ampliada a FF da mesma e tudo nos termos supra referidos. 54.ª - Ao não entender nem julgar como se diz nas conclusões anteriores, o douto Acórdão além de outros terá violado os artigos 1.º, 39.º; 45.º; 46.º n.º 1, 49.º, 82.º a 86.º da LCIT (DL 49.408 de 24/11/69); 1.º a 4.º e 13.º do DL 874/76 de 28 de Dezembro; 1.152.º e 1154.º do C.C.; 72.º n.os 1 e 4 e 74.º do CPT e ainda os artigos 653.º, 664.º, 712.º n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, 690.º-A, n.os 1, 2 e 5 e 522-C do C.P.C., 20.º n.º 1 e 205.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 8.º da DUDH. Contra-alegou a Ré a pugnar pela confirmação do julgado. Neste Supremo, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedida, parcialmente, a revista e ordenada a baixa do processo à Relação, a fim de ser reapreciada a prova, no tocante aos pontos de facto impugnados no recurso de apelação. Respondeu a Ré para sustentar, em suma, que, não tendo o Autor cumprido o ónus estabelecido no n.º 2 do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que não indicou o que foi dito pelas testemunhas nos depoimentos gravados, cuja reapreciação foi pedida, a respeito dos factos impugnados, não deverá ser acolhido o entendimento expresso pelo Ministério Público. 5. Face ao teor das conclusões da revista, são as seguintes as questões propostas à apreciação deste Supremo Tribunal: Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Na primeira instância, a matéria de facto provada foi fixada nos termos seguintes: 1 - Em finais do ano de 1996 o A. foi contactado pela Sra. D.ª BB , directora de relações públicas da ré, para actuar como pianista no Hotel ..., no Funchal, de que a ré é proprietária e explora. 2 - Desde então, e até finais do ano de 2002, o A actuava seis dias por semana, no período do jantar no Restaurante ... ou ... do Hotel ..., entre as 19 horas e as 22 horas. 3 - Durante as actuações o A. envergava fato. 4 - Aquando da abertura do novo hotel “...”, no Funchal, de que a ré é proprietária e explora, sucedia o A. actuar neste hotel aos domingos. 5 - No ..., no restaurante ou no bar, os pianos em que o A. toca são propriedade da ré. 6 - Durante o período de funcionamento da sala de jantar do Hotel ...., isto é, entre as 19 e as 22 horas, o A deveria permanecer na mesma independentemente da presença ou não de clientes. 7 - Desde finais de 1996 até finais de 2002/início de 2003 sucedia muitas vezes o A. tocar em eventos diversos, como festas, cerimónias de fim de ano, aniversários, etc. que a ré organizava no seu Hotel. 8 - O A. recebia por cada actuação um determinado valor, no montante actual de € 60,45 por actuação, mediante a emissão de recibo verde. 9 - A retribuição devida pelas actuações era paga pela ré no dia 5 de cada mês em função do número de actuações executadas pelo A.. 10 - O A. nunca gozou férias. 11 - A ré nunca pagou ao A. subsídio de férias e/ou de Natal. 12 - O A. exercia e exerce a actividade de pianista no Hotel da ré com autonomia quanto à escolha do repertório musical. 13 - É o A. quem determina o número e o momento dos intervalos das suas actuações. 14 - O A. actuava a solo como pianista e outras vezes actuava integrando um duo ou um trio. 15 - O A. tocava predominantemente no Hotel ...., mas também actuava no Hotel ... e no Hotel ...., ambos propriedade da ré. 16 - O A. também actuava como pianista em outros eventos cuja responsabilidade de animação era da ré, como sucedeu no Monte .... e no Madeira ..... 17 – O A. nunca efectuou no Hotel .... ensaios das suas actuações. 18 - O A. também dava e dá aulas de piano aos seus alunos, no âmbito de uma Academia de Música de que faz parte, situada, em determinada altura, na Rua Nova de ..., Funchal, cobrando aos seus alunos os respectivos honorários. 19 - Ao longo dos anos em que tem actuado nos Hotéis e nos eventos organizados pela ré, o A. também tem actuado, por vezes, como pianista, em outras unidades hoteleiras, estranhas à ré, nomeadamente no ..., actuando a solo ou integrando um duo ou trio. 20 - Quando actuava noutros eventos estranhos à ré o A. nunca pediu autorização à ré ou lhe participou que iria efectuar tais actuações. 21 - Por vezes, os alunos do A. realizavam actuações de piano no estabelecimento da ré, nomeadamente, na época de Natal, à hora dos pequenos-almoços, e em outras ocasiões, cobrando o A. à ré os honorários pela actuação dos seus alunos. 22 - O A. nunca assinou o livro do ponto, nem picou cartão de ponto. 23 - Os demais trabalhadores subordinados da ré encontram-se sujeitos ao regime de picar o cartão de ponto. 24 - O A. não usava crachá com indicação do seu nome como sucedia com os demais trabalhadores. 25 - O A., para realizar as suas actuações, entrava pela porta principal do Hotel ... e não pela porta de controlo como os demais trabalhadores da ré. 26 - O A. sempre foi pago por actuação musical, cujos valores variavam em função das actuações, sendo que as relativas à actuação durante a hora do jantar eram pagas mediante a emissão de um só recibo verde e as demais actuações durante o mês correspondiam à emissão de outros recibos verdes. 27 - O valor dos honorários mensais do A. dependia do número e tipo de actuações que o A. tivesse executado em cada mês, podendo ser diferentes de mês para mês. 28 - No ano de 1996, mês de Dezembro, o A. emitiu um recibo no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 32 500$00. 29 - No ano de 1997, mês de Fevereiro, o A. apresentou um emitiu um recibo no valor de Esc. 375 000$00 e outro no valor de Esc. 11 250$00. 30 - No mês de Setembro de 1997 o A. emitiu um recibo no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 49 000$00. 31 - No mês de Dezembro de 1997 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 75 000$00. 32 - No mês de Maio de 1998, o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 100 000$00. 33 - No mês de Junho de 1998 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 83 380$00. 34 - No mês de Dezembro de 1998 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 353 000$00 e outro no valor de Esc. 83 330$00 e ainda outro no valor de Esc. 86 800$00. 35 - No mês de Setembro de 1999 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 306 000$00 e outro no valor de Esc. 66 666$00 e ainda outro no valor de Esc. 526 875$00. 36 - No mês de Novembro de 1999 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 353 000$00 e quatro outros nos valores de Esc. 83 333$00, 25 000$00, Esc. 25 000$00 e 242 500$00. 37 - No mês de Dezembro de 1999 o A. emitiu um recibo verde no valor de Esc. 66 666$00 e três outros nos valores de Esc. 89 500$00, 353 000$00 e 33 333$00. 38 - No mês de Janeiro de 2000 o A. emitiu à ré dois recibos verdes nos valores de Esc. 363 590$00, 85 830$00. 39 - No mês de Março de 2000 o A. emitiu quatro recibos verdes nos valores de Esc. 85 830$00, 20 000$00, 363 590$00 e 12 000$00. 40 - No mês de Agosto de 2000 o A. emitiu quatro recibos verdes nos valores de Esc. Esc. 51 498$00, 315 090$00, 12 120$00 e 34 332$00. 41 - No mês de Dezembro de 2000 o A. emitiu oito recibos verdes nos valores de Esc. 315 000$00, 6 250$00, 25 000$00, 50 000$00, 25 000$00, 75 000$00, 51 498$00 e 33 750$00. 42 - No mês de Janeiro de 2001 o A. emitiu sete recibos verdes à ré nos valores de Esc. 315 090$00, 85 830$00, 30 000$00, 9 200$00, 12 119$00, 11 200$00 e 11 670$00. 43 - No mês de Fevereiro de 2001 o A. emitiu quatro recibos nos valores de Esc. 315 090$00, 85 830$00, 11 670$00 e 68 664$00. 44 - No mês de Maio de 2001 o A. emitiu cinco recibos verdes nos valores de Esc. 315 090$00, 20 000$00, 15 000$00, 68 664$00 e 5 000$00. 45 - No mês de Junho de 2001 o A. emitiu cinco recibos verdes nos valores de Esc. 315 090$00, 68 664$00, 5 000$00, 5 000$00 e 25 000$00. 46 - No mês de Janeiro de 2002 o A. emitiu à ré três recibos verdes nos valores de € 906,79, € 342,48 e € 857,25. 47 - No mês de Abril de 2002 o A. emitiu quatro recibos verdes nos valores de € 1 571,21, € 104,75, € 428,10 e € 256,86. 48 - No mês de Junho de 2002 o A. emitiu quatro recibos verdes nos valores de € 1 571,21, € 428,10, € 342,48 e € 96,69. 49 - No mês de Julho de 2002 o A. emitiu três recibos verdes nos valores de € 1 571,21, € 342,48 e € 428,10. 50 - Os músicos que actuavam com o A. em duo ou em trio, como os músicos CC e DD, eram pagos por actuação mediante a apresentação à ré de recibo verde. 51 - O A. não tinha autorização da ré para jantar nos restaurantes do Hotel ... durante ou após as suas actuações. 52 - Em locais onde não havia piano, como o ... do Hotel ..., o A. diligenciava no sentido de levar um teclado para a sua actuação. 53 - As partituras musicais referentes às músicas que o A. tocava eram propriedade deste. 54 - A ré aconselhava o uso de fato escuro ou smoking nas festas de gala. 55 - Uma vez por semana, às quintas-feiras, o A. actuava no Bar Alameda do Hotel ...das 20 horas às 00 h. e 30 min.. 56 - Por vezes, o A. actuava, aos domingos, no salão nobre do Hotel ..., à hora do chá, que é servido das 16 horas às 18 horas. 57 - A directora de animação, D.ª BB, aparecia no restaurante do Hotel ...., uma vez por semana, no momento da actuação do folclore, para proceder à apresentação do mesmo aos hóspedes. 58 - Terminada a actuação do folclore a directora ia embora, não esperando pelo termo da actuação do A.. 59 - Em finais do ano de 2002 e início do ano de 2003 o A. começou a reclamar à ré o pagamento de férias e de subsídios de férias e de Natal. 60 - A partir de finais do ano de 2002/início do ano de 2003 o A. passou a actuar apenas dois ou três dias por semana no Hotel .... 2. Da alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto: 2. 1. Sustenta o recorrente que as expressões “subordinados” (constante do ponto 23 dos factos provados), e “honorários”, (constante dos pontos 21 e 27), traduzem conceitos de direito ou conclusivos, referidos ao contrato de prestação de serviços, pelo que devem ter-se por não escritas tais expressões ou as respostas àqueles pontos. De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 646.º do CPC, devem ter-se por não escritas as respostas do tribunal aos quesitos da base instrutória “sobre questões de direito”. Quer dizer que as respostas não devem exprimir juízos de direito, ou seja, não podem conter a valoração jurídica própria da subsunção de realidades factuais numa previsão normativa, que pressupõe necessariamente a interpretação da lei. O vocábulo “honorários” comporta, na linguagem comum, vários sentidos: retribuição que se dá em troca de um serviço às pessoas que exercem profissões liberais (2); estipêndio, ordenado, paga, pagamento, prémio, remuneração, retribuição vencimento (3). Assim, como, bem, observa a Exma. Magistrada do Ministério Público, aquele vocábulo tanto pode exprimir a contrapartida retributiva do contrato de trabalho como do contrato de prestação de serviços. No ponto 21 da matéria de facto declarou-se provado que o Autor – que tinha alunos de piano (ponto 18) – cobrava à Ré honorários pela actuação, ocasional, daqueles, em estabelecimentos da Ré; e, no ponto 27, que o valor dos honorários mensais do Autor dependia do número e tipo de actuações, podendo ser diferentes de mês para mês. Afirmar-se que o Autor cobrava honorários ou que o valor dos honorários mensais variava, consoante o número e tipo de actuações não pressupõe, no contexto em que as afirmações se acham enquadradas, qualquer juízo de qualificação jurídica da relação contratual estabelecida pelas partes. Trata-se, apenas, da constatação de realidades factuais: pagamentos, ocasionais ou regulares, como contrapartida de actividades desenvolvidas pelo Autor ao serviço da Ré. O pagamento de honorários, no referido contexto, pode e deve tomar-se no sentido corrente ou comum, como ocorrência da vida real, que não exige, para ser entendido pelo cidadão comum, estudo e reflexão sobre o âmbito e alcance de textos legais. Sendo esse o sentido em que o termo “honorários” se mostra utilizado, a decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte atinente, não contém qualquer juízo sobre questões de direito. Estas considerações valem, igualmente, para o vocábulo “subordinados”, usado no ponto 23, onde se afirma que “[o]s demais trabalhadores subordinados da ré encontram-se sujeitos ao regime de picar o cartão de ponto”. Como notou o acórdão impugnado, com a expressão os demais trabalhadores subordinados da ré, “procurou-se fazer referência aos colaboradores da Ré em relação aos quais nenhuma dúvida se levanta acerca da existência de um contrato de trabalho. Com ela não se pretendeu formar nenhum juízo de valor jurídico acerca da situação laboral do Autor, nem tão pouco, por contraponto a esses trabalhadores, definir, desde logo, a sua não subordinação jurídica à Ré”. Não há, por conseguinte, motivo para, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do CPC, declarar não escrita qualquer das expressões em causa. 2. 2. No ponto 4 dos factos provados consta: “Aquando da abertura do novo hotel «....», no Funchal, de que a ré é proprietária e explora, sucedia o A. actuar neste hotel aos domingos”. Pretende o recorrente que esse ponto 4 passe a ter a seguinte redacção: “Após a abertura do novo hotel «...», no Funchal em 13 de Abril de 2002 e que a ré explora, o A. actuava nele aos Domingos”. Alega que a redacção tal como está não faz sentido e que deve esclarecer-se, com base no teor do documento junto a fls. 308, a data da abertura do hotel. O Supremo Tribunal funciona, em regra, como um tribunal de revista e não como uma 3.ª instância, conhecendo unicamente de matéria de direito nos termos do artigo 26.º da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), e dos artigos 87.º, n.º 2 do CPT, 722.º e 729.º do CPC, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido e não podendo, em regra, alterá-los. Sendo um tribunal de revista, compete-lhe, fundamentalmente, apreciar a justeza da aplicação do direito substantivo, incidindo os seus poderes cognitivos sobre a matéria de direito da decisão recorrida. De harmonia com o disposto nos artigos 729.º, n.º 2, 1.ª parte, e 722.º, n.º 2, do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto da revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, salvo havendo erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no Acórdão da Relação, na sentença ou, até, nas respostas à base instrutória. E de acordo com o artigo 729.º, n.º 3 do CPC, o Supremo tem o poder de ordenar a ampliação da matéria de facto para corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado. Ora, o recorrente não alegou a violação de qualquer norma de direito material probatório, limitando-se a fazer referência a um documento que, na sua perspectiva, impõe a alteração pretendida. O documento em causa é fotocópia de um MEMORANDUM, emitido pela Direcção de Relações Publicas, contendo na PREVISÃO DO PROGRAMA de ANIMAÇÃO para Abril de 2002, entre outras, a referência à INAUGURAÇÃO OFICIAL DO ..., para o dia 13 daquele mês. Referindo-se tal documento a uma previsão, é manifesto que não tem virtualidade, por si só, para fazer prova de que, efectivamente, o evento ocorreu naquela data. Sendo assim, não cabe nos poderes do Supremo sindicar a decisão das instâncias quanto ao ponto questionado. 2. 3. Diz, ainda, o recorrente que os pontos 8, 26 e 27 dos factos provados enfermam de falta de clareza e de contradição. Por isso, com base nos documentos de fls. 7 a 139 e 164 a 170, nas regras da lógica e da experiência comum, deve a decisão da matéria de facto, nessa parte ser alterada. No ponto 8, declarou-se provado: O A. recebia por cada actuação um determinado valor, no montante actual de € 60,45 por actuação, mediante a emissão de recibo verde. No ponto 26: O A. sempre foi pago por actuação musical, cujos valores variavam em função das actuações, sendo que as relativas à actuação durante a hora do jantar eram pagas mediante a emissão de um só recibo verde e as demais actuações durante o mês correspondiam à emissão de outros recibos verdes. E no ponto 27: O valor dos honorários mensais do A. dependia do número e tipo de actuações que o A. tivesse executado em cada mês, podendo ser diferentes de mês para mês. Não se vê onde exista a contradição. De todos aqueles pontos decorre que o Autor era pago em função de cada actuação, como pianista, mediante a emissão de recibos verdes; no ponto 8, precisa-se o valor de cada actuação, à data da decisão; o ponto 26 esclarece que os valores recebidos variavam em função das actuações, precisando que, relativamente às da hora do jantar, era emitido um só recibo verde e, quanto às restantes, eram emitidos outros recibos verdes; e o ponto 27 torna claro que os valores pagos mensalmente variavam, consoante o número e tipo de actuações. Não há, por conseguinte, qualquer incompatibilidade lógica entre os factos descritos nos referidos pontos, por isso que não se mostra inviabilizada, pelo que neles é afirmado, a solução jurídica do pleito. No tocante à pretendida alteração daqueles pontos, propõe o recorrente, invocando recibos por ele emitidos – documentos de fls. 7 a 139 e 164 a 170 – e as regras da lógica e da experiência comum, que eles passem a ter a seguinte redacção: 8 – Desde que começou a trabalhar até fins de 2002 o A. recebia pelas actuações, que não as dos pontos 1 e 2, uma quantia cujo valor variava em função do seu número e tipo e às quais correspondia por mês uma média à volta de 141.965$00 (ou 78,12 €) e do que passava diversos recibos verdes. 26 – No período do ponto 8, o A. recebia, pelas actuações dos pontos 1 e 2, 353 contos ou 1.760,75 € pelos quais passava um recibo verde ao fim do mês e ao qual por vezes acrescia o valor de uma ou mais daquelas outras actuações do ponto n.º 8. 27 – O valor da retribuição mensal do A. dependia da soma dos valores dos pontos 8 e 26 e como tal ou podendo ser diferente de mês para mês, andava à volta de 494.965$00 mensais ou 2.468,88 €. Valem aqui as considerações acima expostas sobre os limitados poderes de intervenção do Supremo Tribunal, quanto à fixação dos factos materiais, sendo que, também no aspecto em apreciação, o recorrente não indicou a ofensa de qualquer disposição de direito probatório e o Supremo não pode, com base nas regras da experiência comum, censurar a decisão proferida sobre a matéria de facto pela Relação. 3. Da omissão de reapreciação das provas gravadas: 3. 1. No recurso de apelação, o recorrente impugnou os pontos 5, 12, 13 e 54 dos factos declarados provados, propondo para esses pontos a seguinte redacção: 5 - Todos os pianos em que o A. tocava são da R., com a limitação ou esclarecimento do n.º 52. 12 - O A. exercia a actividade de pianista no Hotel da ré com autonomia quanto à escolha do reportório musical mas tendo em conta as noites dos Programas de animação da R. e suas revisões. 13 - O número e o momento dos intervalos das actuações do A. era o que resultava dos usos e costumes estabelecidos e praticados entre os músicos. 54 - A ré aconselhava o uso de fato escuro ou smoking nas festas de gala e o A. cumpria. E propôs o aditamento à matéria de facto provada de dois pontos, assim redigidos: 61 - A directora BB chamou o A. à atenção por não estar ou chegar a horas. 62 - Nos períodos e eventos dos pontos nos 4, 7, 15 (segunda parte), 55 e 56 da FF. o A. actuava de acordo com os programas mensais de animação da R. suas revisões, alterações e previsões do tipo ou género juntos de fls. 262 a 325 e que a mesma fazia distribuir pelos seus departamentos e inclusive pelo A. enquanto a actuação dos pontos 1.º e 2.º foram acordadas no início do contrato nos finais de 1996. A pretendida alteração da decisão da matéria de facto, impunha-se, segundo o recorrente, em face do teor dos documentos de fls. 262 a 325 conjugado com os depoimentos de quatro testemunhas, que identificou, tendo, na alegação do recurso, por referência à acta de audiência, mencionado as cassetes em que cada um dos depoimentos fora registado, com a indicação do respectivo número, lado e rotações do início e termo de cada um dos depoimentos, juntando, também, a transcrição de um desses depoimentos. 3. 2. O Tribunal da Relação não procedeu à reapreciação das provas gravadas, no entendimento de que o recorrente não cumpriu o ónus de alegação estatuído no artigo 690.º-A do CPC, tendo, a propósito, produzido as seguintes considerações: [...] O que se verifica no caso concreto é que o recorrente, apesar de identificar as testemunhas cujo depoimento, em sua opinião, conduzem à pretendida alteração das matéria de facto, se limita a fazer referência a todo o seu depoimento, indicando o início e o termo desse depoimento total, por remissão para as rotações das cassetes, não concretizando que parte do depoimento é que releva para essa modificação, e nem sequer se preocupando em fazer referência ao que cada uma terá dito em relação a cada um dos factos em análise. E, como se disse, a reapreciação da prova pelo tribunal de recurso não abrange todo o depoimento, mas apenas aquele que abrangeu os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, cabendo ao recorrente o ónus de individualização da parte do depoimento relevante para essa reapreciação. O recorrente não especificou as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas, que terão sido mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação aos concretos pontos de facto impugnados, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicou onde se localizam, nessa gravação, o início e o termo de cada uma das partes desses depoimentos a reapreciar e que, em seu entender, impunham a alteração da referida decisão. O que impede a reapreciação da prova produzida, e gravada, na audiência de julgamento – cfr., neste sentido, o Ac. desta Relação de 8/6/2005, in www.dgsi.pt. Quanto à transcrição (integral) apresentada, a mesma é irrelevante, para este efeito, não só pelo que se disse, mas também porque, face à actual redacção do n.º 2 do art.º 690.º-A, introduzida pelo DL 183/2000, de 10/8, se dispensou a “transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que (o recorrente) se funda”. [...] O recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando que apenas lhe incumbia, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A do CPC, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os meios probatórios constantes da gravação e do processo que impunham decisão diversa e, como os fundamentos do erro na apreciação eram os depoimentos gravados, fez a necessária indicação por referência ao assinalado na acta. 3. 3. O artigo 690.º-A do CPC, sob a epígrafe Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto, dispõe, no agora interessa: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n.º 2 do artigo 522.º-C. [...] 5. Nos casos referidos nos n.os 2 a 4, o tribunal do recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal. E o artigo 522.º-C do mesmo diploma estabelece: 1. A gravação é efectuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor. 2. Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. No que ao caso importa, decorre destas normas que o recorrente tem de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto àqueles pontos, por referência ao mencionado na acta (artigo 690.º-A, n.º 2), que o mesmo é dizer, referindo o número da cassete, o lado e as rotações em que começa e termina a gravação de cada depoimento (artigo 522.º-C, n.º 2) (4) . Sendo essas as exigências consignadas para o cumprimento do ónus imposto pelo n.º 2 do artigo 690.º-A, com referência ao n.º 2 do artigo 522.º-C, a falta de indicação das concretas passagens dos depoimentos das testemunhas – que terão sido mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação aos concretos pontos de facto impugnados, uma decisão diferente da que foi tomada –, e/ou das rotações onde se localizam, nessa gravação, o início e o termo de cada uma das partes ou passagens desses depoimentos a reapreciar, não é impeditiva da reapreciação da prova produzida e gravada. Como, bem, observa a Exma. Magistrada do Ministério Público, as disposições citadas não impõem que o recorrente indique, somente, a parte do depoimento que releva para a pretendida alteração dos concretos pontos de facto especificados, nem sequer impõe que faça referência ao que cada testemunha terá dito no respectivo depoimento, em relação a cada um daqueles pontos. Acresce que o n.º 5 do artigo 690.º-A obriga o tribunal de recurso a proceder à audição dos depoimentos indicados pelas partes, e não de excertos ou partes de depoimentos. Compreende-se que assim seja, uma vez que a correcta apreensão do sentido de um depoimento não é compatível com uma apreciação de partes retiradas do contexto, implicando, sim, a sua apreciação global. Por outro lado, não é seguro que os contadores dos aparelhos de reprodução de registos magnéticos (áudio ou vídeo) coincidam na leitura das rotações e é por isso que a referência válida é a que consta do documento autêntico, que é a acta da audiência, e não qualquer outra, obtida em aparelhos particulares, em circunstâncias subtraídas ao controle oficial. Ora, se na acta apenas se exige que constem as rotações do início e fim de cada depoimento, a indicação de rotações do começo e termo de partes de depoimentos teria de ser obtida sem a garantia da autenticidade, introduzindo elementos de perturbação, originados por eventual discrepância de contagem de rotações entre os aparelhos de leitura dos registos magnéticos. Não se vê, portanto, fundamento para a interpretação correctiva do elemento literal das normas supra referidas, operada pelo Tribunal da Relação. No caso que nos ocupa, como já se viu, o recorrente, na alegação da apelação, especificou os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados (5, 12, 13 e 54 dos factos provados) e não deixou, outrossim, de referir expressamente que, em seu entender, deveriam ser declarados provados outros factos que o não foram. Além disso, mencionou expressamente os concretos meios de prova constantes do processo (documentos de fls. 262 a 325) e da gravação da audiência (depoimentos de quatro testemunhas, devidamente identificadas), indicando as cassetes, os respectivos lados e as rotações de início e final de cada um deles, por referência à acta da audiência. Deste modo, tem de concluir-se que se mostra cumprido o ónus de alegação a que se refere o artigo 690.º-A do CPC, pelo que não é de aceitar o fundamento invocado pela Relação para não proceder à reapreciação das provas. Procedendo, no que concerne, a alegação do recorrente, importa averiguar se, como ele pretende – e propugna a Exma. Magistrada do Ministério Público –, deve ser ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para novo julgamento para apreciação da prova gravada e documental e ampliação da matéria de facto. 3. 4. Dispõe o n.º 3 do artigo 729.º do CPC que “[o] processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito [...]”. Como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Janeiro de 2003 (5), a ampliação da matéria de facto ali prevista passa não só pela averiguação de factos que, tendo sido alegados, não foram apurados, mas também pela reapreciação de factos que, também alegados, terão sido deficientemente aquilatados, designadamente porque a Relação, indevidamente, não cuidou de proceder à reapreciação das provas gravadas, posto que o objectivo da ordem de ampliação da matéria de facto é o de fazer averiguar factos de que o tribunal pode tomar conhecimento e que não foram apurados ou que o foram deficientemente (6) . A necessidade da ampliação da matéria de facto pressupõe que os factos objecto da impugnação se mostrem relevantes para a decisão de direito, isto é, que, sem a reapreciação das provas e consequente pronúncia sobre a matéria de facto impugnada, não seja possível, correctamente, decidir a causa. O juízo sobre a necessidade da ampliação implica a valoração jurídica, prévia, dos factos disponíveis, fixados pelas instâncias, sendo que, só após a apreciação global, à luz do regime jurídico aplicável, de todo o material de facto disponível poderá afirmar-se a indispensabilidade da ampliação. É, pois, mister, averiguar se a alteração da matéria de facto, pretendida pelo Autor, tem virtualidade para influenciar a decisão quanto à qualificação jurídica do contrato em causa. 4. Da qualificação da relação jurídica estabelecida entre o Autor e a Ré: contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços: 4. 1. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, definidos, respectivamente, no artigo 1152.º do Código Civil – cujo texto foi reproduzido no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 – e no artigo 1154.º do Código Civil, assenta, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Fevereiro de 2005 (7) – cuja exposição, pelo seu valor elucidativo, reflectindo a doutrina e jurisprudência pacíficas, aqui, seguiremos de perto –, em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte. Nem sempre, através do critério do objecto do contrato, surge, com nitidez, a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho (8), ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviços (9) – todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele. Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção. Tratando-se de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica. A subordinação jurídica, característica fundamental do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um "destino concreto" à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar. A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica. A subordinação “traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade” e “pode comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador” (10). A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. Esta autonomia técnica ocorre em diversas situações, designadamente no exercício da actividade artística, sendo que a sua compatibilidade com a noção de contrato de trabalho resulta expressamente do artigo 5.º, n.º 2, da LCT. Mesmo usando o critério do relacionamento entre as partes, existem muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, por exemplo, em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos, para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar qual o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). É, assim, fundamental, para alcançar a identificação da relação laboral, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho. 5. Postas estas considerações de carácter genérico, coincidentes, no essencial, com as que foram explanadas, quer na sentença da 1.ª instância, quer no acórdão recorrido, em ambos os casos com pertinentes referências doutrinárias e jurisprudenciais, regressemos ao caso que nos ocupa. 5. 1. Vejamos os factos provados, e não impugnados, no quadro dos índices usualmente considerados para a caracterização da relação jurídica como contrato de trabalho. Desde finais de 1996, o Autor passou a actuar, como pianista, ao serviço da Ré, utilizando, em regra, instrumentos por ela fornecidos, em horário e locais pré-definidos, até finais do ano de 2002: – seis dias por semana, no período do jantar, entre as 19.00 e as 22.00 horas, no Restaurante .... ou ... do Hotel ...., onde devia permanecer, independentemente da presença de clientes; Estes factos constituem indícios de uma situação de subordinação jurídica, que caracteriza o contrato de trabalho. Há, no entanto que ter presente que os indícios de subordinação “não podem ser valorados de forma atomística, antes devendo efectuar-se um juízo global em ordem a convencer, ou não, da existência de subordinação jurídica do prestador de trabalho em relação à entidade a quem o presta” (11). 5. 2. Sugerindo a prestação de serviços, em regime de autonomia, apresentam- -se os seguintes factos, não impugnados: – O Autor recebia, por cada actuação, um determinado valor, mediante a emissão de “recibos verdes” – um, correspondente a todas as actuações à hora do jantar, e outros pelas demais actuações –, sendo os pagamentos efectuados no dia 5 de cada mês, em função do número e tipo de actuações executadas, variando, portanto, de mês para mês, a retribuição auferida; 5. 3. Atendendo à natureza e conteúdo das funções de animador musical, em que a execução da actividade se confunde com o próprio resultado, não são suficientes para determinar a existência de subordinação jurídica, o facto de haver um horário pré-definido, nem o facto de o local ou locais, onde a prestação era efectuada, serem pertença da Ré ou por ela indicados. No que diz respeito ao facto de a prestação da actividade ter de ser realizada, com regularidade, num determinado horário, coincidente com o período em que era servido o jantar, a sua relevância é diminuta, posto que de tudo o mais, designadamente do modo de fixação da retribuição, decorre que à Ré interessava, essencialmente, o resultado proporcionado pela actividade do Autor – a animação consubstanciada em cada actuação – o qual só poderia ser obtido, no âmbito do contrato, a certas horas do dia. O facto de, nas respectivas actuações, o Autor cumprir determinados horários e programas, relacionados com eventos organizados pela Ré, não reflecte, só por si, uma manifestação dos poderes de direcção e autoridade característicos do contrato de trabalho, antes resulta do direito da Ré de exigir uma certa conformação ou qualidade no resultado (actuações), direito esse compreendido na figura do contrato de prestação de serviços. De igual modo, o resultado pretendido só poderia ser obtido, nas actuações regulares, como nas ocasionais, desde que a actividade fosse executada em determinados locais. Quanto às actuações ocasionais, ao serviço da Ré, em diversos locais, pertencentes, ou não, à Ré, não se demonstrou que tivessem sido determinadas por ela no uso de um poder de direcção, no âmbito da relação jurídica estabelecida entre as partes, e que tivessem ocorrido em cumprimento, por parte do Autor, de um dever de obediência decorrente daquela relação contratual. É que, perante os factos provados – na parte não impugnada –, não é de excluir a possibilidade de o Autor, no âmbito de uma prestação de serviços, ter acordado executar aquelas actuações, por serem do seu interesse, como executou outras em que participaram alunos seus, cobrando os respectivos honorários. Também não é decisivo o facto de, em regra, o Autor utilizar pianos que a Ré tinha nas instalações do Hotel ..., posto que, quando actuava em outros locais, como no Hotel ..., também pertencente à Ré, era ele que diligenciava no sentido de levar um teclado – facto que o Autor não impugnou. Confluindo, decisivamente, para o regime de trabalho autónomo apresentam-se, no desenvolvimento da relação contratual, por um lado, a fixação e o pagamento da retribuição, em função de cada actuação, e, por outro, a possibilidade de o Autor prestar idêntica actividade, sem necessidade de dar conhecimento ou pedir autorização à Ré, a outras entidades do mesmo ramo industrial, e, por isso, com ela concorrentes. Trata-se de dois aspectos essenciais à determinação da natureza do contrato: o primeiro, denotando que o Autor era remunerado consoante o número de vezes que efectuava a prestação a que se obrigou, e não em função do tempo em que estava à disposição da Ré, por isso que os valores dos pagamentos, efectuados mensalmente, estavam sujeitos as variar, como, efectivamente, sucedeu; o segundo aspecto, patenteando, ausência de exclusividade na prestação laborativa, ao ponto de o Autor poder, sem necessidade de consentimento da Ré, exercer a mesma actividade para terceiros com ela concorrentes, é manifestamente incompatível com a natureza laboral do contrato. A esses dois traços típicos do contrato de prestação de serviços, acresce que, na execução do contrato, ao longo de seis anos, a Ré nunca proporcionou ao Autor o gozo de férias, nem lhe pagou subsídio de férias e de Natal, e ele só quando passou a actuar, apenas, dois ou três dias por semana, se achou com direito a tais subsídios, sendo, pois, de admitir que o Autor, que era, também, professor de piano, membro de uma Academia de Música, se conformou com uma situação jurídica, cuja configuração não podia desconhecer. Ademais, o quadro factual disponível permite afirmar a ausência de dependência económica do Autor em relação à Ré, nada apontando no sentido de ele estar sujeito aos deveres de obediência, de assiduidade ou de pontualidade, e, pois, ao poder disciplinar, correlacionado com tais exigências, como os colaboradores daquela contratados em regime trabalho subordinado, ou integrados na sua estrutura organizativa. Apreciando globalmente todos os índices revelados pelo desenvolvimento da relação contratual, é de concluir que não se demonstraram factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para qualificar a relação em causa como contrato de trabalho, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se possa concluir pela existência de tal contrato impendia sobre o Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (12). Chegados a este ponto, é a altura de avaliar da relevância da alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto propugnada pelo Autor. 5. 4. Ao impugnar, no recurso de apelação, a decisão da matéria de facto, pedindo a reapreciação das provas gravadas, o Autor pretendia que se declarasse provado que: 5 - Todos os pianos em que o A. tocava são da R., com a limitação ou esclarecimento do n.º 52. 12 - O A. exercia a actividade de pianista no Hotel da ré com autonomia quanto à escolha do reportório musical mas tendo em conta as noites dos Programas de animação da R. e suas revisões. 13 - O número e o momento dos intervalos das actuações do A. era o que resultava dos usos e costumes estabelecidos e praticados entre os músicos. 54 - A ré aconselhava o uso de fato escuro ou smoking nas festas de gala e o A. cumpria. 61 - A directora BB chamou o A. à atenção por não estar ou chegar a horas. 62 - Nos períodos e eventos dos pontos nos 4, 7, 15 (segunda parte), 55 e 56 da FF. o A. actuava de acordo com os programas mensais de animação da R. suas revisões, alterações e previsões do tipo ou género juntos de fls. 262 a 325 e que a mesma fazia distribuir pelos seus departamentos e inclusive pelo A. enquanto a actuação dos pontos 1.º e 2.º foram acordadas no início do contrato nos finais de 1996. Quanto ao ponto 5, a redacção proposta não modifica, no essencial, o sentido da decisão das instâncias, visto que foi declarado provado, naquele ponto, que “No Hotel ..., no restaurante ou no bar, os pianos em que o A. toca são propriedade da ré” e, no ponto 52, que “Em locais onde não havia piano, como o Deck do Hotel ..., o A. diligenciava no sentido de levar um teclado para a sua actuação”. De qualquer modo, a utilização, em regra, de instrumentos musicais pertencentes à Ré, valorada no quadro global dos índices típicos do contrato de trabalho, não assume relevo significativo, como acima se deixou referido. Relativamente ao ponto 54, a decisão teve como assente que “A ré aconselhava o uso de fato escuro ou smoking nas festas de gala”, e, no ponto 3, que “Durante as actuações o A. envergava fato escuro”. O Autor pretende que se adite que cumpria o que era aconselhado – não que cumpria uma ordem. Trata-se de um acrescento inócuo, visto que do aceitar um mero alvitre não pode inferir-se o cumprimento de uma ordem. A matéria de facto constante dos pontos 12, 13 e dos novos itens com o n.os 61 e 62 prende-se com a autonomia na execução das prestações, objecto do contrato. Ora, como acima se referiu, o facto de, nas respectivas actuações, o Autor cumprir determinados horários e programas, relacionados com eventos organizados pela Ré, não reflecte, só por si, uma manifestação de direcção e autoridade característicos do contrato de trabalho, antes resulta do direito da Ré de exigir uma certa conformação ou qualidade no resultado (actuações), direito esse compreendido na figura do contrato de prestação de serviços. É, portanto, indiferente, face aos provados elementos característicos do contrato de prestação de serviços, saber se o Autor escolhia o repertório de harmonia com os programas de animação elaborados pela Ré, se os intervalos em cada actuação decorriam dos usos praticados pelos músicos, e se a Directora BB chamou à atenção do Autor por não estar a chegar a horas – factos estes que tanto poderiam ocorrer no âmbito de um contrato de trabalho, como no de um contrato de prestação de serviços. Do exposto se conclui que, sendo a matéria facto fixada pelas instâncias suficiente para decisão da causa, não é necessária a sua ampliação, mediante a reapreciação das provas gravadas. Improcedem, pois, as conclusões do recurso. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo do Autor. Lisboa, 2 de Maio de 2007 Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira -------------------------------------------------------- (1) Quereria, certamente, escrever-se, “não ouviram”. |