Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A945
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: RECONVENÇÃO
ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
Nº do Documento: SJ200604270009451
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1- A alínea a) do nº 2 do artigo 274º do Código de Processo Civil contem um requisito substantivo - factor de conexão com o pedido principal - da reconvenção.
2- Trata se de lograr certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, ou seja, com o facto jurídico de onde emerge o pedido inicialmente formulado.
3- A admissão do pedido cruzado implica que resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor, ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, a qual tem o escopo regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.
4- Se o recorrente usa a mesma argumentação conclusiva para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, não há deserção do recurso, mas apenas, uma clara legitimação do uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, ou de uma fundamentação mais sucinta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"Empresa-A" intentou acção, com processo sumário, contra AA pedindo a sua condenação no pagamento de 6711.80 euros, acrescidos de juros.

A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, nele formulando o pedido de intervenção principal de "Empresa-B", pedindo a condenação desta, de BB - cuja intervenção principal também requereu - e da Autora no pagamento da quantia de 17362.84 euros, acrescida de juros.

A reconvenção não foi admitida, tendo sido indeferidos os pedidos de intervenção principal.

A Relação de Guimarães negou provimento ao agravo da Ré.

Inconformada agrava de novo e formula, nuclearmente, as seguintes conclusões:

- O Acórdão recorrido considerou que, em relação à primeira parte da alínea a) do artigo 274º do Código de Processo Civil, o pedido da Ré não emerge da causa de pedir invocada pela Autora;

- A recorrente entende estarem preenchidos os pressupostos indispensáveis ao levantamento da personalidade jurídica da "Empresa-B" e da "Empresa-A";

- Por terem utilizado a personalidade jurídica por forma contraria à lei e à ética dos negócios, de modo a prejudicar os seus credores;

- No plano estritamente pragmático a "Empresa-B" e a "Empresa-A" são a mesma empresa, sendo que a criação da "Empresa-A" deveu se a um estratagema urdido pelo chamado BB para se livrar do passivo da "Empresa-B";

- A aplicação da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do C.P.C depende da actividade interpretativa do legislador;

- O facto jurídico não é apenas o contrato de conta corrente invocado pela recorrida; esta causa de pedir é efeito de factos jurídicos anteriores, mormente o contrato de conta corrente celebrado pela "Empresa-B" com a recorrente e a declaração negocial de BB;

- Este violou o contrato de conta corrente celebrado entre a "Empresa-A" e a recorrente, por não lhe ter pago as dividas da "Empresa-B";

- Há similitude entre a causa de pedir que serve de fundamento ao pedido principal e a que serve de fundamento à reconvenção;

- A interpretação da Relação é demasiado formalista;

- Não fora o estratagema do BB e existiria uma só conta corrente;

- Os factos jurídicos conta corrente da "Empresa-B" e declaração negocial do BB são essenciais à defesa, logo legitimadores da aplicação do artigo 274º nº 2, a);

- Tem, em consequência, de ser admitida a intervenção principal.

Não foram produzidas contra alegações.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

Face à limitação do âmbito do recurso, "ex vi" do disposto no nº 2 do artigo 684º, conjugado com o nº 1 do artigo 690º, ambos do Código de Processo Civil, o "thema decidendum" é a admissibilidade da reconvenção, na perspectiva do nº 2, alínea a) do artigo 274º daquele diploma.

Da procedência desta questão depende a admissibilidade da intervenção principal provocada (nº 4 do artigo 274º).

Assim,

1 - Alínea a), nº2, artigo 274º C.P.C.
2 - "In casu".
3 - Conclusões.

1 - Alínea a), nº 2, artigo 274º do CPC

De entre os requisitos substantivos que condicionam a admissibilidade da reconvenção, - factores de conexão - a alínea a) do nº 2 do artigo 274º do Código de Processo Civil estabelece dever o pedido do Réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
Tratando se de uma contra pretensão, uma nova acção dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor.
Sabido é que, o demandante não pode limitar se a formular um pedido e a indicar o direito que pretende fazer reconhecer. Tem de especificar a causa de pedir e, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, "o que interessa do ponto de vista da apresentação da causa de pedir é que o acto ou facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litigio esteja suficientemente individualizado na petição." (in " Comentário ao Código de Processo Civil, 2º, 359 ss).

Trata - se do acto ou facto jurídico " (simples ou complexo mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (...) Esse direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir" (cf. Prof. M. de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", 1979, 111).
Já Pereira e Sousa distinguira causa próxima (o direito) e causa remota (o facto constitutivo do direito) - in "Primeiras Linhas de Processo Civil" nota 261 - e Dias Ferreira referia - se - lhe como "identidade do direito", consistindo em "ser o mesmo facto jurídico que é o fundamento directo e imediato do pedido." (in "Código Civil Anotado", IV, 383).

O Prof. Castro Mendes ("Do conceito de Prova em Processo Civil", 140 e 141) afirma que a "causa petendi" tem de ser especificada ou determinada, tem de consistir em factos ou circunstâncias concretas ou individualizadas. "A causa de pedir é aposta pela lei ao objecto do processo, como elemento delimitador deste, ao lado do pedido. Objecto próximo do processo será então o pedido, delimitado em si e por certa causa de pedir" (in "Direito Processual Civil", II, 1969, 11).

O pedido reconvencional tem de ter a sua génese (ou brotar, como diz o Prof. Antunes Varela - "Manual de Processo Civil", 1984, 313) causa de pedir do autor ou no qual se estriba a defesa. Emergindo da causa de pedir da acção, pode figurar se a mesma causa de pedir (cf. Prof. Anselmo de Castro in " Direito Processual Civil Declaratório" I, 173) nos pedidos principal e cruzado.

Se, porem, emerge do facto jurídico em que se estriba a defesa, a situação é buscar uma redução, modificação ou extinção do pedido principal. (cf. Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", II, 28).

Isto é, o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.

2. "In casu".

A Autora pede a condenação da Ré a pagar lhe o saldo da conta corrente entre ambos acordada para os fornecimentos de produtos para o seu comércio.
A causa de pedir do pedido reconvencional é o facto ilícito praticado pelo chamado " gerente da Autora" enquanto gerente da chamada, "Empresa-B" que, nesta qualidade, violou culposamente as disposições legais que protegem os credores das sociedades, incumprindo o direito geral que estes tem da solvabilidade do património do devedor.
O pedido cruzado não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção nem, de outra banda, reveste a natureza impugnatória, não tendo a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o direito do demandante.
Os contratos de conta corrente celebrados com a Autora e com a "Empresa-B" não tem qualquer conexão, sendo que o único elo é o sócio gerente das sociedades, a quem é imputada uma conduta " contrária à lei e à ética dos negócios, de modo a prejudicar os seus credores".

2.2- Finalmente, dir-se-á que o recorrente utilizou exactamente a mesma argumentação conclusiva para a Relação e para este Supremo Tribunal.
Ora, sendo a decisão recorrida o Acórdão da 2ª instância, toda a argumentação recursiva devia ser dirigida contra ele, que não recuperando, "pari passu", o ataque feito ao primeiro julgado. (cf. vg os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005- Pº 1860/05, 2º; de 17 de Março de 2005-Pº 1304/04, 2º; e de 2 de Dezembro de 2004-Pº3463/04).
Já foi entendido que esta pratica equivale a deserção do recurso por falta de alegações pois, verdadeiramente, não foi cumprido o ónus de alegar - formular conclusões - por faltar o ânimo conclusivo contra a decisão recorrida. (cf. Acórdão de 11 de Maio de 1999 - Pº 257/99, 1º).
Crê se, contudo, que essa pratica não correcta, apenas autoriza, ou mais legitima, o uso da faculdade remissiva dos artigos conjugados 713º nº 5 e 726º do CPC (cf. Acórdão do STJ de 22 de Setembro de 2005 - 03B727) ou, apenas, uma fundamentação mais sucinta.

3 - Conclusões

De concluir que:

a) A alínea a) do nº 2 do artigo 274º do Código de Processo Civil contem um requisito substantivo - factor de conexão com o pedido principal - da reconvenção.
b) Trata se de lograr certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, ou seja, com o facto jurídico de onde emerge o pedido inicialmente formulado.
c) A admissão do pedido cruzado implica que resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor, ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, a qual tem o escopo regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.
d) Se o recorrente usa a mesma argumentação conclusiva para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, não há deserção do recurso, mas apenas, uma clara legitimação do uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, ou de uma fundamentação mais sucinta.

Nos termos expostos, acordam negar provimento ao agravo.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 27 de Abril de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho ( Com a declaração que entendo que a repetição das alegações que se reconduza apenas ao ataque da decisão da 1ª instância pode dar lugar a declaração de deserção do recurso.