Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
746/03.1TTALM.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATAÇÃO COLECTIVA
CONCORRÊNCIA DE INSTRUMENTOS COLECTIVOS DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1. A concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva pressupõe a susceptibilidade de mais do que um instrumento de regulamentação colectiva ser aplicável ao mesmo trabalhador, mas tal aplicação há-de radicar no princípio da filiação ou na existência de Portaria de Extensão.
2. O contrato individual de trabalho não pode afastar o clausulado do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, a menos que seja para prever condições mais favoráveis ao trabalhador.
3. Exercendo a ré a actividade de rebocar navios e gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais e exercendo o autor as funções de maquinista de tráfego, a relação laboral entre eles estabelecida regula-se pelo CCT do Tráfego Fluvial, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.1981, por via da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 27, de 27.02.1988.
4. Da conjugação das cláusulas 42.ª e 54.ª do aludido CCT, resulta que o valor da retribuição/hora, para efeitos de trabalho suplementar, deve ser calculado levando em conta não só a retribuição base e as diuturnidades, mas também os subsídios que o trabalhador auferia.
5. O facto de, em determinados períodos, a ré ter pago o trabalho suplementar, ao autor, com um acréscimo/hora superior ao previsto no referido CCT, não releva para efeitos do apuro das diferenças salariais que àquele são devidas em razão de no cálculo do valor/hora a ré só ter atendido à retribuição base e às diuturnidades.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção emergente de contrato de trabalho proposta, no Tribunal do Trabalho de Almada, por AA contra BB, L.da, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 136.291,98, acrescida de juros de mora até integral pagamento, sendo € 91.463,11 a título de diferenças salariais (€ 52.930,64 referentes a trabalho suplementar prestado no período de Abril de 1989 a 31 de Dezembro de 2002, € 6.109,51 referentes aos subsídios de turno, por trabalho nocturno, por trabalho fora do tráfego local e por horário de terça a sábado, no período de Junho de 1995 a Dezembro de 1997 e € 32.422,96 relativos à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal, de Março de 1989 a Dezembro de 2002, inclusive) e € 44.828,87 a título de juros de mora já vencidos.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- foi admitido ao serviço da CC, S. A., em 11 de Maio de 1972, para, subordinadamente, prestar a sua actividade profissional de maquinista;
- em Março de 1989, a CC propôs-lhe a suspensão do contrato de trabalho, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1989, e a sua deslocação para a ré, mantendo as mesmas condições contratuais, quer as emergentes do contrato de trabalho, quer as emergentes do IRCT aplicável, o CCT para o Tráfego Fluvial;
- em consequência disso, a partir de 1 de Abril de 1989 o autor passou a exercer a sua actividade profissional, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, em rebocadores e outras embarcações ou engenhos flutuantes;
- posteriormente, em 14 de Setembro de 1994, o autor aceitou a sua transferência da CC para a ré, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1994, nas mesmas condições contratuais;
- o autor é associado no Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca;
- a relação de trabalho entre o autor e a ré regulava-se pelo CCT para o Tráfego Fluvial publicado no BTE n.º 29, de 8.8.81, e posteriores alterações publicadas nos BTE’s n.º 14/84, n.º 40/86, n.º 48/90, n.º 48/91, n.º 12/93, n.º 11/94, n.º 15/95, n.º 17/96, n.º 17/97, n.º 20/98, n.º 20/99, n.º 20/2000 e n.º 20/2002;
- o referido CCT foi tornado extensivo às empresas que, não estando inscritas na associação patronal outorgante, exerciam a actividade de tráfego fluvial, através das Portarias de Extensão publicadas nos BTE’s n.º 27/88, n.º 20/93, n.º 23/94, n.º 34/95, n.º 31/96, n.º 39/98 e n.º 41/2000;
- por exigência da natureza da actividade da ré (rebocar navios, gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais), a partir de Abril de 1989 o autor prestou, com regularidade, habitualidade e permanência, trabalho suplementar à ré e por ordem desta;
- no cálculo da retribuição devida pela prestação do trabalho suplementar, a ré só levou em conta a remuneração base, não incluindo nesse cálculo as diuturnidades de antiguidade e categoria e os demais subsídios regulares e periódicos auferidos pelo autor (turno, gases e potência) previstos nas cláusulas 41.ª, 44.ª, 46.ª, 48.ª e 52.ª do aludido CCT, contrariando, assim, o disposto na cláusula 42.ª, n.º 2;
- além disso, a partir de Abril de 1995, inclusive, a ré passou a pagar o trabalho suplementar prestado aos sábados, domingos e feriados com um acréscimo de 150%, inferior ao que até então tinha vigorado, que era de 200%, sem qualquer fundamento legal que o justificasse, uma vez que a cláusula 55.ª, n.º 1, do CCT determina que o trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados é remunerado com o acréscimo de 200%;
- a ré não calculou na forma devida a remuneração dos subsídios (por ela denominados de gratificações) de turno, por trabalho nocturno, por trabalho fora do tráfego local e por horário de terça-feira a sábado, previstos nas cláusulas 52.ª, 53.ª e 33.ª do CCT referido e no art.º 4.12.4 do Manual da Empresa CC, uma vez que, no respectivo cálculo, apenas levou em consideração a remuneração base e diuturnidades e, no período de Junho de 1995 a Dezembro de 1887, somente a remuneração base;
- a ré nunca incluiu a média do valor do trabalho suplementar prestado no cálculo da retribuição dos períodos de férias, nem nos subsídios de férias e de Natal, os quais, nos termos das cláusulas 56.ª, n.º 1, 59.ª, n.º 3 e 66.ª, n.º 1 do CCT do Tráfego Fluvial, não podem ser de montante inferior ao valor da retribuição efectiva que o autor normalmente auferia.

A ré contestou, sustentando a improcedência total do pedido, alegando, em resumo, o seguinte:
- aquando da suspensão do contrato de trabalho com a CC, para ir desempenhar funções para a ré, a partir de 1 de Abril de 1989, o autor, a CC e a ré celebraram um acordo que previa as condições em que o autor iria trabalhar para a ré;
- nos termos desse acordo, o CCT do Tráfego Fluvial só era aplicável na ausência e/ou insuficiência das normas constantes, em primeiro lugar, do referido acordo e, em segundo lugar, do Contrato de Trabalho Vertical dos Metalúrgicos e Metalomecânicos corporizado no Manual da Empresa (CC);
- esse acordo continha, ele próprio, uma sanção para o eventual incumprimento por parte da ré;
- se a ré não cumprisse as condições de trabalho (incluindo as remuneratórias) que o autor vinha usufruindo na CC, aquando da suspensão e transferência, ele tinha o direito de regressar, de imediato, à CC;
- o autor aceitou e assinou o referido acordo por sua livre e espontânea vontade, manteve-se na ré desde 1.4.89 até ao presente e ainda se mantém, sem alguma vez ter posto em causa o incumprimento, por parte da ré, das condições de trabalho, regalias e condições de retribuição acordadas tripartidamente, o que significa que o autor reconheceu que a ré cumpriu, ao longo deste 14 anos, com aquelas condições de trabalho;
- se aquelas condições de trabalho, regalias e condições remuneratórias não lhe fossem mais favoráveis, não se entenderia que o autor e os seus colegas as tivessem querido salvaguardar, assinando o aludido acordo;
- bem pelo contrário, quiseram que assim fosse, fizeram questão de as expressar por escrito para que dúvidas não persistissem e convencionaram, inclusive, hierarquizar o omisso [sic] quando, sob o art.º 12.º do referido documento, estipularam que, em todas as situações não especialmente previstas no presente contrato regeriam, em primeiro lugar, as normas da CC (entenda-se o Manual da Empresa) e só depois as normas do CCT do Sector Fluvial;
- em 14 de Setembro de 1994, o autor celebrou um acordo de transferência definitiva da CC para a ré BB, reafirmando que pretendia continuar vinculado às normas do Manual da CC, regulamentação interna vigente na BB;
- as condições de trabalho acordadas eram globalmente mais favoráveis do que as estabelecidas no CCT do Tráfego Fluvial e a retribuição que o autor auferiu ao serviço da ré sempre foi muito superior a qualquer valor previsto no CCT do Sector Fluvial.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor a quantia de € 124.053,89 (sendo € 52.930,64 a título de diferenças referentes ao trabalho suplementar, € 32.422,96 a título de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal e € 38.700,29 a título de juros de mora vencidos até 27 de Junho de 2003), acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 85.353,60, desde 28 de Junho de 2003.

A ré apelou da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa anulado o julgamento e ordenado a sua consequente repetição, com prévio convite ao autor para completar a petição inicial (acórdão de 15.12.2005, de fls. 656 a 666 dos autos).

Repetido o julgamento, foi proferida nova sentença (a fls. 1147 a 1228) que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 85.353,60 a título de diferenças salariais (€ 52.930,64 referentes ao trabalho suplementar e € 32.422,96 à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal) acrescida de juros de mora contados desde a data em que as quantias parcelares eram devidas até integral pagamento.

Inconformados com a decisão, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, sendo o do autor a título subordinado.

A Relação, no seu acórdão de 3.12.2008, de fls. 1786 a 1811 dos autos, alterou a matéria de facto, julgou improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a do autor e condenou a ré a pagar ao autor, para além dos montantes que já fora condenada a pagar na sentença, a quantia de € 6.109,51, a título de diferenças na retribuição pelo trabalho prestado em regime de turnos, por trabalho nocturno e por trabalho prestado fora do tráfego local, acrescida de juros de mora.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:
A) A situação dos autos configura uma efectiva situação complexa de Reestruturação empresarial e sectorial alegada e dada como provada nos autos, mas omitida, de todo, na sentença proferida e no acórdão que a confirma.
B) Esta mesma situação laboral foi objecto de apreciação e de decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa contraditória com o que aqui e agora se censura.
C) O Alto Tribunal da Relação de Lisboa entendeu e bem anular uma primeira decisão da 1.ª Instância em tudo idêntica, reportada aos mesmos factos, à mesma situação laboral, à mesma causa de pedir e ao mesmo pedido do A./Recorrido.
D) Deve, por isso, este Alto e Venerando Supremo Tribunal de Justiça apreciar e superar a contradição dos dois Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa que versam sobre a mesma matéria de facto, um censurando-a e outro confirmando-a, nos termos do disposto nos artigos 678°, n.º 4, 732-A e 732-B do C.P.C., o que se alega como primeira conclusão.
E) Depois, o acórdão sob censura omitiu e sonegou o Plano e o Programa de Reestruturação do Governo para o sector da indústria da construção e da reparação naval, definidor e regulador da matéria de facto dos autos, concretizado e assinado pelo Governo e pelo grupo Mello em 1997, pelo que viola toda a legislação especial publicada pela Assembleia da República e pelo Governo a que obedeceu este Plano (Lei 71/93 de 26/11, Portaria 173/94, de 28/03, e as várias resoluções do Concelho de Ministros, e viola ainda a Directiva Comunitária 90/684/CEE de 21 de Dezembro).
F) O Acórdão viola, também, o artigo 56.º, n.º 2, al. e) da CRP, ao afastar a participação dos ORT’s neste alegado e omitido processo de reestruturação ocorrido e em que estiveram envolvidos, o que também se alega como segunda conclusão.
Por outro lado,
G) A situação fáctico-laboral dos autos configura uma efectiva situação de concorrência de Convenções Colectivas de Trabalho, o CCTVMM, porque aplicável ao sector da indústria da construção e da reparação naval em que a mesma se formou, se consumou e evoluiu desde 1972 até 1989, e o CCT/TF a que também pertence a actividade de rebocagem desenvolvida pela Recorrente.
H) A desintegração e a autonomia do departamento marítimo da CC e a consequente criação da BB, ora Recorrente, nas circunstâncias retro alegadas nesta motivação e nos autos fez com que, em 01/04/1989, os trabalhadores desta estrutura laboral a destacar, entre os quais o A./Recorrido, tivessem negociado e optado pela manutenção da aplicação do regime desta convenção colectiva de Trabalho.
I) Essa opção foi negociada pelas estruturas representativas dos trabalhadores, vulgo ORT’s, foi querida, foi desejada, foi expressa e foi confirmada mais tarde, aquando da transferência definitiva para a Recorrente em Setembro de 1994.
J) As negociações encetadas para o destacamento dos trabalhadores e do A./Recorrido foram levadas a cabo pelos ORT’s, que deram causa ao Acordo de Suspensão Tripartido datado de 31.03.89, entrado em vigor a 01.04.89, que o A/Recorrido assinou e que não é um contrato individual de trabalho como resulta do decidido pelas Instâncias, mas antes consubstancia a opção pela continuação da aplicação do regime Convencional do CCTVMM de que vinham usufruindo na CC.
L) Situações de concorrência e sucessão de Convenções Colectivas de Trabalho (CCT), como é o caso dos autos, eram, ao tempo, reguladas pelo Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
M) A situação concreta dos autos cabia legalmente e era regulada pelos artigos 14.º, n.º 2, al. b) e 15.º do referido diploma legal (DL 519-C1I79).
N) Operando a BB/Recorrente a mesma actividade que era operada, no anterior, pelo Departamento Marítimo da CC, a que pertenciam os trabalhadores destacados e também o Recorrido, e inserindo-se esta no âmbito da indústria naval, a situação subsume-se na previsão da alínea b), do n.º 2, do artigo 14,º, que manda prevalecer o Instrumento Colectivo mais favorável pelo Sindicato representativo.
O) O Sindicato representativo não deu cumprimento à faculdade prevista no n.º 3 do mesmo artigo 14.º, comunicando por escrito à entidade patronal e à Inspecção do Trabalho, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor do último dos Instrumentos concorrentes, qual o que considera mais favorável; o que não fez.
P) Também os trabalhadores, incluso o Recorrido, a quem se deferiu essa faculdade a não exerceu no mesmo prazo de 30 dias.
Q) Bem pelo contrário, optaram pelo CCTVMM, ao terem subscrito o dito “Acordo de Suspensão”, o qual, entre outras, contém uma cláusula que estabelece o regime que os rege e contém uma penalidade a qual é: “A alteração das condições de trabalho, a diminuição das regalias sociais e o não cumprimento da evolução salarial constitui sempre motivo para que o trabalhador regresse, de imediato, à CC.
R) Aquele “Acordo de Suspensão Tripartido do Contrato Individual de Trabalho com a CC para o Desempenho de Funções na BB” contém, ele próprio, uma disposição supletiva para a aplicabilidade do CCT/TF, quando na sua cláusula 12.ª dispõe “Em todas as situações não especialmente previstas no presente contrato aplicar­-se-ão as normas da CC contidas no “Manual de Empresa” em primeiro lugar e só em segundo lugar o CCT do Tráfego Fluvial”.
S) Donde se conclui inequivocamente que os Trabalhadores e o Recorrido, ao subscreverem, voluntariamente, aquele Acordo, optaram, efectivamente, pelo regime vigente na CC, que é o decorrente da aplicabilidade do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical para a Metalurgia e Metalomecânica e só supletivamente quiseram o regime do CCT/TF.
T) Opção que fizeram, voluntária e conscientemente, sabendo quais as condições que quiseram que fossem praticadas na BB-…, L.da, sabendo qual a remuneração de base que iriam auferir, sabendo que iam manter a antiguidade que tinham, sabendo que o trabalho suplementar realizado iria ser pago da mesma forma e como anteriormente vinham recebendo, nos termos vigentes na CC, sabendo que a CC, para efeitos do cálculo do valor/hora, desde sempre apenas eram unicamente considerados dois factores: Remuneração de Base e Diuturnidades.
U) De tal forma que, quando em Setembro de 1994, aceitaram transferir-se, definitivamente, para a BB, nas mesmas condições laborais ou não exerceram a faculdade prevista no art.º 14° do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
V) Mais uma vez, neste novo Acordo de Transferência Definitiva expressamente se declara:
Em tudo o mais não previsto no presente Contrato aplicar-se-á a Regulamentação Interna vigente na BB, a Lei Geral do Trabalho ou a Contratação Colectiva aplicável”.
X) A declaração optativa e a deliberação previstas nas alíneas anteriores mantêm-se irrevogáveis até ao termo da vigência efectiva do Instrumento adaptado "in casu" o CCTVMM.
Z) O cálculo do valor/hora, o pagamento do trabalho suplementar e demais regalias seguiram sempre os procedimentos vigentes na CC, resultantes do CCTVMM, que a Recorrente cumpriu escrupulosamente durante toda a vida laboral activa.
AA) O acórdão sob censura interpretou da forma errada a lei e o regime convencional vigente e, em consequência, aplicou-a mal.
BB) O acórdão viola também as disposições combinadas do Dec.-Lei 421/83, de 02/12, sobre trabalho suplementar no sector marítimo e fluvial e do Dec.-Lei 519-C1/79, de 29/12, sobre concorrência da Convenção Colectiva.
CC) O Acórdão, ao confirmar a decisão da 1.ª instância, comete um erro grosseiro de interpretação e aplicação das convenções colectivas de trabalho em causa.
DD) Mesmo que seja a convenção do tráfego Fluvial (CCT/F) a aplicável ao caso dos autos a estes anos de distância, as instâncias o que têm que decidir é apreciar e mandar efectuar os cálculos resultantes da aplicação duma e da outra, comparar e apurar as diferenças dos dois regimes e, se as houver, condenar por elas.
EE) Nunca, como foi decidido, aplicar uma e depois condenar no melhor da outra.
FF) Manifesto erro de interpretação e de aplicação do direito laboral este assim decidido e julgado.

A recorrente rematou as suas conclusões pedindo que o acórdão recorrido fosse revogado e substituído por outro que absolva a Recorrente do pedido.

O autor não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral--Adjunta pronunciou-se pela improcedência da revista, em parecer a que as partes não reagiram.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Relação, são os seguintes:
1. O A. foi admitido ao serviço da sociedade Gaslimpo em 11 de Maio de 1972, tendo mais tarde transitado para a CC – …, S. A., para, sob a orientação, fiscalização e autoridade destas lhes prestar a sua actividade profissional de maquinista.
2. Em 30 de Março de 1989, o A., a CC e a R. celebraram o «Acordo de Suspensão do Contrato Individual de Trabalho com a CC, para o desempenho de funções na BB», o qual se mostra junto a fls. 31-33.
3. Deste acordo resulta, além do mais, que:
- durante a suspensão do contrato, os direitos do A., designadamente o de exercer o direito de voto para a Comissão de Trabalhadores da CC, manteve-se;
- o trabalhador tinha direito a regressar à CC, caso a R. não cumprisse determinados aspectos;
- em caso de procedimento disciplinar, os processos eram tratados pela CC;
- caso regressasse à CC, o A. tinha direito à antiguidade, à categoria profissional, às regalias sociais praticadas pela CC, ao vencimento, etc.;
- as condições de trabalho, as regalias sociais, a evolução salarial e as diuturnidades seguiam os esquemas da CC;
- a CC continuava a garantir ao A. os benefícios decorrentes de esquemas de acidentes de trabalho, assistência médica, etc.;
- se a BB não pudesse pagar vencimentos ou outros direitos, a CC substituir-se-ia àquela;
- em caso de omissão de situações neste contrato, aplicar-se-iam as normas da CC ou o CCT do Tráfego Fluvial.
4. Este contrato estipulava, ele próprio, como sanção para o eventual incumprimento por parte da R., o direito do A. a regressar, de imediato, à CC.
5. O A. aceitou e assinou este documento por sua livre e espontânea vontade e manteve-se na R. desde 01/04/89 até ao presente, sem alguma vez ter posto em causa o incumprimento das condições de trabalho, das regalias e das condições de retribuição acordadas tripartidamente e estabelecidas no mencionado acordo.
6. Posteriormente, em 14 de Setembro de 1994, o A. celebrou com a CC o «Acordo de Transferência do Trabalhador» junto a fls. 59-60, mediante o qual o A. aceitou transferir-se, a título definitivo, da CC para a BB, aceitando todas as condições constantes do contrato de trabalho que constituía o Anexo I a esse acordo, tendo a BB declarado aceitar a transferência do A. para os seus quadros de pessoal, celebrando com ele o contrato de trabalho que constituía o referido Anexo I e a CC declarado aceitar a referida transferência.
7. Ao contrário de muitos dos seus colegas, que optaram pela cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, recebendo as correspondentes indemnizações, o A. optou por aceitar transferir-se definitivamente para a BB.
8. Na mesma data, o A. celebrou com a R. um denominado “Contrato de Trabalho sem Termo”, mediante o qual e com início em 1.10.1994, aquele aceitou exercer as sua actividade profissional sob as ordens, direcção e fiscalização desta, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de “Maquinista Prá. 2.ª Classe” e exercendo as suas funções no local onde a R. tivesse que desenvolver a sua actividade, tendo por base os Portos de Lisboa e Setúbal.
O A. declarou aceitar a descrição de funções em vigor na Ré correspondente a essa categoria profissional e a ré reconheceu, para todos os efeitos legais, a antiguidade do autor desde 11.5.1972, correspondente à que tinha na CC, empresa donde vinha transferido.
O período normal de trabalho foi estabelecido em 8 horas de trabalho diário e 40 horas de trabalho semanal.
Estabeleceu-se ainda que esse contrato substituía integralmente e para todos os efeitos legais, o contrato individual de trabalho que vinculava o trabalhador à CC, empresa de onde veio transferido e que em tudo o mais não previsto no contrato, aplicar-se-ia a Regulamentação Interna vigente na BB, a Lei Geral do Trabalho ou a Contratação Colectiva aplicável.
9. (este número eliminado pela Relação)
10. Em Setembro de 1994, o A. assinou a declaração que se mostra junta a fls. 64 dos autos com o seguinte teor:
“Eu, AA, trabalhador n.º 231888, declaro que aceito continuar a trabalhar na BB, e tomei conhecimento que, oportunamente, tendo como limite a data de encerramento do Estaleiro da DD, o meu local base de trabalho passará a ser o Estaleiro da EE-Setúbal, não resultando desta mudança quaisquer acréscimos remuneratórios para mim.”
11. (este número foi eliminado pela Relação).
12. Passou assim o A., desde 1 de Abril de 1989, a exercer a sua actividade profissional por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
13. O A. tem a categoria profissional e exerce as funções de maquinista prático de 1.ª classe, em rebocadores e outras embarcações e engenhos flutuantes.
14. É associado no Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca.
15. Desde 1 de Abril de 1989, o A. recebeu da R. as seguintes retribuições:
Ano de 1989
Remuneração de base Esc. 68.300$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 3.750$00
Diuturnidade de categoria Esc. 5.000$00
Subsídio de turno Esc. 19.262$50
Subsídio de gases Esc. 7.705$00
Subsídio de potência Esc. 15.410$00
Ano de 1990
Remuneração de base Esc. 81.700$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 4.800$00
Diuturnidade de categoria Esc. 7.000$00
Subsídio de turno Esc. 23.375$50
Subsídio de gases Esc. 9.350$00
Subsídio de potência Esc. 18.700$00
Ano de 1991
Remuneração de base Esc. 95.400$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 5.700$00
Diuturnidade de categoria Esc. 8.250$00
Subsídio de turno Esc. 27.338$00
Subsídio de gases Esc. 10.935$00
Subsídio de potência Esc. 21.870$00
Ano de 1992
Remuneração de base Esc. 106.300$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 9.200$00
Diuturnidade de categoria Esc. 9.250$00
Subsídio de turno Esc. 31.188$00
Subsídio de gases Esc. 12.475$00
Subsídio de potência Esc. 24.950$00
Ano de 1993
Remuneração de base Esc. 112.700$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 9.800$00
Diuturnidade de categoria Esc. 10.000$00
Subsídio de turno Esc. 33.125$00
Subsídio de gases Esc. 13.250$00
Subsídio de potência Esc. 26.500$00
Ano de 1994
Remuneração de base Esc. 117.200$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 9.800$00
Diuturnidade de categoria Esc. 10.000$00
Subsídio de turno Esc. 34.250$00
Subsídio de gases Esc. 13.700$00
Subsídio de potência Esc. 27.400$00
Ano de 1995
Remuneração de base Esc. 133.300$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 12.200$00
Diuturnidade de categoria Esc. 10.000$00
Subsídio de turno Esc. 38.875$00
Subsídio de gases Esc. 15.550$00
Subsídio de potência Esc. 31.100$00
Ano de 1996
Remuneração de base Esc. 139.300$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 12.800$00
Diuturnidade de categoria Esc. 10.500$00
Subsídio de turno Esc. 40.650$00
Subsídio de gases Esc. 16.260$00
Subsídio de potência Esc. 32.520$00
Ano de 1997
Remuneração de base Esc. 144.200$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 17.000$00
Diuturnidade de categoria Esc. 11.750$00
Subsídio de turno Esc. 43.238$00
Subsídio de gases Esc. 17.295$00
Subsídio de potência Esc. 34.590$00
Ano de 1998
Remuneração de base Esc. 148.500$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 17.750$00
Diuturnidade de categoria Esc. 12.500$00
Subsídio de turno Esc. 44.688$00
Subsídio de gases Esc. 17.875$00
Subsídio de potência Esc. 35.750$00
Ano de 1999
Remuneração de base Esc. 159.150$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 17.750$00
Diuturnidade de categoria Esc. 12.500$00
Subsídio de turno Esc. 47.350$00
Subsídio de gases Esc. 18.940$00
Subsídio de potência Esc. 37.880$00
Ano de 2000
Remuneração de base Esc. 163.900$00
Diuturnidade de antiguidade Esc. 18.150$00
Diuturnidade de categoria Esc. 12.800$00
Subsídio de turno Esc. 48.713$00
Subsídio de gases Esc. 19.485$00
Subsídio de potência Esc. 38.970$00
Ano de 2001
Remuneração de base € 850,45
Diuturnidade de antiguidade € 93,52
Diuturnidade de categoria € 66,34
Subsídio de turno € 252,58
Subsídio de gases € 101,03
Subsídio de potência € 202,06
Ano de 2002
Remuneração de base € 878,40
Diuturnidade de antiguidade € 100,00
Diuturnidade de categoria € 69,00
Subsídio de turno € 261,85
Subsídio de gases € 104,74
Subsídio de potência € 209,48
16. A actividade da Ré consistia em rebocar navios e gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais.
17. No período compreendido entre os anos de 1989 e 2002, a Ré retribuiu ao A. as horas de trabalho suplementar, efectuado por ordem dela, que constam dos mapas de fls. 1155 a 1197 da sentença.
18. (este número foi eliminado pela Relação)
19. Desde 1 de Abril de 1989, o A. trabalha, alternadamente, nos dois horários que a R. pratica, com folga ao Domingo e descanso complementar ao Sábado, recebendo um «subsídio de turno fixo».
20. Aufere, também, desde a mesma data, subsídio de máquinas superiores a 600 HP, subsídio de gases e diuturnidades de antiguidade e de categoria.
21. A R. remunerou o trabalho suplementar do A. nos seguintes termos:
Até Abril de 1995 Acréscimo
Dias úteis 1.ª hora 150 (50%)
2.ª hora 175 (75%)
Restantes 200 (100%)
Sábados 300 (200%)
Domingos e feriados 300 (200%)
A partir de Abril de 1995 Acréscimo
Dias úteis 1.ª hora 150 (50%)
2.ª hora 175 (75%)
Restantes 200 (100%)
Sábados 200 (100%)
Domingos e feriados 200 (100%)
A partir de Janeiro de 1998 Acréscimo
Dias úteis 1.ª hora 150 (50%)
2.ª hora 175 (75%)
Restantes 200 (100%)
Sábados 250 (150%)
Domingos e feriados 250 (150%)
A partir de Janeiro de 1999 Acréscimo
Dias úteis 1.ª hora 150 (50%)
2.ª hora 175 (75%)
Restantes 200 (100%)
Sábados 250 (150%)
Domingos e feriados 300 (200%)
22. (este número foi eliminado pela Relação).
23. (este número foi eliminado pela Relação).
24. (este número foi eliminado pela Relação).
25. No cálculo da remuneração dos subsídios (denominados pela R. de gratificações) de turno, por trabalho nocturno, por trabalho fora do tráfego local e por horário de terça feira a sábado, previstos nas cláusulas 52.ª, 53.ª e 33.ª do CCT referido e no artigo 4.12.4 do Manual da Empresa CC, a R. apenas levou em consideração a remuneração base e diuturnidades e, no período de Junho de 1995 a Dezembro de 1997, somente a remuneração base.
26. (este número foi eliminado pela Relação).
27. (este número foi eliminado pela Relação).
28. (este número foi eliminado pela Relação).
29. (este número foi eliminado pela Relação).
30. (este número foi eliminado pela Relação).
31. (este número foi eliminado pela Relação).
32. (este número foi eliminado pela Relação).
33. O A. recebeu da R., a título de trabalho suplementar, os montantes que constam dos mapas de fls. 1201 a 1214 da sentença.
34. A R. nunca praticou horário de trabalho em regime de turnos, sejam estes fixos, rotativos ou variáveis.
35. A R. praticou e pratica um regime de dois horários fixos, sendo que:
- de Abril de 1989 a Dezembro de 1991, o 1.º horário tinha entrada às 8h00 e saída às 17h30, de terça a sábado, com intervalo para refeição entre as 12h00 e as 13h00, e o 2.º horário tinha entrada às 17h00 e saída às 01h30, com intervalo para refeição entre as 20h00 e as 21h00;
- de Janeiro a Dezembro de 1992, o 1.º horário tinha entrada às 08,00 horas e saída às 17,05 horas, de terça a sábado, com intervalo para refeição entre as 12,00 horas e as 13,00 horas, e o 2.º horário tinha entrada às 17,00 horas e saída às 01,20 horas, com intervalo para refeição entre as 20,00 horas e as 21,00 horas;
- de Janeiro de 1993 a Fevereiro de 1997, o 1.° horário tinha entrada às 07,30 horas e saída às 16,30 horas, de terça a sábado, com intervalo para refeição entre as 12,00 horas e as 13,00 horas, e o 2.° horário tinha entrada às 16,30 horas e saída às 00,30 horas, com intervalo para refeição entre as 20,00 horas e as 21,00 horas;
- de Março de 1997 a Dezembro de 2000, o 1.° horário tinha entrada às 07,30 horas e saída às 16,30 horas, de segunda a sexta-feira, com intervalo para refeição entre as 12,00 horas e as 13,00 horas, e o 2.° horário tinha entrada às 16,30 horas e saída às 00,30 horas, com intervalo para refeição entre as 20,00 horas e as 21,00 horas;
- de Janeiro de 2001 a Dezembro de 2002, o 1.° horário tinha entrada às 08,00 horas e saída às 16,45 horas, de segunda a sexta-feira, com intervalo para refeição entre as 12,00 horas e as 13,00 horas e o 2.º horário tinha entrada às 16,30 horas e saída às 00,30 horas, com intervalo para refeição entre as 20,00 horas e as 21,00 horas.
36. A R., para a generalidade dos seus trabalhadores – A. incluído –, aquando da negociação do atrás referido Acordo de Suspensão Tripartido datado de Março de 1989, passou a pagar uma gratificação dita de «turno fixo» no valor de 25%, quer o trabalho fosse prestado no primeiro horário (8h às 16,45h), quer fosse prestado no segundo horário (16,30h às 0,30h).
37. A R. pagava o subsídio de turno nas horas suplementares realizadas em dias úteis em código separado.
38. (este número foi eliminado pela Relação).
39. (este número foi eliminado pela Relação).
40. (este número foi eliminado pela Relação).
41. O Acordo Interno Associado ao Programa de Reestruturação da CC/S…, doravante designado abreviadamente por FF, celebrado em 19 de Julho de 1994, foi a contrapartida aceite pelas partes, CC e suas Empresas Associadas, por um lado, e pelas Estruturas Representativas dos trabalhadores, Comissão de Trabalhadores e Sindicatos, por outro, para evitar o recurso ao despedimento colectivo.
42. Em 11 de Dezembro de 1998, foi celebrado entre a R., a sua Comissão de Trabalhadores (da qual o A. fazia parte) e os Sindicatos (sendo o A. também representante de um deles), o Acordo Interno que se mostra junto a fls. 368 dos autos, estabelecendo, em síntese, que se aplicava à R. e a todos os seus trabalhadores a partir de 01-01-98, tendo vigência de um ano; que a tabela salarial teria um aumento uniforme de 2,97%; que o valor do prémio de situação se fixava em 135$00; o valor unitário das diuturnidades de antiguidade passava a ser de 3.550$00 e que, para os trabalhadores com diuturnidades de categoria, o valor unitário da mesma passava para 2.500$00; o subsídio de transporte passaria a ser de 3.500$00; o aumento no vencimento base correspondente à chamada uniformização salarial para os trabalhadores da produção abrangidos pela Portaria 706/97, de 12-09-97, a partir de 01-01-98; as diuturnidades passariam a fazer parte do valor hora para efeitos do trabalho suplementar; o trabalho suplementar efectuado aos Sábados, Domingos e feriados passava a ter um acréscimo de 150%, a partir de 01-01-98; os acréscimos de trabalho suplementar efectuados ao Sábados, Domingos e Feriados, a partir de 01-01-99, passariam a ser pagos de acordo com as percentagens de acréscimo estipuladas no CCT do Tráfego Fluvial.
43. (este número foi eliminado pela Relação).
44. (este número foi eliminado pela Relação).
45. (este número foi eliminado pela Relação).
46. A empresa CC sempre pertenceu ao sector industrial metalúrgico-metalomecânico.
47. A Ré foi constituída por cisão da estrutura orgânica e organizacional da CC, designadamente do seu Departamento Marítimo, que ocorreu em 1984.

A factualidade assim dada como provada pela Relação não foi objecto de impugnação pela recorrente e não se vislumbra que a mesma sofra dos vícios referidos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, caso em que o Supremo poderia ordenar, oficiosamente, a remessa do processo ao tribunal recorrido para que os vícios existentes aí fossem supridos.
É, por isso, com base na referida factualidade que o mérito do recurso terá de ser apreciado.

3. O direito
As questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:
- saber se existe contradição entre o acórdão recorrido e o anterior acórdão da Relação proferido nos autos, em 15.12.2005 (fls. 656-666);
- saber qual é o CCT aplicável à relação laboral em apreço;
- saber se a condenação da ré é de manter nos seus precisos termos, mesmo que se entenda que o CCT do Tráfego Fluvial é o aplicável.

3.1 Da contradição entre os dois acórdãos
Como já foi referido no ponto “1. Relatório”, na presente acção houve dois julgamentos e duas sentenças. A primeira sentença e o primeiro julgamento foram anulados pela Relação, com fundamento em deficiências várias de que a matéria de facto padecia.

Cumprindo o determinado naquele acórdão, o M.mo Juiz convidou o autor a completar a petição inicial e, após contestação da ré, procedeu a novo julgamento e proferiu nova sentença.

Conhecendo dos recursos de apelação interpostos pela ré e pelo autor, a Relação alterou a matéria de facto fixada na 1.ª instância e, no que toca à decisão de mérito, manteve a sentença na parte em que condenara a ré a pagar ao autor a quantia € 85.353,60, acrescida de juros de mora contados desde a data em que as quantias parcelares eram devidas até integral pagamento, revogou a sentença na parte em que absolvera a ré do pagamento das diferenças salariais relativas ao trabalho prestado em regime de turnos, ao trabalho nocturno e ao trabalho prestado fora do tráfego local, tendo condenado a ré a pagar ao autor, a esse título, a quantia de € 6.109,51, acrescida de juros de mora.

No recurso de revista, a recorrente começou por alegar que existe contradição entre os dois acórdãos e requereu que fosse proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, nos termos do art.º 732.º-A do CPC, pretensão essa que veio a ser indeferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal.

Segundo a recorrente, a invocada contradição resultava da Relação ter proferido duas decisões diferentes, apesar da factualidade provada nas duas ser igual.
Como já foi dito, a alegada contradição foi invocada pela ré para fundamentar o pedido do julgamento alargado da revista e não se vislumbra que, com tal invocação, ela pretendesse obter qualquer outro efeito de natureza processual.

De qualquer modo, sempre se dirá que a invocada contradição não existe.

Com efeito, ainda que se entendesse que a matéria de facto dada como provada nas duas sentenças era igual, tal não era suficiente para concluir pela verificação da invocada contradição entre os dois acórdãos.

Na verdade, tendo a Relação ordenado a repetição do julgamento para que se procedesse à ampliação da matéria de facto, através de prévio convite ao autor para completar a petição inicial, o que veio a fazer-se, e tendo, após novo julgamento, sido dada como provada a matéria de facto, é óbvio que, no segundo acórdão, a Relação já não podia ordenar novamente a repetição do julgamento, com o mesmo fundamento com que havia ordenado a repetição do primeiro, e, ainda que a matéria de facto dada como provada no segundo julgamento fosse igual à que fora dada como provada no primeiro, a Relação já não podia, com base nesse facto, deixar de conhecer do mérito dos recursos interpostos.

Como facilmente se percebe, neste contexto, a contradição entre as duas decisões da Relação é meramente aparente, uma vez que a base factual das duas, ainda que fosse igual, tinha resultado de julgamentos que incidiram sobre complexos factuais diferentes.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

3.2 Do CCT aplicável
Tal como já foi enunciado, uma das questões colocadas na revista prende-se com o instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral mantida entre as partes.

Previamente à abordagem da temática referente àquela questão e em jeito de enquadramento, a ré alegou que o acórdão recorrido tinha omitido e sonegado o Plano e o Programa de Reestruturação do Governo para o sector da indústria da construção e reparação naval, definidor e regulador da matéria de facto dos autos, concretizado e assinado pelo Governo e pelo Grupo Mello em 1997, violando, assim, toda a legislação especial publicada pela Assembleia da República e pelo Governo a que obedeceu este Plano, mormente a Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro, a Portaria n.º 173/94, de 28 de Março, e as várias resoluções do Conselho de Ministros. Mais alegou que o acórdão recorrido viola a Directiva Comunitária 90/684/CEE, de 21 de Dezembro, bem como o disposto no art.º 56.º, n.º 2, al. e) da CRP, ao afastar a participação dos ORT’s.

Argumentação idêntica já a Ré havia aduzido no recurso de apelação que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este Tribunal enfrentado a questão ora descrita da seguinte forma:
“(…) face à alegação da Apelante (…) diremos apenas que, tendo em consideração a causa de pedir – trabalho suplementar prestado pelo Autor ao serviço da Ré e não pagamento do mesmo na forma devida, bem como o não pagamento, na forma devida, de trabalho prestado em regime de turnos, do trabalho nocturno e do trabalho prestado fora do tráfego loca, bem como as retribuições a título de férias, subsídios de férias e de Natal – e o pedido por ele formulado com base nessa causa de pedir – correspondentes diferenças salariais e juros moratórios – apresenta-se totalmente irrelevante para a decisão da causa o invocado contexto de crise e de reestruturação do sector naval que terá ocorrido. In casu, o que se pretende saber é se o Autor efectuou o invocado trabalho suplementar ao serviço da Ré, bem como o referido trabalho por turnos, trabalho nocturno e trabalho prestado fora do tráfego local e se a prestação de qualquer destes tipos de trabalho foi devidamente remunerada por parte desta, assim como se foram devidamente pagas as férias, subsídio de férias e de Natal ao longo dos anos, e, para isso, em nada releva aqui o mencionado contexto de crise do sector naval e o plano de reestruturação levado a cabo pelo Governo na sequência do mesmo.
Por outro lado, em nada se vê que a omissão desses aspectos na matéria de facto assente possa conduzir à violação dos diplomas mencionados pela Ré, mormente o art. 56.º n.º 2 da C.R.P. ao estabelecer que «Constituem direitos das associações sindicais:
a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores;
c) Pronunciar-se sobre planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;
d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei;
e) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho».

No estrito âmbito de apreciação da questão supra enunciada não se antevêem razões objectivas para alterar aquele que foi o entendimento vertido no acórdão recorrido.

Na verdade, a Lei a que alude a Ré – Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro, que consubstancia a aprovação do orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para o ano de 1993 (cfr., o art. 1.º) – visou a implementação de medidas de reestruturação da “CC – Estaleiros Navais, S. A.” – art. 11.º, do citado diploma – mormente no domínio da racionalização de efectivos e seu redimensionamento, não se vislumbrando, nem tão-pouco a Ré o alegou, em que medida tal enquadramento se reflecte naqueles que são os factos estruturantes da causa de pedir e pedidos formulados pelo Autor na presente acção.

Também a Portaria n.º 173/94, de 28 de Março, visou a conjugação das medidas de apoio financeiro previstas naquela Lei com as acções de política de emprego, a fim de prevenir e atenuar, na medida do possível, efeitos sociais negativos decorrentes da execução do plano de reestruturação das empresas CC, S… e S…, não se vislumbrando em nenhuma dessas acções alguma que tivesse, por um lado, repercussão na ora Ré, e, por outro lado, repercussão na esfera jurídica dos trabalhadores provindos de alguma dessas empresas e absorvidos por outras entretanto constituídas, designadamente em termos de afastar disposições legais atinentes aos seus direitos e deveres laborais.

Finalmente, aduz a Ré que o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 56.º, n.º 2, al. e), da CRP, que prevê o direito das associações sindicais a participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.

A matéria de facto provada não consente uma tal interpretação, sendo que da causa de pedir e pedidos na acção formulados pelo Autor não se vislumbra qualquer conexão com tal matéria.

Isto posto, vejamos, então, qual o instrumento de regulamentação colectiva a aplicar no âmbito das relações laborais entre Autor e Ré, sendo certo que, atento o lapso temporal abrangido pelo objecto da acção – anos de 1989 a 2002 – o regime legal substantivo a ponderar é o que emerge do DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
Neste domínio, entende o Autor – e por isso pugnou por via da propositura da acção – ser aplicável à relação entre as partes o Contrato Colectivo para o Tráfego Fluvial, publicado no BTE n.º 29, de 8 de Agosto de 1981, com as sucessivas alterações publicadas nos BTE’s n.º 14, de 15 de Abril de 1984, n.º 40, de 29 de Outubro de 1986, n.º 48, de 29 de Outubro de 1990, n.º 48, de 29 de Dezembro de 1991, n.º 12, de 29 de Março de 1993, n.º 11, de 22 de Março de 1994, n.º 15, de 22 de Abril de 1995, n.º 17, de 8 de Maio de 1996, n.º 17, de 8 de Maio de 1997, n.º 20, de 29 de Maio de 1998, n.º 20, de 29 de Maio de 1999, n.º 20, de 29 de Maio de 2000 e n.º 20, de 29 de Maio de 2002, e isto por força das Portarias de Extensão publicadas nos BTE’s n.º 27, de 27 de Julho de 1988, n.º 20, de 29 de Maio de 1993, n.º 23, de 22 de Junho de 1994, n.º 34, de 15 de Setembro de 1995, n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, n.º 39, de 22 de Outubro de 1998, n.º 1, de 8 de Janeiro de 2000, e n.º 41, de 8 de Novembro de 2000, daí que tenha reclamado o pagamento de créditos de natureza laboral, mormente e para o que ora importa, a título de diferenças retributivas atinentes a trabalho suplementar prestado.

Ao invés, entende a Ré, apelando ao regime da concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva, que à relação entre as partes é aplicável o CCT dos Metalúrgicos e Metalomecânicos, publicado no BTE n.º 10, de 15 de Março de 1985, daí concluindo não serem devidas ao Autor as diferenças salariais que reclama.

Na decisão ora recorrida – tal-qualmente, aliás, já se havia decidido na 1.ª instância – entendeu-se que a relação laboral vigente entre Autor e Ré se regia pelo CCT para o Tráfego Fluvial – embora não por via directa, já que se não alcançou apurar da filiação das partes nas entidades outorgantes do mencionado CCT, mas antes por via de Portaria de Extensão – e daí que nela se tenha concluído pela procedência dos pedidos formulados pelo Autor.

E, a propósito da questão agora em apreço, a Relação aduziu a seguinte argumentação:
“(…) uma vez que a questão suscitada se coloca em determinar qual das duas convenções colectivas de trabalho invocadas pelas partes será a aplicável ao caso vertente, importará ter presente que se estabelecia no art. 2.º, n.º 1 do Dec. Lei 519-C1/79 de 29-12 que «A regulamentação colectiva das relações de trabalho é feita por convenção colectiva, por decisão arbitral ou por acordo de adesão».
Por outro lado, estipulava o art. 7.º n.º 1 do mesmo diploma que «As convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço, quer sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes», prevendo, no entanto, o n.º 2 daquele primeiro normativo que «A regulamentação colectiva das relações de trabalho pode também ser feita por via administrativa, nos termos dos artigos 29.º e 36.º», ou seja, alargando o âmbito subjectivo e/ou territorial de uma determinada Convenção Colectiva de Trabalho, mediante Portaria de Extensão emanada pela Administração Pública (conjuntamente pelos Ministros da Tutela) e verificados que sejam determinados pressupostos.
Para além disso, importa ainda ter presente que, nos termos do disposto no art. 14.º n.º 1 do mencionado diploma, «A regulamentação estabelecida por qualquer dos modos referidos no artigo 2.º não pode ser afastada pelos contratos individuais de trabalho, salvo para estabelecer condições mais favoráveis para os trabalhadores».
Posto isto, ficou demonstrado que o Autor/apelado é associado do Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, desconhecendo-se, por não se ter demonstrado, se a Ré é associada de alguma associação patronal, mormente da Associação dos Armadores de Tráfego Fluvial.
Também se demonstrou que o Autor tem a categoria profissional e exerce funções de maquinista prático de 1.ª classe, em rebocadores e outras embarcações e engenhos flutuantes e que a actividade da Ré consistia em rebocar navios, gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais.
Pese embora não resulte de qualquer dos CCT’s invocados pelas partes que, qualquer deles tenha sido subscrito pelo referido Sindicato e se desconheça se a Ré é associada de alguma das Associações patronais celebrantes de qualquer deles, o que é certo é que o CCT para o Tráfego Fluvial publicado no BTE 1.ª Série n.º 29 de 08-08-1981 e subsequentes alterações foram tornadas extensivas, por Portarias de Extensão, a todas as entidades patronais que, não estando inscritas na associação patronal outorgante (Associação dos Armadores de Tráfego Fluvial), exercessem, em todas as áreas navegáveis e portos comerciais do território do continente, na área de jurisdição das capitanias dos portos, a actividade de tráfego fluvial, não para fins próprios, mas para executar transportes de outrem, nomeadamente com embarcações adstritas ao serviço de reboque. É o que resulta, desde logo, da Portaria de Extensão publicada no BTE 1.ª Série n.º 27 de 22-07-1988, bem como de todas as outras que foram sendo publicadas à medida em que foram sendo feitas alterações ao aludido CCT/TF.
Acresce que as próprias partes, quer no aludido Acordo Tripartido de Suspensão de Contrato Individual de Trabalho celebrado em 30 de Março de 1989, quer, posteriormente, no Acordo Interno outorgado em 11 de Dezembro de 1998, fazem alusão expressa ao mencionado CCT/TF e não ao referido CCTVMM, embora naquele primeiro Acordo apenas a título subsidiário e, ainda assim, em termos disjuntivos, estabelecendo que «em caso de omissão de situações neste contrato, aplicar-se-iam as normas da CC ou o CCT do Tráfego Fluvial» (…)
Deste modo, não subsiste qualquer dúvida de que, atendendo à natureza das funções exercidas pelo Autor/apelado ao serviço da Ré/apelante bem como à natureza da actividade desenvolvida por esta, e, sobretudo, atendendo à natureza imperativa de aplicação do mencionado CCT/TF decorrente das aludidas Portarias de Extensão, isto por força do disposto no mencionado art. 14.º n.º 1 do referido Dec. Lei n.º 519-C1/79, o CCT aplicável ao caso em apreço, deve ser a mencionada Convenção Colectiva de Trabalho para o Tráfego Fluvial publicada no BTE 1.ª Série n.º 29 de 08-08-1981 e subsequentes alterações. Com efeito, devem ser as normas deste IRCT a prevalecer no caso vertente e não as normas estabelecidas entre as partes no mencionado Acordo Tripartido de Suspensão de Contrato de Trabalho.
Na verdade, se as normas de um qualquer contrato individual de trabalho celebrado entre as partes não poderiam prevalecer sobre as normas daquele IRCT, por força do que resulta dos mencionados preceitos legais – a menos que se concluísse que, no seu conjunto, instituíam um regime de condições laborais mais favorável para o Autor/apelado, o que no caso vertente, está por demonstrar – muito menos será admissível considerar que podem prevalecer as normas do invocado acordo de suspensão de um contrato individual de trabalho para transferência, ainda que precária, do trabalhador para uma das empresas celebrantes desse acordo.
Acresce, por outro lado, não fazer sentido colocar-se a questão suscitada pela Apelante em termos de verificação de concorrência de IRCT’s, a qual e pelas apontadas razões, verdadeiramente, não se vislumbra no presente caso.” (fim de transcrição).

Ponderando as conclusões apresentadas pela Ré no presente recurso de revista, não se antevê que, a propósito da questão ora em apreciação, exista fundamento para alterar aquele que foi o entendimento vertido no Acórdão recorrido.

Com efeito, de acordo com o art. 2.º, do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, “a regulamentação colectiva das relações de trabalho é feita por convenção colectiva, por decisão arbitral ou por acordo de adesão”, sendo certo que “as convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes” (n.º 1, do art. 7.º, do citado diploma).

Por outro lado, atento o disposto nos arts. 27.º e 29.º, do citado diploma, o âmbito de aplicação das convenções colectivas pode ser estendido a entidades não outorgantes mediante a publicação de portarias de extensão, considerando, no entanto, que tal extensão há-de ter por limite o sector económico ao qual se aplica o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho bem como ter por referência as profissões – iguais ou análogas – abrangidas.

Visa-se, por via da extensão dos instrumentos de regulamentação colectiva a entidades não outorgantes, assegurar uma igualdade de tratamento entre empregadores e trabalhadores pertencentes às mesmas categorias e exercendo actividade na mesma área geográfica e no mesmo sector económico que a convenção colectiva cobre ou colmatar-se a falta, ou vazio, de regulamentação colectiva derivada da inexistência de associações sindicais ou patronais no sector económico em causa numa outra área geográfica (1) .

Por outro lado, a propósito da relação entre o contrato de trabalho e o instrumento de regulamentação colectiva aplicável ou entre instrumentos de regulamentação colectiva entre si – concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva – rege o art. 14.º, do diploma que temos vindo a citar, dispondo da forma que segue:
1. A regulamentação estabelecida por qualquer dos modos referidos no artigo 2.º não pode ser afastada pelos contratos individuais de trabalho, salvo para estabelecer condições mais favoráveis para os trabalhadores.
2. Sempre que numa empresa se verifique concorrência de instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis a alguns trabalhadores serão observados os seguintes critérios de prevalência:
a) sendo um dos instrumentos concorrentes ou um acordo colectivo ou um acordo de empresa, será esse o aplicável;
b) em todos os outros casos, prevalecerá o instrumento que for considerado, no seu conjunto, mais favorável pelo sindicato representativo do maior número de trabalhadores em relação aos quais se verifica a concorrência desses instrumentos.
3. No caso previsto na alínea b) do número anterior, o sindicato competente deverá comunicar por escrito à entidade patronal interessada e à Inspecção do Trabalho, no prazo de trinta dias a contar da entrada em vigor do último dos instrumentos concorrentes, qual o que considera mais favorável.
4. Caso a faculdade prevista no número anterior não seja exercida pelo sindicato respectivo no prazo consignado, tal faculdade defere-se aos trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifique concorrência, que, no prazo de trinta dias, deverão, por maioria, escolher o instrumento mais favorável.
(…)
6. Na ausência de escolha, quer pelos sindicatos quer pelos trabalhadores, será aplicável o instrumento de publicação mais recente.

O que decorre deste último preceito é, precisamente, que não pode o contrato individual de trabalho afastar o clausulado do instrumento de regulamentação colectiva aplicável – resultando essa aplicação por via directa ou por via de portaria de extensão –, a menos que seja para prever condições mais favoráveis ao trabalhador.

De tal preceito se extrai, igualmente, que a concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva pressupõe a susceptibilidade de mais do que um instrumento de regulamentação colectiva ser aplicável a um trabalhador. Porém, tal aplicação há-de radicar também ela ou no princípio da filiação ou na existência de Portaria de Extensão.

Visto o enquadramento jurídico pertinente e do mesmo se extraindo que o principal fundamento de aplicabilidade de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho a uma determinada relação laboral radica no princípio da filiação, temos por assente, considerando a matéria de facto provada, que nenhum dos instrumentos de regulamentação colectiva convocados nos autos é, directamente, aplicável à relação entre as partes.

Com efeito, o que nesta sede se apurou foi apenas que o Autor é associado do Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, desconhecendo-se, todavia, se o mencionado sindicato subscreveu qualquer um dos CCT’s em causa nos autos, do mesmo passo que se desconhece se a Ré é associada de alguma associação patronal subscritora de qualquer um dos CCT’s aqui em causa, mormente daquele que entende ser o aplicável à relação laboral aqui em apreço.

Do que vem de ser dito decorre que o fundamento de aplicabilidade de qualquer um dos invocados instrumentos de regulamentação colectiva à relação laboral firmada entre Autor e Ré há-de buscar-se na existência de Portaria de Extensão que precisamente estenda o âmbito de aplicabilidade de determinado contrato colectivo de trabalho a essa mesma relação, sabido, no entanto, que tal extensão pressupõe a identidade das actividades económicas desenvolvidas pela empresa na qual o trabalhador presta trabalho, bem como a identidade ou analogia das profissões que ali sejam previstas.

Ora, tendo-se demonstrado que o Autor tem a categoria profissional de maquinista prático de 1.ª classe, em rebocadores e outras embarcações e engenhos flutuantes, e que a actividade da Ré consiste em rebocar navios, gruas e outros engenhos flutuantes, para e dos estaleiros navais, sendo certo que o CCT do Tráfego Fluvial (publicado no BTE n.º 29, de 08.08.1981), tem o seu âmbito de aplicação ao transporte de mercadorias, obras públicas e ou rebocagens na área do porto de Lisboa, tendo sido estendido o seu âmbito de aplicação, por via da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 27, de 27.02.1988, às entidades patronais que, não estando inscritas na associação patronal outorgante (Associação dos Armadores de Tráfego Fluvial), exercessem, em todas as áreas navegáveis e portos comerciais do território do continente, na área de jurisdição das capitanias dos portos, a actividade de tráfego fluvial, não para fins próprios, mas para executar transportes de outrem, nomeadamente com embarcações adstritas ao serviço de reboque, bem se compreende que seja aquele o contrato colectivo aplicável à relação laboral existente entre as partes, não se vislumbrado, ao invés, qual o fundamento da aplicabilidade do CCTV dos Metalúrgicos e Metalomecânicos quando é certo que este tem por objecto a indústria metalúrgica e metalomecânica.

Entende a Ré, tal como emerge das conclusões que formulou no recurso de revista que interpôs para este Supremo Tribunal, que tendo a sua formação resultado da desintegração e autonomia do departamento marítimo da CC, empresa à qual, segundo alega, seria aplicável o CCTV dos Metalúrgicos e Metalomecânicos, e tendo o Autor provindo, precisamente, daquele departamento e, nessa medida, negociado e optado, precisamente, pela continuação da aplicabilidade deste CCTV, será este último o aplicável.

Argumenta, ainda, a Ré, que em face da acordada aplicação deste CCTV e a aplicabilidade que resultaria, face à sua actividade, do CCT do Tráfego Fluvial, se está perante a denominada concorrência de convenções, a resolver de acordo com o disposto no art. 14.º, do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.

No que concerne ao primeiro dos aduzidos argumentos, se é verdade que a Ré foi constituída por cisão da estrutura orgânica e organizacional da CC, designadamente do seu Departamento Marítimo, ocorrida em 1984 (facto provado sob o ponto n.º 4), não é menos verdade que, a partir de então, ganhou existência autónoma e independente e passou a prosseguir objecto social distinto, qual seja a rebocagem de navios, gruas e outros engenhos flutuantes para e dos estaleiros navais, daí que não faça sentido continuar a aplicar-se-lhe o CCT que naquela empresa, segundo alega, era aplicável.

A especificidade da actividade a que a Ré se dedica e a existência de instrumento de regulamentação colectiva que a regula – ainda que, como vimos, por via de Portaria de Extensão – afasta a aplicabilidade do instrumento de regulamentação colectiva eventualmente aplicável na CC que, refira-se, face ao sector económico que regula – indústria metalúrgica e metalomecânica – não se antevê como possa sequer equacionar-se ser in casu aplicável.

O que eventualmente haja determinado a constituição da Ré, se relevante historicamente, não pode ter a virtualidade de afastar normas de natureza imperativa, mormente as que regulam a aplicação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, como o eram, na época, as previstas no DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.

Por esta via não pode, pois, equacionar-se a existência de concorrência de convenções colectivas aplicáveis que imponha a auscultação do regime pertinente e instituído pelo art. 14.º, do DL n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro, em ordem à resolução do conflito que eventualmente daí emergisse.

Ainda que assim não fosse e se viesse a concluir pela efectiva concorrência de convenções colectivas aplicáveis, sempre se dirá que o normativo cuja aplicabilidade é, neste domínio, reclamada pela Ré, não encontra, na matéria de facto provada, a menor tradução, justamente por não se poder extrair do que consta do “Acordo de Suspensão do Contrato Individual de Trabalho com a CC, para o desempenho de funções na BB”, mormente na parte em que aí se refere que em caso de omissão de situações neste contrato, aplicar-se-ão as normas da CC ou o CCT do Sector Fluvial – cfr., o ponto 3., da matéria de facto provada, bem como a cláusula 12.ª do documento constante de fls. 31 a 33 – o cumprimento da formalidade a que alude o n.º 4, do citado art. 14.º.

Aduz a Ré, conforme já explicitado, que a concorrência de convenções colectivas resultaria de opção do Autor expressa no mencionado acordo.

No que a esta a argumentação se refere, dir-se-á que a conclusão pela verificação de concorrência de contratos colectivos não assenta na vontade das partes, antes emergirá ou do princípio da dupla filiação ou da existência de Portaria de Extensão. Isto por um lado. Por outro lado, na cláusula antes transcrita do “Acordo de Suspensão do Contrato Individual de Trabalho com a CC, para o desempenho de funções na BB” não se vislumbra a anunciada opção do Autor pela aplicação, à relação laboral com a Ré, do CCTV da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica.

Os fundamentos antes expostos são transponíveis para a relação laboral firmada entre Autor e Ré a partir de 1 de Outubro de 1994 – ponto 8. da matéria de facto provada e documento 61 a 63 dos autos – e que, aliás, surgem reforçados por mor do que na cláusula 9.ª, n.º 2 (2). se consigna, na qual nem sequer se faz qualquer espécie de alusão a normas vigentes na CC.

É, pois, improcedente a alegação da Ré no que toca à alegada concorrência de instrumentos de regulamentação colectiva.

Transversal a toda a alegação recursória da Ré – e que fundaria, no seu ver, a legitimidade do procedimento por si adoptado desde 1982 a 2002, no que se refere ao cálculo do valor hora do trabalho suplementar prestado pelo Autor, cálculo esse em que, segundo a própria Ré reconhece, apenas relevava a retribuição base e as diuturnidades auferidas pelo Autor – é a existência de um acordo firmado nesse sentido entre as partes. Tal acordo emergiria precisamente do “Acordo de Suspensão do Contrato Individual de Trabalho com a CC, para o desempenho de funções na BB”, nos termos já acima enunciados.

Neste domínio rege o já acima citado art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro, do qual emerge que o resultante do instrumento de regulamentação colectiva que venha ser entendido ser de aplicar à relação laboral só pode ser afastado pelo contrato individual de trabalho na medida em que este preveja condições mais favoráveis ao trabalhador. São, pois, pressupostos, cumulativos, do afastamento do contrato colectivo aplicável: o acordo das partes e a favorabilidade da condição acordada comparativamente ao previsto no contrato colectivo aplicável (3).

A matéria de facto não nos permite concluir pela existência de qualquer acordo firmado entre as partes no sentido de que no cálculo do valor hora do trabalho suplementar prestado pelo Autor apenas seria de atender à retribuição base e às diuturnidades por ele auferidas.

O que do citado acordo consta, de relevante, é que em caso de omissão de situações neste contrato, aplicar-se-ão as normas da CC ou o CCT do Sector Fluvial – cfr., o ponto 3., da matéria de facto provada, bem como a cláusula 12.ª do documento constante de fls. 31 a 33 –, não se concretizando por qual se optava e em que matérias, designadamente a aduzida pela Ré, sendo certo que a esta incumbia a prova de tal facto.
E não logrando obter-se a prova de acordo neste sentido, prejudicada está a aferição da maior ou menor favorabilidade que do mesmo resultasse.

E idêntico raciocínio se impõe em face do acordo firmado entre Autor e Ré em 1 de Outubro de 1994 – ponto 8. da matéria de facto provada e documento 61 a 63 dos autos – do qual não consta cláusula semelhante à que antes se enunciou ou cláusula que especificamente regulasse o modo de cálculo do trabalho suplementar.

Termos em que se conclui pela aplicação, à relação laboral vigente entre Autor e Ré, do CCT do Tráfego Fluvial.

3.3 Dos montantes arbitrados ao autor
Da conjugação das cláusulas 42.ª e 54.ª (4). do aludido CCT, resulta que a retribuição hora, para efeitos de trabalho suplementar – ou horas extraordinárias, reproduzindo fielmente o que do CCT consta –, é fixada abrangendo os subsídios a que o trabalhador tenha direito, para além, naturalmente, da retribuição base e diuturnidades.

E, sendo assim, é óbvio que o procedimento adoptado pela Ré, no sentido de não incluir naquela retribuição hora os subsídios que o Autor auferia – os subsídios de turno, de gases e potência –, contrariou o disposto naquelas cláusulas, nada havendo, pois, a censurar ao segmento decisório do Acórdão recorrido que precisamente assim concluiu.

Alega, todavia, a Ré que, caso se conclua pela aplicabilidade do CCT do Tráfego Fluvial, devem, então, ser apuradas as diferenças entre os valores realmente auferidos pelo Autor a título de trabalho suplementar e os valores que deveria ter auferido em função exclusivamente da aplicação daquele contrato colectivo. Isto, diz a Ré, por sempre ter seguido o esquema remuneratório que era praticado na CC no que se refere ao cálculo do trabalho suplementar, em consonância, aliás, com o acordo a esse respeito firmado com o Autor.
Não procede, porém, a argumentação assim aduzida pela ré.

Com efeito, dando aqui por reproduzidas as considerações que anteriormente se teceram a propósito da inexistência de prova de qualquer acordo firmado entre as partes no que se refere ao modo de cálculo do trabalho suplementar prestado pelo Autor, basta atentar no seguinte:
- por via da presente acção – e para o que ora importa – o Autor reclamou pela aplicabilidade, à relação laboral que firmara com a Ré, do CCT do Tráfego Fluvial, e, uma vez reconhecida a mesma, pela condenação da Ré no pagamento de diferenças retributivas devidas em função de trabalho suplementar prestado, pois que, ao longo dos anos, sempre a Ré relevara no respectivo cálculo apenas a retribuição base e as diuturnidades e já não os demais subsídios que auferia, relevo esse dissonante com o que no contrato colectivo se previa;
- já concluímos pela aplicabilidade, à relação laboral firmada entre Autor e Ré, do CCT do Tráfego Fluvial e, nessa medida, pela necessidade de o cálculo do valor hora do trabalho suplementar incluir, também, os subsídios auferidos pelo Autor, ao longo dos anos;
- a ré alega que, em razão do Autor provir da CC, não só o retribuiu acima do que na tabela do CCT do Tráfego Fluvial era previsto para a sua categoria profissional, como fez incidir sobre a hora do trabalho suplementar valores percentuais superiores aos que constavam do CCT do Tráfego Fluvial;
- todavia, se a Ré assim procedeu foi porque, no que se refere à retribuição auferida pelo Autor, expressamente com este a acordou, tal como se infere do documento junto aos autos a fls. 61 a 63;
- e se é verdade que a Ré retribuiu, em determinados períodos, o valor hora do trabalho suplementar prestado pelo Autor em função de percentagens distintas das previstas no CCT do Tráfego Fluvial (5), e em determinadas situações de forma mais favorável (6) – segundo, aliás, é lícito extrair do facto provado sob o ponto 21. –, não pode afirmar-se que o tenha feito por via de acordo celebrado com o Autor nesse sentido (o que não resultou provado), ou por via do entendimento segundo o qual lhe seria aplicado o CCTV da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica – veja-se o facto não provado sob o ponto VI, a fls. 1139, dos autos – restando assim a sua conduta objectiva e, bem assim, o tratamento mais favorável que, nesta sede e em determinadas situações, concedeu ao Autor, sendo que tal conduta, só por si, não releva para efeitos do cálculo das retribuições que ao autor eram devidas nos termos do CCT aplicável à relação laboral em causa, mais concretamente, daí não decorre, como defende a ré na alínea DD) das conclusões do recurso, que o autor só tenha direito às diferenças que eventualmente existam entre os montantes efectivamente recebidos e os que lhe seriam devidos nos termos do CCT do Sector Fluvial.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo da Ré.
Lisboa, 25 de Março de 2010

Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol

_______________
1- Cfr., sobre esta matéria, os Acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal nas Revistas n.os 06S4198 e 07S3656, respectivamente, de 21 de Junho de 2007 e 5 de Dezembro de 2007, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
2- - Na qual se diz: “Em tudo o mais não previsto no presente Contrato, aplicar-se-á a Regulamentação Interna vigente na BB, a Lei Geral do Trabalho ou a Contratação Colectiva aplicável
3- Cfr., neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Abril de 2005, proferido na Revista n.º 4628/04, acessível em www.dgsi.pt.
4- Diz a cláusula 42.ª, n.º 2, que “para efeito de faltas, horas extraordinárias e outros aumentos e redução de retribuição de carácter legal decorrente desta convenção, a retribuição/hora será fixada de acordo com a seguinte fórmula: ([Remuneração base mensal + S x 12] : [Período normal de trabalho x 52]), sendo: S = os subsídios a que o trabalhador tenha direito por: Diuturnidades; subsídio de turno, subsídio de gases; subsídio de condução de embarcações com potência instalada superior a 600HP; subsídio de trabalhos portuários e obras públicas; subsídio de transporte de cargas perigosas; nivelamento
E a cláusula 54.ª, n.º 1, aduz que “o trabalho extraordinário dá direito a uma remuneração especial, calculada em função da retribuição horária praticada nos termos da cláusula 42.ª (…)”.
5- Embora nem sempre, segundo afirma, de forma mais favorável, pois veio a ser condenada em diferenças salariais precisamente em razão de ter aplicado valores percentuais ao valor hora do trabalho suplementar inferiores aos previstos no CCT aplicável.
6- Note-se que, de acordo com a cláusula 54.ª, do CCT do Tráfego Fluvial, o trabalho suplementar prestado de 2.ª até às 24 horas de 6.ª feira é remunerado com acréscimo de 50%, não se colocando a questão do desrespeito pelo regime entretanto instituído pelo DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, pois que este exclui do seu âmbito de aplicação precisamente o trabalho a bordo.