Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/15.5GEBRG.G1.S1-D
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECUSA DE JUÍZ
JUIZ CONSELHEIRO
EXTEMPORANEIDADE
ACÓRDÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA/RECUSA
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :

I – O limite temporal estabelecido no artigo 44º, n.º 1, do CPP, mediante a fixação de um momento processual até ao qual a recusa tem de ser desencadeada, é perentório e não é materialmente inconstitucional, por si mesmo ou conjugado com os artigos 43º, n.º 1, e 103º do CPP, conforme, aliás, interpretação uniforme e constante na jurisprudência do STJ e do TC;


II – Por isso, o pedido de recusa de juízes conselheiros integrantes da formação colegial incumbida do julgamento de um recurso interposto para o STJ, após a prolação do acórdão sobre o respetivo mérito e daqueloutro proferido sobre reclamação do primeiro, é extemporâneo e, como tal, deve ser rejeitado, mesmo que ainda não transitados e algum dos juízes tenha sido sorteado em momento posterior.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 85/15.5GEBRG.G1.S1-D


(Recusa)


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


I. 1. AA, arguido e recorrente no processo de recurso penal n.º 85/15.5GEBRG.G1.S1 da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), veio nele deduzir, por requerimento enviado por mensagem de correio eletrónico de 12.04.2024 (registado em 15.04.2024, sob a referência Citius 205436) incidente de recusa dos juízes conselheiros daquela secção que intervêm no identificado processo como relator, adjunto e presidente de secção-


I. 2. O requerimento é do seguinte teor (transcrição):


«SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


SECÇÃO CRIMINAL


*


EXCELENTISSIMOS SENHORES CONSELHEIROS


AA, Recorrente nos autos de processo nº 85/15.5GEBRG.G1.S1 que corre termos na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,


Vem, nos termos e para os efeitos do artigo 45.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, apresentar perante Vossas Excelências, requerimento de


RECUSA DOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS


Senhora Doutora Maria do Carmo Silva Dias (Relatora), e do restante Tribunal Coletivo que o constituído pela,


Senhora Doutora Ana Maria Barata de Brito (Adjunta) e


Senhor Doutor Nuno A. Gonçalves (Presidente)


1.º


Por requerimento dirigido ao Proc. nº 85/15.5GEBRG.G1.S1, que corre termos na 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça com a Refª 203820 de 04/03/2024 veio o Requerente arguir a nulidade insanável do ato de distribuição nos termos do artigo 119.º, alínea a) do CPP, por não ter sido dado cumprimento ao vertido no artigo 217.º e seguintes do CPC e, bem assim, o Regulamento n.º 269/2021, de 22 de março.


2.º


Ou seja, por motivo de jubilação do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator deveria ter-se procedido a nova distribuição do processo, distribuição essa que se teria de cingir, exclusivamente, à designação de novo relator.


3.º


Ao invés, a distribuição foi efetuada tendo sido designado novo relator e, bem assim, novos Juízes Adjuntos.


4.º


O que claramente, contraria os normativos transcritos.


5.º


E, como tal, faz enfermar a distribuição efetuada no processo de nulidade artigo 119.º, alínea a) do CPP – devendo a mesma ser declarada e, em consequência, ser efetuada nova distribuição.


6.º


De igual modo, deve a interpretação do elenco normativo integrado pelas disposições do artigo 217.º n.º 1, parte final do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP e artigo 5.º, alínea i) e artigo 6.º do Regulamento nº 269/2021, de 22 de março e artigo 213.º, nº 4 do CPC, no sentido de sendo efetuada a redistribuição do processo por força da jubilação do Juiz Relator, tal distribuição devendo apenas incidir na designação aleatória de um novo Juiz Relator e por violação da lei tiver sido efetuada a designação de todos os juízes que compõem o Tribunal (Juiz-Relator e 2 Juízes-Adjuntos), tal não implica uma nova distribuição, podendo-se desconsiderar a nomeação daqueles Juízes-Adjuntos e repristinar o sorteio primitivo, reassumindo as funções os Juízes-Adjuntos que se encontravam no processo desde a primeira distribuição, deve ser julgada inconstitucional por violação do artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e artigo 32.º (Garantias de processo criminal).


7.º


Contudo, por despacho datado de 06/03/2024, veio a Exma. Conselheira Relatora nomeada declarar assistir razão ao Requerente procedendo-se à “(…) retificação da distribuição, fica regularizado o processado, nada mais havendo a ordenar, nem sequer a anular.”


8.º


Ora, a nulidade apontada pelo Requerente, apenas conduziria a um resultado só, a desconsideração de todos os efeitos de tal distribuição e a obrigatoriedade de proceder a novo ato de distribuição do qual resulta-se, aleatoriamente, um novo relator – visto que a anterior distribuição não era possível se sanação impondo-se, por conseguinte, a realização de nova distribuição.


9.º


E, foi precisamente nesse sentido que o Requerente apresentou novo requerimento, desta feita no dia 21/03/2024, onde requer isso mesmo.


10.º


No dia 04/04/2024 é o Requerente notificado do despacho com a Refª 12275137 de 28/03/2024 do despacho que incidiu sobre o requerimento apresentado em 21/03/2024 o qual, atento o conteúdo ali vertido, causou alguma perplexidade junto do Requerente, conforme se transcreve:


“Requerimento de 21.03.2024:


O arguido/condenado AA pretende questionar o decidido no nosso despacho de 6.03.2024, inclusivamente “repristinando” questões já ultrapassadas e supridas por essa mesma decisão, na qual esgotamos o nosso poder jurisdicional sobre a matéria que nos foi colocada pelo requerimento de 4.03.2024 que então apreciamos.


Tendo-lhe sido a referida decisão favorável, nos termos por nós decididos (embora seguindo diverso caminho do por si pretendido no requerimento de 4.03.2024 então apreciado e sendo não consentida a leitura que agora pretende fazer do nosso despacho de 6.03.2024), obviamente que não tem neste momento legitimidade para a questionar, nem tão pouco interesse para a colocar em causa.


Claro que se percebe que com este requerimento de 21.03.2024 o arguido/condenado AA, para além de pretender protelar o trânsito em julgado do acórdão do STJ de 6.04.2022 proferido nestes autos, para não cumprir a pena de prisão em que foi condenado (o que vem sucedendo com os sucessivos requerimentos e recursos que tem vindo a apresentar no processo), neste caso concreto também não concorda com o percurso seguido no nosso despacho de 6.03.2024 (diferente do por si agora apontado, até em parte contraditório com o que apresentou no requerimento de 4.03.2024), apesar de ter atingido/obtido o resultado pretendido.


Simplesmente a sua divergência (quanto ao percurso por nós seguido, inclusive no âmbito dos poderes e deveres de uma boa e adequada gestão processual, para obter o resultado final de manter a composição do tribunal anterior quanto aos Conselheiros Adjuntos, assim sendo assegurada uma tutela jurisdicional efetiva e célere e um processo equitativo e justo, com todas as garantias processuais e, portanto, sem prejuízo efetivo para os sujeitos processuais, designadamente para os arguidos, tanto mais que nem tinha havido a prática de qualquer ato de natureza colegial) não pode significar, nem induzir ou levar (de forma direta ou indireta) a que o tribunal altere o já decidido em 6.03.2024.


Além do mais, porque não podemos alterar o que foi decidido, por termos esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria que nos foi colocada (art. 613.º do CPC aplicável ex vi do art. 4.º do CPP) e, como se concluiu, de forma clara e transparente, no despacho de 6.03.2024, foi regularizado o processado, nada mais havendo a ordenar, nem sequer a anular, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente, da inconstitucionalidade deduzida pelo requerente. Diremos ainda, de forma muito resumida, que quando não se concorda com uma decisão judicial (como sucede neste caso, com a proferida em 6.03.2024 que apreciou o requerimento apresentado em 4.03.2024), ou ela é passível de recurso ou não é e, além disso, o respetivo sujeito processual afetado, ou tem legitimidade ou não tem para recorrer.


Neste caso, mesmo que fosse admissível recurso, o arguido/condenado AA até nem tinha legitimidade para recorrer porque obteve o resultado pretendido no seu requerimento de 4.03.2024, que era o de manter a composição do tribunal anterior relativamente aos Conselheiros Adjuntos.


Em face do exposto, indefere-se o requerimento ora em apreciação.


Notifique.


*


Maria do Carmo Silva Dias”


11.º


Ora, atento o despacho agora transcrito, resulta por demais evidente que a Exma. Conselheira Relatora não limita a sua decisão sobre o requerido a questões de direito (que era o pretendido) ao invés, tese considerações dirigidos à pessoa do Requerente no que à sua postura processual concerne – considerações essas que o Reclamante não pode deixar de rebater,


12.º


Tais considerações, diga-se, pelo conteúdo e alcance das mesmas, colocam irremediavelmente em causa a independência, isenção e imparcialidade do julgador, no caso, a Exma. Dra. Juiz Conselheira Maria do Carmo Silva Dias.


13.º


Pois, é deixado subentendido que todos os atos praticados pelo Requente no processo visam protelar o trânsito em julgado do acórdão do STJ de 6.04.2022.


14.º


Atenta a consideração transcrita, o Requerente não tem qualquer dúvida que uma eventual apreciação nos autos de qualquer solicitação que lhe seja feita pelo Requerente – o julgador (no caso a Exma. Conselheira Relatora) terá em mente que aquele expediente visa exclusivamente retardar o transito em julgado da do acórdão proferido nos autos.


15.º


Aliás, isso é claramente assumido no despacho em referência pela Exma. Conselheira Relatora.


SEM PRESCINDIR,


16.º


Não será despiciendo referir que o arguido não faz um uso anormal e/ou censurável do processo.


17.º


Nem, tão pouco, a sua conduta processual em caso algum poderá ser subsumida na previsão normativa do artigo 531.º do CPC, por remissão do artigo 521.º do CPP.


18.º


Porquanto, o Requerente nunca deduziu pretensões (infundadas e abusivas), nem praticou atos (inúteis, dilatórios) que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse atuado com a prudência e diligência que lhe seria exigível.


19.º


Por outro lado, e não menos importante é o facto de o Requerente, contrariamente ao alvitrado pela Exma. Conselheira Relatora se limitar, em cada impulso processual, a exercer um direito que lhe é legal e constitucionalmente conferido, mormente, pelo artigo 20.º da CRP e o artigo 32.º da CRP.


20.º


Direitos esses, que constituem a maior salvaguarda dos direitos conferidos ao arguido em processo penal constituindo, igualmente, um dos pilares no qual se escora o estado de direito democrático.


21.º


Ora, no entender do Requerente, tudo consubstancia, motivo de recusa dos Senhores Juízes requeridos e do próprio tribunal Coletivo por eles constituído, nos termos dos artigos 43.º e seguintes do Código de Processo Penal, uma vez que, em seu modo de ver, a violação de lei, mormente, do artigo 217.º e seguintes do CPC e, bem assim, o Regulamento n.º 269/2021, de 22 de março e as ulteriores considerações postadas no requerimento anteriormente referido consubstancia, “motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, por necessária consequência, sobre a imparcialidade não apenas desse Senhor Juiz mas de todo o Coletivo que o integra.


Com efeito,


22.º


A distribuição eletrónica e aleatória realizada nos exatos e rigorosos termos previsto na Lei é o acto processual jurisdicional que necessariamente determina, fundamenta e justifica a competência do Tribunal e do Juiz ou Juízes titulares das funções jurisdicionais sobre cada Processo; e é, por isso, o primeiro e incontornável pressuposto do Princípio, Garantia e Direito Fundamental ao Juiz Legal, consagrado no artigo 32.º n.º 9 da Constituição, e do respeito pela Independência dos Tribunais consagrado no seu artigo 2.º.


23.º


E é por isso, também, a primeira e incontornável garantia de imparcialidade dos Senhores Juízes no concreto exercício dessas funções jurisdicionais – porque em processo criminal só a estrita e rigorosa observância das normas e dos termos legais previstos para essa operação de escolha dos Senhores Juízes respeita ambos esses Princípios e Garantias e Direitos Fundamentais, normas e termos legais que no processo em causa foram, pura e simplesmente, desaplicados ignorados, desprezados.


24.º


No modo de ver do requerente a suspeita de parcialidade de um membro de Tribunal Coletivo não pode deixar de estender-se a todos os restantes membros.


25.º


Neste sentido, aliás, tem sido decidido, nomeadamente, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Acórdão de 9 de maio de 2000 – processo Sander contra o Reino Unido, citado por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 4ª Edição atualizada, 2011, p. 133 – que “tratando-se de um tribunal colectivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a actividade do tribunal.”


26.º


Justifica-se, pois, que a suspeita relativamente a um membro deste Tribunal Coletivo se estenda aos restantes membros.


TERMOS EM QUE, REQUER:


SE DIGNEM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECLARAR A RECUSA DOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS REQUERIDOS E DO TRIBUNAL COLETIVO – POR ELES CONSTITUÍDO.


O Advogado,


BB».


I. 3. Em conformidade com o disposto no artigo 45º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), os Juízes Conselheiros recusados pronunciaram-se nos seguintes termos:


a) Juíza Conselheira Relatora


«(…) Pronúncia sobre requerimento de recusa (art. 45.º, n.º 3, do CPP)


O Requerente AA vem suscitar incidente de recusa no âmbito do processo principal n.º 85/15.5GEBRG.G1.S1, invocando o disposto nos arts. 43.º e 45.º, al. b) do CPP, pedindo que seja recusada a intervenção da Juíza Conselheira Relatora a quem os autos foram distribuídos na sequência de jubilação do anterior Relator, por entender que foi parcial com o despacho proferido em 28.03.2024, não oferecendo garantias de isenção em relação a decisões que vier a proferir quanto a quaisquer requerimentos que venha a apresentar no uso dos seus direitos, o que constitui motivo de recusa, não só da Relatora (Maria do Carmo Silva Dias) como dos demais Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos (Srª. Drª. Ana Maria Barata Brito e Sr. Dr. Nuno A. Gonçalves) como do próprio Tribunal Coletivo por eles constituído.


Assim.


Na qualidade de Relatora nos autos principais desde 21.02.2024 e, agora também Recusada, cumpre pronunciar-me sobre o requerimento ora em apreciação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 45.º, n.º 3, do CPP.


Perante o teor do requerimento apresentado, que aqui se dá por integralmente reproduzido, face à ausência de factos ou circunstâncias objetivas que justifiquem outro tipo de pronúncia, apenas me ocorre dizer que mais uma vez o Requerente manifesta a sua discordância em relação à fundamentação dos despachos por mim proferidos.


A interpretação do Requerente sobre os meus despachos de 6.03.2024 a determinar a retificação da distribuição e a regularizar o processado, na sequência do requerimento por si apresentado em 4.03.2024 e, posteriormente, de 28.03.2024, a concluir que aquela decisão lhe foi favorável e que não a podia questionar pelos motivos que dela constam (e que estão transcritos no requerimento de recusa), não é suscetível de configurar motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da Relatora e dos demais Juízes recusados (sendo certo que os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos nem sequer tiveram intervenção nos autos desde que o processo me foi distribuído como Relatora), nem do Coletivo pelos três constituído (correspondente à composição do tribunal anterior).


Tão pouco o é o teor da fundamentação do despacho de 28.03.2024 por mim proferido, apesar do desagrado do Requerente em relação à mesma, particularmente no segmento que destaca e que interpreta de forma não consentida pelo seu texto.


Na minha perspetiva não há motivo que possa gerar suspeita sobre a minha imparcialidade, como se pode verificar pela consulta integral do processo e pela leitura desapaixonada do meu despacho de 28.03.2024.


Daí que, sempre ressalvado o devido respeito por opinião contrária, que é muito, me pareça que nem há fundamento para o presente incidente de recusa.


De todo o modo, o Supremo Tribunal de Justiça decidirá conforme for de Direito e de Justiça.


*


Abra conclusão em simultâneo aos meus Colegas (que foram também recusados) para, querendo, se pronunciarem e, após, remeta este incidente de recusa à distribuição.


*


Maria do Carmo Silva Dias».


b) Juíza Conselheira Adjunta


«Na sequência do determinado pela Senhora Juíza Conselheira titular do processo, passo a pronunciar-me nos termos do art. 45.º, n.º 3, do CPP.


No requerimento de recusa deduzida contra a signatária não é invocada qualquer razão, muito menos séria e grave, adequada a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. Assim, inexiste motivo sobre o qual a signatária se deva ou possa pronunciar. No entanto, não deixa de se consignar que a signatária não conhece nenhum dos sujeitos processuais e não tem qualquer ligação a eles, nem ao objecto do processo.


Não sendo invocado motivo que possa levar a suspeitar que a signatária deixe de ser imparcial por força da influência de algum facto concreto - que não é invocado -, e inexistindo razão que suscite ponderação à luz da norma-critério – do critério legal e outro não cumpre considerar -, resta concluir que a situação apresentada pelos requerentes não configura motivo de recusa.


Na verdade, ela não se integra em nenhuma das previstas no art. 40.º do CPP (impedimento por participação em processo) e também não é susceptível de configurar a previsão do n.º 1 do art. 43.º, pois não é colocado nenhum problema que respeite à imparcialidade do juiz e do tribunal.


Pelo exposto, nada se oferece aditar.».


c) Juiz Conselheiro Presidente da Secção


«Pronúncia nos termos do art. 45.º n.º 3 do CPP: -


1. O pedido de recusa de um juiz para intervir no processo penal está balizado por limites temporais legalmente bem definidos. Efetivamente, estabelece o art. 44.º do CPP que o termo final da respetiva tempestividade é, na fase de recurso, o início da audiência, se a ela houver lugar ou, não a havendo, o início da conferência.


No caso a conferência teve lugar em 6.04.2022. Pelo que, no que me diz respeito, há muito – mais de 2 anos - que esse prazo está excedido.


Pelo que, salvo mais fundamentada opinião, a pedido da minha recusa é manifestamente extemporâneo.


2. Quanto à alegada irregularidade da 2.ª distribuição do processo: -


A minha intervenção neste processo ocorreu enquanto Presidente da secção, imposta pelo regime processual penal que vigorava à data da realização da conferência.


O Presidente da secção é eleito pelos seus pares, nunca sorteado.


A intervenção do Presidente da secção na decisão de recurso, quando deva ocorrer, decorre da lei e não de qualquer distribuição por sorteio para encontrar quem irá presidir à audiência ou à conferência.


Tanto basta para evidenciar a inaplicabilidade das regras da distribuição à minha intervenção neste processo.


3. Por outro lado, pressuposto material da recusa é que existam factos ou circunstâncias pessoais e/ou funcionais que, embora não constituindo impedimento, pela gravidade ou seriedade, sejam de moldo a poder suspeitar-se, em boa fé, que a sua intervenção no processo corre o risco de não ser imparcial.


Ora, ademais de reafirmar, com a merecida vénia, a atenta e precisa informação da Colenda Conselheira relatora, acresce que o requerente não aponta qualquer facto ou circunstância destinada a poder amparar a invocação de que a minha intervenção em incidentes pós decisórios insistentemente deduzidos neste processo possa correr o risco de ser considerada suspeita.


4. Finalmente, não só não existe norma alguma que permita pedir a recusa do tribunal, como o legislador proíbe terminantemente o desaforamento – art.º 39.º da LOSJ. Como bem se compreenderá, os motivos da recusa não se transmitem aos demais juízes do mesmo tribunal apenas por ocuparem lugar ao lado daquele que transporta consigo tais motivos. Certamente que o recusante não ignorará que cada juiz vota a decisão em plena e firme consciência e, como já deverá ter lido, nem sempre por unanimidade.


5. Contudo, Vas. Exas., Colendas/os Conselheiras/os decidirão, seguramente como for de JUSTIÇA.(…)»


I. 4. Realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação


II. 1. Factos


Dos elementos constantes destes autos e da consulta da representação eletrónica do processo principal extrai-se, com interesse para a decisão, o seguinte:


a) por acórdão proferido em 18 de dezembro de 2020, no Juiz ... do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi decidido, no que aqui interessa:


«Condenar o arguido AA pela prática: ---


1. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e), por referência às alíneas b) e e) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso A – Inquérito nº 740/17.5...], na pena de 3 [três] anos de prisão; ---


2. Em co-autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da L. nº 5/2006, de 23.02 [apenso A – Inquérito nº 740/17.5...], na pena de 5 [cinco] meses de prisão; ---


3. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), por referência à al. d) do art. 202º, todos do Código Penal [apenso P – Inquérito nº 1289/17.1...], na pena de 8 [oito] meses de prisão; ---


4. Em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), por referência à alínea d) do art. 202º, todos do Código Penal [apenso I – Inquérito nº 145/18.0...], na pena de 2 [dois] anos e 2 [dois] meses de prisão; ---


5. Em co-autoria material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e), por referência às als. b) e e) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso R – Inquérito 256/18.2...], na pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão; ---


6. Em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) por referência à alínea d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso Q – Inquérito nº 90/18.0...], na pena de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão;


7. Em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, als. a) e e) por referência às alíneas b) e d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso G – Inquérito 123/18.0...], na pena de 3 [três] anos e 11 [onze] meses de prisão; ---


8. Em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e) por referência às alíneas b) e d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso E – Inquérito nº 1691/18.1...], na pena de 6 [seis] anos e 9 [nove] meses de prisão; ---


9. Em autoria material singular, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e d) do Regime Jurídico de Armas e Munições [Buscas], na pena de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão; ---


10. Em cúmulo jurídico das penas mencionadas sob os pontos 1. a 9., condená-lo na pena única de 11 [onze] anos de prisão.»;


b) inconformado com o acórdão proferido, AA recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), o qual, por acórdão de 25.10.2021, julgou o recurso apresentado parcialmente procedente, absolvendo-o da prática do crime de detenção de arma proibida que lhe era imputado no apenso A, mantendo na íntegra as penas que lhe foram aplicadas em 1ª instância pelos restantes crimes pelos quais foi condenado, e, refazendo o cúmulo jurídico destas penas, fixou a pena única em 10 (dez) anos e 11 (onze) meses de prisão;


c) de novo inconformado, o arguido AA e outro arguido do mesmo processo recorreram para o STJ, o qual, por acórdão de 6 de abril de 2022 (referência 10772392), decidiu:


«a) rejeitar os recursos interpostos por ambos os recorrentes, por inadmissíveis, nos segmentos relativos às penas parcelares (abrangendo todas as questões, de natureza substantiva ou processual a elas respeitantes) e negar provimento a tais recursos na parte relativa ao quantum das penas únicas, desta forma confirmando inteiramente o acórdão recorrido;


b) condenar os recorrentes nas custas do processo (…)»;


d) este acórdão foi objeto de reclamação pelo arguido AA, arguindo a sua nulidade por omissão de pronúncia e a inconstitucionalidade do elenco normativo que identificou como fundamento da rejeição parcial do recurso interposto do acórdão do TRG, as quais foram apreciadas e indeferidas, mantendo intocado o acórdão reclamado, em novo acórdão do STJ, proferido em 18.05.2022 (referência 10853190);


e) dos referenciados acórdãos do STJ foram, nos dias 2 e 13 de junho de 2022, interpostos recursos para o Tribunal Constitucional pelo mesmo arguido, admitidos por despachos de 6 e 17 de junho de 2022, oportunamente remetidos àquele tribunal, onde ainda aguardam decisão, com outros interpostos de despachos proferidos sobre questões incidentais, pelo mesmo e outros arguidos do processo;


f) na sequência da jubilação do juiz conselheiro relator originário, foi aberta conclusão no processo ao Juiz Conselheiro Presidente da 3ª Secção Criminal do STJ, que, em 21.02.2024, nele exarou o seguinte despacho (referência 12194375):


«No processo estão para decidir pretensões (que não são de mero expediente) de sujeitos processuais.


Sucede que o Excelentíssimo Conselheiro relator se jubilou em 1 de janeiro de 2024.


Dispõe o art.º 217.º n.º 1, parte final do CPC, aplicável ex vi do art.º 4.º do CPP que, deixando o relator de pertencer ao tribunal, é feita segunda distribuição do processo para sortear novo relator.


Assim, determino que o processo vá à distribuição para sortear novo relator. (…)»;


g) em cumprimento desse despacho, procedeu-se à ordenada redistribuição, mas, por lapso, em vez de se proceder apenas ao sorteio do relator em falta, procedeu-se também ao sorteio dos adjuntos, lapso a que o arguido AA reagiu mediante requerimento apreciado e deferido pela novel Juíza Conselheira Relatora, nos termos explicitados na pronúncia que emitiu no presente incidente, em que também é recusada;


h) da referida retificação, como também se explicita naquela pronúncia, resultou a manutenção na formação dos anteriores Juízes Conselheiros Adjunta e Presidente da Secção, a que se juntou a novel Conselheira Relatora, resultado com o qual o arguido AA não se conformou, apresentando novo requerimento no sentido da realização de nova redistribuição de todos os juízes conselheiros a integrar a formação colegial;


i) pretensão indeferida pela Juíza Conselheira Relatora, nos termos também ali explicitados, seguindo-se a apresentação pelo arguido do requerimento de recusa de todos aqueles Juízes Conselheiros.


II. 2. Direito


Dos factos enunciados resulta indiscutível que o recusante apresentou o seu pedido de recusa da Juíza Conselheira a quem o processo foi redistribuído, como relatora, e dos demais que já antes integravam a formação colegial do processo, apenas no dia 12 de abril de 2024, ou seja, em momento posterior à prolação dos dois referidos acórdãos do STJ no processo principal, de, respetivamente, 06.04 e 18.05.2022.


Tal circunstância convoca a questão prévia da tempestividade do seu pedido, conforme, aliás, lembra o Conselheiro Presidente da 3ª Secção, na pronúncia acima transcrita..


É que, se é verdade que o incidente de recusa, como o da escusa, regulados nos artigos 43º a 47º do CPP, se devem analisar, no dizer de Henriques Gaspar1, como instrumentos processuais de reforço suplementar da garantia da imparcialidade do juiz, completando a função dos impedimentos, cujo regime se mostra regulado nos artigos 39º a 42º do mesmo diploma legal, não o é menos, acrescenta2, que os mesmos «(…) não podem ser utilizados a todo o tempo, como estratégia eventualmente escolhida (e guardada) pelos interessados para utilizar no momento que entenderem oportuno: a lei previne o uso do meio como elemento da “teoria dos jogos”».


Por isso, o artigo 44º, n.º 1, do CPP estabelece um prazo limite para a formulação do pedido, que relativamente aos juízes dos tribunais superiores coincide com o início da audiência e/ou da conferência nos recursos, pressupondo a lei ser razoável admitir que o interessado teve oportunidade de se aperceber da existência do motivo “sério e grave”, subjetivo ou objetivo, passível de gerar “desconfiança sobre a imparcialidade do juiz”.


Ou, como pode ler-se no ponto III do sumário do acórdão do STJ, de 24.01.2023, proferido no processo n.º 299/22.1YRPRT-A.S1-A, relatado pelo Conselheiro António Latas, “O art. 44.º do CPP não prevê que o requerimento possa ser tempestivamente apresentado depois da decisão final, como sucedeu no caso presente, pois o que se pretende é impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais. Pretende-se, assim, com o estabelecido no art. 44.º do CPP sobre os prazos de dedução do incidente de recusa, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do requerente da recusa, quando os factos são conhecidos anteriormente, como, fundamentalmente, uma “utilização inútil” nos casos em que a decisão final foi já proferida3 (negrito e sublinhado nossos).


Ora, no caso em apreço, o incidente de recusa suscitado revela-se indiscutivelmente inútil, considerando que os dois acórdãos prolatados pelo STJ, pese embora ainda não transitados, foram proferidos em data anterior à sua apresentação e se mostram insuscetíveis de qualquer modificação substancial, menos ainda de sentido prejudicial ao requerente e aos demais arguidos, e sempre na estrita medida do que porventura for decidido pelo Tribunal Constitucional.


Acresce que a intervenção da novel Juíza Conselheira relatora e ora recusada, cuja imparcialidade subjetiva vem questionada em função da discordância do arguido quanto ao teor do despacho sobre a sua pretensão anulatória do anterior despacho retificativo da redistribuição e em conformidade com o seu pedido, o que, podendo desencadear outras formas de reação processual, não serve de fundamento do pedido de recusa, por não constituir “motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.


Motivo que, por maioria de razão, também não se verifica quanto aos demais Juízes Conselheiros da formação, relativamente aos quais não é sequer invocada qualquer ocorrência, intra ou extraprocessual, que não seja o efeito contaminador da suposta imparcialidade da primeira, o que, obviamente, não procede, face à sua necessária pessoalidade.


Sendo certo ainda que a intervenção daquela Conselheira relatora, como a dos demais, seja quanto à admissão de recursos eventualmente dela ainda pendentes, seja em sede de apreciação de reclamações e/ou arguição de nulidades daquelas decisões ou do procedimento não se afigura apta a pôr em crise a substância e sentido decisório dos acórdãos prolatados, nem é espaço processual apropriado a equacionar a aplicação destes meios de garantia reforçada da imparcialidade do juiz, por muito relevantes que possam ser tais requerimentos e reclamações.


Isso mesmo, aliás, foi reconhecido e decidido no acórdão do STJ, de 23.01.2017, proferido no processo n.º 10/11.2JALRA.C1-A, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto Matos, suportado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2004, de 10.03.2004, proferido no processo n.º 509/2003, relatado pela Conselheira Maria Fernanda Palma4.


Para melhor compreensão da posição assumida a propósito nesse aresto do Tribunal Constitucional, que culminou com a afirmação da conformidade constitucional do artigo 44º do CPP, transcreve-se parcialmente a respetiva fundamentação, a que se adere e dispensaria quaisquer outras considerações sobre o ponto em discussão:


«8. Sendo esses os parâmetros constitucionais, qual é a resposta no caso proposto? A questão é tão‑somente esta: se os factos que poderiam suscitar o risco de parcialidade são conhecidos apenas antes da decisão sobre uma arguição de nulidade suscitada, não será afectado o valor da imparcialidade, se já não puder ser conhecida a questão que motiva o pedido de recusa?


Como se viu, o Código de Processo Penal estabelece restrições à possibilidade de suscitar a recusa de juiz, estabelecendo momentos a partir dos quais a recusa não pode ser invocada – o início da audiência, o início da conferência e o início do debate instrutório – quanto a factos conhecidos anteriormente. Pretende‑se, assim, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do demandante, da recusa como, fundamentalmente, uma “utilização inútil”.


Por outro lado, admite ainda o referido artigo 44º a recusa do juiz quanto a factos conhecidos após o início da audiência e do debate instrutório, quando tais factos tiverem sido conhecidos supervenientemente (após o início da audiência ou do debate instrutório). Também aí a “lógica” subjacente é a de se impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais. Mas já o conhecimento de factos que justificariam a recusa posterior à sentença, mesmo que anterior ao trânsito em julgado, não é pertinente. Por já ter sido tomada a decisão, a recusa não seria já adequada a evitar o risco de parcialidade. No que se refere à fase de recurso, vigora a mesma “lógica”, sendo possível a recusa de juiz até ao início da conferência. Se os factos forem conhecidos posteriormente, já não se evitaria adequadamente o risco de uma decisão parcial. Estando‑se perante um tribunal colectivo, em que o juiz suspeito de parcialidade já poderia ter influenciado a decisão do recurso, entende‑se que o risco da parcialidade não será evitável com uma possível decisão favorável do pedido de recusa.


9. Tanto no que se refere às decisões de primeira instância como à decisão do recurso, a não admissão da arguição de nulidade poderá justificar‑se numa perspectiva de razão de ser da recusa, a qual consiste em evitar o risco da desconfiança dos intervenientes processuais e de todos em geral. Com efeito, tal risco já não será verdadeiramente evitável quando as decisões, embora não transitadas, já tiverem sido tomadas e tornadas públicas.


Se é certo que uma nulidade pode ser consequência da não imparcialidade anterior de uma decisão e que a decisão da própria arguição pode vir a convalidar a situação anterior, também é verdade que a arguição de nulidade não é meio adequado para reparar uma eventual anterior parcialidade da decisão, destinando‑se antes a corrigir vícios da decisão (por exemplo, quanto à sua fundamentação ou à sua articulação lógica ou ao conhecimento de questões). Assim, não só uma decisão de uma arguição de nulidade não é o meio típico de uma decisão parcial, como não pode, em si mesma, evitar ou sanar a eventual não imparcialidade anterior.


O sentido fundamental do impedimento do risco de não imparcialidade está ligado, indiscutivelmente, à decisão principal, ao “poder de decidir” do juiz suspeito e não tem de cobrir decisões sobre incidentes em que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado quanto à matéria da causa (artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil) – e em que, portanto, já não é possível impedir que uma decisão não imparcial do processo seja tomada.


Por outro lado, não deixa o Direito, também, de fornecer meios reparadores de uma situação efectiva de não imparcialidade que se venha a detectar tardiamente, em face dos prazos legais justificados pela natureza do instituto da recusa de juiz. Assim, tanto a revisão da sentença (artigo 449º do Código de Processo Penal), como, de algum modo, a responsabilidade penal e civil do juiz são formas de reparar os danos de uma decisão não imparcial de um juiz, impedindo que o valor constitucional em causa, agora na perspectiva da sua reparação e não já da sua prevenção, seja postergado».


Perante este esclarecido entendimento e adequada interpretação do regime legal sobre a recusa e a escusa, logo se percebe que o pedido do recusante soçobra, por intempestividade.


A tanto não obsta o facto de a Juíza Conselheira relatora recusada só ter sido associada ao processo em momento posterior à prolação e publicação dos acórdãos do STJ, momento a partir do qual se tornou possível equacionar a sua recusa, na medida em que a respetiva intervenção já não poderá traduzir-se em modificação substancial do decidido, como, aliás, sucederia com o juiz relator originário, o qual, como referido, podia até já ter tido intervenção processual não imparcial e, ainda assim, sem possibilidades de ser recusado para além daquele marco temporal, por manifesta inutilidade da recusa, cuja admissão consubstanciaria, assim, um ato proibido, nos termos do artigo 130º do CPC, aplicável ex vi do artigo 4º do CPP.


Por outro lado, no que concerne ao risco de o incidente ser usado por conveniência e segundo a “teoria dos jogos” que a lei pretende prevenir com a estipulação do referido limite temporal para a sua dedução, é, no caso em apreço, uma real possibilidade, com o inerente perigo de entorpecimento da normal tramitação do processo, tendo em conta os fundamentos do pedido, assentes essencialmente na ideia da postergação dos direitos de defesa do arguido, decorrentes da violação dos princípios constitucionais da independência dos tribunais e dos juízes, da proibição do desaforamento e do juiz natural ou legal, que o recusante assaca ao procedimento da redistribuição efetuada no processo para sortear um novo relator e sua posterior retificação, repristinando aqueles que já antes integravam a firmação e que se mantêm em funções.


Com efeito, a vingar a tese do recusante, sempre que, durante a pendência do processo, ocorresse qualquer outra situação de ausência definitiva ou prolongada de um dos Juízes Conselheiros integrantes da formação colegial nele constituída, repetir-se-iam as divergências sobre as regras de redistribuição a aplicar e o seu âmbito subjetivo, a que se poderiam seguir sucessivos e prolongados incidentes, reclamações e recursos.


Estaria, assim, descoberta a porta e o caminho para o protelamento indefinido da eficácia das decisões judiciais, entorpecendo o andamento dos processos e, em consequência, a realização da justiça em tempo útil e comunitariamente aceitável, à custa, claro está, de princípios e direitos fundamentais de igual valor e consagração constitucional aos reclamados pelo recusante, designadamente o do pleno exercício da função jurisdicional, das tarefas fundamentais do Estado, do direito universal de acesso ao direito e de obtenção de uma decisão judicial em tempo razoável e mediante processo equitativo, tudo como decorre dos artigos 202º, n.ºs 1 e 2, 9º, al. b), e 18º da Constituição da República Portuguesa (CRP), também eles com força jurídica direta e necessariamente objeto de apreciação e consideração concreta por todos os tribunais, nos termos dos seus artigos 18º e 204ª.


Sendo assim, se porventura ocorresse conflito entre tais princípios e direitos fundamentais e aqueles convocados pelo recusante, haveria necessidade de, segundo o critério doutrinário da “concordância prática”, harmonizá-los de maneira que nenhum deles se sobrepusesse absolutamente aos outros, restringindo cada um deles na medida do estritamente necessário para permitir a realização dos demais.


Ou seja, nenhum desses princípios e direitos fundamentais é absoluto e prevalece sobre os demais, como evidencia, de resto, o próprio incidente de recusa relativamente aos referidos princípios e direitos invocados pelo recusante, nomeadamente quanto ao do juiz natural ou legal, que, em homenagem ao valor da imparcialidade do juiz, permite afastar um concreto juiz do processo que lhe havia sido aleatoriamente distribuído.


Em suma, como se afirmou no citado acórdão do TC, a restrição temporal estabelecida no artigo 44º, n.º 1, do CPP, mediante a fixação de um momento processual até ao qual a recusa tem de ser desencadeada, não é materialmente inconstitucional, por si mesma ou conjugada com os artigos 43º, n.º 1, e 103º do CPP, na interpretação aplicativa aqui sufragada.


Interpretação que, além de estar em linha com a jurisprudência do STJ e do TC consultada, a citada no referido acórdão e a que vem referenciada em diversos comentários às pertinentes normas do CPP5, sem divergências quanto à natureza perentória daquele prazo e à inutilidade da recusa ou escusa para além dos momentos processuais referidos no artigo 44º, é a única que o confronto do texto dos artigos 41º e 44º do CPP legitima.


Efetivamente, enquanto no artigo 41º, se consagra que a declaração do impedimento deve/pode ser feita, oficiosa e imediatamente ou a requerimento, “(…) em qualquer estado do processo (…)”, no artigo 44º, estabelece-se que a recusa e a escusa só “(…) são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório” e “só o são posteriormente até à sentença, ou até à decisão instrutória (…)”.


Esta diferença literal não é inócua e o seu significado não pode ser desprezado pelo intérprete e aplicador da lei, considerando a presunção legal de que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento e que aqui merece pleno acolhimento.


E na verdade ela cobra sentido e justificação em tudo o já dito, mas também porque, enquanto o impedimento se reporta a circunstâncias pessoais e relacionais, próximas e remotas, do juiz com outros intervenientes processuais e com o próprio processo, a recusa e a escusa referem-se e aferem-se em função do objeto do processo e da respetiva decisão de mérito a proferir em cada uma das suas possíveis diferentes fases.


Assim sendo, o pedido de recusa aqui em apreço é extemporâneo e, como tal, deve ser rejeitado, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo arguido requerente.


III. Decisão


Em face do exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por intempestividade, o pedido de recusa formulado pelo arguido AA.


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cfr. artigos 513º e 524º do CPP e 1º, 2º e 7º, n.ºs 1 e 4, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa).


Lisboa, d. s. certificada


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Celso José Neves Manata (1º Adjunto)


Leonor Furtado (2º Adjunto)


________________________________________________

1. Cfr. anotações ao artigo 43º do CPP, in “Código de Processo Penal Comentado” de CC, et al., 3ª Edição Revista, A......., 2021.↩︎

2. Idem, anotações ao artigo 44º, in ob. e loc. citados, que aqui se acompanha de perto.↩︎

3. Disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, e também no “Sumário dos acórdãos das Secções Criminais”, n.º 303 de janeiro de 2023, disponível no sítio https://www.stj.pt/.↩︎

4. Disponíveis nos sítios https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ e https://www.tribunalconstitucional.pt/, respetivamente.↩︎

5. Nomeadamente, anotações e referências jurisprudenciais relativas ao artigo 44º no “Código de Processo Penal . Cometários e Notas práticas”, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, e Henriques Gaspar, ibidem.↩︎