Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1510/20.9T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa-fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também sobre o risco do próprio produto financeiro (princípio da transparência e da protecção do investidor).

II - Responde civilmente o banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, em tudo igual a um depósito a prazo, levando a que o cliente (investidor não qualificado) anuísse à aplicação nesse pressuposto, sem que tivesse sido previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação, nomeadamente em que consistiam as obrigações subordinadas e as respectivas consequências.

III - Considerando a orientação fixada no AUJ n.º 8/2022 , publicado no DR n.º 212/2022, Série I de 03-11-2022, provando-se que o autor, investidor não qualificado, não teria investido neste tipo de produto financeiro (obrigações SLN 2006) se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes e que só aceitou o investimento devido às informações de que não corria o risco de perder capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo banco réu, está demonstrado o nexo de causalidade adequada entre a violação dos deveres de informação e o dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1.1.- O Autor - AA - instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Réu - Banco BIC Português, SA.

Alegou, em resumo:

No dia 2 de Maio de 2006 foi chamado à agência da ... do Banco R., onde o gerente desse balcão, pessoa sua amiga e das suas relações pessoais, lhe sugeriu que aplicasse algumas das suas poupanças numa aplicação financeira a dez anos que rendia uma taxa de juro de 4,5%, com juros pagos semestralmente e com o reembolso do capital totalmente assegurado.

Por ter confiado nas informações que lhe foram transmitidas, aceitou fazer uma subscrição da referida aplicação financeira, denominada SLN 2006, no valor de € 50.000,00.

Porém, no final do ano de 2018 veio a ser inteirado das concretas características da referida aplicação financeira, assim como do incumprimento definitivo, por parte do Banco R. e da sociedade denominada SLN, SA, da obrigação de reembolsar o capital investido.

Tendo em conta que nunca teria investido neste tipo de produto financeiro se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes, conclui que o Banco R., na qualidade de intermediário financeiro, é responsável pelo ressarcimento dos danos que lhe foram causados, em virtude de não ter cumprido os deveres de informação a que estava obrigado.

Acrescenta ainda que a declaração do gerente da agência da ... do Banco R. ao assegurar que o reembolso do capital investido e dos respectivos juros estava garantido em moldes semelhantes aos de um depósito a prazo, consubstancia a assunção, por parte do próprio Banco, de um compromisso perante o cliente, assim como a respectiva vinculação ao cumprimento da obrigação de reembolso integral do capital investido e respectivos juros.

Reclama, a devolução do capital, e como este deveria ter sido feito em 2/5/2016 e não foi, o pagamento dos juros à taxa contratual que até 2/10/2020 somam 9.949,31 €, a que deverão acrescer os juros vincendos à mesma taxa, até integral pagamento.

Pediu a condenação do Banco Réu no pagamento da quantia de € 59.949,31, acrescida dos juros, calculados à taxa de 4,5%, que se vencerem desde o dia 2 de Novembro de 2020, até integral pagamento.


1.2. O Réu contestou, defendendo-se, em síntese:

Por excepção, arguiu a prescrição e o abuso de direito. Por impugnação alegou que o produto financeiro era efectivamente, seguro e que o incumprimento da obrigação de reembolsar o capital investido ocorreu apenas por circunstâncias imprevisíveis e anormais relacionadas com a forma como a sociedade emitente das obrigações subscritas foi nacionalizada. Assim, não tendo sido transmitida qualquer informação falsa ao A., nem omitida qualquer informação essencial.

Concluiu pela improcedência da acção.


1.3.- O Autor respondeu à matéria de excepção, sustentando que o prazo de prescrição a que o R. se refere é excluído em casos de dolo ou culpa grave, como sucede no caso em apreço, e que o facto de o A. ter deixado de receber juros durante o período de cinco anos não torna abusivo o exercício do seu direito de instaurar a presente acção declarativa.


1.4. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente a absolver o Banco Réu do pedido.


1.5.- O Autor recorreu de apelação ( de facto e de direito) e a Relação, por acórdão de 1/2/2022, decidiu julgar parcialmente procedente a acção e a apelação, e, revogando a decisão recorrida,  condenar o Banco Réu a restituir ao Autor o capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros à taxa legal, desde 2/5/2016, até efectivo pagamento.


1.6.- O Banco Réu recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE, 342º, nº1, 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C e 615º, nº1, alínea d) do CPC.

2. Nenhuma das testemunhas que vieram a depor nos autos – repete-se, nenhuma! - teve contacto directo no processo de informação ao A., como nenhuma delas trabalha no balcão onde o A. subscreveu a Obrigação SLN.

3. O acórdão recorrido não decidiu este processo, e estes factos, mas antes um qualquer outro processo em que as testemunhas ouvidas tivessem intervindo!

4. A decisão sob recurso parte de uma generalização de depoimentos sobre outros negócios, celebrados por outros funcionários em outras agências, para considerar como provados factos tão detalhados como os que veio considerar em sede de apelação:

3. Aquando da subscrição pelo A. do produto referido no ponto 5 dos factos provados, foi-lhe dito que se tratava de uma aplicação financeira a dez anos, segura, com uma taxa de remuneração superior a um depósito a prazo, com juros pagos semestralmente e com capital garantido.

6. O A. aceitou fazer a subscrição a que se alude em 5 e 6 dos factos considerados provados por ter confiado nessas informações, que reputou de sérias e verdadeiras, e por se encontrar convencido de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto com as mesmas garantias de segurança e de retorno dos depósitos a prazo.

5. Ficamos sem compreender como daquela generalização se acaba por concluir que ao A. foi dito que “que se tratava de uma aplicação financeira a dez anos, segura, com uma taxa de remuneração superior a um depósito a prazo, com juros pagos semestralmente e com capital garantido” ou factos sobre o estado de convencimento do A. sobre aquelas mesmas informações…

6. Os factos provados são-no não porque se demonstrou terem acontecido, mas por ser plausível que tenham acontecido... e tudo em sede de reapreciação do julgamento de 1ª instância, com um total desprezo pela imediação da apreciação da prova em 1ª instância (que ora é princípio basilar do direito processual, como no dia seguinte passa a ser uma nota de rodapé)!

7. Não podemos deixar de considerar que o acórdão em crise incorre em nulidade por manifesta omissão de pronúncia sobre os concretos factos em discussão nos autos e no recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 615, nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, fundamentando a decisão com base em prova de outras situações, cuja similitude não foi nunca invocada ou provada.

8. O Tribunal Recorrido fez recair o ónus da prova dos factos em discussão sobre o Réu, violando o disposto no artº 342 nº 1 do Código Civil, de onde resultaria que a prova dos factos alegados caberia exclusivamente ao A., sem prejuízo da presunção de culpa dos artºs 799º do Código Civil e 304º do Código de Valores Mobiliários.

9. Incorreu a decisão sobre matéria de facto na violação de regras de direito probatório material, devendo ser revogada nessa parte, pois que o conhecimento desta violação em nada belisca a limitação dos poderes de cognição deste Venerando Tribunal sobre a matéria de facto.

10. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

11. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

12. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

13. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

14. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

15. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

16. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

17. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

18. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

19. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido, o que retirara qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

20. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido

21. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

22. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

23. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº236º do CC, uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

24. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipode informação em causa. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

27. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

28. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...

29. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

30. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o art.304 do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

31. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

32. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

33.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E . São estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

34. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título(de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

35.Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

36. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

37. O art. 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações..

38. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

39. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

40. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

41. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva de probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

42.No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

43. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético) Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característicaca do produto, e que é essa causa do seu dano!

44. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente.

45.A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!


1.7.- O Autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.



II – FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- Delimitação do objecto do recurso


A nulidade da sentença

A violação do direito probatório

O contrato de intermediação - a violação dos deveres de informação e o nexo de causalidade.


2.2.- Os factos provados


1. O Autor é titular da conta bancária n.º ...01, aberta na agência da ... do Banco BIC.

2. Antes o Autor era titular de uma conta com o mesmo NIB e IBAN nessa mesma agência, mas do Banco BPN.

3. O balcão da ... do Banco BIC passou a situar-se no mesmo local e nas mesmas instalações onde antes estava instalado o balcão do Banco BPN.

4. Os funcionários das agências do Banco BIC e do Banco BPN eram os mesmos, tendo transitado de uma para a outra após uma operação de fusão do Banco BPN no actual Banco BIC realizada no ano de 2013.

5. No dia 2 de Maio de 2006 o Autor subscreveu, no balcão da ... do Banco Réu, uma aplicação financeira denominada SLN 2006, tendo sido acordado o prazo de dez anos.

6 – Aquando da subscrição pelo A. do produto referido no ponto 5 dos factos provados, foi-lhe dito que se tratava de uma aplicação financeira a dez anos, segura, com uma taxa de remuneração superior a um depósito a prazo, com juros pagos semestralmente e com capital garantido.

7.O A. aceitou fazer a subscrição a que se alude em 5 e 6 dos factos considerados provados por ter confiado nessas informações, que reputou de sérias e verdadeiras, e por se encontrar convencido de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto com as mesmas garantias de segurança e de retorno dos depósitos a prazo.

8.Não foi fornecida ao Autor qualquer nota técnica, nem documento explicativo do funcionamento e das características de tal produto.

9. Na altura em que o Autor aceitou afectar o seu dinheiro àquela aplicação não lhe foi explicado o que são obrigações subordinadas.

10. O Autor não teria investido neste tipo de produto financeiro se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes

11. O Autor só aceitou o investimento devido às informações de que não corria o risco de perder capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo Banco Réu.

12. O documento assinado pelo Autor, do qual consta a identificação e o logotipo do Banco BPN, contém as seguintes menções: “Pela presente solicito(amos) que: Obrigações subordinadas SLN – 2006; subscrever o produto estruturado no total de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) – taxa 1º semestre 4,5%, e os seguintes taxa Euribor + 1,5% c/2 – 10 anos”.

13. O Autor recebeu, na sua conta bancária, os juros devidos em consequência da subscrição da referida aplicação financeira até ao ano de 2015.

14. Após a operação de fusão mencionada em 4. o Autor continuou a receber extractos do Banco BIC dos quais constava, como activo, o montante global da subscrição por si efectuada.

16 O dinheiro aplicado pelo Autor no produto identificado em 5. e 6. ainda não lhe foi restituído.

17. Foi ao balcão do Banco Réu que o Autor aceitou investir a quantia de € 50.000,00, perante o funcionário com quem falou na agência da ... do Banco Réu e com os logotipos deste.

18. A sociedade Galilei, SGPS, SA, correspondente à anteriormente denominada SLN, SGPS, SA, apresentou um plano especial de revitalização que foi rejeitado, tendo a empresa anunciado que não se encontrava em condições de efectuar a liquidação do produto, prosseguindo o processo para decretamento da respectiva insolvência.

19. Nem a Galilei, SGPS, SA, nem o Banco Réu assumem a obrigação de pagar ao Autor qualquer montante.

20. O Autor nunca previu, em face da informação que lhe foi transmitida, que podia vir a ficar desapossado do valor cujo reembolso lhe foi assegurado.

21. Em 2006 nenhum cliente médio ousaria perspectivar qualquer falha, incumprimento ou anormalidade na restituição do dinheiro dos depositantes.

22. O Autor não é um investidor qualificado.

23. O Autor nasceu no dia .../.../1938.

24. O capital garantido é uma característica técnica e objectiva do instrumento financeiro subscrito pelo Autor.

25. As obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era titular de 100% do capital social do Banco Réu.

26. Essa participação foi detida, de forma permanente, pela SLN, SGPS, SA até ao mês de Novembro de 2008, altura em que esta foi nacionalizada.

27. O incumprimento da obrigação de reembolso da quantia investida pelo Autor foi determinado pela insolvência da SLN, SGPS, SA.


2.3. – Os factos não provados


1. No dia 2 de Maio de 2006 o gerente do balcão da ... do Banco Réu, BB, pessoa sua amiga e das suas relações pessoais, chamou o Autor à agência.

2. Nessa ocasião o gerente do balcão da ... informou o Autor de que o Banco Réu tinha lançado um produto mais rentável do que o habitual, sugerindo-lhe que aplicasse nele algumas das suas poupanças.

3. Só no final do ano de 2018 é que o Autor veio a saber que tinha investido numa emissão que o BPN designou por SLN 2006, com a natureza de obrigações subordinadas, cujo significado, natureza e especificidades ainda hoje não conhece.

4. Não foi dito ao Autor mais do que o mencionado em 3. a 5. quanto ao prazo, taxa de juro e garantias de reembolso do valor aplicado.

5. A relação de total confiança entre o Autor e o seu amigo gerente da agência da ... consolidou naquele a plena convicção de que tinha apostado num instrumento credível e seguro.

6. O facto mencionado em 8. dos factos considerados provados reiterou a certeza, por parte do Autor, de que se tratava de uma aplicação com absoluta segurança, fidelidade, solidez, rentabilidade e, acima de tudo, com o Banco a assegurar a sua solvabilidade.

7. O Autor nunca tinha aplicado o seu dinheiro em fundos ou títulos mobiliários, designadamente acções ou obrigações.

8. Para reforçar a fidedignidade do produto foi exibida ao Autor uma folha de um argumentário do Banco que falava na dita garantia da restituição do capital.

9. No final do ano de 2017, altura em que, para si, a aplicação já se tinha renovado, o Autor soube, por um amigo, que o Banco Réu não estaria a reembolsar os montantes referentes à aplicação em causa.

10. Em face desse rumor, o Autor deslocou-se ao Banco.

11. Nessa altura foi dito ao Autor que o investimento efectuado envolvia obrigações de uma empresa que detinha o Banco, a SLN, que havia uma reestruturação em curso, mas que não tivesse receio porque o pagamento iria ser efectuado, pois já estavam em curso processos judiciais que iriam ditar a assunção, pelo Banco BIC, das suas responsabilidades.

12. Só no final do ano de 2018 é que o Autor foi verdadeiramente inteirado das características concretas da aplicação que tinha feito e do incumprimento definitivo por parte do Banco Réu e da SLN, SGPS, SA.

13. Só nessa altura é que o Autor ficou convencido de que muito dificilmente o Banco Réu iria proceder ao pagamento ou reembolso dos correspondentes valores.

14. Foi o gerente da agência da ... do Banco Réu quem sempre garantiu ao Autor, em nome e no interesse do Banco Réu e sob as suas ordens, direcção, fiscalização e orientação, o reembolso seguro do capital e dos juros.

15. O Autor soube, desde o início, que tinha subscrito obrigações SLN.

16. A cotação das obrigações deixou de constar dos extractos remetidos ao Autor após a declaração de insolvência da SLN, SGPS, SA.

17. O colaborador do Banco Réu que contactou com o Autor apresentou-lhe o produto como tratando-se da subscrição de obrigações da sociedade-mãe do Banco, constituindo tais valores mobiliários uma representação de dívida da sociedade emitente.

18. Foi igualmente explicado ao Autor que tal sociedade emitente era a sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro, com um nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo.

19. O mesmo colaborador do Banco Réu informou o Autor acerca das condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de dez anos, que apenas seria possível por via de endosso.

20. À data era fácil e rápido efectuar o endosso dessas obrigações, por a procura superar a oferta, sendo uma questão de minutos até obter um comprador.

21. O Autor compreendeu as informações que lhe foram transmitidas e que foram acompanhadas da respectiva nota técnica.

22. O Autor sabia que não tinha um depósito a prazo, nem algo parecido com um depósito a prazo.

23. Ao longo da sua relação com o Banco Réu o Autor contratou a subscrição de outras obrigações e a constituição de depósitos a prazo.

24. O Banco Réu nunca agiu com intenção de enganar ou prejudicar o Autor ou sequer de omitir informação relevante de forma consciente.


2.4. – A nulidade do acórdão


O Banco Réu/revistante arguiu a nulidade do acórdão com fundamento em omissão de pronúncia ( art.615 nº1 d) CPC).

Para tanto, alegou que “Nenhuma das testemunhas que vieram a depor nos autos – repete-se, nenhuma! - teve contacto directo no processo de informação ao A., como nenhuma delas trabalha no balcão onde o A. subscreveu a Obrigação SLN”, “O acórdão recorrido não decidiu este processo, e estes factos, mas antes um qualquer outro processo em que as testemunhas ouvidas tivessem intervindo”, “ a decisão sob recurso parte de uma generalização de depoimentos sobre outros negócios, celebrados por outros funcionários em outras agências, para considerar como provados factos tão detalhados como os que veio considerar em sede de apelação”, e que “ Os factos provados são-no não porque se demonstrou terem acontecido, mas por ser plausível que tenham acontecido... e tudo em sede de reapreciação do julgamento de 1ª instância, com um total desprezo pela imediação da apreciação da prova em 1ª instância (…)”.

As nulidades da sentença ou acórdão são erros de construção ou de actividade da própria sentença ou acórdão, e não se reconduzem a eventual erro de julgamento, de facto e/ou de direito.

A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art.615 nº1 d) ( aplicável à 2ª instância por força do art.666 nº1 do CPC ) traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever imposto no art.608 CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras. Porém, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes.

Tendo o Recorrente justificado com o erro de julgamento de facto, tanto basta para a inanidade da sua arguição, pois o Relação conheceu das questões submetidas a recurso.

Por outro lado, também como é jurisprudência constante ( cf., por todos, Ac STJ de 17/1/2023 ( proc nº 286/09), em www dgsi) o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08 e positivamente se expressa nos arts. 662.º, n.º 4, 674.º n.º 3, e 682.º, n.º 2, CPC, e, por isso, não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos testemunhais, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais.

Improcede a arguição da nulidade.


2.5. - A violação do direito probatório material


O Recorrente alega existir violação do direito probatório material dizendo que a Relação fez recair o ónus da prova sobre o Réu, violando o art.342 nº1 CC.

Sobre a distribuição do ónus da prova, o nosso sistema processual parte, no essencial, do critério da chamada “teoria das normas”, critério este postulado no art.342 e segs.do CC , cuja distribuição da carga probatória tem por referência o direito invocado, e não a posição processual (ativa ou passiva) das partes litigantes.

Como resulta do acórdão recorrido, é por demais evidente que não se verifica qualquer inversão das regras probatórias, pois não fez operar a inversão da prova quanto à violação dos deveres de informação, como no tocante ao nexo de causalidade.

Na verdade, o acórdão não aderiu à tese da presunção de causalidade, antes considerou que, perante os factos provados se verifica o nexo de causalidade adequada entre a violação dos deveres de informação e os danos causados ao Autor, como é poer demais evidente da fundamentação seguinte:

“Resta ponderar a questão da causalidade entre o acto ilícito - a já referida informação pré-contratual realizada de modo deficitário e equívoco - e o dano que o A. invoca consistente no não reembolso do capital investido ultrapassado que foi o prazo do empréstimo obrigacionista.

A questão da causalidade, na situação dos autos, deve ser respondida, não em função do que não se conhecia à data mas do que então se conhecia e que estava plasmado na Nota Informativa que constituía a informação essencial a prestar.

Daí que não possa deixar de se afirmar o nexo causal entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao A, pois que se sabe que, se aqueles deveres de informação tivessem sido cabalmente cumpridos pelo Banco R., o A. não teria investido naquela aplicação, como decorre do facto 13. E se sabe ainda que o A. não teria investido neste tipo de produto financeiro se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes.; na altura em que o A. aceitou afectar o seu dinheiro àquela aplicação não lhe foi explicado o que são obrigações subordinadas; o A. só aceitou o investimento devido às informações de que não corria o risco de perder capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo Banco R.”.


2.6. – A responsabilidade civil do Banco e o contrato de intermediação financeira – a ilicitude (violação dos deveres de informação) e o nexo de causalidade adequada.


Para o enquadramento jurídico do problema reproduz-se expressamente a argumentação já aduzida no Ac RC de 25/9/2018 ( do aqui Relator ), proc nº 2341/16( em www dgsi.pt ) e também  exposta no Ac STJ de 6/12/2022 ( proc nº 842/17), com o mesmo Relator e Adjuntos ( publicado em www dgsi pt ).

“Os contratos de intermediação financeira são negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de serviços de intermediação financeira e estão regulados no Código de Valores Mobiliários (CVM ) ( aprovado pelo DL nº 486/99 de 13/11).

Uma vez que o contrato foi celebrado em Outubro de 2004, aplica-se o regime legal então vigente, ou seja, antes das alterações introduzidas pela Lei nº104/2017 de 30/8, que transpôs parcialmente a Diretiva 2014/91/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/7/2014, sendo de realçar, pela especial relevância no caso, que a Autora se integra na categoria de investidores não qualificados ( art.30).

Como qualquer negócio, também o contrato de intermediação assenta numa declaração de vontade negocial que se revela como um fenómeno ambivalente: enquanto acto de comunicação e enquanto acto determinativo ou normativo. Ora, este fenómeno reflecte-se também no problema da interpretação, tanto assim que o acto de comunicação, destinado a ser conhecido e entendido pelo declaratário, provoca nele a correspectiva confiança, pelo que a declaração de vontade há-de responsabilizar o declarante por esta confiança, dentro da “ordem envolvente da interacção negocial”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes.

E na medida em que o acto comunicativo se torna juridicamente vinculante, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.

Na fenomenologia dos contratos, a intersubjectividade vinculante ultrapassa o processo formativo, pois tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa-fé ( arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC ).

Sobre a culpa na formação dos contratos, a lei estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato, tanto nos preliminares como na formação dele, deve proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte (art. 227, nº 1 do CC ).

E agir de boa fé é fazê-lo com a lealdade, correcção, diligência e lisura dentro de um padrão de conduta exigível, abrangendo o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, por via de comportamento devido e esperado às partes nas relações jurídicas envolvidas, e a celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam o espectro normativo do art. 227 do CC, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se ( cf., por ex., Eva Sónia da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág.30; Ana Prata, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, pág.36 e segs.).

Sobre as partes impendem, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem, por um lado, a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela previsíveis, e por outro, os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado. Para que exista o dever de informação é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a essencialidade da informação, assimetria informacional e a necessidade de protecção da parte não informada, a exigibilidade da transmissão da informação.

Por isso, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm sustentando que a violação desses deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato servem de fundamento para a responsabilidade pré-contratual.

Neste sentido, para Sinde Monteiro, “de entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido” (Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, págs. 47, 358, 360 ).

E mesmo nas situações de indução negligente em erro, ou seja, no erro provocado negligentemente pela contraparte através do fornecimento de informações inexactas cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual e corresponde obrigação de indemnização ( cf., por ex., Paulo Mota Pinto, “Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os regimes mais recentes “, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.485), Eva Sónia da Silva, As Relações entre a Responsabilidade Pré-contratual por informações e os vícios da vontade ( erro e dolo), o caso da indução negligente em erro, pág.301 e segs.).

Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador ( CVM ) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” ( art. 312 ), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312.º, als. a), b) ) devendo-o fazer de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio.

Os deveres de informação do intermediário financeiro costumam ser divididos em dois grandes grupos: os deveres de informação pré-contratual e os deveres de informação contratual.

Os primeiros estão regulados nos arts. 312.º e segs. do CVM e visam com que o cliente investidor a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre os seus projectos de investimento, como também criar o clima de confiança e segurança necessários para o mercado de capitais prosperar.

Os segundos encontram-se previstos nos arts. 323 e segs. do CVM e incidem principalmente sobre os deveres de informação nas operações de execução de ordens e sobre os resultados das operações.

Este dever de informação deve adequar-se ao tipo de investidor, assumindo um conteúdo elástico, nomeadamente em função do maior ou menor grau de conhecimentos e de experiência do cliente, enfim, da sua literacia financeira, e este particular dever de informação por parte do intermediário financeiro visa, antes de mais, a tutela da autodeterminação por parte do investidor (princípio da transparência e da protecção dos investidores). Compreende-se, por isso, a importância da informação, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que, nestes casos, o dever de informação incide sobre o risco do próprio produto financeiro, ou seja, “a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto” ( cf., por ex., Ac STJ de 10/1/2013 ( proc. nº 89/10),  Ac STJ de 10/4/2018 ( proc. nº 753/16), em www dgsi.pt.).”


Dada a divergência jurisprudencial sobre as questões do ónus da prova quanto aos deveres de informação e ao nexo de causalidade, o Supremo Tribunal de Justiça em recurso de Uniformização (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A)  proferiu o AUJ nº 8/2022 , publicado no DR nº 212/2022, Série I de 3/11/2022) e fixou a seguinte orientação:

“1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”


Sendo este o enquadramento geral, vejamos a violação dos deveres de informação:

O Autor, no dia 2 de Maio de 2006 o Autor subscreveu, no balcão da ... do Banco Réu, uma aplicação financeira denominada SLN 2006, tendo sido acordado o prazo de dez anos, no valor de € 50.000,00.

Provou-se que aquando da subscrição pelo Autor, investidor não qualificado, foi-lhe dito que se tratava de uma aplicação financeira a dez anos, segura, com uma taxa de remuneração superior a um depósito a prazo, com juros pagos semestralmente e com capital garantido. O Autor aceitou fazer a subscrição por ter confiado nessas informações, que reputou de sérias e verdadeiras, e por se encontrar convencido de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto com as mesmas garantias de segurança e de retorno dos depósitos a prazo. Não foi fornecida ao Autor qualquer nota técnica, nem documento explicativo do funcionamento e das características de tal produto e não lhe foi explicado o que são obrigações subordinadas ( cf pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 22 dos factos provados ).

Atenta a explanação sobre os deveres do intermediário financeiro e interpretação jurisprudencial reforçada no AUJ nº 8/2022, comprova-se a violação do dever de informação, o que implica a responsabilidade civil, nos termos do art.314 CVM, consistindo a ilicitude precisamente na violação do dever legal de informação ( informação deficiente) ou seja, na desconformidade entre a conduta devida ( imposta nos arts.7 e 312 CVM) e a actuação do Banco, sendo a culpa presumida, que o Banco não ilidiu, demonstrando-se haver actuado até com culpa grave, pois que sabendo do perfil conservador do Autor e de que nem sequer pretendia aplicar o dinheiro em produto de risco, não lhe foi explicado em que consistiam as obrigações e muito menos obrigações subordinadas.

Neste sentido, a título de ilustração, por exemplo, Ac STJ de 9/11/2022 ( proc nº 1965/18), Ac STJ de 10/11/2022 (proc nº 7745/17), Ac STJ de 31/1/2023 ( proc nº 4971/17), disponíveis em www dgsi.pt ).


Vejamos o nexo de causalidade:

Retomando de novo a exposição do Ac STJ de 6/12/2022 ( proc nº 842/17), do mesmo relator:

“Na situação típica da responsabilidade pela omissão, exige-se a comprovação de dois requisitos específicos: a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano. Postula-se, assim, a causalidade da omissão, dado que esta pode juridicamente ser havida como causa de um facto danoso, sem dispensar a prova de que o acto omitido teria obstado ao dano, com certeza ou com a maior probabilidade.

A lei civil ( art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Noutra perspectiva, e a propósito da imputação, Claus Roxin refere que quando o legislador permite, à semelhança do que sucede em outras manifestações da vida moderna, ocorra um risco até certo limite, apenas poderá haver imputação se a conduta do autor significa um aumento do risco permitido (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág.152 ). O princípio do incremento do risco adopta o seguinte método: deve, em primeiro lugar, examinar-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; depois, estabelecer-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do agente, para se comprovar, então, se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido.

Porque a jurisprudência divergiu quanto à questão de saber se existe presunção se causalidade ou se o autor tem o ónus de alegar e provar o nexo de causalidade adequado, o citado  AUJ nº 8/2022  ( DR nº 212/2022, Série I de 3/11/2022) determinou como se apura o nexo de causalidade (“ O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir”)e o respetivo ónus da prova, que incumbe ao investidor.”

Considerando a factualidade apurada, pode afirmar-se a comprovação do nexo de causalidade adequada ( cf pontos 7, 10, 11 dos factos provados) , pois na verdade se tais deveres de informação tivessem sido cabalmente cumpridos, o Autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ela colocou para fazer o investimento.


2.7. Síntese conclusiva


a) Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também sobre o risco do próprio produto financeiro (princípio da transparência e da protecção do investidor).

b) Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, em tudo igual a um depósito a prazo, levando a que o cliente ( investidor não qualificado) anuísse à aplicação nesse pressuposto, sem que tivesse sido previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação, nomeadamente em que consistiam as obrigações subordinadas e as respectivas consequências.

c)Considerando a orientação fixada no AUJ nº 8/2022 , publicado no DR nº 212/2022, Série I de 3/11/2022, provando-se que o Autor, investidor não qualificado, não teria investido neste tipo de produto financeiro ( obrigações SLN 2006) se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes e que só aceitou o investimento devido às informações de que não corria o risco de perder capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo Banco Réu, está demonstrado o nexo de causalidade adequada entre a violação dos deveres de informação e o dano.



III – DECISÃO



Pelo exposto, decidem:


1)


Julgar improcedente a revista e confirmar o douto acórdão recorrido.

2)


Condenar o Recorrente nas custas.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Março de 2023.


Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira