Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1593/07.7TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CAUSA VIRTUAL
ACTIVIDADES PERIGOSAS
FOGO DE ARTIFICIO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
PRESUNÇÕES LEGAIS
Data do Acordão: 10/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., 473, 12.ª ed., 580.
- Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, 1, 169.
- Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil, I, 597.
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª ed, 346.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 469.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 8.ª ed., 1, 313.
- P. de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, 3.º ed., I, 470, 476.
- Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, 1955, n.º 4.
- Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, 321.
- Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, 1990, I, 451, 480.
- Vaz Serra, “Provas”, in BMJ 112, 271; “Responsabilidade pelos Danos Causados por Coisas ou Actividades”, in BMJ, n.º 85 – Abril 1959 – p. 378; in RLJ 103, 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 350.º, N.º2, 487.º, N.ºS1 E 2, 493.º, N.º2, 497.º, N.º 1, 507.º, 799.º, N.º1.

*
DECRETOS-LEI N.ºS 521/71, DE 24 DE NOVEMBRO E 376/84, DE 30 DE NOVEMBRO, ALTERADO PELO DECRETO-LEI N.º 474/88, DE 22 DE DEZEMBRO, AO QUAL SE SEGUIU O DECRETO-LEI N.º 303/90, DE 27 DE SETEMBRO E O DECRETO-LEI N.º 295/94, DE 25 DE OUTUBRO (A ACOLHER A DIRECTIVA N.º 93/15/CEE DO CONSELHO DE 5 DE ABRIL) E AS EXAUSTIVAS “INSTRUÇÕES” DA DIRECÇÃO NACIONAL DA PSP (APROVADAS EM 20 DE JULHO DE 2007) - LANÇAMENTO E MANIPULAÇÃO DE FOGO-DE-ARTIFÍCIO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18 DE MARÇO DE 1993 – 085081
-DE 7 DE JULHO DE 1994 – CJ/STJ II, 3.ª, 49
-DE 12 DE DEZEMBRO DE 1995 – CJ/STJ III, 3, 153
-DE 4 DE NOVEMBRO DE 2003 – 03 A3038
-DE 12 DE FEVEREIRO DE 2004 – 04B025
-DE 25 DE MARÇO DE 2004 – 04 A521
-DE 17 DE JUNHO DE 2004 – 04B1675
-DE 8 DE NOVEMBRO DE 2005 – 3003/05-6.ª
-DE 10 DE OUTUBRO DE 2007 – 07S2089
-DE 19 DE JUNHO DE 2008 – 08B321
-DE 9 DE OUTUBRO DE 2008 – 08A2669
-DE 14 DE MAIO DE 2009 – 162/09.1 YFLSB
-DE 13 DE OUTUBRO DE 2009 – 318/06.9TBPZ.S1
-DE 6 DE OUTUBRO DE 2011 – 609/2002 -7.º
-DE 10 DE JULHO DE 2012 – 1400/04.2TBAMT.P1.S1
-DE 11 DE JULHO DE 2013 – 95/09.TBAMM.P1.S1
-DE 13 DE FEVEREIRO DE 2014 – 131/10.9TBPTB.G1.S1
Sumário :


1. No âmbito da responsabilidade “lex aquilia” vale, como regra, a imposição ao lesado da prova da culpa do autor da lesão, princípio consagrado no n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil.
2. Esse princípio é excepcionado pela existência de presunção legal de culpa, hoje conceptualizada como o nexo de imputação psicológica do facto ao agente, sendo, outrossim, uma realidade de natureza normativa traduzida num juízo de censura formulado relativamente à conduta ilícita do lesante.
3. O n.º 1 “in cauda” do artigo 487.º do Código Civil abrange a presunção legal (“tantum iuris”) do n.º 2 do artigo 493.º, relevando, aqui, negativamente a causa virtual, quer na modalidade de hipotética interrompida, quer na de hipotética antecipada.
4. A presunção legal de culpa do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil tem com facto-base o exercício de uma actividade perigosa e terá de ser ilidida nos termos conjugados desse preceito e do n.º 2 do artigo 350.º, invertendo-se, então, o “onus probandi”.
5. Não existe definição legal de actividade perigosa sendo aquela que, em si mesma, ou pelos meios empregues, é mais apta a produzir danos do que qualquer outra por ter ínsito o manuseamento, laboração, ou utilização de produtos ou artefactos potencialmente muito lesivos ou, até, letais no contacto humano.
6. Porém, embora a perigosidade seja, em regra, matéria a apreciar casuisticamente, existem algumas actividades que o são inequivocamente, levando mesmo o Estado a regulamentá-las em termos de minorar o perigo.
7. Assim é, quanto ao lançamento e manipulação de fogo-de-artifício regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro, ao qual se seguiu o Decreto-Lei n.º 303/90, de 27 de Setembro e o Decreto-Lei n.º 295/94, de 25 de Outubro (a acolher a Directiva n.º 93/15/CEE do Conselho de 5 de Abril) e as exaustivas “instruções” da Direcção Nacional da PSP (aprovadas em 20 de Julho de 2007) tudo apontando para a natureza perigosa da actividade.
8. O n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil impõe aos lesantes a prova de terem agido sem culpa e não que os lesados provem que aqueles não foram suficientemente diligentes.
9. Entre a empresa pirotécnica e o operador há responsabilidade solidária nos termos do n.º 1 do artigo 497.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

AA intentou acção com processo ordinário contra: BB, CC, DD, EE, Lda, FF, Município da ... e Estado Português, pedindo a condenação solidária de todos os réus no pagamento da quantia de € 1.352.084,67, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação.

Alegou, em síntese, que é armador de embarcações de pesca; em 1999 adquiriu por  32.000.000$00 escudos  (€ 159.615,32), a embarcação "... e ...", cujo nome veio a ser alterado para "... & ..."; a embarcação foi sujeita a trabalhos de beneficiação no "Estaleiro ...", encontrando-se pronta para voltar ao mar; no dia 15 de Agosto de 2000 realizaram-se as tradicionais Festas da ..., organizadas pela ré FF; o réu, BB, exercia funções de representante (“juiz”) da FF e contratou a ré EE, Lda, então representada pelo seu sócio gerente, réu CC, para o lançamento de fogo-de-artifício; o réu BB celebrou contrato de seguro, requereu a colaboração dos bombeiros e obteve da Capitania policiamento marítimo para os dias, horas e local autorizados: dias 14 e 15, na área da enseada do porto, estando proibido o lançamento do fogo entre as 24 e as 9 horas; no entanto, os réus BB, CC e DD decidiram lançar o fogo fora do local autorizado, junto à zona dos Estaleiros Navais da sociedade " HH, Lda."; fizeram-no cerca das 00:45Horas, em horário proibido; praticaram tais actos apesar de terem sido previamente avisados do perigo de incêndio das embarcações que ali se encontravam; um dos foguetes atingiu a embarcação "... & ...", destruindo-a totalmente; para além dos elevados danos materiais, o autor sofreu danos morais.

Os réus CC, DD e " EE, Lda.", contestaram, excepcionando a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na acção (por alegadamente terem decorrido mais de três anos) e a incompetência do material do Tribunal (por entenderem que a competência é dos ‘Tribunais Marítimos'), e alegando, em síntese, terem agido sempre sob as ordens e indicações da ré “FF”, na convicção de que estavam obtidas todas as licenças e reunidas todas as condições de segurança para o lançamento do fogo, sendo o réu DD um mero trabalhador da sociedade " EE, Lda.", pelo que nenhuma responsabilidade teve nos factos em causa.

Concluem pugnando pela improcedência da acção no que lhes respeita.

O Município da ... contestou suscitando as excepções de incompetência material do Tribunal (por entender que ser competente para a causa o Tribunal Administrativo de Círculo), de legitimidade passiva e de prescrição, impugnando a factualidade alegada na petição com invocação de desconhecimento da mesma.

O Estado Português também contestou excepcionando a incompetência material do Tribunal (por entender ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo), e alegando que a PSP não praticou qualquer acto ou omissão a que possa ser atribuída a causa do incêndio.

Com a sua contestação, o Estado Português juntou aos autos o acórdão do Tribunal Judicial de Vila do Conde, que condenou os arguidos BB e CC em pena de prisão com execução suspensa, com base na factualidade destes autos, bem como o acórdão desta Relação que confirmou tal decisão.

Na réplica, o autor pugnou pela improcedência das excepções deduzidas pelos réus.

A ré, “FF”, veio informar o falecimento do réu BB, juntando aos autos a respectiva certidão de óbito.

Deduzido o correspondente incidente, foram habilitados para prosseguirem os termos da acção como sucessores do réu falecido o cônjuge II, e os filhos JJ, LL e MM.

A ré “FF” e os réus (habilitados) II, JJ, LL e MM, apresentaram contestação na qual suscitaram a excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria (defendendo a competência do Tribunal Marítimo), e alegaram, em síntese, terem obtido todas as licenças necessários para o lançamento do fogo, sendo que o local escolhido e a forma do seu lançamento foi da inteira responsabilidade dos réus CC, DD e EE, Lda, que eram quem tinha a preparação profissional e conhecimentos técnicos necessários para o lançamento do fogo e escolha de local seguro para o efeito, razão pela qual concluem pela ausência da sua culpa no sucedido.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal, suscitada pelos réus Estado Português e Município da ... e, em consequência se absolveram estes réus da instância, por se entender que relativamente a eles é competente o Tribunal Administrativo; se julgou improcedente a excepção de incompetência material suscitada pelos restantes réus (que defendiam a competência do Tribunal Marítimo); se julgou improcedente a excepção de prescrição; se considerou não existirem quaisquer questões susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa; e se organizou a base instrutória.

Não se conformando com a decisão, os réus CC, DD e EE Lda dela agravaram.

Também o autor interpôs recurso de agravo, inconformado com a decisão na parte em que absolveu da instância os réus Estado Português e Município da ....

A Relação confirmou a decisão da primeira instância, tendo o autor interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde foi proferido acórdão (fls. 1239) no qual se decidiu caber ao Tribunal de Conflitos a competência para a decisão, relativamente à excepção de incompetência suscitada pelo Estado Português e pelo Município da ....

Encontra-se junta aos autos certidão do acórdão do Tribunal de Conflitos, que confirmou a decisão deste Tribunal no que respeita à absolvição da instância dos réus Estado Português e Município da ..., julgando competentes quanto a estes réus o Tribunal Administrativo.

Apresentados e admitidos os requerimentos probatórios das partes, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto que não foi alvo de qualquer reclamação.

Em 25 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Termos em que se julga acção por parcialmente procedente, e consequentemente se decide:

- Absolver o Réu, DD do pedido deduzido pelo autor AA.

- Condenar os Réus: - II, JJ, LL e MM, na qualidade de sucessores de BB; - FF; - CC e EE, Lda, a pagarem solidariamente ao autor AA a quantia de €159,615,32 (cento e cinquenta e nove mil e seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos) acrescida da quantia, a liquidar em liquidação em execução de sentença, correspondente ao valor dos rendimentos que o autor deixou de obter pela privação do uso da embarcação "... & ..." desde o dia 16 de Agosto de 2000 até à data da propositura da presente acção, tudo acrescido de juros contados à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.”

Não se conformaram os réus “FF”, II, JJ, LL e MM e interpuseram recurso de apelação, para a Relação do Porto, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão apelada.

Inconformados os Réus condenados pedem revista que, inicialmente, e em sede de admissão como excepcional, foi relegada para revista-regra pelo Colectivo- Formação do artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

No essencial, e no que releva em sede de recurso, formularam as seguintes conclusões:

– Perguntar-se-ia, como será possível um mínimo de segurança (...) se uma simples e ridícula conversazinha (no caso até a frase qualificada pelo acórdão/recorrido como de “sobranceria”!, como se valesse ouro de lei!) pudesse servir para agarrar um terceiro à responsabilidade do detentor de actividade perigosa, ou, por si mesma, chegasse para aferrolhar a pessoa à negligência pura e dura?!

– Num segundo plano, a questão de direito absolutamente indispensável decidir de uma vez por todas é a de se é possível comunicar a terceiro a responsabilidade, e seu regime, do detentor e exercitante de actividade perigosa.

– É que o acórdão/recorrido abraça uma tese doutrinal, que se resume nas suas seguintes passagens: «Em conclusão, sobre o réu BB recaía a presunção legal de culpa, impondo-lhe a lei que demonstrasse ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, ou seja, ter actuado com a devida diligência.»; «O réu BB não logrou demonstrar a sua diligência, antes se tendo provado que agiu deforma negligente, pelo que sobre ele recai a obrigação de indemnizar.»

– Daí que seja desde logo um óbvio excesso de conclusão, ao arrepio da experiência comum na aplicação ao caso concreto, a conclusão do douto acórdão sob revista, segundo a qual: «Ao invés da tese preconizada pelos recorrentes, entendemos que não é necessária (nem a lei o exige em parte nenhuma) a qualidade de perito por parte do agente, relativamente à ‘actividade perigosa', bastando que nas circunstâncias concretas, face às regras da experiência comum, se revelassem previsíveis para o agente, com elevado grau de probabilidade, as consequências da sua conduta.

 Ora, in casu, tal como já se deixou escrito, tais consequências eram mais do que prováveis, face à proximidade da embarcação, ao facto de esta estar apetrechada com combustível, e aos persistentes avisos de NN, aos quais o réu BB respondeu com sobranceria: “tem calma, se o barco arder dou-te um novo (...) queres levar um cheque em branco?”.».

Ora,

– A pronúncia doutrinal e jurisprudencial sobre a extensão a terceiro, sem qual quer culpa no plano da responsabilidade civil geral, da responsabilidade por actividades perigosas e da ilisão da presunção de culpa que cabe a quem as exerce mostram bem de como a certeza do Direito pede uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.

– Estamos, indubitável e definitivamente, perante ocorrência resultante de actividade perigosa: há entre esta actividade e o sinistro e o dano uma relação causal óbvia.

– Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir» (Código Civil, art. 493.°-2).

– Provém da doutrina como sendo certo que o lucro decorrente do exercício das actividades perigosas é significativo, mas comporta um especial risco, porventura directamente proporcional.

– Nas actividades perigosas a responsabilidade apresenta regras mais especiais, o que revela uma responsabilidade mais rigorosa, baseada no especial perigo que as actividades comportam, acumulado com a vantagem especial que se pode tirar das mesmas (lucro) e a perigosidade de tais actividades nasce das mesmas.

– Tal responsabilidade, quando ocorre um acidente, assenta na presunção de que não foram tomadas todas as medidas necessárias para que se evitasse a ocorrência do dano.

– Deste modo e por isso cabe ao titular dessa actividade fazer a prova de tudo fez para que o dano não se concretizasse, ou seja, estamos perante uma presunção legal de culpa que implica uma inversão do ónus da prova, de acordo com o art. 487.º Código Civil.

– Ficaram claros os elementos factuais que constam do douto acórdão, que esclarecem a contratação e o exercício da actividade perigosa pelo fogueteiro, pelo que era a ele, como detentor da actividade perigosa que caberia providenciar todas as diligências que acompanhassem o exercício concreto daquela actividade.

– Mesmo assim, foram os recorrentes, mais concretamente o. BB, enquanto legal representante da FF, até providenciou as seguintes diligências: formalizar o competente seguro; requerer a declaração dos Bombeiros da ...; obter a licença da P.S.P.; requerer à Capitania da ..., o policiamento marítimo, para os dias, horas e local autorizados; solicitar ao Comandante dos Bombeiros Voluntários da ... «a colaboração dessa prestigiosa Corporação de Bombeiros, numa eventual anomalia que possa surgir, aquando do lançamento do fogo-de-artifício nos dias 14 e 15 de Agosto, durante as Festas de... e que se processará na zona da enseada do Porto de Pesca desta cidade»; e obteve sucessivos documentos de conformidade.

– Como se demonstrou, além disso, não há elementos de facto com um mínimo de relevância que imputem aos recorrentes, qualquer negligência, e, pelo contrário, perante alertas, ficou provado que eles confiaram em que a entidade que com tratara para o serviço era quem sabia da área da actividade perigosa e quem estava tecnicamente preparada para afastar ou não os foguetes (ponto 69. do acórdão).

– Nem se pode exigir outra coisa de quem não é daquela área de serviço e só sempre se dedicou à pesca, nem em parte alguma ficou demonstrado/provado que ele tivesse especiais conhecimentos técnicos na arte de lançamento de fogo-de-artifício!

– Deste modo, brigam com os factos e com todos os princípios jurídicos do caso as únicas considerações que levaram o douto acórdão à condenação dos RTES (quando os considerandos até então iam apontando no sentido oposto), e que nestas alegações se transcreveram.

– É que o acórdão faz do incidente de conversas momentâneas, tributar responsabilidade técnica a quem nunca a teve ou pôde ter, e, logo, a condenação os RTES, pelo risco na actividade perigosa, ao arrepio do que a lei consagra com tudo o que esta contém de presunção de culpa.

– Isso a tal ponto que transmuda em responsabilidade subjectiva com culpa aquilo que é responsabilidade subjectiva com presunção de culpa.

– Tudo isso só lhe foi possível, porque, na realidade e como se viu das transcrições feitas, estendeu a terceiro a responsabilidade pela actividade perigosa, a ponto de lhe ter atribuído o ónus de ilidir a presunção de culpa que lhe imputou, concluindo que os recorrentes não tinham feito tal ilisão.

– Procedeu, assim e ressalvado o muito respeito, em verdadeiro contra-senso e contra legem, pois que a responsabilidade pela detenção e exercício de actividade perigosa não se estende a terceiro que a não detém nem exerce.

Concluem pelo provimento do recurso com a sua consequente absolvição do pedido.

Contra alegou o recorrido em defesa do julgado.

Está definitivamente assente a seguinte matéria de facto:

1. No dia 15 de Agosto realizam-se na ... as tradicionais Festas da ..., organizadas pela FF, da Paróquia da ....

2. Desde 1998 que o Sr. BB exercia funções de Juiz daquela FF, pelo que, nessa qualidade e na de responsável pelas festas de ..., contratou com a empresa “EE, Lda”, então representada pelo seu sócio gerente CC, o lançamento de fogo-de-artifício, por altura das referidas festas, a realizar entre 6 e 15 de Agosto de 2000.

3. Com efeito, do programa dessas festas faz sempre parte uma sessão de fogo-de-artifício.

4. BB, em nome da FF, formalizou o competente seguro, como resulta do documento de fls. 748 a 785 e cujo teor aqui é dado integralmente por reproduzido, bem como requereu a necessária declaração dos Bombeiros da ....

5. Com os referidos documentos, obteve em nome da FF, a respectiva licença da P.S.P, como decorre do documento junto aos autos a fls. 745 a 746 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

6. Em nome da mesma entidade, requereu ainda à Capitania da ..., o policiamento marítimo, para os dias, horas e local autorizados, como resulta do documento de fls. 759 e cujo teor aqui é dado integralmente por reproduzido, tendo a referida entidade emitida a licença que pagou em 09/08/2000 como resulta do documento de fls. 769, cujo teor aqui é dado integralmente por reproduzido.

7. As festas de ... são organizadas e da responsabilidade da FF.

8. Acorreram ao local, onde decorreu o lançamento de fogo das festas acima referidas, os Bombeiros de ... e ..., mais tarde auxiliados pelos Bombeiros de ... e de ....

9. A projecção das peças de pirotecnia e os foguetes, durante a subida, libertam partículas incandescentes que se espalham devido ao vento e que acabam por cair no solo em combustão, o mesmo acontecendo com as canas dos foguetes.

10. Correu termos no 4o Juízo desta comarca o processo n° 31/02.6 TBPVZ, no âmbito do qual foram os RR CC e BB condenados pelo cometimento, em co-autoria, de um crime de incêndio negligente, p. e p. pelo disposto no artigo 272°, n° l, alínea a) e n°3, do Código Penal tendo o aí igualmente arguido, DD, sido absolvido, conforme resulta da certidão junta aos autos de fls. 498 a 519, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido;

11. Do referido acórdão, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pelos arguidos condenados, tendo sido proferido acórdão que julgou improcedente o recurso interposto, conforme resulta da certidão junta aos autos de fls. 520 a 559, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido;

12.     O A. intentou uma acção no Tribunal Marítimo de Lisboa, contra a companhia de seguros OO, S.A., processo que correu termos sob o n.° 59/01, no qual a então Ré, requereu a intervenção acessória da FF e EE, Lda, a qual culminou com decisão de que a apólice não cobria as circunstâncias em que aquele acidente ocorreu.

13.     O espaço licenciado para a colocação dos cavaletes e lançamento dos foguetes estava ocupado por jogos e barracas de diversão.

14.     A embarcação do Autor esteve parada até Agosto de 2000.

15.     A Ré EE, Lda assinou para com a FF, que aí identificou como “Declaração”"; documento junto aos autos a fls.741 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, na qual faz referência ao disposto no artigo 38°, Capítulo IV do Regulamento Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovado pelo D.L. n° 376/84, de 30 de Novembro.

16.     A Ré FF solicitou ao Comandante dos Bombeiros Voluntários da ... "a colaboração dessa prestigiosa Corporação de Bombeiros, numa eventual anomalia que possa surgir, aquando do lançamento do fogo de artificio nos dias 14 e 15 de Agosto, durante as Festas de ... o e que se processará na zona da enseada do Porto de pesca desta cidade", como decorre do documento junto aos autos a fls. 742, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, bem como solicitou a passagem de declaração referida em I).

17. Nessa sequência a Real Associação Humanitária dos Bombeiros voluntários da ..., emitiu a declaração datada de 06/07/2000, como resulta do documento junto aos autos a fls. 743 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, de acordo com a qual “para efeitos de apresentação na Polícia de Segurança Pública no sentido de que nada tem a opor ao lançamento de foguetes, nos dias 14 e 15 de Agosto do corrente ano, na enseada do Porto de Pesca, na freguesia da ..., concelho da ...”.

18.     A Ré FF procedeu ao pagamento da licença referida em E) em 17/07/2000, como resulta do documento de fls. 746, e cujo teor aqui é dado integralmente por reproduzido.

19.     O Autor é armador de embarcações de pesca.

20.     O Autor comprou, em 1999, a PP pelo preço de 32.000.000$00 (trinta e dois milhões de escudos), que em Euros correspondente a € 159,615,32 (cento e cinquenta e nove mil seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), a embarcação "... e ...".

21.     Posteriormente, foi alterado o nome da embarcação para "... & ..." e, então feita a matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Olhão.

22.     Em Janeiro de 2000, o Autor elaborou um projecto de modernização das condições de laboração, de segurança e habitabilidade da embarcação "... E ...".

23.     Tendo a embarcação seguido para o "Estaleiro ...", sito na ..., para aí receber as referidas beneficiações.

24.     A referida embarcação tinha a bordo os aprestos necessários e os depósitos de combustível atestados.

25.     No dia 14 de Agosto de 2000 os trabalhos de beneficiação estavam na fase final de acabamentos estando prevista sua conclusão para o final desse mês de Agosto, altura em que estaria pronta a descer o plano e voltar ao mar.

26.     As declarações, autorizações e licenças, referidas em D) a F) foram emitidas para os dias 14 a 15 de Agosto de 2000, sendo a licença da PSP concedida, nos termos constantes do documento junto a fls. 489 cujo teor se dá por reproduzido, para a “...” em resposta ao requerimento, documento junto a fls. 491 cujo teor se dá por reproduzido, apresentado para o efeito pela Ré FF, no qual indicou como local para o lançamento dos foguetes o “PORTO DE PESCA, JUNTO À IGREJA DA ...”; a licença da Capitania da ..., documento junto a fls. 760 cujo teor se dá por reproduzido, foi concedida para a “área do Porto de Pesca” conforme requerimento nesse sentido, documento junto a fls. 759 cujo teor se dá por reproduzido, apresentado pela Ré FF, e na declaração dos Bombeiros, documento junto a fls. 743 cujo teor se dá por reproduzido, foi considerado o lançamento de foguetes “na enseada do Porto de Pesca”, conforme requerimento, documento junto a fls. 742 cujo teor se dá por reproduzido, apresentado para o efeito pela Ré FF.

27.     O Sr. CC e o seu funcionário DD tiveram conhecimento do teor das referidas autorizações concedidas, nomeadamente do local onde estava previsto que o fogo fosse lançado.

28.     O Réu CC decidiu lançar o fogo em local situado na zona sul da enseada do “porto de pesca” da ..., junto dos estaleiros navais da sociedade “"HH"”.

29.     Pelas 2Ih. do dia 14 de Agosto de 2000, sem conhecimento do Autor ou de qualquer dos sócios ou gerente dos Estaleiros, o 2o e 3o RR. colocaram, a uma distância situada entre 5 a 30 metros da embarcação "... & ..." ex "... & ...", duas a três dúzias de cavaletes em madeira, onde colocaram os tubos de lançamento e os respectivos foguetes.

30.     O 1º Réu tinha conhecimento de que os foguetes seriam lançados num terreno sito na zona sul da enseada do porto de pesca no qual se situam, na sua parte limítrofe, os estaleiros navais da sociedade “"HH"”.

31.     Pelas 23h., NN, dono de um dos barcos que se encontravam “em escala” nos estaleiros “"HH"”, dirigiu-se ao local referido no art. 12° e aí alertou o 2º R. da existência de substâncias inflamáveis no interiores dos barcos, como gasóleo, tintas e diluentes, além de matéria inflamável em que são construídos os barcos e outras matérias inflamáveis resultantes da actividade de construção e reparação naval, com o consequente risco de incêndio resultante do lançamento dos foguetes, e posteriormente, dirigiu-se, juntamente com o 2o R., para junto do Io R., ao qual, pelas 23.15h., deu conhecimento do exacto local onde se encontravam colocados os foguetes e demais apetrechos do fogo, alertando-o de igual modo para o risco de incêndio dos barcos e instando-a a que ordenasse a mudança do local de lançamento do fogo.

32.     Apesar dos referidos alertas, o primeiro e segundo RR. mantiveram o seu propósito de efectuar naquele local o lançamento do fogo-de-artifício, tendo, contudo, o 2o R., conforme instruções que recebeu do Io R., ordenado ao 3o R. que afastasse alguns metros dos barcos o cavalete de foguetes mais próximo, o que este fez, tendo-o afastado não mais de 20 metros.

33.     Tal veio a acontecer cerca das 00.45m., após o 1º R. ter solicitado a QQ que este transmitisse a ordem de fogo via telemóvel.

34.     Ao serem lançados pelo 2º R. alguns dos foguetes atingiram a embarcação "... & ..." propriedade do autor, pegando-lhe fogo, o qual se veio a propagar para outras embarcações que ali se encontravam.

35.     O fogo subsequente consumiu toda a embarcação, bem como todo o material que se encontrava no seu interior, como máquinas e outros equipamentos electrónicos.

36.     A data do incêndio a embarcação tinha um valor não apurado com exactidão mas seguramente superior 32.000.000$00.

37.     A embarcação constituía o sustento do Autor, dado a pesca ser a sua única actividade

38.     Teve o Autor prejuízos decorrentes dos juros que teve de pagar a fornecedores, e cujas obrigações não pode liquidar atempadamente por falta do barco de pesca.

39.     O autor teve necessidade de construção de uma nova embarcação para continuar a exercer a sua actividade profissional assim como de comprar a licença de construção.

40.     Bem como os encargos financeiros motivados pela contratação de empréstimos hipotecários para financiar a mesma.

41.     A nova embarcação apenas começou a laborar em Outubro de 2001.

42.     O autor sofreu um ataque cardíaco em Junho de 2001.

43.     A Ré, “EE, Lda” é titular das licenças e alvarás, bem como dos seguros que lhe permitem exercer a actividade industrial de pirotecnia

44.     O 1º R., pela carta junta a fls. 759 cujo teor se dá por reproduzido, comunicou a realização da sessão de fogo-de-artifício na área do porto de pesca pelas 24h desse dia e solicitou policiamento marítimo, mas não solicitou a presença de piquete de bombeiros de prevenção ao fogo-de-artifício

45.     A compra, pelo autor, de licença de construção importou o gasto de, pelo menos, 42.821,12euros.

46.     O autor utilizava a embarcação "... & ..." no exercício da sua actividade da indústria da pesca, com a qual facturava anualmente uma quantia não concretamente apurada.

47.     A Ré EE obrigou-se a vender esse fogo-de-artifício bem como proceder ao lançamento do mesmo segundo as indicações da Ré FF.

48.     A Ré FF, por intermédio do 1º R. seu representante, escolheu como local para lançamento do fogo um terreno sito na zona sul da enseada do porto de pesca no qual se situam, na sua parte limítrofe, os estaleiros navais da sociedade ""HH"".

49.     A Ré FF indicou ao 2º R. aquele local para o lançamento do fogo, tendo sido este quem, dentro daquela área, escolheu o concreto local referido em 29., onde instalou os foguetes e respectivos acessórios para lançamento.

50.     A Ré “EE” assumiu a obrigação de celebrar contrato de seguro para o transporte e danos no transporte do fogo, o que fez.

51.O fogo foi transportado e depositado pelo 2º R. em local que bem entendeu, situado no interior do terreno, referido 48., indicado pelo 1º R.

52.     O 1º R. garantiu ao 2º R. estarem obtidas as licenças necessárias para o lançamento do fogo.

53.     A colocação do fogo no local indicado iniciou-se pelas 21.00h. do dia 14 de Agosto de 2000.

54.     Conforme o referido em 31., o 2º R. e o Sr. NN dirigiram-se à Ré FF para falar com o 1º R., o qual, apesar de lhe ter sido então dado conhecimento do exacto local em que se encontravam colocados os foguetes assim como do risco de incêndio dos barcos ali próximos, deu ordens ao 2º R. para manter o lançamento do fogo naquele local porquanto que a mudança de local de todo o fogo demoraria horas e inviabilizaria o seu lançamento na hora pretendida, por volta das 00.00h, mas ordenou-lhe que mudasse para local mais afastado os foguetes que se encontrassem mais próximos dos barcos.

55.     Perante a insistência do Sr. NN para que o fogo fosse retirado do local, o 1º R. disse-lhe na altura “tem calma, se o barco arder dou-te um novo”, tendo ainda acrescentado, "queres levar um cheque em branco?”.

56.     Foi na sequência das ordens do 1º R., que o 2º R. mudou de local o cavalete com foguetes que se encontrava mais próximo, a cerca de 5 metros, dos barcos, afastando-o para não mais de 20 metros destes, mantendo, todavia, no local as restantes 3 a 4 dúzias de cavaletes e tubos com foguetes.

57.     O 2° R. estava convencido que o lançamento do fogo estava devidamente licenciado pela Ré FF,

58.     Até porque aquele local, o indicado na resposta ao art. 33°, era o mesmo onde há dez anos consecutivos o fogo era lançado,

59.     Sempre por ordem da FF.

60.     O Réu CC realizou a operação de colocação de fogo, sem a oposição de quem quer que fosse.

61.     Os RR. CC e DD desconheciam que a embarcação do Autor estivesse cheia de combustível.

62.     O A. sabia existência das festas e do lançamento de fogo.

63.     À data o Réu DD era um mero operário da Ré “... & ..., Lda.”.

64.     Limitando-se a cumprir ordens.

65.     Não tendo intervindo em quaisquer conversações prévias e de nada tendo conhecimento.

66.     Sobre a embarcação do A. incidia uma hipoteca registada para garantia de abertura de crédito até à quantia de 25.000.000$00.

67.     A Ré " EE, Lda.", da qual o 2º R. era sócio-gerente e o 3º R. operário, era a única entidade licenciada para o exercício da indústria de pirotecnia, incluindo o lançamento de fogo-de-artifício, sendo que os RR. BB e FF não tinham quaisquer especiais conhecimentos ou habilitações nessa área.

68.     Os RR CC e DD procederam à operação referida em 12° a partir do solo a algumas dezenas de metros de distância do muro de cimento que separa a rampa de encalhe da zona dos estaleiros e das embarcações de pesca que aí se encontravam.

69.     O Réu BB confiou que o 2o R. afastasse os apetrechos de lançamento de fogo que se encontravam colocados mais próximo dos barcos para uma maior distância destes.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

 
1. Actividades perigosas.
2. Fogo-de-artifício.
3. Responsabilidade solidária de fogo-de-artifício.
4. Conclusões.

1 Actividades perigosas.

Quando nos movemos no âmbito da responsabilidade aquiliana deparamos, em primeira linha e como regra nuclear, com o princípio impositivo ao lesado da prova da culpa do autor da lesão.

É este consagrado no n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil com a excepção, “in cauda”, da existência de “presunção legal de culpa”.

Tratamos a culpa como o nexo de imputação psicológica do facto ao agente (cf. Prof. Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, p. 321) ou, como lapidarmente ensinava o Prof. Inocêncio Galvão Telles “uma ligação psicológica ou moral – ou, com mais propriedade, normativa, entre a conduta ilícita e o agente, que leva a imputar a primeira ao segundo, para o fim de o submeter aos efeitos sancionatórios que o Direito associa, em princípio, aos comportamentos por ele proibidos”, ou ainda, como “a imputação de um acto ilícito ao seu autor, traduzida no juízo, segundo o qual este devia ter-se abstido desse acto”. (apud “Direito das Obrigações”, 7.ª ed, 346).

Já antes, os Profs. Guilherme Moreira (in “Instituições de Direito Civil”, I, 597) e Gomes da Silva (“O dever de prestar e o dever de indemnizar”, 1, 169) diziam, respectivamente, o primeiro, que a culpa significava “a violação imputável de um dever (que) compreende tanto a intenção directa de lesar, como a negligência ou omissão voluntária de um dever de que resultou um dano, que se podia prever mas não se previu”; e o segundo: “ (…) todas as fórmulas de vínculo moral entre a pessoa e o acto ilícito” que “engloba a própria intenção de praticar esse acto com a consciência de que é contrário ao estatuído na lei.”

Mais actualmente, a doutrina considera a culpa como uma realidade de natureza normativa, ou seja, como um juízo de censura formulado relativamente à conduta ilícita do agente (cf., v.g., Profs. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª ed., 580; Ribeiro de Faria, I, 451; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, 8.ª ed., 1, 313; e Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, II, “Direito das Obrigações”, Tomo III, 469).

Ao contrário da responsabilidade contratual/obrigacional em que a culpa sempre se presume, “ex vi” do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, na responsabilidade delitual da “lex aquilia” a prova da culpa cumpre, em princípio, ao lesado, como acima se acenou, ao citar-se o artigo 487.º do Código Civil.

Este último preceito excepciona, no seu n.º 1, e como também antes se referiu, a existência de presunção legal de culpa.

E tal acontece, na parte que aqui releva, por ser a que iremos abordar, tratando-se do “exercício de uma actividade perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”.

Então, o respectivo manipulador (ou utente) fica obrigado a reparar os danos causados excepto se demonstrar que tomou todas as cautelas para os prevenir, ou seja, que foi cuidadoso e diligente que de acordo com as circunstâncias lhe era exigível (n.º 2 do citado preceito).

Adere-se, na conceptualização desta regra, ao afirmado pelos Profs. P. de Lima e A. Varela que dizem afastar-se “indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por outra causa (causa virtual) mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências” (in “Código Civil Anotado”, 3.º ed., I, 470) ou seja, aceita-se a relevância negativa da causa virtual.

É que, a causa virtual assume duas modalidades: causalidade interrompida e causalidade antecipada que mais não são do que perspectivas da mesma situação de facto (certo facto provocou um dano que seria causado por outro facto se aquele não tivesse ocorrido).

O segundo facto – causa hipotética ou virtual do dano, constitui o seu autor na obrigação de indemnizar (relevância positiva da causa virtual) e se tal facto pode ser alegado pelo autor do primeiro (causa operante) para afastar, ou reduzir a obrigação de indemnizar (relevância negativa).

Tratando-se de causalidade interrompida há que apurar se o autor da causa virtual deve indemnizar o dano que teria causado (relevância positiva da causa virtual); se se trata de causalidade antecipada há que verificar se o autor da causa real pode, alegando a causa virtual, afastar o dever de indemnização (relevância negativa da causa virtual) – (cf.,entre outros, o Prof. Pereira Coelho – “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, 1955, n.º 4).

Estas considerações relevam, tão-somente, pela referência acima feita à causa virtual.

Analisando, agora, a conceptualização do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil topamos com o conceito de actividade perigosa “pela sua própria natureza” ou “pela natureza dos meios utilizados no seu exercício” e com a inversão do ónus da prova se tal exercício causar danos.

Desde já, vamos deter-nos no segundo por apelo ao disposto nos artigos 349.º e seguintes do Código Civil.

Como antes afirmámos, o n.º 2 do artigo 493.º estabelece uma presunção legal “tantum juris” de culpa, cujo facto-base é o exercício de uma actividade perigosa.

A presunção legal só deixará de relevar se for ilidida nos termos do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, ilisão a ser feita com a demonstração fáctica da parte final do n.º 2 do artigo 493.º, do mesmo diploma, transferindo, assim, o “onus probandi” (inversão do ónus da prova).

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2009 – 162/09.1 YFLSB, desta conferência, decidiu-se que “o n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil contém uma presunção de culpa só ilidível pelo causador dos danos quando mostre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir (cf., a propósito, e entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1974, de 22 de Julho de 1975, de 3 de Fevereiro de 1976 – este tirado em reunião de secções – e de 4 de Maio de 1976 – BMJ 237-231, 249-480, 254-180 e 257-121, respectivamente e Assento de 21 de Novembro de 1979 – 068004).”

O que deve entender-se por actividade perigosa tem sido objecto de tratamento jurisprudencial e doutrinário já que inexiste qualquer definição legal.

Não o é a condução – circulação automóvel, de acordo com o Assento acima referido; a actividade de construção civil (v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004 – P. 25/04) embora deva atentar-se na construção e no tipo de actividade que decorria aquando do evento (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2007 – 07S2089); mas são perigosas a manipulação de líquidos corrosivos e o fabrico de explosivos (Prof. Ribeiro Faria – “Direito das Obrigações”, 1990, I, 480); o funcionamento de um caterpillar (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1995 – CJ/STJ III, 3, 153); a condução de energia eléctrica em alta tensão por linhas aéreas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2004 – 04 A521).

Porém, e como se refere no último aresto citado, a actividade “deve ser sempre classificada como perigosa quando, em si mesma, ou pelos meios empregues para a levar a efeito, seja apta para produzir danos.”

No caso de perigo produzido objectivamente, as entidades públicas vêm cuidando de elaborar normas técnico-regulamentares para o minorar ou, até, eliminar.

Na falta de definição legal a doutrina e a jurisprudência vêm trabalhando o conceito.

Aqui, o que nos parece mais completo consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004 – 4B025 – com relato do Magistrado de referência Conselheiro Araújo Barros, fixando que “é, em princípio, perigosa uma actividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios empregados, tenha ínsita, ou envolva, uma probabilidade maior de causar danos, do que a verificada nas restantes actividades em geral, embora a sua perigosidade concreta seja matéria a apreciar em cada caso segundo as circunstâncias” (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos de 10 de Julho de 2012 – 1400/04.2TBAMT.P1.S1 e de 11 de Julho de 2013 – 95/09.TBAMM.P1.S1, relatado pelo ora 2.º Adjunto).

Para o Prof. Vaz Serra (apud “Responsabilidade pelos Danos Causados por Coisas ou Actividades” – BMJ, n.º 85 – Abril 1959 – p. 378) actividades perigosas são as que “criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal, derivada de outras actividades.”

Na óptica do Prof. Almeida Costa (ob. cit. 5.ª ed., 473) a perigosidade deriva da própria natureza da actividade ou quando os meios utilizados têm ínsita uma probabilidade de causar danos maior do que “as restantes actividade em geral”.

Trata-se de proceder a uma avaliação casuística da probabilidade danosa, embora tal avaliação caso a caso não impeça que certas actividades sejam, desde logo, consideradas perigosas (cf., o elenco do Prof. Ribeiro de Faria – ob. cit. 1990, I, 480).

2 Fogo-de-artifício.

O lançamento de fogo-de-artifício implica a manipulação de explosivos dotados de um pavio destinado a iniciar a combustão.

Este provoca a rápida e incontrolada ascensão do foguete seguida de explosão da pólvora, geradora de meros efeitos sonoros ou, e dependendo da composição e do químico adicionado, cromáticos.

O lançamento é causador de múltiplos acidentes e incidentes, propiciando incêndios e amputações ou lesões oculares, para quem os manipula ou lança.(recorde-se o interessante relato de Virgilio Ferreira no romance “Manhã Submersa”).

No seu trajecto – por vezes mal calculado ou desviado pelas condições atmosféricas – pode deixar um rasto de tragédia, com danos materiais e corporais.

Notóriamente, sem dúvida, é o seu manuseamento e utilização uma actividade perigosa.

O legislador assim a considera, e por isso, procedeu a uma regulamentação elaborando um elenco de normas técnicas, nos termos, e para os efeitos, acima referidos.

Sem pretendermos ser exaustivos, recordamos os regulamentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro, ao qual se seguiu o Decreto-Lei n.º 303/90, de 27 de Setembro.

Este diploma rege fabrico, armazenagem, comércio e emprego de “artifícios pirotécnicos luminosos, fumígenos ou sonoros, destinados a sinalização” (incluindo os conhecidos por ‘very lights’) referindo no anexo serem sonoros os que emitem sinais acústicos, silvos pirotécnicos ou constituindo “cargas para simular tiros”.

O Decreto-Lei n.º 295/94, de 25 de Outubro transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 93/15/CEE do Conselho de 5 de Abril, relativa à harmonização das legislações dos Estados membros respeitantes à colocação no mercado e ao controlo dos explosivos para utilização civil, determinando a aplicação subsidiária dos Decretos-Lei n.ºs 521/71, de 24 de Novembro e 376/84, de 30 de Novembro.

No anexo I dispõem-se as características dos engenhos sendo que no Anexo II constam as regras de fabrico e de licenciamento.

A Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública reconhecendo que a legislação de 1984 e de 1971 “não contempla as regras que deverão ser estabelecidas e obrigatoriamente cumpridas no lançamento ou queima de artigos pirotécnicos de forma a reduzir a probabilidade da existência de um acidente e consequentemente minimizar os seus efeitos” e considerando a “existência de perigos susceptíveis de originar danos em pessoas e bens, como vêm ocorrendo e que são amplamente divulgados nos órgãos de comunicação social” elaborou (ao abrigo da sua Lei Orgânica e do citado Decreto-Lei n.º 376/84) “instruções” sobre a utilização de artigos pirotécnicos, em 16 de Julho de 2007 (aprovadas pelo Director Nacional no dia 20 seguinte).

Aí, e além do mais, definem-se: ângulo de lançamento; área de segurança; artigo pirotécnico; bateria de lançamento; distância de segurança; empresa pirotécnica; entidade organizadora; lançamento; montagem; operador pirotécnico; raio de segurança; zona de fogo; zona de lançamento.

O § 2 do n.º 13 dispõe serem “encarregues de zelar pela segurança do espectáculo” as seguintes entidades: “a) O responsável técnico da empresa pirotécnica; b) O operador pirotécnico designado pela empresa pirotécnica; c) O responsável designado pela entidade organizadora…”, além das autoridades policial, municipal e Corporação de Bombeiros.

No n.º 17 dispõe-se que as pessoas habilitadas para o lançamento, ou queima, são as indicadas pelos técnicos das fábricas ou das oficinas e, como tal, credenciados.

Do Anexo E constam os quadros de distâncias de lançamento na vertical (Tabela I) e não vertical ou com ventos de velocidade igual ou superior a 25 km/ hora (Tabela II).

De todo o exposto resulta que o lançamento, ou queima de fogo-de-artifício é uma actividade perigosa e, como tal, regulamentada e reconhecida pelo Estado ao afirmá-lo, cuidando da elaboração de normas técnicas para o manuseamento e utilização dos respectivos engenhos, incluindo mesmo a credenciação, e habilitação técnica dos respectivos operadores.

O que, aliás, os recorrentes acabam por reconhecer.

Quase “una voce sine discrepanti” este Supremo Tribunal de Justiça vem julgando no sentido de o lançamento de foguetes, simples ou de artifício, ser uma actividade perigosa – cf. os Acórdãos de 13 de Fevereiro de 2014 – 131/10.9TBPTB.G1.S1; de 7 de Julho de 1994 – CJ/STJ II, 3.ª, 49; de 4 de Novembro de 2003 – 03 A3038; de 9 de Outubro de 2008 – 08 A 2669; de 8 de Novembro de 2005 – 3003/05-6.ª; de 6 de Outubro de 2011 – 609/2002 -7.º; de 19 de Junho de 2008 – 08B321; de 17 de Junho de 2004 – 04B1675; de 18 de Março de 1993 – 085081; e de 13 de Outubro de 2009 – 318/06.9TBPZ.S1.

Colocados ficamos, assim, numa situação de inversão do ónus da prova de culpa, inserível no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil, por cumprir aos Réus-recorrentes ilidir a presunção legal, o que só poderiam fazer se tivessem mostrado que empregaram “todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos”.

E não resulta da matéria de facto assente que tal tivessem logrado.

A colocação do local de lançamento junto a embarcação com combustível, a ligeireza da resposta aos reparos/avisos do lesado (“tem calma, se o barco arder dou-te um novo” e “queres levar um cheque em branco?”), a não tomada de medidas impeditivas do sinistro, implicam se conclua que não ilidiram a presunção da sua culpa.

É que, e ao contrário do que pretendem os recorrentes não se trataria de provar que agiram com culpa mas ao contrário estes é que deviam demonstrar a sua diligência, conducente à ausência de culpa, não bastando para tal terem obtido licenciamento dos Bombeiros e da Autoridade Marítima.

É esta a dogmática do n.º 2 daquele artigo 493.º

3 Responsabilidade solidária.

Os recorrentes insurgem-se pelo facto de ter havido “comunicação a terceiro a responsabilidade e seu regime do detentor e exercitante de actividade perigosa.”

Sem razão.

De facto, o réu falecido teve intervenção directa no processo executivo que conduziu à produção do dano, como claramente resulta dos factos constantes dos pontos 30, 31, 32, 33, 54 e 55.

Aliás, não pode esquecer-se que o referido réu foi condenado no processo crime.

Assim sendo, é óbvio que o falecido réu não é terceiro não se tendo verificado qualquer comunicação da responsabilidade a quem nada tem a ver com o processo causal que conduziu à produção do dano.

Reconhece-se, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2008 – 08 A2669 -  a inexistência de uma relação de comitente/comissário entre o fornecedor do fogo-de-artifício e o responsável pelo lançamento, por improvada qualquer relação de subordinação.

Ora a comissão tem ínsita “uma relação da dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este” (P. de Lima e A. Varela, ob. cit., I, 507), o que não resulta da factualidade assente.

É assim cristalino que, como existem outros réus responsáveis pelos danos causados ao autor vale a regra do n.º1 do artigo 497.º do Código Civil, ou seja da solidariedade, por força da presunção do n.º 2 do artigo 493.º do mesmo diploma.

Trata-se de um caso de solidariedade passiva legal, que ficciona (presume) uma igualdade de culpa por parte das pessoas responsáveis.

Como presunção legal, pode ser ilidida pelos interessados (cf. Profs. P. de Lima e A. Varela, ob. cit., 3.ª ed., I, 476).

Como ensina o Prof. Vaz Serra (RLJ 103 – p. 104) “o n.º 1 do artigo 497.º, ao prever a responsabilidade de várias pessoas pelo dano, não abrange a contribuição para o mesmo do próprio lesado.”

A lei presume iguais as culpas dos responsáveis e, assim sendo, iguais também as respectivas consequências.

O instituto da solidariedade constante do artigo 507.º do Código Civil foi estabelecido a favor dos lesados.

Não se afigura, assim, questionável a responsabilidade solidária dos recorrentes.

Ademais, diga-se “ex abundantia”, e como antes se referiu a propósito do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil sendo as presunções legais, como regra, “juris tantum” (n.º 2 do artigo 350.º daquele diploma e Prof. Vaz Serra, “Provas” – BMJ 112 – 271, a referir que “o facto presumido é uma consequência lógica [por ser normal, no conceito da lei] do facto conhecido [base da presunção]”).

Nas presunções “juris tantum” há uma inversão do ónus probatório, uma vez que a parte favorecida pela presunção está liberta daquele ónus em relação ao facto presumido ainda que não facto em que a presunção se baseia.

Só, então, cabe à parte contrária “desfazer” o facto-base utilizado para justificar o efeito que a lei lhe atribui.

Improcedem, pois, e também neste segmento, as conclusões dos recorrentes.

4 Conclusões.

Lícito é, desde já, concluir que:
a) No âmbito da responsabilidade “lex aquilia” vale, como regra, a imposição ao lesado da prova da culpa do autor da lesão, princípio consagrado no n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil.
b) Esse princípio é excepcionado pela existência de presunção legal de culpa, hoje conceptualizada como o nexo de imputação psicológica do facto ao agente, sendo, outrossim, uma realidade de natureza normativa traduzida num juízo de censura formulado relativamente à conduta ilícita do lesante.
c) O n.º 1 “in cauda” do artigo 487.º do Código Civil abrange a presunção legal (“tantum iuris”) do n.º 2 do artigo 493.º, relevando, aqui, negativamente a causa virtual, quer na modalidade de hipotética interrompida, quer na de hipotética antecipada.
d) A presunção legal de culpa do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil tem com facto-base o exercício de uma actividade perigosa e terá de ser ilidida nos termos conjugados desse preceito e do n.º 2 do artigo 350.º, invertendo-se, então, o “onus probandi”.
e) Não existe definição legal de actividade perigosa sendo aquela que, em si mesma, ou pelos meios empregues, é mais apta a produzir danos do que qualquer outra por ter ínsito o manuseamento, laboração, ou utilização de produtos ou artefactos potencialmente muito lesivos ou, até, letais no contacto humano.
f) Porém, embora a perigosidade seja, em regra, matéria a apreciar casuisticamente, existem algumas actividades que o são inequivocamente, levando mesmo o Estado a regulamentá-las em termos de minorar o perigo.
g) Assim é, quanto ao lançamento e manipulação de fogo-de-artifício regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro, ao qual se seguiu o Decreto-Lei n.º 303/90, de 27 de Setembro e o Decreto-Lei n.º 295/94, de 25 de Outubro (a acolher a Directiva n.º 93/15/CEE do Conselho de 5 de Abril) e as exaustivas “instruções” da Direcção Nacional da PSP (aprovadas em 20 de Julho de 2007) tudo apontando para a natureza perigosa da actividade.
h) O n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil impõe aos lesantes a prova de terem agido sem culpa e não que os lesados provem que aqueles não foram suficientemente diligentes.
i) Entre a empresa pirotécnica e o operador há responsabilidade solidária nos termos do n.º 1 do artigo 497.º do Código Civil, não sendo caso de relação de comissão salvo se provada a obrigação de obedecer a instruções precisas e o incumprimento destas.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pelos recorrentes.

Sebastião Póvoas

   Moreira Alves

    Alves Velho