Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/19.3PBPTM.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ESCOLHA DA PENA
MEDIDA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PENA SUSPENSA
PERDA DE VANTAGENS
Data do Acordão: 01/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A convicção que suporta a prova de um facto ou conjunto de factos não carece da certeza absoluta, mas apenas e só de um grau de certeza que afaste a dúvida razoável. Dúvida desta escala é somente aquela que é suscitada por razões pertinentes e adequadas e já não por dúvidas meramente subjetivas, ou dúvidas sistémicas, alicerçadas em hipóteses mais ou menos hiperbólicas.

II - O princípio in dubio pro reo é uma regra de valoração probatória dirigida ao tribunal do julgamento que não o obrigando a duvidar. Deve absolver quando, valorados todos os elementos de prova produzidos, persistam dúvidas razoáveis sobre os factos e/ou a responsabilidade do acusado.

III - Examinar criticamente significa analisar com atenção, estudar cuidadosamente, criticar, comentar a valia da informação transmitida por cada prova em si mesma e em confronto com a aportada pelas demais, segundo a racionalidade lógica e as regras da experiência.

IV - Na tarefa de clarificação dos indicadores que podem desgraduar a responsabilidade penal dos traficantes de quantidades menores, a jurisprudência tem apontado circunstâncias que podem diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico, designadamente: a qualidade do estupefaciente; a atuação individual ou em pequena entreajuda; sem que sejam utilizados meios sofisticados; que não seja exercido como modo de vida; ausência de lucros ou vantagens; os proventos obtidos servirem para financiar consumos do próprio e de familiares ou equiparados; pequena “carteira” de compradores ou consumidores; curto período de tempo; ocasionalidade do tráfico; não implicação de familiares; não se servir de colaboradores; pequena e circunscrita territorialidade da atividade; inexistência de contactos internacionais , que não concorram circunstâncias que podem agravar o crime.

V - Uma circunstância, por si só, regra geral, não é suficiente para diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico. Relevando, decisivamente, a imagem global da concreta atividade de tráfico desenvolvido pelo agente.

VI - Não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior da ilicitude do crime de tráfico (fundamental). O tipo privilegiado previsto no art. 25º do DL n.º 15/93 de 22/01, exige-se uma “degradação” acentuada, é indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que possa, na expressão da lei, ter-se por consideravelmente diminuída.

VII - Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art. 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade.

VIII - Insistindo na inequívoca preferência da opção pela pena pecuniária sempre que o crime é punível, alternativamente, com pena de prisão ou multa, contudo, essa escolha não pode deixar de ser informada pelas vantagens e inconvenientes que podem deparar-se no caso concreto. As quais têm de sopesar-se também e especialmente, nas situações de concurso de crimes.

IX - O crime de tráfico é um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidades de proteção dos bens jurídicos tutelados (genericamente a saúde pública e o bem-estar dos cidadãos e reflexamente a economia legal).

X - Na fixação do quantum da pena única a aplicar ao concurso de crimes essencial é o grau da gravidade dos factos e as tendências da personalidade que o agente neles revela.

XI - Os arts. 35.º a 38.º do DL n.º 15/93 de 22-01 contem o regime especial sobre a perda dos instrumenta, producta sceleris e quaisquer vantagens retiradas do tráfico, bem como os eventuais lucros, juros, e outros benefícios obtidos.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


I. RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Criminal … - Juiz …., mediante acusação do Ministério publico, foram julgados e condenados os arguidos:

- AA, de 58 anos e os demais sinais dos autos, pela prática, em autoria material, de:

- um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas àquele diploma legal, na pena de 6 anos de prisão;

- dez crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, dos DL. n.º 2/98, de 03.01, com referência ao artigo 121.º, n.º 1, do Código da Estrada, cada um na pena de 3 meses de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 86.º, n.º 1, alínea d) e 3.º, n.º 2, al. j), da Lei n.º 5/2006, de 23.02 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24.07, na pena de 8 meses de prisão; e

- em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão;

- BB, de 59 anos e os demais sinais dos autos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B anexa àquele diploma legal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova;

- CC, de 63 anos e os demais sinais dos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas àquele diploma legal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

- DD, de 29 anos e os demais sinais dos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa àquele diploma legal, na pena de 7 anos de prisão.

O Tribunal coletivo decidiu também declarar perdidos a favor do Estado:

i) As substâncias estupefacientes apreendidas nos autos, ordenando a imediata destruição (cf. artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro);

ii) As quantias monetárias apreendidas; determinando-se que 50% desse valor reverta a favor do Fundo para a Modernização da Justiça e os restantes 50% afetam-se à Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais;

iii) Os telemóveis (à exceção do telefone de EE que lhe vai ser restituído) as balanças apreendidas, a tesoura, a fita adesiva, devendo os telefones e as balanças ser avaliados sumariamente para, em momento ulterior, lhes ser dado destino, determinando a destruição da tesoura e fita adesiva;

iv) As armas apreendidas (sprays defesa e armas elétrica dissimuladas sob forma de lanterna), determinando-se a entrega ao Comando da PSP;

v) Os veículos automóveis de matrícula ….-VM e ……-QG, devendo Direcção-Geral do Património do Estado (DGPE) aquilatar do interesse das viaturas para afetação ao parque automóvel do Estado (cf. art. 9.º do DL n.º 31/85, de 25 de Janeiro).

b) os recursos:

Inconformados com a condenação, os arguidos AA, CC e DD recorrem, diretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça.

1. recurso do arguido AA:

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

2. As penas parcelares e a pena única de prisão, efetiva, aplicada ao Recorrente, um cidadão que, reunindo condições para a suspensão da execução da pena, que merece a confiança da justiça, integrado na sociedade, sem antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, com família, com hábitos de trabalho, só pode comprometer a sua ressocialização em virtude dos nefastos efeitos da reclusão.

3. No que se refere ao crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, pelo qual foi condenado na pena de 6 anos de prisão, deverá esse Colendo Tribunal ponderar o seguinte:

4. Da factualidade julgada provada alcança-se diversas vendas de produto estupefaciente, porém, e não obstante o lapso temporal em que decorreram, é de frisar que a sua atividade de venda de estupefaciente tem algum relevo apenas de Janeiro de 2019 até à sua detenção, em Junho de 2019.

5. Resultou dos autos (mormente da prova documental) que após a detenção, há mais de um ano, não teve contacto com a atividade de tráfico de estupefacientes, sendo que da factualidade julgada provada resulta que é pessoa que tem pautado a vida por hábitos de trabalho, encontrando-se atualmente a trabalhar, de resto com a mesma entidade patronal desde há sete anos (vide factos provados n.º 89, 90 e 98). 

6. o tráfico foi exercido por contacto direto com quem consome, portanto sem recurso a intermediários, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem: contacto pessoal e telefónico;

7. As quantidades transacionadas eram adequadas ao consumo do adquirente;

8. Resultou evidente os rudimentares meios utilizados para venda do estupefaciente, não tendo sofisticação as embalagens e os demais meios utilizados;

9. Os proventos obtidos destinaram-se à subsistência própria, mantendo um nível de vida modesto – vide facto provado n.º 89, no qual se julga provado que o pagamento da renda está em atraso;

10. o tráfico foi desenvolvido numa pequena circunscrição geográfica, as vendas foram todas realizadas na cidade …. .

11. Assim por razões de ordem comparativa, não será um grande traficante.

12. Tendo presente as orientações desse Colendo Tribunal, e em face de todo o circunstancialismo fáctico julgado provado, é de concluir por uma imagem global dos factos menos negativa, justificativa de uma considerável diminuição da ilicitude, razão pela qual parece defensável, o seu enquadramento como tráfico de menor gravidade, Considerando:

A detenção, apreensão e qualidade de produto estupefaciente apreendido, cannabis e metadona (sendo esta última consumida pelo recorrente – vide facto provado n.º 101);

A quantidade de produto estupefaciente aprendido ao recorrente;  

As quantias monetárias apreendidas não são compatíveis com atividade de relevo.

13. é ainda possível integrar a conduta do arguido na previsão legal do art.º 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/1.

14. Impondo-se a revogação da decisão recorrida, condenando o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, pelo que há-de ser-lhe aplicada pena dentro dos limites médios da moldura abstrata.

15. Quanto aos crimes de condução sem habilitação legal, foi condenado pela prática de dez crimes, decidindo o Tribunal aplicar-lhe a pena de três meses prisão por cada um.

16. Para escolha da pena fundamenta o Tribunal a quo que o recorrente averba dois antecedentes criminais, sendo um precisamente por crime de condução sem habilitação legal, (vide acórdão recorrido).

17. Fundamentação que está em contradição com os factos provados (vide facto n.º 86), dos quais resulta que a condenação foi por um crime de condução em estado de embriaguez, cuja pena foi extinta pelo cumprimento no ano de 2012.

18. nos termos do disposto no art.º 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, a condenação a que alude o facto n.º 86 b), dos factos julgados provados no acórdão recorrido, ainda transcrita no seu certificado de registo criminal ali já não devia constar, devia ter sido cancelada, a sua vigência encontra-se caducada/cessada.

19. embora por falha do sistema o cancelamento não tenha ainda ocorrido, o que é frequente, não pode ser adotado entendimento contrário, pois ao desconsiderar tal circunstância – de que no seu CRC não devia constar a prática do crime a que alude o facto provado no n.º 86 al. b) – pode ser classificado como fraude à Lei, na medida em que se estaria a contornar a teleologia da norma do artigo 11.º daquele diploma legal.

20. não está a ter o mesmo tratamento que qualquer outro condenado, por falha do sistema.

21. tal inércia do sistema, de não ter ainda procedido ao cancelamento das condenações no certificado de registo criminal do Recorrente não pode causar-lhe prejuízo – inviabilizar que a escolha seja uma pena de multa.

22. Ainda que assim não se entenda, tratando-se de crime diverso, praticado há mais de oito anos, não deverá tal circunstância inviabilizar a escolha de pena não privativa da liberdade.

23. não obstante o arguido tenha praticado dez crimes de condução sem habilitação legal, deverá contribuir para uma visão global da prática dos crimes menos gravosa o facto de nunca ter sido interpelado pelas autoridades, pelo que não havia ainda sofrido qualquer solene advertência.

24. a aplicação de pena de multa ao invés de pena privativa da liberdade pela prática de cada um dos crimes de condução sem habilitação legal, é adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso convoca.

25. Foi ainda condenado numa pena de 8 meses de prisão pela prática dum crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al. d) e 3.º n.º 2 al. j) da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro.

26. Resulta da fundamentação da decisão recorrida que a casa onde residia à data das apreensões é a casa onde residiu o falecido sobrinho do Recorrente (vide acórdão recorrido).

28. Questionamos porque razão não podiam estar na casa do falecido objetos pessoais do falecido?! quais são as regras da experiência de que se socorre o Tribunal a quo para decidir que o normal seria o Recorrente entregar os pertences do sobrinho à irmã CC!? porque razão sendo a casa habitada pelo Recorrente e pela arguida BB, as armas teriam que estar à sua disposição e uso e não daquela, companheira que residia na mesma casa, dormia no mesmo quarto e que também participava na atividade de tráfico? Só o Recorrente é que poderia ser confrontado com um consumidor com um comportamento alterado/agressivo como refere o Tribunal a quo e ter necessidade de utilizar as armas?!

29. o Tribunal teve aqui dois pesos e duas medidas, a arguida CC foi absolvida da prática do crime de detenção de arma proibida de que estava acusada, e bem, em obediência ao princípio in dubio pro reo, o Recorrente, precisamente nas mesmas circunstâncias, duas armas, numa casa habitada por pelo menos mais uma pessoa, a companheira BB, numa casa onde foram deixados bens pessoais do sobrinho falecido,  a casa era do sobrinho, e a conclusão do Tribunal é a de que o Recorrente sabia da existência das armas, (que eram lanternas), utilizava as armas etc..., mais o Tribunal a quo refere que não teve dúvidas, perguntamos porque, da fundamentação apresentada o que se alcança é uma apreciação arbitrária da prova produzida em audiência de julgamento.

30. no que se refere à prática do crime de detenção de arma proibida o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico das provas, o que representa violação do disposto no artigo 374°, n.º 2, do Código de Processo Penal.

31. Prescreve o artigo 379º, nº. 1, alínea a), do CPP., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º, nº. 2, as quais respeitam ao teor da fundamentação da sentença, sendo a nulidade de conhecimento oficioso em recurso.

32. O Tribunal a quo fazendo uso do princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127.º do Código de Processo Penal, condenou o Recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida.

33. O preceituado no art.º 127.º do Código de Processo Penal tem-se, assim, por cumprido, quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre assumo de arbítrio na apreciação da prova.

34. Não obstante, não é razoável pensar-se que o Recorrente residindo na casa que era do sobrinho, lá não pudessem existir objetos do falecido, ou que não pudesse o Recorrente não os ter devolvido pura e simplesmente porque não era a casa dum estranho, ou até que visse as lanternas como simples lanternas, pois o aspeto das armas era efetivamente de lanterna, ou que ao invés das armas estarem à disposição e uso do Recorrente não estivessem à disposição da companheira BB que residia na mesma casa.

35. Assim a fundamentação apresentada na decisão recorrida não satisfaz o dispositivo legal em análise (art.º 374º, n.º 2 do CPP), sobretudo o exame crítico das declarações do Recorrente.

36. O Tribunal a quo devia, nos termos da Lei, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente e só depois podia, de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais do arguido, formar a sua convicção, sustentada nos meios probatórios no seu todo, e não de forma seletiva.

37. Não o fez, pelo que ofendeu, de forma direta os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

38. enferma o acórdão proferido de nulidade, por violação do disposto no art.º 379.º, do CPP.

39. No caso, a decisão recorrida coloca o acento decisivo quanto à detenção e posse das armas, no recurso às regras da experiência comum, e no principio da livre apreciação da prova, através dos quais descredibiliza as declarações do arguido, sendo que nenhuma outra prova para além dessa foi feita em audiência de julgamento.

40. Em síntese, considera-se que o Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente ao crime de detenção de arma proibida, com base em meros indícios e presunções, que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, princípio este que não pode ser discricionário, pois tem limites que não podem ser tacitamente ultrapassados, constituindo apenas uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material.

41. Por tudo o que foi supra exposto a prova foi incorretamente apreciada o que consequentemente resultou na injusta condenação do arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida.

42. como ficou explicitou, esta questão da falta de fundamentação e da incorreta apreciação da matéria de facto, leva-nos à análise, atenta a estreita ligação, de três outras: o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP), o princípio in dubio pro reo e o princípio da investigação (art.º 340.º CPP).

43. O in dubio pro reo, é um dos princípios basilares e estruturantes do nosso sistema jurídico-penal, é uma decorrência do princípio da presunção de inocência, enquanto regra probatória, e tem como consequência o facto de caber à acusação carrear para o processo o material probatório, desonerando assim o arguido do ónus da prova da sua inocência.

44. Em julgamento, a acusação deve apresentar de forma concreta e precisa, os fundamentos que criem no espírito do julgador a convicção de que as provas têm valor “irrefutável”, o que não aconteceu no caso, quanto à prova e tipo de prova que foi produzida.

45. o princípio da presunção da inocência do arguido e o seu corolário in dubio pro reo demandavam decisão diversa, no que se refere à pratica do crime de detenção de arma proibida.

46. Não havendo prova cabal e inequívoca da prática do crime de detenção de arma proibida descrito na acusação pública, impunha-se a avaliação dos elementos de prova indiciária existentes à luz dos critérios legais e dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência.

47. Termos em que deverá esse Colendo Tribunal, de acordo com o exposto decidir que a decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos do art.º 379.º do CPP.

Sem prescindir, nem conceder

49. A decisão recorrida viola o disposto nos art.º 40º n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal e o princípio da proporcionalidade para a escolha e determinação da medida da pena.

50. A pena de 7 anos de prisão é exagerada, desproporcional, demasiado longa e pode comprometer a reinserção social do Recorrente, que é o oposto do que se pretende.

51. As penas parcelares são desproporcionais em função do sobredito sobre a violação do dever de fundamentação da decisão condenatória e, bem assim, da extrapolação verificada sobre os princípios da prova, ainda para mais, tendo o Recorrente a consciência de que não cometeu todos os atos ilícitos, mormente, no que diz respeito ao crime de detenção de arma proibida, que não ficou, no nosso ponto de vista, demonstrado. 

52. a pena efetiva de prisão não cumpre as exigências de prevenção especial e de ressocialização, introduz o condenado no meio criminógeno, estigmatizante, que, por obedecer a valores e princípios próprios, é capaz de corromper e perverter os objetivos pretendidos com a sanção aplicada, afastando-o, cada vez mais, do comportamento que de si é esperado.

53. A reintegração do agente na sociedade é um dos meios de realizar o fim do direito penal, que é a proteção dos bens jurídicos (ao contribuir esta reinserção social para evitar a reincidência — prevenção especial positiva sendo que a intimidação do condenado constitui também uma função da pena, que não é incompatível com a função positiva de ressocialização, procurando dissuadir através das privações que a pena contém, a fim de reforçar no condenado o sentimento da necessidade de não reincidir.

54. O art.º 70.º do Código Penal estatui, como critério de orientação geral que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

55. sempre que possível, deverá o Tribunal optar pela aplicação de pena não privativa da liberdade em detrimento da privativa da liberdade.

56. No caso, o crime de detenção de arma proibida e os crimes de condução sem habilitação legal, são puníveis, com pena de prisão ou multa.

59. as condições pessoais do Recorrente, espelhadas na factualidade provada, mostra-se familiar, social e laboralmente inserido, não devendo ser afastada a pena de multa como adequada e suficiente para a socialização e prevenção especial.

61. considerando as razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial permitem concluir que a aplicação de uma pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e por cada um dos crimes de condução sem habilitação legal, é capaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

62. mal andou o Tribunal ao aplicar-lhe pena de prisão, impondo-se a revogação da decisão recorrida, decidindo pela aplicação de pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e pela prática de cada um dos dez crimes de condução sem habilitação legal.

63. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. (art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal).

64. A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

65. O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, necessário se tornando que a conduta seja culposa, “isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário”- cfr. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.

66. A proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

67. A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, cometa novos crimes, que reincida.

68. Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40.º, n.º 2 do C.P.).

69. Em obediência aos critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no art.º 71.º do CP, reconhece o arguido que agiu com dolo direto, de alguma intensidade é o grau de ilicitude dos factos.

70. no que se refere aos dez crimes de condução sem habilitação legal, e ao crime de detenção de arma proibida, decidindo esse Colendo Tribunal pela aplicação de pena de multa, deverá a mesma ser fixada com o valor diário no mínimo legal.

71. decidindo esse Colendo Tribunal pela escolha de pena privativa da liberdade, deverão as penas ser reduzidas para o mínimo legal pela prática de cada um dos dez crimes de condução sem habilitação legal e pelo crime de detenção de arma proibida, revogando-se a decisão recorrida.

72. No que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes, deverá esse Colendo Tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos, condenando o Recorrente pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, aplicando-lhe pena de prisão nunca superior a três anos.

Assim não se entendendo,

73. Conforme vem sendo entendimento desse Colendo Tribunal “No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adotou um esquema de tipificação penal que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pelo que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstrata do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão.

74. o Recorrente, não sendo um grande traficante, em face do modus operandi, da ausência de lucros consideráveis (de resto não foram apreendidas quantias monetárias relevantes), se insere precisamente nessa zona cinzenta.

75. Visando, a aplicação de penas, a reintegração do agente na sociedade, a aplicação de prisão efetiva, irá comprometer o seu percurso de vida, pois está integrado, social, profissional e familiarmente.

76. Ressocializar/reintegrar, não tem que implicar reclusão, geradora de reação social negativa, provocadora de estigma para um indivíduo com estabilidade social e familiar, que teve um percalço na vida.

77. A moldura penal inclui uma multiplicidade de condutas, e, a não se considerar verificado o trafico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, excessiva, face aos factos provados, será toda a pena superior ao mínimo legal, quatro anos de prisão.

78. Nos termos do disposto no art.º 77.º do Código Penal, deverá o Recorrente ser condenado numa pena única nunca superior a cinco anos de prisão, impondo-se a suspensão da execução, por verificados os pressupostos para o efeito enunciados no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal.

79. O pressuposto formal é que a pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

80. O pressuposto material é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

81. A suspensão da execução da pena é um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.

82. sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e a ressocialização, em liberdade, do arguido.

83. sendo a pena de prisão reduzida nos termos propostos, deverá beneficiar da demonstração de estabilidade familiar, social e laboral

85. ainda no atual contexto de pandemia. é de considerar o seu estado de saúde, resultante dos factos provados – vide facto provado n.º 101.

88. a privação da liberdade afasta-o da sociedade e não permite a sua fácil inserção, bem como o afasta dos seus familiares.

90. Privilegiando a ressocialização, reduzindo a pena, haverá de ser suspensa na sua execução, por se verificarem os legais pressupostos, em face da demonstrada inserção social e laboral, acautelando desta forma as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.

91. Nestes termos deverão V. Exas. julgar procedente o recurso aplicando ao recorrente uma pena de prisão inferior à que foi aplicada, suspensa na sua execução.

92. o veículo com a matrícula …...-QG é do Recorrente, tendo o Tribunal a quo decidido declara-lo perdido a favor do Estado.

93. a necessidade de fundamentação e motivação dos atos decisórios destina-se a conferir força pública aos mesmos e a permitir a sua impugnação quando legalmente admissível, ou, como refere Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, II, pág. 19. "Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo".

94. Desprovida de fundamentação por um lado, e sendo contraditória a decisão por outro quanto a esta matéria, surge quase como "puro arbítrio" do julgador, dificultando ao Recorrente a impugnação, e ao tribunal superior, a apreciação da sua bondade.

95. Assim no caso a decisão, fica ferida de nulidade – artº.s 379.º nº 1 a) e 374º CPP.

96. De acordo com o art.º 374.º n.º 2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal;

97. na decisão de declaração dos objetos perdidos a favor do Estado, não foram enunciados quaisquer factos provados relacionados com o tema.

98. A explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar os objetos perdidos a favor do Estado não existe, limitando-se a declara-los perdidos, sendo que contrariamente ao decidido refere não dar como provado que o veículo do arguido fosse afeto à atividade de tráfico.

99. Não existe indicação das provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efetuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.º 379.º n.º 1, al. a), com referência ao art.º 374º, n.º 2, ambos do CPP.

100. Termos em que deverá esse Colendo Tribunal declarar a nulidade da decisão recorrida, ou assim não se entendendo, determinar a entrega do veículo ao Recorrente por inexistir fundamento para ser declarado perdido a favor do estado.

101. Nestes termos deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso e aplicar ao recorrente uma pena única de prisão inferior à que foi aplicada, nunca superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, e revogar igualmente a decisão na parte relativa aos objetos declarados perdidos a favor do estado.

102. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 25.º e 21.º do DL 15/93, de 22/01, art.º 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77 do Código Penal, 127.º, 374º, 379.º do Código de Processo Penal, art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa.

2. recurso da arguida CC:

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

1. A pena de prisão, efetiva, aplicada à Recorrente, uma cidadã que merece a confiança da justiça, integrada na sociedade, sem antecedentes criminais, com família, pode comprometer a sua ressocialização em virtude dos nefastos efeitos da reclusão.

2. Da factualidade julgada provada alcança-se que o período de venda ocorreu desde data não concretamente apurada até Junho de 2019, data da sua detenção, sendo que a alusão ao ano de 2015, respeita a vendas a um único individuo, vide factos 39 e 39.1 – cuja prova resultou da leitura das declarações da testemunha ZZ, que em audiência de julgamento negou que tivesse comprado produto estupefaciente à Recorrente, tendo contudo o Tribunal valorado as declarações prestadas em inquérito ao invés das prestadas em audiência de julgamento.

3. dos factos julgados provados consta que o consumidor a que alude o facto provado n.º 39.1 é o mesmo a que alude o facto n.º 13.

4. No que se reporta à forma como foi desenvolvido o tráfico foi exercido por contacto direto com quem consome, (vide facto provado n.º 41), e com os meios normais que se usam para o relacionamento: contacto pessoal e telefónico.

5. As quantidades transacionadas eram adequadas ao consumo do adquirente;

6. Resultou evidente os rudimentares meios utilizados para empreender a venda do estupefaciente, não tendo sofisticação as embalagens e os demais meios utilizados;

7. Os proventos obtidos destinaram-se a subsistência própria e do seu agregado familiar, mantendo um nível de vida modesto.

8. o tráfico foi desenvolvido numa pequena área geográfica.

9. comparativamente não será uma grande traficante, nem ocupava uma posição superior conforme quis fazer crer o Tribunal a quo.

10. O art.º 70.º do Código Penal estatui, como critério de orientação geral para a escolha da pena, que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

11. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o arguido. (art.º 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal).

12. A culpa é um juízo de reprovação, censurando-se o agente face ao ordenamento jurídico-penal.

13. O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, necessário se tornando que a conduta seja culposa, “que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário”- cfr. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.

14. A proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

15. A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, à ideia de que a pena é instrumento de atuação preventiva sobre o agente, com o fim de evitar que no futuro cometa crimes, que reincida.

16. Por respeito à dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.º. 40.º, n.º 2 do C.P.).

17. Em obediência aos critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no art.º 71.º do CP, reconhece-se que a arguida agiu com dolo direto, de alguma intensidade é o grau de ilicitude dos factos.

18. Conforme entendimento desse Colendo Tribunal “No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pelo que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão.

19. a Recorrente, não sendo grande traficante, em face do modus operandi, da ausência de lucros consideráveis (não foram apreendidas quantias monetárias de relevo), se insere nessa zona cinzenta, o que deverá manifestar-se na escolha da medida da pena concreta, reduzida, e aproximada, ou coincidente com o mínimo legal (4 anos).

20. é pessoa de modesta condição social, tem 62 anos de idade, e está familiar e socialmente inserida, vide factos provados n.º 108 a 113;

21. Visando, a aplicação de penas, a reintegração do agente na sociedade, a aplicação de pena de prisão efetiva irá comprometer o seu percurso de vida, do qual não consta qualquer reparo, sendo favorável o Relatório Social, prova documental que consta dos autos o qual conclui – Considerando a idade e ausência de antecedentes criminais da arguida, se CC vier a ser condenada nestes autos e também se a situação jurídico-penal assim o permitir, afigura-se-nos viável a eventual aplicação de uma sanção penal de conteúdo probatório a executar em meio livre com acompanhamento e supervisão por parte da DGRSP.

22. Ressocializar/reintegrar, não tem que implicar reclusão, geradora de reação social negativa, provocadora de estigma para indivíduo com estabilidade social e familiar, que teve um percalço na vida.

23. não tem antecedentes criminais, vide facto provado 85 (padece de lapso quanto ao nome da arguida, que é CC e não …… impondo-se assim a correção).

24. Na moldura penal inclui-se uma multiplicidade de condutas e, a não se considerar verificado o ilícito de menor gravidade, excessiva, face aos factos provados, será toda a pena superior ao mínimo legal, sempre se impondo a suspensão da execução, por verificados os pressupostos para o efeito enunciados no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal.

25. O pressuposto formal é que a pena aplicada não seja superior a 5 anos.

26. O pressuposto material é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

27. A suspensão da execução da pena é um poder vinculado do julgador, que terá de decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.

28. sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e a ressocialização, em liberdade, do arguido.

29. No caso, sendo a pena de prisão reduzida nos termos propostos, (nunca superior a quatro anos e seis meses de prisão), deve proporcionar-se à condenada a possibilidade de optar por comportamentos alternativos (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores).

31. As condições pessoais, familiares e económicas, a sua idade 62, a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais, permitem uma prognose à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização positiva.

32. no contexto atual de pandemia, a idade e as patologias de que padece, ….. e….., reforçam a exclusão de pena efetiva de prisão.

34. De resto, o seu contacto com a justiça em primeiro interrogatório judicial, teve já o efeito dissuasor pretendido, não sendo conhecida intervenção em outro processo judicial, vindo a cumprir a medida de coação imposta de forma exemplar, o que demonstra respeito pela justiça, tendo-se afastado da criminalidade.

35. a privação da liberdade afasta-a da sociedade e não permite a sua inserção, bem como a afasta dos seus familiares. podendo ter efeito contraproducente.

37. Privilegiando a ressocialização, bastará a ameaça do cumprimento de pena, havendo, por isso, que reduzir a pena para não superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução, ainda que sujeita a regime prova e ou a injunções, acautelando desta forma as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.

38. à Recorrente foi aprendida a quantia monetária de € 5 930,00.

39. na decisão de declarar perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido o Tribunal não procedeu ao exame crítico das provas, em violação do disposto no artigo 374°, n.º 2, do Código de Processo Penal.

40. Prescreve o artigo 379º, nº. 1, alínea a), do CPP que é nula a sentença que não contiver as menções do artigo 374º, nº. 2, as quais respeitam ao teor da fundamentação, sendo a nulidade de conhecimento oficioso em recurso.

41. O Tribunal no uso do princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127.º do CPP, determinou que o dinheiro apreendido fosse declarado perdido a favor do Estado.

42. O preceituado no art.º 127.º do CPP tem-se por cumprido, quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente, com motivação bastante, e onde não se vislumbre assumo de arbítrio na apreciação da prova.

43. não é razoável pensar-se que a Recorrente não pudesse ter em casa, guardo o dinheiro da sua filha, e o guardasse no seu quarto pelo facto do quarto de hospedes ser ocupado por várias pessoas da família mormente pela XX.

44. porque razão não podia tal quantia estar guardada em casa?! Quando de resto resulta da prova documental que a filha da Recorrente realizou um crédito pessoal, através do qual obteve tal quantia! Como pode o Tribunal a quo concluir que o dinheiro é lucro do tráfico e não do empréstimo da filha?! Salvo melhor opinião não pode,

45. a fundamentação da decisão recorrida não satisfaz o disposto no art.º 374º, n.º 2 do CPP, imprescindível, sobretudo o exame crítico das declarações da arguida e da testemunha FF.

46. O Tribunal devia ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente e só depois podia, de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais da Recorrente, formar a sua convicção, sustentada nos meios probatórios no seu todo, e não de forma seletiva.

47. Não o fez, pelo que ofendeu de os direitos e garantias do arguido, com violação do art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

48. Pelo que, enferma de nulidade, por violação do disposto no art.º 374.º e 379.º, do CPP.

49. No caso, a decisão recorrida coloca o acento decisivo quanto quantia monetária apreendida no recurso às regras da experiencia comum, e no principio da livre apreciação da prova, através dos quais descredibiliza as declarações da arguida e da única testemunha que corrobora as sua declarações.

50. Em síntese, o Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente à proveniência das quantias monetárias apreendidas, com base em meros indícios e presunções, que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, princípio este que não pode ser discricionário, constituindo apenas uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material.

51. o Tribunal a quo, tão pouco faz distinção das quantias monetárias apreendidas em distintos locais, limitando-se a mencionar o dinheiro apreendido debaixo da cama da Recorrente e quanto ao demais não se pronuncia, (acerca do que foi apreendido na carteira da Recorrente).

52. Por tudo o exposto a prova foi incorretamente apreciada o que resultou na injusta decisão de declarar as quantias monetárias perdidas a favor do Estado.

53. a falta de fundamentação e da incorreta apreciação da matéria de facto, leva-nos à análise, atenta a estreita ligação, de três outras: o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP), o princípio in dubio pro reo e o princípio da investigação (art.º 340.º CPP).

54. O in dubio pro reo, é dos princípios basilares e estruturantes do nosso sistema jurídico-penal, decorrência do princípio da presunção de inocência, enquanto regra probatória, e tem como consequência caber à acusação carrear para o processo o material probatório, desonerando o arguido do ónus da prova da sua inocência.

55. o princípio da presunção da inocência e o seu corolário in dubio pro reo demandavam uma decisão diversa, no que se refere à declaração de perdido a favor do Estado do dinheiro apreendido.

56. Não havendo prova cabal e inequívoca da proveniência do dinheiro apreendido, impunha-se a avaliação dos elementos de prova indiciária existentes à luz dos critérios legais e dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência.

57. o Tribunal fez uma incorreta aplicação do princípio consignado no art.º 127º do CPP, apreciou mal a prova, face às declarações da Recorrente, à prova testemunhal e aos autos de apreensão.

59. Termos em que deverá esse Colendo Tribunal declarar a nulidade da decisão recorrida, ou determinar a entrega da quantia monetária por inexistir fundamento para ser declarada perdida a favor do Estado.

60. Nestes termos deverão V. Exas. julgar procedente o recurso e aplicar à Recorrente uma pena de prisão nunca superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.

61. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 21.º do DL 15/93, de 22/01, art.º 40.º, 50.º, 70.º, 71.º do Código Penal, 127.º, 340º; 374.º e 379.º do Código de Processo Penal, art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa.

3. recurso do arguido DD:

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

1. o acórdão em crise não valorizou de forma adequada e justa todas as circunstâncias em que os factos foram praticados, tal como as condições pessoais e sociais do arguido.

3. o artigo 71.º do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

4. o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo conforme previsto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

5. A pena concreta é limitada pela medida da culpa e é determinada, dentro do referido limite máximo, atendendo a uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto optimo de tutela penal dos bem jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

6. no que diz respeito ao crime de tráfico de estupefacientes, a tipificação penal leva em conta que na maior parte das vezes, existem no processo “zonas cinzentas” que colocam o julgador numa dúvida quanto à real dimensão do tráfico em causa.

7. é o caso concreto, porquanto o próprio acórdão não define as quantidades de droga vendidas pelo arguido, nem quantas vezes vendeu estupefacientes aos outros arguidos, resulta do acórdão em crise que, por diversas vezes, vendeu quantidades não apuradas de cocaína aos arguidos AA e CC.

8. o Tribunal deveria aplicar uma pena coincidente com o mínimo legal.

9. O conteúdo reeducativo das penas consagra, além, do aspeto punitivo a reintegração social do delinquente.

10. a matriz humanista no nosso direito penal promove essa realidade.

11. face ao circunstancialismo descrito, considerada a moldura penal, as exigências de prevenção geral e especial assinaladas e a culpa do arguido, mostra-se adequada uma pena não superior a 5 anos de prisão.

12. Aceita-se que o comportamento do recorrente constitui a prática de crime, porém, tendo em conta todas as circunstâncias em que os factos foram praticados, impõe-se que a medida da pena se situe próxima do limite mínimo da moldura penal.

13 que possibilite a suspensão da mesma, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

14. Discordando que se façam sentir no caso elevadas exigências de prevenção especial positiva.

15. Até porque não possui antecedentes criminais.

16. a pena de prisão só deve ser imposta se estritamente necessária e o critério da necessidade tem se ser baseado em elementos objetivos concretos.

17. o grau de ilicitude não se mostra muito elevado, tendo em conta que o arguido praticou os factos de forma esporádica e não fazia desta atividade modo de vida.

18. encontra-se integrado, social e familiarmente, pelo que tal situação deve ser valorada no sentido e que o comportamento do arguido, embora reprovável, não terá continuidade.

19. Acresce que nada consta do mesmo posteriormente à prática dos factos. 

20. nunca esteve preso.

21. a conduta anterior e posterior aos factos é de molde a fazer crer que os mesmos não se repetirão. Por outro lado, conforme resulta do relatório social, o arguido compreende e aceita a intervenção judicial, bem como a decisão que considera o seu comportamento reprovável, sendo capaz de avaliar os valores jurídicos em causa e demonstra consciência relativamente às normas sociais e a necessidade da sua obediência.

22. é excessiva a pena fixada ao arguido.

23. Analisando os critérios legais, poderíamos resumir a problemática da escolha e medida da pena (artigo 70º), em que o agente deve ser apreciado como a pessoa que é e por aquilo que fez.

24. com a pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva, o arguido, praticamente, ficará impedido de se reintegrar na sociedade e, de ver a sua filha menor crescer.

25. o Tribunal ao decidir pela aplicação de uma medida privativa da liberdade, sem possibilidade de ser suspensa, demonstra não haver tomado em consideração as finalidades das penas que constituem a base do sistema penal português, à luz do qual se concretizam os objetivos da prevenção com a reintegração do agente na sociedade.  

26. não levou em consideração o conteúdo dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

27. tendo em conta todas as circunstâncias em que os factos foram praticados, a personalidade do arguido e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º do Código Penal, a pena nunca deveria ultrapassar 5 anos.

28. o tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias expostas, de acordo com o disposto nos artigos 70º e 71º, ambos do Código Penal.

29. deveria o Tribunal, ter aplicado uma pena que permitisse a suspensão da mesma.

30. Relativamente, à suspensão da pena, plasma o artigo 50º do Código Penal que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

31. No caso, encontram-se preenchidos, pelo menos, os pressupostos materiais em face do que se disse a propósito das necessidades de prevenção especial.

32. Pelo que, entende que seria possível efetuar-se um juízo de prognose favorável no que respeita ao futuro comportamento deste.

34. Do relatório social resulta que, natural de…, reside em Portugal desde 2007, trabalhou na…, em regime irregular, contexto em que veio viver para o… .

35. Desde 2015, mantêm relação de namoro com HH e desta relação nasceu a filha menor de ambos, que tem 4 anos de idade.

36. Embora a residir no ....., o arguido deslocava-se com regularidade quinzenal para casa da companheira e filha, colaborando na educação desta.

37. Nos últimos anos a atividade laboral era diminuta, todavia e, conforme resulta dos autos, auferia rendimentos oriundos do jogo de apostas ….. Jogos Santa Casa, que é um jogo de apostas desportivas Regulado pelo Decreto-Lei nr. 67/2015, e de 29 de abril e cujo Regulamento foi aprovado pela Portaria nº. 173/2015 de 9 de junho de 2015 e de onde retirou proveitos permitindo satisfazer, assim, as suas despesas e auxiliando a sua companheira e filha menor.

38. Nos factos provados, consta que o arguido entre abril de 2017 e maio de 2019 obteve um total de 19.656€ de prémios no mencionado jogo de apostas.

39. este é o primeiro confronto do arguido com o sistema de administração da justiça penal, do qual acata a oportunidade da acusação, apresentando sentido da reprovação dos factos. A companheira, apreensiva com eventuais consequências condenatórias, mostra-se disposta a dar-lhe apoio, o que vem fazendo desde a detenção.

40. têm projectos para o futuro que passam por viverem juntos, casal e filha comum.

41. encontra-se integrado, social e familiarmente.

42. do relatório social, decorre que a família constituída e a família de origem são fatores de protecção, assim como os projetos de futuro se revestem de consistência, contemplando o reconhecimento da necessidade de algumas mudanças.

44. São-lhe conhecidos rendimentos lícitos, pelo que a ameaça do cumprimento da pena é suficiente para que o arguido se afaste da prática de futuro crimes e sendo possível formular o necessário juízo de prognose favorável, deverá o mesmo cumprir pena de prisão, suspensa na sua execução, pois esta permite que as finalidades de prevenção especial e de ressocialização sejam alcançadas através da pena suspensa acompanhada por regime de prova.

45. Em meio prisional, revela comportamento isento de reparos ou registos disciplinares, conta com as visitas/contactos regulares da companheira e outros familiares e amigos.

46. Em reclusão desenvolve actividade laboral afecto à ..... onde revela empenho.

47. está ciente que esta pode ser a primeira e derradeira oportunidade que lhe será concedida de continuar em liberdade, caso venha a reiterar a atividade criminosa, permitindo a escolha de pena de substituição garantir limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico, da tutela da confiança da comunidade na validade da norma violada.

48. verificam-se as condições objectivas previstas no artigo 50.º nº. 1 do Código Penal para suspender a execução da pena de prisão do arguido. Contudo, parece conveniente e adequado a garantir a finalidade que a suspensão seja subordinada ao cumprimento e observância das reras de conduta a supervisionar pelos serviços de reinserção social.

Nestes termos deverá o douto Acórdão do Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que face a todo o circunstancialismo descrito, considerada a moldura penal abstracta, as exigências de prevenção geral e especial assinaladas e a culpa do arguido, aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos em harmonia com uma pena suspensa na sua execução acompanhada de regime de prova.

c) resposta do Ministério Público:

O Procurador da República junto do Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência dos recursos. Culmina a argumentação com as seguintes conclusões:

- quanto à alegação do arguido DD:

2. da factualidade provada resulta que o dolo assume a sua forma mais gravosa e as exigências de prevenção geral são graves.

3. A sua conduta ilícita acarreta especial censurabilidade pois que assumia posição cimeira na estrutura de venda e distribuição de estupefaciente, e maior dissimulação, escapando ao contacto direto com os consumidores.

4. Mercê do tráfico enriqueceu o seu património em detrimento de terceiros.

5. dissimulava os estupefacientes em locais afastados da sua residência.

6. Agiu, em conjunto com mais indivíduos.

7. atuou com dolo direto.

13. não demonstrou arrependimento, não assumiu o desvalor da sua conduta.

16. a natureza do ilícito, a danosidade social e as necessidades de prevenção geral, desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão.

- quanto à alegação da recorrente CC:

21. No caso, o dolo assume a forma mais gravosa e as exigências de prevenção geral são [elevadas].

22. assumia uma posição intermediária na estrutura de venda e distribuição de estupefacientes.

23. com o tráfico enriqueceu o seu património em detrimento de terceiros.

24. Agiu em conjunto com outros.

31. não demonstrou arrependimento, não assumiu o desvalor da sua conduta.

32. a ausência de autocensura, perante factos socialmente danosos, que colocam em causa bens jurídicos de relevância, não permite intuir que o arguida, em liberdade, não voltará a incorrer na prática de factualidade semelhante.

35. quanto à declaração de perda a favor do Estado das quantias monetárias apreendidas,

no acórdão recorrido, concluiu-se que derivavam da actividade de tráfico.

- quanto à alegação do recorrente AA:

43. não sendo de inserir aquela conduta no tráfico de menor gravidade [

porque]

 vendia, cannabis, cocaína e metadona, em ….., em….., o lucro obtido, os inúmeros actos de venda de estupefaciente e a inserção num esquema de tráfico, agindo em conluio com mais duas pessoas,

47. as exigências de prevenção geral e especial são elevadas nos crimes de detenção de arma proibida e nos de condução ilegal, e não serão acauteladas com a aplicação de pena de multa.

48. o Acórdão recorrido concluiu que o arguido detinha aquelas armas cumprindo as exigências de fundamentação.

49. Quanto à medida da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, o dolo assume a forma mais gravosa e as exigências de prevenção geral são elevadas.

50. A conduta ilícita assumiu especial censurabilidade pois que transacionou considerável quantidade de estupefacientes, de diversas qualidades, com múltiplos episódios de venda, e por longo período da actividade.

52. Agiu em conjunto com mais indivíduos.

55. no que toca à declaração de perda a Favor do Estado da viatura automóvel de matrícula ……-QG, é manifesto que o Acórdão labora em lapso de escrita, pois quando refere que “Esta ultima nota permitiu-nos também não dar como provado”, o que se queria escrever era que “Esta ultima nota permitiu-nos também dar como provado”.

60. o Acórdão, concluiu que aquelas viaturas eram usadas regularmente para o tráfico de estupefacientes, factualidade, aliás, considerada provada, assim cumprindo, as exigências de fundamentação.

d) parecer do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e fundamentado parecer, pronunciando-se pela improcedência dos recursos. Argumenta:

A arguição da nulidade da sentença prevista no artigo 379º, n º 1, al. a), com referência ao artigo 374º, n º 2, ambos do CPP, mostra-se manifestamente infundada. O tribunal coletivo indicou as provas que alicerçaram a decisão maxime a prova testemunhal, aí se incluindo os quatro agentes da PSP que participaram na investigação, vários consumidores; prova documental, desde logo as transcrições das intercepções telefónicas efectuadas, fotografias, autos de notícia e de busca, relatórios de exame de telemóveis e respectivos suportes digitais.

No acórdão procedeu-se ao exame crítico das provas, como se evidencia ex abundanti da leitura da peça. Resulta claro, intra e extraprocessualmente o iter do processo decisório, tanto quanto por forma lógico-dedutiva pode ser alcançado.

Quanto às declarações de perdimento a favor do Estado do veículo automóvel da marca…., modelo….., matrícula ……-QG e da quantia de 5 930,00€, que os recorrentes AA e CC, respectivamente, enquadram na nulidade da sentença, prevista nos artigos 379º, n º 1, alínea a) e 374º, n º 2, ambos do Código de Processo Penal, vale mutatis mutandis o que se consignou supra., sendo claro que esta específica razão para a arguição de tal nulidade, não encontra conforto no acórdão sub judicio. Pelo contrário, as decisões de perdimento surgem ancoradas nos factos assentes sob os n º s 24 e 84, n º s 25-36; 47-62, tendo o tribunal coletivo, fundamentando a mesma, também de direito, colocando-a sob égide do art.º 35º, n º 1, do DL. n º 15/ 93, de 22 de Janeiro.

O tribunal em claro lapsus calami incluiu a palavra «não», no segmento da decisão que passamos a transcrever: "Esta última nota permitiu-nos também não dar como provado que os veículos automóveis ……-VM e ……-QG, usados respectivamente por DD e AA estavam afectos á actividade de tráfico , como revelam as regras da experiência quando concatenadas com as escutas telefónicas e autos de vigilância, sendo evidente que eram essas viaturas as usadas para desenvolver a actividade, concretamente para fazer entregas e levantamentos na residência de CC, como o eram os telefones apreendidos (à execpção do telefone apreendido a EE, como infra se explicará) através dos quais se chegou ás inúmeras escutas telefónicas anexas aos apensos 1, 2 e 3 dos autos".

Com a inclusão deste não antecedendo o «provado», no exame crítico da prova (que afinal implicitamente se reconhece existir) logo se pretendeu configurar «à outrance» a existência, na decisão, do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Pese embora, ser consabido que na revista, vocacionada para o reexame exclusivo da matéria de direito, o STJ só conhece de erros-vício, ex officio e nos restritos casos em que tal conhecimento se apresenta como absolutamente necessário para proferir decisão. Ainda assim, é claro e manifesto, como se vê até da simples leitura do excerto transcrito, que só logra significado, com a inclusão da palavra não no texto, como se retira da contextualização do mesmo. De resto, colhe-se relevante subsídio nesta matéria, da leitura do ponto 6º do sumário do ACSTJ proferido em 18 de Março de 2004, proc. n º 03P3566, relatado pelo Conselheiro M. Simas Santos, onde se escreve: "A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum".

O recorrente AA sustenta que a adequada qualificação jurídico-penal dos factos provados, não seria no quadro do art.º 21º, n º 1, do DL n º 15 / 93, de 22 de Janeiro, mas no do art. 25º, alínea a), do mesmo diploma legal (tráfico de menor gravidade). A perfectibilização de tal tipo privilegiado de tráfico, depende, como em primeira linha resulta do inciso em referência, justamente da verificação de um grau de ilicitude do facto consideravelmente diminuído, para cuja aferição, nos termos da lei e da jurisprudência, se haverá que usar critérios de ponderação tais como, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade de plantas, substâncias ou preparações, em causa.

Para a integração dos factos provados, se teve em conta, o período em que o recorrente praticou o crime, entre Dezembro de 2017 e Junho de 2019, o tipo de tráfico prosseguido, efectuando frequentes deslocações em dois veículos automóveis , quer por várias artérias da cidade .........., quer ao…...., …….., onde residia a sua irmã, a co-arguida CC, para junto dela se abastecer de estupefacientes, para posterior revenda, para si e também por conta daquela; a natureza dos produtos objecto do tráfico que desenvolvia.- cannabis/resina, metadona (de que foram apreendidas na aludida busca - 25 saquetas) bem como cocaína, sendo pela sua natureza, as duas últimas, não podem deixar de relevar, negativamente.

O tráfico desenvolvido com a colaboração da sua companheira, a co-arguida BB, teve lugar, desde logo, junto à sua habitação, sita à Rua……….., …….., para onde confluiam os consumidores, provocando ajuntamentos no local, causando, naturalmente, constante perturbação e alarme públicos, bem como em vários pontos daquela cidade.

A jurisprudência designadamente deste Alto Tribunal, vem de há muito densificando de modo uniforme, o conceito de diminuição considerável da ilicitude, implicando na sua averiguação a indagação da imagem global do facto. Neste conspecto, a actuação do recorrente reveste a natureza de tráfico de rua, ainda que ancorado na sua residência; que foi exercido durante cerca de ano e meio, actividade que lhe permitiu auferir proventos ilícitos, de que é exemplo a quantia de 1 908,100€ que lhe foi apreendida.

Daqui que, a nosso ver, os factos provados, também em relação a este recorrente, encontram a adequada integração jurídico-penal no tipo legal base do crime de tráfico, previsto no art.º 21º, n º 1, do DL n º 15 / 93, de 22 Janeiro. A moldura penal deste, prisão de 4 a 12 anos, contém a elasticidade suficiente para adequar a pena aos concretos factos apurados, cuja determinação foi levada a cabo, no respeito pelos critérios legais plasmados no art.º 71º, do Código Penal.

Ainda que os crimes de condução sem habilitação legal (dez) e de detenção de arma proibida, (01) permitam a aplicação de pena não privativa da liberdade, para tal, necessário se torna que tribunal possa concluir que a pena não privativa de liberdade realiza in casu «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» ut art.º 70º do Código Penal. No caso vertente, o tribunal colectivo ponderou o número de vezes e o período em que o recorrente circulou conduzindo veículos automóveis sem para tal estar habilitado, que tal condução se inseriu nas actividades de tráfico que desenvolveu, constituindo um importante meio para a sua execução. Do mesmo modo, não se pode deixar de valorar negativamente o facto da detenção dos bastões elétricos, estar ligada á prossecução de tais actividades ilícitas. Assim não se verifica, in concreto circunstancialismo viabilizante da opção pela reclamada aplicação de pena de multa.

A pretensão dos recorrentes de que as penas singulares e única (recorrente AA) se mostram excessivas, vai no sentido de que pelo reexame das penas se fixem, agora, as mesmas em quantum que permita a almejada suspensão da sua execução (para o que sempre seria necessário, a verificação do pressuposto substantivo do instituto). Contudo, não se lobrigam motivos para que aos recorrentes sejam, agora, fixadas penas compatíveis com o preenchimento do requisito formal, verificando-se, de todo o modo, razões, desde logo, mas não exclusivamente, de prevenção geral, que sempre seriam impeditivas, em última instância da aplicação daquele

Na fixação das penas singulares e única, o tribunal ad quem não postergou o preceituado nos art.º s 71º, e 77º, n ºs 1 e 2, do Código Penal. Deste modo, a nosso ver, não ocorre, assim, na fixação das penas em apreço, violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.

Foi observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP.


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Dispensados os vistos o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

II - OBJETO DOS RECURSOS:

São as seguintes as questões para julgar:

- nulidade da decisão por falta de fundamentação e ausência de exame crítico da prova;

- violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo;

- qualificação jurídica do tráfico (recorrente AA);

- escolha da pena para os crimes de condução sem habilitação legal e o crime de detenção de arma proibida;

- medida das penas;

- declaração de perda de um automóvel e de numerário.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

O Tribunal coletivo julgou os seguintes:

Factos Provados:

1. Pelo menos desde Dezembro de 2017 até Junho de 2019, o arguido AA (também conhecido por AA, AA, ou AA), dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína, canábis e metadona, na cidade .... e no concelho de…, detendo e fazendo a entrega dessas substâncias a consumidores e/ou vendedores das mesmas, a troco de uma compensação pecuniária.

2. Para tanto, o arguido AA após prévio contacto telefónico com a sua irmã, a arguida CC (também conhecida por CC), “sua fornecedora” de produto estupefaciente, utilizadora dos n.ºs ……..21 e ……05, deslocava-se à residência desta última sita no….., em…., local onde adquiria a título oneroso a esta última, quantidades não concretamente apuradas de cocaína para posterior revenda a consumidores durante os dias que se seguiam.

3. AA recorria ainda a CC para, por conta desta, também proceder à venda/revenda de produto estupefaciente.

4. Por sua vez, e pelo menos desde Janeiro de 2019 até ao dia … .06.2019, CC após prévio contacto telefónico com DD, “seu fornecedor” de produto estupefaciente, utilizador do n.º …96, aguardava que este último se deslocasse à sua residência acima indicada, sita no….., em……, local onde a mesma adquiria a título oneroso ao primeiro e, ou, à consignação, quantidades não concretamente apuradas de cocaína para posterior cedência e venda ao seu irmão AA,  durante os dias que se seguiam.

5. Na referida actividade de venda de produtos estupefacientes AA utilizava como pontos de venda diversos locais da cidade e concelho ...., previamente combinados com os consumidores, bem como, a sua residência sita na Rua …, em … .

6. No exercício da referida actividade, o arguido AA contou ainda com a colaboração da sua então companheira, a arguida BB (também conhecida por BB ou BB).

7. Nesse contexto e pelo menos desde Dezembro 2017 até Junho de 2019, os consumidores/vendedores que pretendiam adquirir aqueles produtos estupefacientes contactavam o arguido AA, pessoalmente ou através do seu telemóvel com o número …87, e recebiam dele e, ou, da sua então companheira BB, quantidades não apuradas de cocaína, canábis e, ou metadona, entregando-lhes quantias em dinheiro, como contrapartida.

8. Nos contactos que estabelecia com os consumidores e com BB, AA mantinha conversações alusivas à aquisição de produtos estupefacientes, preços, locais de encontro, e designavam o produto estupefaciente, por ovos, pedras, vestidos, duques, sacos de gel ou gelo, bola, lixívia, flores, rosas ou laranjas.

9. A afluência diária de consumidores e outros toxicodependentes à entrada do prédio onde reside o arguido AA era muito significativa e notória, existindo uma grande movimentação de pessoas naquele local, própria da azáfama ligada ao tráfico de droga. Concretamente,

a) No dia … .01.2019, no período compreendido entre as 14h40m e as 19h15m constatou-se a deslocação de 14 (catorze) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente àquele local, e que ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

b) No dia … .01.2019, no período compreendido entre as 14h45m e as 19h40m constatou-se a deslocação de 14 (catorze) indivíduos referenciados como consumidores de produto estupefaciente o consumo de produto estupefaciente àquele local, e que ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 5 minutos).

c) No dia … .01.2019, no período compreendido entre as 09h30m e as 14h10m constatou-se a deslocação de 16 (dezasseis) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente àquele local, e que ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

d) No dia … .01.2019, no período compreendido entre as 18h00m e as 20h50m constatou-se a deslocação de 9 (nove) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente àquele local, e que ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos);

e) Na mesma data (… .01.2019), pelas 19h25m, após contactar o arguido AA, o consumidor II, tinha na sua posse 0,238 gramas de cocaína, que havia adquirido ao referido arguido.

f) No dia … .01.2019, no período compreendido entre as 15h20m e as 17h40m, 7 (sete) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

g) No dia … .02.2019, no período compreendido entre as 17h40m e as 20h20m, 9 (nove) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

h) No dia … .02.2019, no período compreendido entre as 10h20m e as 17h30m, 6 (seis) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

i) No dia … .02.2019, no período compreendido entre as 15h35m e as 19h50m, 6 (seis) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

j) No dia … .02.2019, no período compreendido entre as 10h35m e as 14h50m, 15 (quinze) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

k) No dia … .02.2019, no período compreendido entre as 15h00m e as 19h50m, 15 (quinze) indivíduos conotados com o consumo de produto estupefaciente deslocaram-se àquele local, e ali permaneceram por breves instantes (cerca de 3 a 4 minutos).

10. Nesse contexto, e além do fluxo anormal de indivíduos à residência do arguido AA e acima indicado (vd. artigo 9.), nos dias 18.03.2019, 20.03.2019, 22.03.2019, 28.03.2019, 09.04.2019, 29.04.2019, diversos indivíduos, conotados com o consumo de estupefacientes, contactaram os arguidos AA e BB com vista à aquisição de estupefacientes. Concretamente,

11. No dia ... .03.2019, o arguido AA vendeu quantidades de cocaína não apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à consumidora JJ, que para o efeito se deslocou à residência do arguido, sita na Rua……, em…... Noutras ocasiões, e no período temporal compreendido entre os meses de Janeiro e Junho de 2019, o arguido AA vendeu cerca de trinta vezes, e a arguida BB vendeu cerca de vinte vezes, quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à sobredita consumidora.

12. No dia ... .03.2019, o arguido AA vendeu quantidades de cocaína não apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à consumidora LL, que para o efeito se deslocou à residência do arguido, sita na Rua……, em……. Noutras ocasiões, e no período temporal compreendido entre o mês de Janeiro de 2018 e Abril de 2019, o arguido AA vendeu cerca de trinta vezes, e a arguida BB, vendeu cerca de duas vezes, quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à sobredita consumidora.

13. Durante os meses de Dezembro de 2017 e Junho de 2019, o arguidos AA e BB e, por mais de cinquenta vezes, venderam ao consumidor MM quantidades de cocaína não concretamente apuradas, recebendo em troca, de cada vez, como pagamento, a quantia de € 10,00 (dez euros), ou um frasco contendo no seu interior metadona.

14. No dia ... .04.2019, o arguido AA vendeu 17 (dezassete) saquetas (vulgo muchas) de cocaína, pelo preço global de € 170,00 (cento e setenta euros), ao consumidor NN, que para o efeito se deslocou às imediações ............

15. No período temporal compreendido entre os meses de Janeiro e Junho de 2019, o arguido AA vendeu cerca de vinte vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína, à consumidora KK, recebendo em troca, de cada vez, como pagamento a quantia de € 20,00 (vinte euros), sendo que em algumas dessas ocasiões quem procedeu à entrega do produto estupefaciente e recebeu a sobredita quantia monetária como pagamento foi a arguida BB.

16. No decurso do ano de 2019 e até ao mês de Maio do referido ano, o arguido AA vendeu cerca de quatro vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína, ao consumidor OO, recebendo em troca, de cada vez, como pagamento a quantia de € 10,00 (dez euros).

17. No dia ... .05.2019, o arguido AA vendeu uma mucha de cocaína, ao consumidor OO, recebendo em troca, como pagamento dois frascos contendo metadona.

18. No período temporal compreendido entre o verão de 2018 e Abril de 2019, o arguido AA vendeu cerca de vinte vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína, ao consumidor PP, recebendo em troca, de cada vez, como pagamento a quantia de € 10,00 (dez euros), sendo que em três dessas ocasiões quem procedeu à entrega do produto estupefaciente e recebeu a sobredita quantia monetária como pagamento foi a arguida BB.

19. No período temporal compreendido entre o verão do ano de 2018 e os meses de Maio e Junho de 2019, o arguido AA, vendeu cerca de vinte vezes, quantidades não concretamente apuradas de canábis, ao consumidor QQ, recebendo em troca, como pagamento quantias monetárias que variavam entre dez, quinze e vinte euros, sendo que numa dessas ocasiões o arguido vendeu ao sobredito consumidor quantidades de canábis não apuradas pelo preço de cinquenta euros.

20. No período temporal compreendido entre Janeiro de 2018 e os meses de Março e Abril de 2019, o arguido AA vendeu, entre quarenta a cinquenta vezes, quantidades não concretamente apuradas de cocaína, à consumidora RR, recebendo em troca, de cada vez, como pagamento a quantia de € 10,00 (dez euros).

21. No dia ... .06.2019, cerca das 10h15m, o arguido AA detinha no interior da sua residência, sita na Rua……., em ….., entre outros, os seguintes objectos:

a) 1 (uma) arma eléctrica, dissimulada sob a forma de lanterna, com lanterna incorporada, com a inscrição ….., em boas condições de funcionamento, apresentando uma voltagem máxima medida de 10000V;

b) 1 (uma) arma eléctrica, dissimulada sob a forma de lanterna, com lanterna incorporada, com a inscrição….., apresentando uma voltagem máxima medida de 9600V;

c) 1 substância indeterminada, com o peso de 146,968 gramas;

d) 25 saquetas de metadona;

e) 3 pedaços de canábis-resina (haxixe), com o peso de 5,917 gramas e de 0,747 gramas;

f) 1 telemóvel de marca e modelo……, com o IMEI….., e 1 telemóvel de marca e modelo...., com o IMEI n.º……..

22. Também na mesma data (... .06.2019), os arguidos AA e BB detinham no interior da residência que partilhavam e acima indicada (sita na Rua……, em…….), a quantia global de € 1.908,10 (mil novecentos e oito euros e dez cêntimos).

23. Na referida data (... .06.2019), a arguida BB detinha ainda no interior da residência indicada nos artigos 24. e 25., deste despacho acusatório, um telemóvel de marca e modelo………, com o IMEI n.º…, e um telemóvel de marca e modelo …, com os IMEI’s n.ºs …… e… .

24. No desenvolvimento da sobredita actividade de tráfico o arguido AA efectuou várias deslocações, usando para tal os veículos automóveis de marca e modelo….., com a matrícula ……-QG, e de marca e modelo……, com a matrícula ……-PT.

Designadamente,

25. No dia ... de Fevereiro de 2019, cerca das 18h07m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua …, em … e conduziu a viatura de matrícula ….-QG, na referida Rua …….. e em diversas artérias da cidade ...... e do concelho……, em direcção ao…., em…….. Cerca das 19h15m, o arguido AA voltou a conduzir a viatura de matrícula ……..-QG, no ……. e em diversas artérias em direcção a……., designadamente na EM….., local onde efectuou uma breve paragem, após o que iniciou a marcha seguindo em direcção à Avenida….., em……, local onde acabou por estacionar a sobredita viatura, cerca das 19h30m.

26. No dia ... de Fevereiro de 2019, cerca das 13h40m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua…, em…, na companhia de BB, e conduziu a viatura de matrícula ………-QG, na referida Rua ….e em diversas artérias da cidade ....., em direcção ao estabelecimento comercial denominado…, local onde estacionou a referida viatura. Volvidos alguns minutos, o arguido AA voltou a conduzir a referida viatura, abandonando aquele local, e conduzindo em direcção à EN…... De seguida, o arguido conduziu o dito veículo no….., em…….., após o que seguiu em direcção a…, local onde imobilizou a dita viatura. Cerca das 17h30m o arguido AA voltou a conduzir o referido veículo por diversas artérias públicas em direcção a…….

27. No dia ... de Fevereiro de 2019, no período compreendido entre as 18h10m e as 18h38m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ……., em …….e conduziu a viatura de matrícula ……..-QG, na Avenida ……e em diversas artérias da cidade .......... e do concelho……, em direcção ao ............, em ........... Cerca das 19h13m, o arguido AA voltou a conduzir a viatura de matrícula .......-QG, no ............ e em diversas artérias em direcção à sua residência, sita na Rua ............, em ........, local onde acabou por estacionar referido veículo, cerca das 19h33m.

28. No dia ... de Fevereiro de 2019, cerca das 12h35m, o arguido AA conduziu a viatura de matrícula .......-QG, em diversas artérias do concelho de .........., em direcção ao ............, em ........... Cerca das 12h45m, o arguido AA voltou a conduzir a viatura de matrícula .......-QG, no ............ e na EN ….., em direcção ao estabelecimento comercial….., em .........., local onde acabou por estacionar referido veículo, cerca das 12h45m.

29. No dia ... de Fevereiro de 2019, cerca das 15h45m, o arguido AA conduziu a viatura de matrícula .......-PT, na Rua ......, em ......... Cerca das 16h10m, o arguido retorna às imediações da sua residência, estacionando a referida viatura no parque de terra batida, ali existente.

30. Também no mesmo dia (... .02.2019), no período compreendido entre as 17h09m e as 17h27m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........ e conduziu a viatura de matrícula .......-PT, na Avenida ….. e em diversas artérias da cidade .......... e do concelho de .........., em direcção ao ............, em ........... Cerca das 18h15m, o arguido AA voltou a conduzir a viatura de matrícula .......-QG, no ............ e em diversas artérias em direcção à sua residência, sita na Rua ............, em .........

31. No dia ... de Março de 2019, cerca das 17h00m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........ e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, em direcção ao Centro de Saúde ........... Posteriormente, cerca das 18h00m, o arguido voltou a conduzir a sobredita viatura em direcção à sua residência, estacionando a referida viatura no parque de terra batida, ali existente.

32. Também no mesmo dia (... .03.2019), no período compreendido entre as 20h00m e as 20h16m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........ e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, na Avenida …….e em diversas artérias da cidade .......... e do concelho de .........., em direcção ao ............, em ........... Cerca das 20h45m, o arguido AA voltou a conduzir a viatura de matrícula .......-QG, no ............ e em diversas artérias em direcção à sua residência, sita na Rua ............, em .........

33. No dia ... de Março de 2019, cerca das 13h30m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........, na companhia da sua então companheira BB, e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, na Avenida ….. e em diversas artérias da cidade e concelho .......... em direcção a ...........

34. No dia ... de Março de 2019, cerca das 12h30m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........, na companhia da sua então companheira BB, e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, em diversas artérias da cidade .........., nomeadamente na Avenida ....... e na Rua .......

35. No dia ... de Março de 2019, cerca das 11h01m e das 13h35m, o arguido AA conduziu a viatura de matrícula .......-QG, em diversas artérias da cidade .........., nomeadamente na Avenida ....... e na Rua ....... Posteriormente, no período temporal compreendido entre as 16h45m e as 18h30m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........, na companhia da arguida BB, e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, na Avenida ....... e em diversas artérias da cidade .......... e do concelho de .........., em direcção ao ............, em ...........

36. No dia ... de Abril de 2019, no período compreendido entre as 19h10m e as 19h38m, o arguido AA saiu da sua residência sita na Rua ............, em ........ e conduziu a viatura de matrícula .......-QG, na Avenida ....... e em diversas artérias da cidade .......... e do concelho de .........., em direcção ao ............, em ...........

37. O arguido AA conduziu os sobreditos veículos automóveis com as matrículas .......-QG e .......-PT, sem que fosse portador de carta de condução válida, ou outro documento equivalente, emitido pelas autoridades competentes, que nos termos da legislação em vigor, o habilitasse a conduzir tais veículos.

38. O mesmo conhecia as características das vias onde conduziu, sabendo que não era possuidor de documento que legalmente o habilitasse a conduzir os veículos automóveis acima identificados e que, nessas condições, lhes estava vedada a sua condução na via pública.

39. Desde data não concretamente apurada até Junho de 2019, a arguida CC dedicou-se à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína, heroína e canábis, detendo e fazendo a entrega dessas substâncias ao seu irmão AA a troco de uma compensação pecuniária.

39.1 Durante o ano de 2015, e por diversas vezes, a arguida CC vendeu quantidades de heroína e cocaína não concretamente apuradas ao consumidor MM, recebendo, em troca, como pagamento valores monetários não apurados.

40. Na referida actividade de venda de produtos estupefacientes a arguida CC utilizava como ponto de venda a sua própria residência sita no……, em ...........

41. Para levar a cabo tal actividade, a arguida CC, com maior ou menor periodicidade, comprou quantidades de cocaína ao arguido DD, para posterior revenda ao seu irmão (o arguido AA) e a consumidores que se encontravam com ela directamente ou lhe telefonavam previamente para o efeito para os n.ºs ………..21 e ……..05 e, ou por intermédio do seu irmão, o arguido AA.

42. Com efeito, nos dias 02.04.2019, 03.05.2019, 05.05.2019, 29.05.2019, 04.06.2019 e 12.06.2019, a arguida CC estabeleceu contactos e encontros com o arguido DD, encontros esses que tiveram lugar na residência da primeira, sita em .........., em .........., com vista à aquisição de produto estupefaciente para posterior revenda a terceiros e ao seu irmão AA.

43. Nos contactos telefónicos que estabelecia com o seu irmão, o arguido AA, e a companheira deste, a arguida BB, a arguida CC mantinha conversações alusivas à aquisição e venda de produtos estupefacientes, preços, e divisão de lucros obtidos com a venda de tais substâncias estupefacientes

44. No dia ... .06.2019, cerca das 10h00m, a arguida CC, detinha no interior da sua residência, sita em …….– .........., entre outros, os seguintes objectos:

a) 1 pedaço de canábis-resina (haxixe), com o peso de 15,066 gramas;

b) 1 telemóvel de marca e modelo….., com os IMEI’s n.ºs ……… e…….;

c) 1 cópia de factura referente à compra de uma televisão de marca….., no dia ... .05.2019; e

d) A quantia global de € 5.930,00 (cinco mil novecentos e trinta euros).

45. Como supra se referiu pelo menos desde Janeiro de 2019 até à data da sua detenção (no dia 13.06.2019), o arguido DD, e por diversas vezes, vendeu quantidades não apuradas de cocaína aos arguidos AA e CC, a troco de uma compensação pecuniária.

46. Na referida actividade de venda de produtos estupefacientes o arguido DD utilizava como pontos de venda diversos locais do concelho .........., previamente combinados com os sobreditos arguidos, mormente a casa da arguida CC, utilizando, ainda, diversas zonas de mato do sobredito concelho (localizadas na localidade do ….. e……..), para esconder o produto estupefaciente que posteriormente vendia a terceiros.

47. Para se deslocar aos sobreditos locais o arguido utilizou a viatura, com a matrícula .........-VM.

48. Assim, no dia ... de Junho de 2019, cerca das 13h05m, o arguido DD, saiu da sua residência sita na Rua …….. –………., e conduziu a viatura……., com matrícula .........-VM, pela N….., em direcção a ......... Chegado à rotunda……, o arguido conduziu a dita viatura pela EM……, em direcção ao local denominado “M…..”, após o que virou à direita, seguindo por uma estrada secundária, sem nome, em direcção ao local conhecido por “C…..”. Aí chegado, o arguido conduziu a dita viatura em direcção a uma estrada de terra batida, num local ermo (coordenadas…., - ……..), tendo ali permanecido entre 5 a 10 minutos.

49. Posteriormente, o arguido abandonou aquele local, conduzindo a dita viatura em direcção à residência da arguida CC, sita no ...., em .... . Aí chegado, cerca das 14h00m, o arguido DD entrou no interior da residência da sobredita arguida.

50. No dia ... .06.2019, cerca das 00h10m, o arguido DD, saiu da sua residência sita na Rua ………. –……., e conduziu a viatura………., com matrícula .........-VM, pela N…., em direcção ao local conhecido por “C……..”, indicado no artigo 48.

51. Aí chegado, o arguido que conduzia a dita viatura de matrícula .........-VM, virou aquele veículo no sentido da N……, após o que tornou a virar à esquerda, seguindo pelo caminho de terra batida indicado em 56., local onde parou o referido veículo na berma da estrada.

52. Acto contínuo, o arguido saiu da dita viatura, e dirigiu-se para uma encosta ali existente, tendo ali permanecido debruçado, durante cerca de 5 minutos, após o que abandonou aquele local em direcção à sua residência.

53. No local indicado no artigo que antecede, no dia ... .06.2019, cerca das 11h00m, foram detectadas, dissimuladas em buracos cobertos com pedras ali existentes, duas caixas de cor escura, envoltas em fita adesiva, contendo as inscrições “…..”.

54. No dia ... .06.2019, cerca das 02h00m, o arguido DD que se fazia transportar na viatura de matrícula .........-VM, dirigiu-se novamente ao local ermo indicado no artigo 48.

55. Acto contínuo, o arguido saiu da dita viatura, e dirigiu-se ao local indicado no artigo 52., tendo ali permanecido agachado durante alguns minutos, após o que retornou à sua viatura, transportando algo nas mãos.

56. No dia ... .06.2019, cerca das 13h05m, o arguido DD que se fazia transportar na viatura de matrícula .........-VM, dirigiu-se novamente ao local ermo indicado no artigo 48.

57. Acto contínuo, o arguido abriu a porta da viatura e debruçou-se junto do local indicado no artigo 52, após o que retirou algo daquele local. De seguida, abandonou aquele local, fazendo-se transportar na viatura de matrícula .........-VM, em direcção à residência da arguida CC, sita em ............, ...........

58. Aí chegado, cerca das 13h24m, o arguido DD entrou no interior da residência da arguida CC.

59. No dia ... .06.2019, cerca das 02h13m, o arguido DD, saiu da sua residência sita na Rua ……… –…….., e conduziu a viatura…….., com matrícula .........-VM, pela N….., em direção à Rua……., local onde estacionou o referido veículo junto a um muro em pedra.

60. De seguida, o arguido DD saiu da sua viatura, e dirigiu-se ao referido muro em pedra, local onde começou a mexer nas pedras ali existentes, após o que retornou à sua viatura.

61. Volvidos alguns minutos, o arguido iniciou a marcha, conduzindo o veículo de matrícula .........-VM, em direção ao …….

62. Posteriormente, o arguido DD que se fazia transportar na viatura de matrícula .......-VM, dirigiu-se novamente ao local ermo indicado no artigo 48, deste despacho acusatório (coordenadas….., - ……).

63. Acto contínuo, cerca das 02h35m, o arguido saiu da dita viatura, e dirigiu-se ao local indicado no artigo 52. deste despacho acusatório, tendo ali permanecido agachado durante alguns minutos, ao mesmo tempo que colocava algo naquele local e tapava com terra e pedras.

64. De seguida, abandonou aquele local, fazendo-se transportar na viatura de matrícula .........-VM, em direção à sua residência, sita na Rua …… – ……..

65. No local indicado no artigo 63., e na mesma data, logo após o arguido DD abandonar aquele local, foram detectadas três embalagens, acondicionadas em fita adesiva de cor castanha.

66. No dia ... .06.2019, no período compreendido entre as 07h25m e as 08h15m, o arguido DD detinha no interior da sua residência, sita na Rua …… – ….., entre outros, os seguintes objetos:

a) 1 telemóvel de marca e modelo……, com o IMEI n.º ……., no valor de € 1.040,65;

b) Fita adesiva de cor castanha, utilizada para acondicionar produto estupefaciente e selar embalagens;

c) 1 tesoura; e

d) 1 balança de marca Jata.

67. Na mesma data (... .06.2019), no período compreendido entre as 08h15m e as 08h30m, o arguido DD detinha no interior do seu veículo automóvel da marca….., modelo….., de matrícula .........-VM, os seguintes objetos:

a) A quantia global de 25,00; e

b) Recibos de utilização de autoestrada A2.

68. No mesmo dia (... .06.2019), no período compreendido entre as 09h15m e as 10h00m, cerca das 09h40m, o arguido DD detinha, enterrado e dissimulado por baixo de pedras, no local ermo indicado no artigo 52., situado entre a zona do ……. e …… (coordenadas….., - ……), local por si utilizado para guardar produto estupefaciente, os seguintes objetos:

a) 1 embalagem acondicionada com fita adesiva castanha, contendo no seu interior cocaína com o peso de 36,161 gramas; e

b) 1 embalagem acondicionada com fita adesiva castanha, contendo no seu interior cocaína com o peso de 34,932 gramas.

69. Também na referida data (... .06.2019), no período compreendido entre as 10h20m e as 10h45m, o arguido DD detinha, ainda, enterrado e dissimulado por baixo de pedras, no chão, junto de um muro de pedras, no local indicado no artigo 59, situado na Rua……., na localidade…., entre a zona …. e ….. (coordenadas……, - ……), local por si utilizado para guardar produto estupefaciente, os seguintes objetos:

a) 1 embalagem contendo no seu interior cocaína com o peso de 40,006 gramas;

b) 1 embalagem contendo no seu interior cocaína com o peso de 30,985 gramas; e

c) 1 balança de precisão.

70. Os arguidos AA, CC e DD conheciam a natureza e características estupefacientes das substâncias detidas, e não as destinavam ao seu consumo, mas para venda e/ou cedência junto de consumidores que os procurassem para comprar, e que em troca como pagamento das mesmas lhes entregavam dinheiro.

71. Os arguidos CC e DD não exercem qualquer actividade profissional lícita regular, através da qual, aufiram qualquer ganho monetário.

72. A venda de produtos estupefacientes constitui o modo de sobrevivência dos arguidos DD e CC, e um negócio com o qual, os referidos arguidos e os arguidos AA e BB obtinham ganhos monetários.

73. O dinheiro que foi apreendido aos arguidos era proveniente dessa actividade de tráfico.

74. O arguido DD destinava a balança de marca …., a balança de precisão e a fita adesiva de cor castanha que lhe foram apreendidas para acondicionar e pesar a cocaína que vendia a terceiros.

75. Os telemóveis acima indicados e que foram apreendidos aos arguidos AA, CC, DD e BB, foram pelos mesmos utilizados na concretização da actividade de venda de heroína, cocaína, canábis e metadona.

76. Com a conduta descrita, os arguidos AA, CC, DD e BB quiseram deter, vender, ceder, distribuir e transportar cocaína, heroína, canábis e metadona, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos produtos que possuíam, intentos que lograram alcançar.

77. Os mesmos tinham conhecimento que a detenção, importação, exportação, compra, preparação, transporte, distribuição, venda, oferta, cedência, recebimento a qualquer título de produtos estupefacientes são proibidos por lei e, não obstante, quiseram desenvolver tal conduta, apesar de não se encontrarem autorizados a tal.

78. Os arguidos AA e CC não são titulares de licença de uso e porte de arma ou qualquer outra que os habilitasse a ter em seu poder as armas eléctricas e aerossóis de defesa supra referidos.

79. Sabiam os referidos arguidos que para deter as sobreditas armas, necessitavam de apresentar a respectiva licença e que não as podiam deter nas circunstâncias descritas.

80. Não obstante, o arguido AA agiu com o propósito concretizado de ter em seu poder as referidas armas eléctricas, dissimuladas sob a forma de lanterna, bem sabendo, que não era titular de licença de uso e porte de arma e que, assim, não as podia deter.

81. O gás CS é uma substância lacrimogénea que apresenta propriedades irritantes particularmente para os olhos, mucosas, pele e vias respiratórias, sendo por isso tóxico.

82. O arguido AA sabia que detinha armas proibidas, no entanto quis  detê-las, como efectivamente fez.

83. Todos os arguidos agiram sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

84. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo, supra descritas, foram apreendidos aos arguidos as quantias monetárias e objectos referidos nos artigos 21 a 23, 44 e 66 a 69, deste despacho acusatório, e os veículos automóveis de matrículas .......-QG e .........-VM e acima indicados, que serviram para os arguidos desenvolverem a actividade de tráfico ou eram produto da sua comercialização.

85. Os arguidos DD, BB e CC não têm antecedentes criminais.

86. O arguido AA tem registados os seguintes antecedentes criminais:

a) por factos ocorridos em Março de 1996, foi condenado por Acórdão de 19.10.2009, transitada em julgado a 9.11.2009, pela prática de um crime de receptação e de um crime de furto qualificado na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena entretanto declarada extinta (Porc 701/99…. do Juizo Central Criminal .......... J..).

b) por factos ocorridos a ... .09.2011, foi condenado por sentença de 11.5.2012, transitado em julgado a 11.5.2012, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 90 dias de multa, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, entretanto extinta pelo cumprimento (proc. 696/11…… do Juízo de pequena Instância Criminal …….)

87. AA mantinha, à data dos factos, residência na Rua ..., em .... .

 88. Este edifício detém uma imagem social negativa, associada à população problemática que habitualmente aí reside, conotada por questões criminais, adições e trabalho em estabelecimentos de diversão noturna.

89. O apartamento onde reside foi arrendado pela irmã (co-arguida CC). Aqui chegou a coabitar com outros elementos da família e com a namorada (co-arguida BB). Agora vive sozinho, assumindo todas as despesas domésticas, incluindo a renda de 250€, de que faz menção a dois meses de atraso. Tem como único rendimento o subsídio de desemprego de 405€. Desde há 7 anos trabalha como ….. no…....., ficando habitualmente no desemprego apenas os 4 meses de Inverno.

90. Este ano, está prevista a sua contratação, a termo incerto, no aludido …. com efeitos a partir de 3.7.2020.

91. O arguido AA nasceu em….., inserido numa família de fracos recursos económicos, tendo sido o mais novo de uma fratria de cinco.

92. Deixou precocemente a escola, para começar a trabalhar indiferenciado, só tendo como habilitações a 4ª classe. O seu percurso de vida vem a ser negativamente condicionado a vários níveis pela adição a produtos estupefacientes, desde a juventude, problemática comum no seu contexto social de referencia, incluindo alguns dos irmãos.

93. Aos 27 anos teve um primeiro contacto com o sistema de administração da justiça penal, tendo cumprido 18 meses de pena de prisão efetiva por crimes de furto.

94. Quando saiu da prisão, em 1991, mudou-se para ....., onde a irmã CC se tinha fixado, com vida organizada em….., contexto em que AA se passou a dedicar como…...

95. Em 1997, aos 35 anos, assume um propósito de tratamento à toxicodependência que passou pela mudança para……, onde se manteve ao longo de 11 anos, aderindo a um programa de desabituação dos consumos, formação e reinserção sócio-laboral.

96. Regressou a Portugal por motivos familiares – tentativa de reaproximação da sua única filha, que conta atualmente 26 anos. Viveu cerca de 5 anos na zona da….., onde contava com o apoio da progenitora e aí trabalhou num ……e numa……. Depois mudou-se para ........, onde continuavam a viver a irmã CC e outros familiares.

97. Quaisquer dos relacionamentos maritais que foi estabelecendo ao longo da vida não se revelaram consistentes, sendo as companheiras também portadoras de problemáticas sócio-familiares ou toxicodependentes, dando azo a sucessivas separações.

98. Ainda assim, terão havido aspetos assegurados no modo de vida do arguido com um cariz organizado/convencional, como ocorreu nos últimos 7 anos em que foi trabalhando na ….. dentro de um referencial normativo.

99. As questões criminais não tiveram uma prevalência maior no passado do arguido.

100. Da sua vida quotidiana e projetos de futuro, infere-se um relativo isolamento social. Do seu passado resultam basicamente relações de risco, de que se procura afastar, sendo o meio que valoriza como mais favorável o trabalho, onde não é conhecida a questão criminal do arguido.

101. O estado de saúde reveste-se de algumas co-morbidades, resultante de ser ….., entre questões……. Mantém a ligação aos serviços de saúde, designadamente a Equipa de Tratamento ….. (……), com terapêutica de substituição de metadona há cerca de vinte anos.

102. A arguida BB vive actualmente no apartamento do Sr. SS….. na…….., não tendo encargos com renda ou despesas de habitação em troca dos cuidados diários que presta a este seu amigo doente e idoso, designadamente em limpezas e confeção de alimentação. Na altura da ocorrência dos factos agora em julgamento BB morava no …… (........) com o seu companheiro de então e co-arguido nos autos, AA, estando habitualmente…...

103. BB permanece atualmente sem trabalho e conta com o suporte económico de António Sebastião, cuja reforma assegura a manutenção do próprio e da arguida.

104. Oriunda de um meio rural empobrecido ......., a arguida refere uma infância infeliz, cuja educação foi assumida nos primeiros anos pela madrinha por morte da progenitora. Aos 7 anos terá ido morar para junto do pai e da madrasta mas a relação familiar foi sempre conflituosa a não chegou a concluir a escola primária, sendo obrigada a fazer tarefas domésticas. Aprendeu no entanto ler e escrever.

105. Aos 17 anos fugiu de casa e foi para a residência de uma tia no ….. onde trabalhou em ….. e como empregada…... Mais tarde casou e desse matrimónio tem 2 filhos já adultos (hoje com 37 e 35 anos) que deixou ainda crianças com o ex-marido no …… quando se divorciou e migrou para Portugal em 1990 na companhia de uma amiga.

106. Fixou-se na zona ….. e ter vivido durante vários anos de …. e empregos …… no ….. até ter vindo para o ..... no início deste século para procurar trabalho no setor….., tendo conseguido algumas ocupações sazonais em …. e…. , a último das quais no verão de 2018 para a empresa de trabalho temporário S…..

107. Hoje já com 59 anos BB apresenta muita dificuldade em organizar um projeto consistente para a sua vida e subsiste no presente do apoio habitacional/económico do indivíduo junto de quem reside.

108. A arguida CC tem 62 anos de idade e vive há cerca de 9 anos com o companheiro de nacionalidade…. , EE, de 51 anos, numa casa com 2 quartos, sala, cozinha e wc integrada numa pequena quinta no concelho.........., espaço que arrendou em 2018 por 350€, mantendo o quadro social que já tinha na altura da ocorrência dos factos agora em fase de julgamento (2018/9).

109. O companheiro trabalha como ….. no setor …… e aufere um salário de 45 euros/dia, enquanto CC é beneficiária do rendimento social de inserção, no montante de 190€, a que acrescem os ganhos de serviço ….. que faz esporadicamente.

110. Sendo a terceira de 5 filhos de um agregado familiar de modesta condição económica e social (mãe ….. /pai…. ), CC nasceu em ….. e cresceu na zona….., onde frequentou o ensino básico sem concluir o 1º ciclo. Começou a trabalhar muito jovem numa ….. e saiu de casa com 18 anos devido ao namoro com UU, com quem casou no ano seguinte (1976), indo residir para a Ilha ……, onde o marido foi colocado na …… como…..

111. Após alguns nos….., onde nasceram os 3 filhos da arguida, voltou para ….. no princípio dos anos 80 e voltou a trabalhar numa unidade fabril de malhas, enquanto o marido exercia atividade no setor dos alumínios. O casamento começou a ter problemas, o casal separou-se e em 1986 CC veio para o ..... e passou a residir no concelho .........., iniciando um período da sua vida de trabalho em ……, a que se seguiu a exploração de um……, trabalho como……, serviços esporádicos de limpezas e fases de desemprego, como é a situação no presente, recebendo uma prestação social de apoio.

112. No plano afetivo é de referir que a arguida apresenta uma ligação estável com o atual companheiro.

113. Manteve uma relação familiar com os irmãos, designadamente com o co-arguido AA, há muito tempo consumidor de estupefacientes e viveu tempos difíceis com o falecimento de dois filhos (em …. E….), tendo um outro filho com problemas de…... CC refere sofrer de …. e fazer medicação para…...

114. DD, atualmente com 28 anos, é natural….., ilha….., onde cresceu inserido numa família de fracos recursos, tendo sido criado junto da avó materna, subsistindo do trabalho….. A mãe refez a sua vida noutra ilha e o pai emigrou para Portugal, quando contava 7 anos.

115. No contexto de origem, DD não indiciou aspetos de desenvolvimento fora dos padrões habituais, tendo frequentado a escola até à conclusão do 6º ano.

116. Aos 16 anos, em 2007, veio com o pai para Portugal, país onde se fixou e, em 2017, obteve a nacionalidade portuguesa. Inicialmente passava maioritariamente o tempo em casa, ficando a cuidar….., residindo com a família paterna na periferia…...

117. Aos 18 anos começou a trabalhar na….., num regime irregular, sem vínculos oficiais e vencimentos incertos. Refere que foi em contexto de trabalho que veio para o ..... e em 2015 passou a viver sozinho numa pequena casa arrendada na aldeia ….. - concelho .......... (morada indicada nos autos).

118. No ano de 2015 iniciou também a relação de namoro com HH, que ainda mantém, havendo uma filha comum, de 4 anos.

119. À data da prisão, em .../07/2019, mantinha-se a viver a maior parte do tempo na casa….., deslocando-se com uma regularidade quinzenal para a casa da companheira e filha, colaborando efetivamente na educação desta.

120. Este é o primeiro confronto de DD com o sistema de administração da justiça penal.

121. A companheira, embora apreensiva com eventuais consequências do processo, mostra-se disposta a dar-lhe todo o apoio. Os projetos apontam para que passem a viver juntos, casal e filha comum, na morada da companheira, sita em Rua……,…….

122. Em meio prisional revela um comportamento isento de reparos ou registos disciplinares. Conta com as visitas/contactos regulares da companheira e outros familiares e amigos, estando afecto à …... onde revela bom empenho

123. DD obteve entre Abril de 2017 e Maio de 2019 um total de 19.656€ a titulo de prémios no jogo de apostas ….. Santa Casa da Misericórdia de Liaboa, divididos da seguinte forma: ano 2017: 6157€, ano de 2018: 7684€, ano de 2019 5815€.

2.2 Factos não provados

1. Nos dias ... e ... de Março de 2018, o arguido AA vendeu quantidades de cocaína não apuradas, pelo preço unitário de € 10,00, à consumidora VV, que para o efeito se deslocou à residência do arguido, sita na Rua .....…, em ......... Noutras ocasiões, e no período temporal compreendido entre o verão de 2017 e Junho de 2019 e, por diversas vezes, os arguidos AA e BB, venderam quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à sobredita consumidora.

2. Nos dias ... e ... de Março de 2018, o arguido AA vendeu quantidades de cocaína não apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à consumidora WW, que para o efeito se deslocou à residência do arguido, sita na Rua ......, em ......... Noutras ocasiões, e no período temporal compreendido entre o verão de 2018 e Junho de 2019 e, por diversas vezes, os arguidos AA e BB, venderam quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à sobredita consumidora.

3. No período temporal compreendido entre o verão de 2018 e Junho de 2019, o arguido AA, vendeu diariamente quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), ao consumidor YY, que para o efeito se deslocava às imediações….., localizado na….., e à residência do arguido, sita na Rua ......, ……., em ........, sendo que em algumas ocasiões o arguido AA também vendeu ao sobredito consumidor frascos contendo metadona.

4. No período temporal compreendido entre os anos de 2015 e 2018, e por diversas vezes, a arguida CC, vendeu quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à consumidora WW.

5. No período temporal compreendido entre os anos de 2015 e 2018, e por diversas vezes, a arguida CC, vendeu quantidades de cocaína não concretamente apuradas, pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros), à consumidora VV.

6. Para além dos consumidores acima indicados, a arguida CC foi também procurada por OO, consumidor de produto estupefaciente, a quem vendeu, por mais que uma vez, quantidades de cocaína não concretamente apuradas, normalmente pelo preço unitário de € 10,00 (dez euros).

7. As vendas de produto estupefaciente a CC ao seu irmão AA ocorreram pelos menos desde o ano de 2015.

8. CC procedia à venda de produto estupefaciente na residência do seu irmão (o arguido AA)

9. Também na mesma data e local indicados no artigo 44, a arguida CC detinha no seu quarto, designadamente no interior de um saco de viagem preto, que se encontrava armazenado no guarda-roupa, um aerossol de defesa de marca…….

10. O aerossol aerosssol de defesa marca ….. apreendido em casa de CC pertence-lhe.

11. A arguida CC quis ainda deter os sobreditos aerossóis de defesa com gás CS, bem conhecendo as características dos mesmos e que aqueles poderiam ser usados como arma de agressão, o que efectivamente conseguiu.

12. A arguida CC sabia que detinha armas proibidas, no entanto quis detê-las, como efectivamente fez.

2. o direito:

a) invocada nulidade do acórdão:

Em busca de amparo, os recorrentes AA e CC vêm arguir a nulidade do acórdão recorrido. Todavia, sob aquela – insistentemente -, repetida terminologia, enredados nalguma confusão conceitual, impugnam factos provados, convocam os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, alegam falta de exame crítico de provas e insuficiência da fundamentação e até, aproveitando patente e reconhecido lapsus calami, o vício lógico da contradição insanável da fundamentação.

Desde logo, extravasando o objeto que os próprios fixaram para o respetivo recurso, insurgem-se contra a apreciação das provas efetuada pelo Tribunal coletivo e, de passo, contra o julgamento de alguns factos provados.

Concretamente, o primeiro assevera que o tribunal realizou uma “apreciação arbitrária das provas” (cls. 29), que “a prova foi incorretamente apreciada” (cls. 41), “não havendo prova cabal e inequívoca da prática do crime de detenção de arma proibida” (cls. 46).

Por sua vez, a segunda assevera que “a prova foi incorretamente apreciada o que resultou na injusta decisão de declarar as quantias monetárias perdidas a favor do Estado” (cls. 52), “não havendo prova cabal e inequívoca da proveniência do dinheiro apreendido” (cls. 56), e que “o Tribunal fez uma incorreta aplicação do princípio consignado no art.º 127º do CPP, apreciou mal a prova, face às declarações da Recorrente, à prova testemunhal e aos autos de apreensão” (cls. 57).

Olvidam que o STJ, em recurso, não reexamina a decisão em matéria de facto – art. 343º do CPP -, seja diretamente, seja indiretamente através do recurso a alguma das figuras jurídico-processuais com que se pretenda impugnar o julgamento da facticidade realizado pelas instâncias e, consequentemente, não a deverá modificar.

No demais, fazem por ignorar ou desvirtuar, - e não deveriam -, os exatos termos do acórdão recorrido. Só assim podem ter ousado contestar os factos provados que indicam e esgrimir contra a apreciação crítica das provas que fundamentaram a decisão probatória e a correspondente decisão de direito.

Vejamos especificadamente:

i. princípio da livre apreciação da prova:

O art. 127º do CPP dá força normativa ao sistema da prova livre, estabelecendo que o tribunal aprecia as provas “segundo as regras da experiência e sua a livre convicção”, sempre que não estiver legalmente firmado critério valorativo.

A convicção do juiz, sustentada na valoração racional e crítica da prova, tem de adequar-se às regras da experiência comum e à racionalidade lógica. Exigindo-se que seja uma convicção objetivável e necessariamente motivada. O tribunal tem, pois, de expor as razões ou motivos que, em concreto, influíram na formação da sua convicção.

A convicção que suporta a prova de um facto ou conjunto de factos não carece da certeza absoluta, mas apenas e só de um grau de certeza que afaste a dúvida razoável. Dúvida desta escala é somente aquela que é suscitada por razões pertinentes e adequadas e já não por dúvidas meramente subjetivas, ou dúvidas sistémicas, alicerçadas em hipóteses mais ou menos hiperbólicas.

É aqui, nestes parâmetros, mas também somente neles, que pode intervir o controlo do STJ, como tem sido uniformemente entendido.

Assim, no Ac. de 11/11/204, deste Supremo Tribunal expende-se que “a garantia da legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objetiva e motivada do processo de formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando, a partir daí o necessário controlo da legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efetuada (…)”[1].

No Ac. de 15/12/2005 sustentou-se: “contudo essa sindicância está limitada aos aspetos externos da formação da convicção das instâncias: há-de ficar-se pelas exigências de que tal convicção seja objetivada e motivada na análise crítica das provas, dela sendo de exigir a expressão de um processo racional convincente que suporte a conclusão final do tribunal recorrido pela valoração feita deste ou daquele meio de prova[2].

E no Ac. de 03-05-2007 que “o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assomo de arbítrio na apreciação da prova”[3].

Em recurso restrito à matéria de direito não pode o Tribunal de revista substituir a convicção do Tribunal recorrido, estando-lhe vedado reapreciar as provas ali produzidas. Pode, como vem de dizer-se, sindicar o processo de formação da convicção, verificando da respetiva racionalidade lógica adotada, se a valoração efetuada se apresenta objetivamente conforme às regras da experiência comum e, sobretudo, se a convicção adquirida está convincentemente motivada. Essenciais são, assim, a objetividade e racionalidade do procedimento de formação da convicção e a suficiência da explicitação dos motivos que a orientaram. 

Como adiante se vai verificar pela transcrição do pertinente trecho da motivação do acórdão recorrido, o Tribunal não só expôs com clareza as razões justificativas da decisão de julgar provados os factos contestados pelos recorrentes, como revelou os critérios objetivos e normativos que orientaram a formação da sua convicção, exteriorizando o iter cognoscitivo e valorativo justificante daquele julgamento, permitindo lograr o cabal conhecimento das razões determinantes do juízo fixado[4]. Seria, por conseguinte, imerecida e infundada qualquer censura neste aspeto.

ii. in dubio pro reo:

Os concretos termos em que vem convocada a pretensa violação do princípio in dubio pro reo mais não é que a reconfiguração da impugnação da facticidade provada, constituindo outra perspetiva – a perspetiva pessoal e interessada dos recorrentes -, de colocar precisamente a mesma questão relativa à valoração probatória e ao julgamento da matéria de facto. Na verdade, aquele princípio de prova, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência do acusado até ao trânsito em julgado de sentença que o condene – art. 32º, nº 2, da Constituição da República -, vale, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida que se suscite dentro da questão de direito.

O in dúbio pro reo é um princípio processual penal circunscrito à mateira de facto, como é entendimento uniforme deste Supremo Tribunal[5]. À acusação compete alegar e provar os factos, a autoria (ou outra forma de comparticipação), a culpabilidade e a responsabilidade do agente. O arguido presume-se inocente até prova do contrário - art. 32º n.º 2 da Constituição da República; art. 6º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Demonstrando-se que os factos imputados, constitutivos do crimes não ocorreram, ou, comprovando-se o crime, todavia o acusado (ou pronunciado) não é o seu autor, ou que não agiu com culpa (por o tipo de ilícito exigir uma modalidade que não se verifica ou porque se constata a existência de uma causa de justificação ou causa de desculpa), a absolvição decorre da não prova da verificação do facto criminalmente punível ou da não responsabilidade do arguido, não havendo, então, que convocar o princípio in dubio pro reo, porque verdadeiramente, nestas situações nenhuma dúvida existe. Do mesmo passo, se a acusação não produz qualquer prova ou a prova é manifestamente escassa, a absolvição decorre da ausência de prova, isto é, da não demonstração dos factos e/ou de quem é o seu agente. Aquele princípio processual penal entra em funcionamento somente quando os elementos de prova produzidos em julgamento sustentam a probabilidade da veracidade da facticidade criminosa e da responsabilidade do arguido, mas não afastem dúvidas razoáveis sobre algum destes pressupostos factuais essenciais para que seja condenado numa pena ou medida de segurança. Então, o tribunal, não tendo adquirido a convicção de certeza sobre a verdade prática - acima da dúvida razoável – para afirmar que o arguido cometeu os factos que se lhe imputam, ou que é por eles responsável criminalmente, mas também não podendo excluir essa situação, na dúvida e em face da proibição do non liquet, tem de decidir-se pela absolvição em obediência ao princípio in dubio pro reo.

É, pois um princípio exclusivo da decisão da matéria de facto, que não deve confundir-se com a insuficiência da prova e que não é transponível para as questões de interpretação e aplicação do direito. Nestas vale o regime legalmente estabelecido para a interpretação dos preceitos e dos princípios normativos, isto é, as regras gerais de interpretação da lei.

O princípio in dubio pro reo é uma regra de valoração probatória dirigida ao tribunal do julgamento que não o obrigando a duvidar. Deve absolver quando, valorados todos os elementos de prova produzidos, persistam dúvidas razoáveis sobre os factos e/ou a responsabilidade do acusado.

Como se sustenta no Ac. de 5/07/2007 deste Supremo Tribunal: “Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – AcSTJ de 24-3-99, CJ-STJ 1, 247."

“Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, (…) [que] só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5).

(…) Com efeito, não está então em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista, pelo que resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista”.

O principio in dubio pro reo somente pode invocar-se no recurso de revista (como é o caso) na sua função normativa, ou seja, quando do próprio texto da decisão condenatória recorrida, resulta que o tribunal se decidiu pela condenação, não obstante ter expressado dúvidas sobre os factos e/ou a responsabilidade do arguido. Não permite contestar a certeza probatória adquirida pelo tribunal.

Os recorrentes não alegam ter detetado no acórdão recorrido a mínima dúvida quanto ao julgamento a que procedeu relativamente aos concretos factos provados a que se reportam – máxime: a detenção das armas elétricas e a utilização do automóvel no tráfico (recorrente AA) e que a quantia monetária declarada perdida em favor do Estado foi gerada pelo tráfico (recorrente CC).  Efetivamente, após expressar a sua apreciação pessoalíssima das provas, rematam, ambos, que a prova produzida é insuficiente e, nessa medida, era impossível um juízo de certeza (prática) – cls, 79 (o primeiro), 53 e 55 (a segunda).

É, pois, insofismável que não invocam apropriadamente o princípio in dubio pro reo. Pretendem, com essa etiqueta, contestar a valoração das provas efetuada pelo tribunal recorrido e, com isso, impugnar a decisão de julgar provados os factos que visam modificar.

Não pode ser assim. A dúvida que faz mobilizar o in dubio pro reo é somente aquela com que se depara o tribunal que, em cada fase do processo e no âmbito das suas competências, tem de julgar os factos que constituem o objeto da causa. Como se sustenta no Ac. de 26/06/2019 deste Supremo Tribunal (proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1.S1), a dúvida tem que ser do tribunal e daquele que se encontre a decidir o caso naquele momento e não de qualquer outro ou de qualquer outro interveniente”.

No texto do acórdão condenatório não se deteta que o Tribunal tenha ficado com dúvidas sobre a factualidade impugnada pelos recorrentes.

Inexistindo qualquer dúvida na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido AA pela detenção das armas elétricas disfarçadas de lanterna e à perda do veículo automóvel porque utilizado para traficar e do numerário apreendido à recorrente CC porque gerado pelo tráfico, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência –cfr Ac. STJ de 27-03-2019.

Conclui-se, pois, não ter qualquer arrimo o apelo ao princípio em apreço por ser inquestionável que o Tribunal, na decisão recorrida não alimentou dúvida alguma nessas ou em quaisquer outras facticidades julgadas provadas (como adiante se transcreve e sublinha).

Consequentemente, por inapropriadamente invocado e também por manifesta improcedência, desatende-se a invocação do princípio in dubio pro reo.

iii. exame crítico das provas:

O recorrente AA alega que “no que se refere à prática do crime de detenção de arma proibida o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico das provas” (cls 30), “sobretudo o exame crítico das suas declarações” (cls 34).

A recorrente CC alega quena decisão de declarar perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido o Tribunal não procedeu ao exame crítico das provas” (cls 39), “sobretudo o exame crítico das declarações da arguida e da testemunha FF” (cls. 45), não obstante, logo de seguida reconhecer quea decisão recorrida coloca o acento decisivo quanto quantia monetária apreendida no recurso às regras da experiencia comum”, “através das quais descredibiliza as referidas declarações (cls 49).

O tribunal, ao conhecer do mérito da causa, tem de apreciar todas e cada uma das provas produzidas em julgamento – desde que o valor probatório não esteja legalmente tarifado (caso em que a força probatória da prova se sobrepõe à convicção do julgador) -, examinando da respetiva admissibilidade e analisando, ainda que concisamente, da valia de cada uma. Como se deve proceder a esse exame crítico? Antes de mais note-se que analisar tem o significado etimológico de examinar com atenção, estudar cuidadosamente, criticar, comentar. Assim postas as coisas, o exame crítico exige, desde logo, que se analise cada prova de per si, através da respetiva razão de ciência (evidentemente do conhecimento que transmite), de motivações que a possam orientar, da coerência lógica intrínseca e extrínseca do próprio relato e esclarecimentos prestados e da conformidade da informação sobre os factos sub judicio, que se lhe demanda e que pretendeu transmitir, com as regras da experiência, da ciência e da racionalidade. Mas também da necessariamente conjugação e confronto da informação transmitida com aquela que se pode extrair da informação sobre o caso, advinda do exame crítico das demais provas. Não será nunca a condição social nem o estatuto processual que conferem mais ou menos valia à informação trazida ao conhecimento e exame do tribunal. Nem tão pouco será, de per si suficiente a concreta razão de ciência. Quem esteve, viu, ouviu, sentiu ou de qualquer modo teve conhecimento direto dos factos pode, por razões endógenas, não ser capaz de percecionar com suficiente clareza o acontecimento ou de o relatar, na totalidade, com suficiente fidelidade. E, não raramente, pode mesmo querer transmitir informação enganosa, que desvirtue a dinâmica do caso ou a responsabilidade dos intervenientes. Este declarante ou testemunho, em regra (mentiroso compulsivo), prepara e ensaia a versão que vai apresentar ao tribunal, pelo que, quando ouvido, pode discorrer fluente e expeditamente, sem nervosismos e hesitações, e a informação que pretende transmitir apresentar-se com coerência intrínseca e conformidade lógica. E muitas vezes será capaz de adaptar o discurso pelas reações do recetor. Haverá de ser então da sua análise crítica em conjugação e confronto com os relatos e informações transmitidas pelas demais provas e, sobretudo, da conformidade maior ou menor da informação transmitida por uma e pelas outras com as regras da ciência e da experiência comum, com a racionalidade lógica e a normalidade dos acontecimentos da vida, que haverá de desmontar-se, no todo ou em parte[6].

A questão doutrinária e prática do exame crítico da prova, tem sido abundantemente tratada, designadamente na jurisprudência deste Supremo Tribunal 

Assim, no Ac. de 16/03/2005 sustenta-se: “o exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor dos documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”[7].

No Ac. de 28/02/2007, citando Lopes do Rego[8], sustentou-se que “o exame, como a semântica consigna, é a constatação, pelo tribunal, das provas. A crítica é a afirmação da sua credibilidade ou incredibilidade, ou seja, em derradeira operação valorativa, a afirmação das provas que lhe mereceram aceitação e das que lhe mereceram rejeição as razões por que uma são elegíveis e outras não, os motivos substanciais por que relevaram ou obtiveram credibilidade no espirito do julgador”[9].

No Ac. de 18/127/2019, acrescenta-se que “a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, aí se incluindo o exame crítico da prova, deve ser completa e abranger todas as provas constituídas ou administradas no processo, nelas se incluindo, obviamente, aquelas que foram determinadas pelo próprio tribunal, relevantes e necessárias para o objecto da prova – existência ou não existência do crime, punibilidade ou não punibilidade do agente e determinação da pena (art. 124.º do CPP)”[10].

Sendo assim, vejamos se na decisão sob reexame se observaram aqueles princípios e esta exigência.

iv. no caso:

No acórdão recorrido assentou-se em que no dia 13.06.2019, cerca das 10h15m, o arguido AA detinha no interior da sua residência, as duas armas elétricas descritas ali aprendidas, melhor descritas no ponto 21. dos factos provados.

Assentou-se também que “foram apreendidos aos arguidos as quantias monetárias e objectos referidos nos artigos 21 a 23, 44 e 66 a 69, deste despacho acusatório, e os veículos automóveis de matrículas .......-QG e .........-VM e acima indicados, que serviram para os arguidos desenvolverem a actividade de tráfico ou eram produto da sua comercialização” – cfr. ponto 84 dos factos provados.

Motivando estes segmentos da decisão probatória, após enumerar e examinar criticamente as provas - apreensões, auto de busca e apreensão de fls. 904/907 com croqui de fls 909 e reportagem fotográfica de fls. 910 a 928 [residência de AA e BB] – que convenceram o Tribunal a dar como provado aquele facto, explicita-se (com negrito aqui introduzido para realçar):

Estas buscas e reportagem fotográfica que as acompanha mais do que revelarem os bens apreendidos, permitiram afastar a versão do arguido AA quanto ao desconhecimento das armas.

(…) admitiu saber da existência das armas elétricas, dissimuladas sob a forma de lanterna, procurando fazer crer que desconhecia a natureza de arma eléctrica, aventando que esses objectos já estavam em casa quando para lá foi morar, tendo previamente sido habitada pelo seu sobrinho (filho de CC) já falecido.

Esta versão do arguido revelou um propósito claro de aligeirar as suas responsabilidades.

Com efeito as armas elétricas dissimuladas sob a forma de lanterna encontravam-se: a) uma na comoda do seu quarto, junto dos seus objectos pessoais, onde inclusivamente se incluía uma arma de air sof o que nos permite afastar que o arguido desconhecesse o seu potencial de agressão b) outra na sala, numa estante, em local bem visível, a evidenciar que não se tratava de qualquer objecto esquecido ou deixado, mas antes disponível para uso, juntamente com os demais bens do arguido.

A este respeito, não teve o tribunal qualquer dúvida que o arguido conhecia e detinha as aludidas armas, sendo certo que as regras da experiência e normalidade de acontecer afastam por completo a versão do arguido.

Com efeito, quando alguém passa a habitar uma casa onde ali esteve alguém, para mais um sobrinho falecido, o que se justificaria é que o arguido caso desconhecesse o potencial de agressão das armas eléctricas dissimuladas de lanterna tê-las-ia dado à sua irmã CC juntamente com os demais objectos pessoais do seu falecido sobrinho ou, pelo menos, tê-las-ia guardadas em local distinto dos seus objectos pessoais.

Acresce que a actividade desenvolvida pelo arguido, traduzida na venda de estupefaciente na sua própria casa deixa bem patente que as aludidas armas ali estivessem como forma de dissuadir comportamentos menos adequados de consumidores toxicodependentes que ali se deslocassem e não raras vezes a ressacar com comportamentos agressivos/inesperados.

Deste modo, o tribunal demonstra que efetuou cuidado e criterioso exame crítico das provas em causa, convenientemente confrontadas com as regras da experiência comum e a racionalidade lógica dos procedimentos da mundividência humana. E explicitou adequadamente o processo logico-mental que presidiu à formação da sua convicção sobre a certeza prática daquele facto. E, efetivamente, o resultado probatório a que chegou está em consonância com as referidas regras e procedimentos.

Ao ali referido, acrescenta-se que qualquer cidadão ou cidadã comum, ou, em outra expressão, o bonus cives sabe que a detenção de armas sem registo ou manifesto e sem licença de uso e porte ou sem licença de detenção no domicílio, não é permitida. Sabe que a detenção de armas dissimuladas sob a forma de qualquer outro objeto é absolutamente proibida. Sabe que quem guarda ou por qualquer modo tiver sob a sua disponibilidade uma arma sem que para tal esteja autorizado ou licenciado, independentemente de ser ou não o proprietário, incorre no crime de detenção de arma proibida ou fora das condições legais. Qualquer pessoa sabe bem que não pode deter, guardar, portar, transportar, usar armas sem licença, nem, evidentemente armas proibidas. Sabia, por isso muito bem o arguido que não podia deter e guardar na sua habitação aquelas armas elétricas. Serem ou não suas é irrelevante para efeitos de incriminação. O que releva é a detenção e guarda, como estabelece, inequivocamente, o tipo de ilícito em causa, incriminando “quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo”.

Diversamente do que parece ressumar da motivação transcrita ninguém pode guardar, licitamente, arma proibida pertencente a outrem (ou mesmo sem que se saiba que é o dono), se não estiver licenciado ou autorizado pelas autoridades competentes. Não podia, pois, o arguido, por não estar licenciado para tanto, guardar as armas elétricas, disfarçadas, que foram encontradas e apreendidas na sua residência, as quais, não eram sequer licenciáveis.

Sem entrar no reexame dos factos – como pretendia o recorrente -, não pode deixar de sublinhar que a sua própria argumentação evidencia quão injustificada – temerária mesmo – se apresenta a convocação da arguida BB – que mais não era que companheira do arguido - como hipotética detentora daquelas armas. Afirmando o próprio recorrente que naquela residência morou o seu sobrinho e que as armas seriam deste, nada podia justificar tal hipótese na medida em que nenhuma ligação foi indicada entre a referida arguida e o aludido sobrinho do recorrente.

No acórdão recorrido ficou assente. no ponto 44 dos factos provados, que no dia 13.06.2019, cerca das 10h00m, a arguida CC, detinha no interior da sua residência a quantia global de €5.930,00,

Após a enumeração das provas a que o Tribunal ad quem atendeu para assim julgar provado esse facto - autos de busca e apreensão de fls. 883/885 com croqui de fls 889 e reportagem fotográfica de 887 a 897 [residência de CC] -, motivando a decisão de perda daquele montante em favor do Estado, expende-se no acórdão recorrido:

Já quanto ao dinheiro apreendido no quarto da arguida CC, a mesma procurou fazer crer que o mesmo era pertença da sua filha FF que se deslocava a sua casa e ali permanecia por alguns períodos no outro quarto existente na casa sempre que se zangava com o seu marido. Asseverou que esse dinheiro era proveniente de um empréstimo e serviria para a filha usar quando na viagem a …… com o seu marido em negócios.

Ora se FF veio procurar credibilizar a versão da arguida, confirmando que o dinheiro era efetivamente proveniente de um empréstimo bancário seu, revelou um claro propósito de ilibar a sua mãe, não deixando de se anotar que chegou a dizer que a mãe era contra o referido empréstimo, chegando ambas a discutir sobre o assunto, e não tem certo que lhe tenha dito que deixou o dinheiro no seu quarto, sendo que CC não revelou dúvidas quanto à presença do dinheiro e o destino que a filha lhe pretendia dar.

Se o depoimento de CC era já por si frágil, concatenado com o da testemunha FF revelou-se ainda menos verosímil.

Ora, que sentido faz uma filha deixar o dinheiro proveniente de um empréstimo bancário guardado em casa de sua mãe por mais de 6 meses (que ademais se opusera a esse mesmo empréstimo) e, para mais, no quarto desta? A vingar o argumento da testemunha FF e da arguida CC de que primeira quando se zangava com o marido ficava em casa da mãe, qual o sentido de não esconder o dinheiro no quarto onde ficava? E se a sua mãe era contra o pedido de empréstimo ao banco, qual o sentido de deixar esse mesmo dinheiro no quarto da mesma? Nenhum sentido. Mais, note-se que o dinheiro estava acondicionado dentro de uma meia e vidro e no interior do sommier/cama onde dorme CC.

Note-se que o tribunal não olvida o requerimento de fls 114/115 onde FF, cerca de 15 dias após a realização das buscas, vem solicitar a devolução do dinheiro apreendido em casa de CC, arrogando-se dona do mesmo.

Sucede que o documento de suporte do requerimento em nada reforça a credibilidade do depoimento da testemunha FF e da arguida CC, antes adensa as fragilidades e aponta em sentido diverso.

Com efeito, se é certo que do documento de fls 117 resulta que FF efectuou um levantamento em numerário em 11.1.2019 no valor de 5000€, não podemos esquecer que a apreensão foi feita cerca de 6 meses depois, sem que haja justificação plausível para o efeito. Pelo contrário, se a argumentação FF foi no sentido ter levantado o dinheiro para a realização de uma viagem que não chegou a fazer, o mesmo extrato bancário que documenta o levantamento revela também nesse mês de janeiro de 2019 movimentos realizados no estrangeiro o que indiciam a realização da viagem, afastando assim a versão da testemunha FF e da arguida CC.

Em suma, do mesmo passo que não subsistem dúvidas de que FF fez um levantamento em numerário em 11.1.2011, também dúvidas não restaram que esse montante nada teve a ver com a apreensão realizada 6 meses depois em casa da arguida CC.

Esplanadas as fragilidades que nos levaram a afastar o depoimento de CC e FF, cumpre acrescentar que resultou da factualidade provada que CC era fornecedora de produto estupefaciente do seu irmão AA, resultando das escutas a que supra se aludiu diversas conversas sobre a divisão de proveitos.

Ora, atendendo à atividade de tráfico desenvolvida, ao local onde o dinheiro se encontrava, a forma como estava acondicionado, chegamos à conclusão sólida que o mesmo era resultado do tráfico de estupefacientes, versão que além de acorada na prova indiciária que se aludiu encontra conforto nas regras da experiência e da normalidade de acontecer, tanto assim que se apurou que arguida não tem trabalho estável, o companheiro trabalha como pedreiro no setor …… e aufere um salário de 45 euros/dia, enquanto CC é beneficiária do rendimento social de inserção, no montante de 190€, rendimentos que não são compatíveis com uma “poupança” de 5900€ em casa e nas circunstâncias que fluem da demais factualidade provada.

Com efeito, a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, dever ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

Esta ultima nota permitiu-nos também não dar como provado que a  veículos automóveis de matrícula .........-VM e .......-QG, usados respetivamente por DD e AA, estavam afectos à atividade de tráfico, como revelam as regras da experiência quando concatenadas com as escutas telefónicas e autos de vigilância, sendo evidente que eram essas as viaturas usadas para desenvolver a atividade, concretamente para fazer entregas e levantamentos em casa de CC, como o eram os telefones apreendidos (à excepção do telefone apreendido a EE, como infra se explicará) através dos quais se chegou ás inúmeras escutas telefónicas anexas aos apensos 1, 2 e 3 dos autos.

Igual conclusão se extraindo da proveniência das quantias monetárias, já que AA e BB desenvolviam a atividade em casa, onde procediam à venda direta a consumidores, não tendo BB qualquer atividade remunerada e AA trabalhava sazonalmente.

Resultou assim evidente que a venda de produtos estupefacientes constitui o modo de sobrevivência dos arguidos DD e CC, e um negócio com o qual, os referidos arguidos e os arguidos AA e BB obtinham ganhos monetários.

Conclui-se assim que o tribunal não só não teve qualquer dúvida sobre aquelas concretas facticidades que julgou provadas, como analisou crítica e criteriosamente as provas que enumera e bem assim fundamentou, convenientemente e exaustivamente, a específica parte da decisão impugnada pelos recorrentes, expondo o processo logico mental que presidiu a formação, sustentada, da sua convicção probatória.

Não enferma, pois, o acórdão recorrido da nulidade arguida pelos recorrentes.

É, pois, inconsistente a argumentação dos recorrentes, manifestamente desconforme com a decisão da matéria de facto e desfasada da motivação da decisão recorrida.

b) correção de erro de escrita nos factos provados:

O Recorrente AA alega que a “fundamentação está em contradição com os factos provados (vide facto n.º 86), dos quais resulta que a condenação foi por um crime de condução em estado de embriaguez” (cls 17).

Verifica-se que no referido ponto 86, b) se julgou provado que por factos ocorridos a 26.09.2011, foi condenado por sentença de 11.5.2012, transitado em julgado a 11.5.2012, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 90 dias de multa, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, entretanto extinta pelo cumprimento (proc. 696/11…. Do Juízo de pequena Instância Criminal ……)”.

Na motivação da decisão em matéria de facto exarou-se no acórdão recorrido que “os certificados do registo criminal permitiram ao Tribunal formar convicção quanto aos antecedentes criminais dos arguidos”.

Na fundamentação da escolha e medida da pena expende-se que “o arguido AA averba dois antecedentes criminais, sendo um precisamente por crime de condução sem habilitação legal”.

Consultado o CRC do arguido recorrente – documento autêntico – verifica-se que foi condenado no tribunal e processo nomeado naquele facto provado, por sentença proferida e transitada nas datas ali indicadas, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena indicada na referida alínea do ponto 84 em apreço.

Incorreu, pois, o tribunal a quo em patente erro de transcrição de uma parte do CRC do arguido. Verteu incorretamente para os factos provados o tipo de crime pelo qual o arguido tinha sido condenado por sentença de 11.05.2012, proferida no processo 696/11…..

Dos termos da alegação do recorrente e, sobretudo, por não mencionar nas normas jurídicas violadas o art. 410º do CPP, conclui-se que não quis invocar o vicio lógico da contradição insanável entre a facticidade provada e a fundamentação. Certamente bem ciente que a invocação dos vícios da decisão previsto no art.º 410º n.º 2 e 3 do CPP, - que por natureza respeitam à matéria -, não podem fundamentar recurso perante o STJ, entendendo-se aqui, uniformemente, que quando tal se verifique, competente para conhecer da impugnação é o Tribunal da Relação, o qual, nos termos da lei, conhece de facto e de direito. O Supremo Tribunal, funcionando como tribunal de revista só conhece dos referidos vícios oficiosamente. O que fará sempre que considere necessário para poder decidir adequadamente a matéria de direito.

Estando-se perante erro patente, que pode ser corrigido sem que daí resulte qualquer desvantagem para o arguido, entende-se, em aplicação do disposto no art. 380º n.ºs 1 al.ª b) e 2 do CPP, ser de determinar que o ponto 84. b) dos factos provados passe a ter a seguinte redação (a anotar no lugar próprio):

por factos ocorridos a 26.09.2011, foi condenado por sentença de 11.5.2012, transitado em julgado a 11.5.2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, entretanto extinta pelo cumprimento (proc. 696/11….. do Juízo de pequena Instância Criminal …….)”.

c) da qualificação jurídica do tráfico:

i. argumentação do recorrente:

O recorrente AA insurge-se contra a incriminação da sua atividade provada ao crime de tráfico p. e p. pelo art.º 21º do Dl n.º 15/93 de 22 de janeiro e a consequente determinação da medida da pena dentro da moldura penal de 4 a 12 anos de prisão. Alega, em suma, que era um mero vendedor de rua, de contacto direto com os consumidores, vendendo-lhes pequenas quantidades, apenas para o próprio consumo, sem que tivesse obtido proventos que lhe permitissem melhorar a sua condição económica, exercendo a atividade sem meios sofisticados, mais intensamente num período de 5 meses e meio, num área geográfica circunscrita e que assim  “é de concluir por uma imagem global dos factos menos negativa, justificativa de uma considerável diminuição da ilicitude, razão pela qual parece defensável, o seu enquadramento como tráfico de menor gravidade” (cls. 12). Isto é, que a atividade provada preenche o crime de tráfico de menor gravidade, pelo qual pretende ser condenado.

v. na decisão recorrida:

O Tribunal recorrido subsumiu os factos cometidos pelo arguido ao crime de tráfico “fundamental”. Motivando a condenação do recorrente pelo crime de tráfico p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, no acórdão recorrido, exarou-se:

Face ao teor das apreensões e, em especial, os episódios de venda apurados, dúvidas não restam de os arguidos desenvolveram conduta (na modalidade de venda e detenção AA e venda BB) inscrita na previsão do tipo do artigo 21.º, n.º 1, do D.L. 15/83, de 22 de Janeiro.

Não só os meios utilizados, como a modalidade ou circunstância da ação (período temporal, numero de vendas, e, em especial, a quantidade e qualidade das drogas e a estreita ligação entre estes dois arguidos, à data companheiros, que partilhavam a mesma casa –ponto cimeiro da actividade de venda - revelam uma imagem global do facto que subsume a conduta dos arguidos ao crime de tráfico de estupefacientes.

Ora, resultou provado que apesar dos consumidores contactarem AA, por vezes era BBAlmeida quem lhes entregava o produto estupefaciente e recebia as quantias, assim tomando parte directa na actividade de tráfico, sendo certo que partilhava a mesma casa com o arguido, seu companheiro, pelo que o seu papel menos interventivo não lhe retira o domínio do facto quantos aos episódios de venda que lhe são imputados, antes revelará em sede de determinação da medida da pena.

Já quanto a CC o seu envolvimento na actividade de tráfico de estupefacientes ficou bem patente na factualidade provada, de onde resulta de forma inequívoca como esta desenvolvia a actividade de tráfico, comprando produto estupefaciente ao seu fornecedor - o arguido DD -, para depois o entregar  para venda ao arguido AA, seu irmão, que também vendia por conta da irmã, mais se provando episódios directos de venda ao consumidor MM (facto 39.1).

vi. o privilegiamento:

A incriminação do tráfico (de estupefacientes e precursores) e outras atividades ilícitas visa proteger a saúde pública, “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos”. Ainda que não seja objeto imediato da proteção penal, visa também proteger “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”. Proclama-se no preambulo da Convenção Única de 1961 sobre Estupefacientes que “a toxicomania é um flagelo para o indivíduo e constitui um perigo económico e social para a humanidade” que “incumbe de prevenir e de combater”. Tanto assim que se tem empreendido esforços no sentido da criação de um direito penal universal sobre o tráfico ilícito de estupefacientes ou pelo menos de uma forte harmonização dos regimes sancionatórios nacionais, neste âmbito.

Portugal, em linha com o direito internacional convencional nesta matéria e também na senda do direito penal europeu com idêntica incidência material, tipifica o ilícito criminal fundamental na repressão do tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas no artigo 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, estipulando:

1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Com abrangência tão vasta, não é excessivo concluir que qualquer atividade, não autorizada pelas entidades competentes, que incida sobre produtos estupefacientes constantes das referidas tabelas, preenche este tipo de crime.

Excetua-se o consumo. E também “a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV anexas do DL n.º 15/93, que não excedam “a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias – Lei n.º 30/200 de 29/11.

Apesar da amplitude da moldura penal, o legislador, em linha com o estabelecido na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 20 de Dezembro de 1988 [11] entendeu que a graduação das penas aplicáveis ao tráfico tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade. O que não implica necessária adesão à distinção entre drogas duras e leves (…).

Simplesmente, a decisão de uma gradação mais ajustada tem de assentar na aferição científica rigorosa da perigosidade das drogas nos seus diversos aspetos, onde se incluem motivações que ultrapassam o domínio científico, para relevarem de considerandos de natureza sócio-cultural não minimizáveis.”

De certo modo, na lógica deste ideário e também em conformidade com o estipulado na Convenção referida –art. 3º n.º 4 al.ª a) -, criou tipos, privilegiados e agravados – adequados à dimensão da ilicitude das diversas modalidades da ação ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, que “contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo[12].

Entre os primeiros – tipos privilegiados -, sobressai (para a economia deste recurso) o crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25º do DL n.º 15/93, estatuindo:

Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”

O traço marcante do privilegiamento advém da consideravelmente diminuída da ilicitude da conduta típica.

Esta norma que desgradua a punição do tráfico de menor entidade sucedeu à que anteriormente – o art.º 24º do DL n.º 430/83 de 13/12 -, punia o tráfico de quantidades diminutas. Com, além do mais, uma importante diferença: aquela norma fornecia o conceito legal de quantidades diminutas que podia determinar-se com suficiente precisão, como, em certa medida, se pode extrair atualmente do disposto na Portaria n.º 94/96 de 26 de março – art.9º e respetivo mapa anexo.

Na vigente incriminação do tráfico de menor gravidade, o legislador limitou-se a fornecer, exemplificativamente, alguns indicadores de que pode resultar essa modalidade consideravelmente diminuída da ilicitude do tráfico de estupefacientes - os meios utilizados; a modalidade da ação; as circunstâncias da ação; a qualidade das plantas, substancias ou preparações; e a quantidade dos estupefacientes -, conferindo à jurisprudência a tarefa de acrescentar outros indicadores que possam servir para emprestar ao tráfico uma considerável diminuição da ilicitude. Exige-se, todavia, que o labor jurisprudencial resulte no estabelecimento de parâmetros gerais e uniformes, de modo a salvaguardar que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que tal tratamento seja objetivamente justificado por uma particular e especial circunstância, irrepetível, que só pode ocorrer num determinado caso.

Nessa tarefa de clarificação dos indicadores que podem desgraduar a responsabilidade penal dos traficantes de quantidades menores, a jurisprudência tem apontado outras circunstâncias que podem também diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico, designadamente: atuação individual ou em pequena entreajuda; sem que sejam utilizados meios sofisticados; que não seja exercido como modo de vida; ausência de lucros ou vantagens; os proventos obtidos servirem para financiar consumos do próprio e de familiares ou equiparados; pequena “carteira” de compradores ou consumidores; curto período de tempo; ocasionalidade do tráfico; não implicação de familiares; não se servir de colaboradores; pequena e circunscrita territorialidade da atividade; inexistência de contactos internacionais[13], que não concorram circunstâncias que podem agravar o crime.

A jurisprudência sustenta que uma destas circunstâncias, por si só, regra geral, não é suficiente para diminuir consideravelmente a ilicitude do tráfico. O que releva, decisivamente, é a imagem global da concreta atividade de tráfico desenvolvido pelo agente.

Sustenta-se no citado Ac. de 2/10/2019, deste Supremo Tribunal que “estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade”.

“É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º[14].

Alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta também que não pode ter-se a ilicitude por consideravelmente diminuída quando no caso ocorrer alguma das circunstancias que, nos termos do art.º 24º, agravam o crime de tráfico. Assim, no Ac. de 28/10/2015 sustentou-se[15]:ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art. 24.º, do DL 15/93.

O legislador do direito penal da União Europeia (EU) nesta matéria – Decisão-Quadro 2004/757/JAI - considerou que “para determinar o nível das sanções, deverão ser tomados em conta elementos de facto, tais como as quantidades e o tipo de drogas traficadas e a circunstância de a infração ter ou não sido cometida no âmbito de uma organização criminosa”.

E quanto ao tipo de drogas traficadas estabeleceu a necessidade de uma moldura penal agravada quando “a infração envolva drogas que causam maiores danos à saúde”. Nestas situações a conduta deve ser sancionávelcom pena máxima de prisão com uma duração de, no mínimo, entre cinco e dez anos” – art. 4º n.º 2 al.ª b) da cit. Decisão-Quadro.

As drogas psicotrópicas ou psicoactivas, assim como as drogas estimulantes, criam adição e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e, reflexamente, para a saúde pública.

Uma dessas substancias estimulantes que afeta o cérebro e causa um estado de euforia é a cocaína. “Com enorme potencial de dependência é a que provoca a maior percentagem de dependentes depois de ser consumida em poucas ocasiões.

 Devido à curta duração dos seus efeitos psicoativos e ao rápido aparecimento de sintomas de abstinência, provoca um consumo compulsivo. Apesar de não gerar uma síndrome de abstinência com sinais físicos típicos, as alterações psicológicas são notáveis: hiper-sonolência, apatia, depressão, ideias suicidas, ansiedade, irritabilidade, intenso desejo de consumo. Este estado pode conduzir ao abuso de depressores como as benzodiazepinas, o álcool e os opiáceos”. – pág. web do SICAD.

vii. no caso:

Vejamos então, a esta luz, o caso dos autos.

Está assente nos factos provados que o recorrente traficou cocaína, que adquiria à sua irmã, a arguida CC, por vezes revendendo por conta desta, prestando-lhe contas. Resulta dos factos provados que se deslocava frequentemente a casa dessa sua fornecedora – cfr. pontos n.º 25 a 36 dos factos provados,

Vendeu diariamente – cfr. ponto 9 dos factos provados - a número elevado de compradores (em períodos de 5 a 6 horas recebeu entre 7 e 16 consumidores na sua residência para lhe comprarem estupefacientes, essencialmente cocaina – cfr. ponto 11 dos factos provados.

Adquiriu e vendeu em período temporal de cerca de ano e meio – cfr. ponto 1 dos factos provados -, ainda que com mais intensidade nos 6 meses que antecederam a sua detenção – cfr. pontos 11 a 20 dos factos provados.

Cobrava por cada pequena porção de cocaína €10,00. Sendo que em uma só vez vendeu 17 saquetas (muchas) de cocaína cobrando €170,00 – cfr ponto 14 dos factos provados.

As encomendas e os locais de transação eram combinados, habitualmente, através de comunicação via telemóvel.

Aquando da detenção, em 13 de junho de 2019, foram-lhe apreendidos uma pequena porção de canábis - 6,664 gramas – e 25 saquetas de metadona.

Tinha consigo €1.908,10.

Foi-lhe encontrado um telemóvel.

Utilizava dois automóveis nas deslocações efetuadas para adquirir e transportar.

Baseava as vendas, essencialmente, na própria residência.

À data da detenção não tinha emprego ou outra atividade laboral. 

Como os restantes arguidos, não prestou declarações.

A factualidade assente, plasma a situação de um “mediano” traficante de heroína, que comprou ou adquiriu regularmente o produto estupefaciente, que vendia, diária e diretamente, a consumidores, na ordem numeral de dois digitos.

Todavia, o circunstancialismo fáctico provado não permite concluir pela considerável diminuição da ilicitude desta sua atividade de tráfico.

E não admite por quatro razões essenciais:

A primeira, de peso, resulta da principal espécie de estupefaciente traficado, a cocaína.

Como se assinalou, a qualidade do estupefaciente é uma das circunstâncias que o legislador manda ponderar para ajuizar do grau da ilicitude consideravelmente diminuída do tráfico. Se o legislador manda atender a esse facto, não pode o interprete desconsiderar essa indicação e conferir igual tratamento a todo e qualquer estupefaciente. O aplicador do direito não pode adotar interpretação que desconsidera a letra da lei.

Acresce, como se referiu, que o direito penal internacional e o europeu consideram circunstância agravante da punibilidade, a qualidade do estupefaciente traficado. Interpretação normativa que coloque no mesmo patamar todos os estupefacientes, desrespeita não só o regime interno como os direitos convencional europeu e universal nesta matéria.

A segunda advém do período temporal pelo qual exerceu e manteve a atividade de aquisição, venda e fornecimento de cocaína e outros estupefacientes (canábis e metadona) – ano e meio (cfr. ponto 1 dos factos provados).

Tempo suficiente, por um lado, para ter comprado e vendido quantidades que, somadas, atingem dimensão expressiva. Não resultando provada a quantidade, sequer aproximada, que adquiria cada semana, ainda que na ordem das gramas - necessariamente várias em razão das vendas efetuadas diariamente -, multiplicadas por 52 semanas anuais e seguidamente por ano e meio, obtém-se um peso final na ordem dos quilogramas de cocaína.

A terceira razão reside em que, - atentando no número diário de clientes que “aviava” num período de cerca de 6 horas (em média 10/11) -, às vendas concretamente apuradas (mais de duas centenas e meia), - uma venda na ordem das gramas -. o recorrente surge como um “retalhista” com considerável “clientela” (a afluência diária de consumidores e outros toxicodependentes à entrada do prédio onde reside o arguido era muito significativa e notória, existindo uma grande movimentação de pessoas naquele local, própria da azáfama ligada ao tráfico de droga) e, por isso, a imagem global do tráfico que exerceu surge com potencialidade causante de danosidade social média ou elevada na área geográfica onde estava “estabelecido” - principalmente em ...., mas também em ... .

Por outro lado, resulta dos factos provados que o arguido se tornou, praticamente, um profissional do tráfico. Não se apura que, nos 6 meses que antecederam a sua detenção tenha tido emprego certo ou exercido qualquer atividade profissional, com caráter permanente e remunerado. Percebia, isso sim, prestações do subsídio social de desemprego, no valor de €405,00 mensais

Em quarto lugar porque traficou com a colaboração da própria companheira, a coarguida BB, a quem dava ordens e à qual também se não conhecia ocupação nem rendimentos de outra fonte.

É certo que os meios utilizados para traficar não são sofisticados, nem resultou provado que de uma só vez tenha comprado ou vendido quantidades elevadas de cocaína, canábis ou metadona. Contudo estas circunstâncias, por si só, não são suficientes para que possa julgar-se que a ilicitude se apresenta degrada a um patamar tão inferior ao normal que possa qualificar-se de consideravelmente diminuída. Não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico (fundamental). Para que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art.º 25º do DL n.º 15/93 de 22/01, exige-se uma “degradação” bem mais acentuada, é indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que possa, na expressão da lei, ter-se por consideravelmente diminuída. Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art.º 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade.

É assim que se apresenta a realidade histórica demonstrada pelos factos provados. Efetivamente, pelas concretas razões expostas, o tráfico exercido pelo recorrente contém circunstancias que não permitam subsumi-lo à previsão do art.º 25º al.ª a). Os factos provados, cometidos pelo arguido, preenchem o crime de tráfico previsto no art.º 21º do DL 1/93, pelo qual vem sentenciado.

No quadro fáctico provado o grau de ofensividade à lei e o desvalor da sua ação, estão longe de configurar ilicitude consideravelmente diminuta.

Improcede, por isso, esta pretensão do recorrente.

d) escolha da pena nos outros crimes:

O recorrente AA insurge-se contra a aplicação de pena de prisão pepa prática de cada um dos dez crimes de condução sem habilitação legal e pelo crime de detenção de arma proibida.

i. na decisão recorrida;

No acórdão recorrido motiva-se a aplicação da pena de prisão, expendendo:

O arguido AA averba dois antecedentes criminais, sendo um precisamente por crime de condição sem habilitação legal.

Pese embora a preferência legal pelas penas não privativas de liberdade, atendendo, por um lado, ao número de vezes que estes crimes são cometidos e a intranquilidade que criam, cremos que o desvalor das condutas não pode ser apreciado isoladamente do crime de tráfico de estupefacientes, pelo que a imagem global da conduta do arguido já não é de  molde a satisfazer-se com a aplicação da pena de multa, tanto mais que a isso se opõem exigências irrenunciáveis de prevenção geral por forma a que a comunidade veja restabelecida a confiança na validade da norma violada.

Note-se que a condução dos veículos era instrumental à própria actividade de tráfico, usando o mesmo o veículo, além do mais, para se deslocar para casa da arguida CC onde se ia abastecer de produto estupefaciente, sendo que a detenção de arma, no contexto de actividade de tráfico ainda vem reforçar o caris antijurídico da conduta do arguido, tudo a demandar a aplicação de penas de prisão quanto a todos os crimes.

ii. penas mistas:

E, adianta-se, a imposição de pena de prisão ao arguido pela prática de cada um dos dez crimes de condução sem habilitação legal e o crime de detenção de arma proibida, pelo justificado fundamento factual e correta fundamentação jurídica apresentada, é realmente a opção necessária e justa, capaz de cumprir com as finalidades da punição no caso concreto.

Quanto aos primeiros, as linhas de força da sua pretensão centram-se, por um lado na errónea alegação de que nunca tinha sido condenado pelo mesmo tipo de crime, ao invés, do que se expende na motivação da decisão recorrida. E centra-se, pelo outro lado, na alegação de que essa condenação deveria ter sido eliminada do respetivo CRC pelo decurso do prazo legalmente estabelecido para esse efeito, argumentando que “nos termos do disposto no art.º 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, a condenação a que alude o facto n.º 86 b), dos factos julgados provados no acórdão recorrido, ainda transcrita no seu certificado de registo criminal ali já não devia constar, devia ter sido cancelada, a sua vigência encontra-se caducada/cessada” – cls, 18.

Quanto ao argumento primeiramente indicado já acima se esclareceu que o motivado a tal propósito na decisão recorrida é o que efetivamente traduz a realidade da informação constante do então vigente registo de identificação criminal do arguido.

Quanto à pretensão da desconsideração daquela condenação, por dever considerar-se cancelada no seu CRC, deve dizer-se que o regime jurídico da identificação criminal está atualmente consagrado na Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, regulamentada pelo DL n.º 171/2015, de 25 de agosto, vigorando desde 30 de agosto de 2015.

Tanto no regime anterior como no regime vigente à data daquela condenação, o cancelamento de decisões que aplicou pena de multa, ocorria e ocorre decorridos 5 anos sobre a extinção da pena, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.

A pena aplicada pela prática do aludido crime foi julgada extinta em 14.05.2012 (conforme está averbado no CRC do arguido). Verifica-se também que cumpria então pena suspensa, que só veio a julgar-se extinta em 30/10/2017.

O CRC de qualquer pessoa emitido pelo serviço estatal competente deve conter a informação criminal então vigente. Contra as incorreções da informação contida no seu CRC pode a pessoa prejudicada reclamar e se não lhe for dada razão recorrer para o tribunal de execução de penas/TEP.

No caso, o CRC do arguido constante dos autos, inclui aquela condenação do arguido. O tribunal criminal não pode duvidar que aquele documento autêntico não contem informação vigente e verdadeira.

Acresce que o tribunal não está impedido de averiguar e conhecer, por outros meios de prova – máxime: através de certidão de sentença/ acórdão -  de anteriores condenações de um arguido, especialmente por crimes da mesma natureza. Aliás, no caso, o relatório social do arguido contem informação de que, há muitos anos, cumpriu pena efetiva de prisão.

Finalmente não se apura que o recorrente tenha suscitado essa concreta questão perante o tribunal da condenação.

Quanto à escolha da pena para os crimes de condução sem habilitação legal e para o crime de detenção de arma proibida – ambos puníveis com prisão ou multa -, a argumentação do recorrente é manifestamente iluminada pela conceção da multa alternativa como medida de clemência, unicamente centrada no seu enquadramento normativo, olvidando que deve ser tão orientada pela finalidade preventiva geral como a pena privativa da liberdade. Quando o tipo de crime sanciona a violação do bem jurídico protegido com prisão ou multa, a aplicação desta, sem hesitação preferencial pela multa, todavia terá de representar uma censura de equivalente importância para o condenado e de garantir com igual eficiência e efetividade a vigência daquele e a validade da respetiva proteção penal ou, na formulação legal, de cumprir em igual medida com as “exigências de prevenção” – art.º 71º n.º 1 do Cód. Penal. Como se entende - e defende J. Figueiredo Dias[16] -, a multa não pode representar uma forma disfarçada de dispensa ou de isenção de pena.

Insistindo na inequívoca preferência da opção pela pena pecuniária sempre que o crime é punível, alternativamente, com pena de prisão ou multa, contudo, essa escolha não pode deixar de ser informada pelas vantagens e inconvenientes que podem deparar-se no caso concreto. As quais têm de sopesar-se também e especialmente, nas situações de concurso de crimes.

A principal vantagem da pena de multa é, como se aponta, a de não retirar o condenado do seu meio familiar, social e laboral e, ao mesmo tempo, de evitar o efeito estigmatizante e criminógeno da reclusão em meio carcerário. Concomitantemente apontam-se também vantagens para o erário público ao nível da poupança dos custos administrativos e financeiros decorrentes da manutenção de uma pessoa confinada e à guarda e cuidados do Estado e que, ademais deve preparar para viver em liberdade sem cometer crimes.

A penal de multa tem também inconvenientes, o mais expressivo, nomeadamente em casos como o do recorrente – que não tinha outro rendimento lícito para além do subsídio social de desemprego -, consistente em o condenado ser remetido a uma situação que o pode colocar no limiar mínimo de sobrevivência e, em boa medida, potenciadora do cometimento de mais crimes, designadamente contra a propriedade e o património ou também do tráfico de estupefacientes por ser um dos que faculta proventos mais fáceis, rápidos constantes.

Sempre que o agente, em razão de um concurso de crimes que tenha cometido e pelo qual esteja a ser condenado na mesma decisão judicial, tenha de cumprir pena de prisão efetiva – como é o caso -, aquelas vantagens deixam de existir e, como vem de apontar-se, este inconveniente é bem patente (não é fácil perspetivar como o recorrente, sem nenhum rendimento nem meios de riqueza conhecidos, poderia pagar as multas que lhe viessem a ser aplicadas por cada um dos 11 crimes em apreço, que por mais baixas que fossem sempre poderiam atingir a ordem do milhar de euros).

Sustenta-se no acórdão de 07-07-2016 deste Supremo Tribunal que “o juízo a fazer sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, é completamente diferente quando, face à prática de outro ou outros crimes, seja certo o cumprimento de uma pena de prisão por outro(s) crime(s)”[17].

Daí que este Supremo Tribunal venha entendendo que “sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa” - vd. Ac. de 9/09/2020[18] (com indicação de outros aí seguidos[19]).

Também não se deve perder de vista que num concurso de crimes, as penas parcelares de prisão que não sirvam para estabelecer a moldura mínima, - como é o caso -, ao efetuar o necessário cúmulo jurídico, acabam fortemente diluídas na pena única, traduzindo-se, em certa medida, em alguma vantagem para o condenado uma vez que a pena de multa não poderia cumular-se com a pena de prisão e, consequentemente, o condenado sempre teria de a pagar, ou, sendo substituída, acabaria a cumprir prisão subsidiária.

Finalmente, acresce que resulta dos factos provados que tanto o crime de detenção de arma proibida como os crimes de condução sem habilitação legal surgem cometidos no âmbito do tráfico de estupefacientes – como bem se motiva no acórdão.

Pelo que, no concreto circunstancialismo fáctico provado, a pena de multa não seria minimamente adequada e suficiente para cumprir com finalidades da punição consignados no art.º 40º n.º 1 do Cód. Penal.

Conclui-se assim pela correção da opção do tribunal ad quem pela pena privativa da liberdade nos dez crimes de condução sem habilitação e no crime de detenção de arma proibida.

Improcede, por isso, a pretensão do recorrente, também neste segmento.

e) medida das penas:

i. pretensão dos recorrentes:

Os recorrentes CC e AA, alegando ser excessiva a pena de prisão que a cada um foi aplicada, peticionam a sua redução, terminando a reclamar a suspensão da respetiva execução.

O recorrente AA alegando a excessividade e desproporcionalidade das penas parcelares de prisão e da pena única, peticiona que sejam reduzidas de modo a permitir a aplicação de pena suspensa.

ii. no acórdão recorrido:

No acórdão recorrido, convocada a moldura penal do crime de tráfico p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro, motiva-se a dosimetria das penas aplicadas, motivando:

“no caso sub judice, importa ponderar as seguintes circunstâncias:

O grau de ilicitude é elevado quanto à actividade desenvolvida por AA, CC e DD, tendo em consideração quanto ao primeiro, a quantidade e qualidade de produto estupefaciente transacionado, os episódios de venda, o período da actividade e, ainda, os proveitos obtidos. Já  quanto aos segundos a circunstância de se colocarem numa posição mais elevada na estrutura organizativa, funcionado CC como fornecedora do seu irmão AA e DD como o fornecedor de CC, estando no ponto mais elevado da pirâmide organizativa do tráfico em apreciação, sendo revelador quanto a este o facto da quantidade de estupefaciente apreendida (passível de originar 912 dose) e, bem assim, a circunstância guardar o produto em locais diferentes da sua residência, procurando desse forma ilibar-se face a eventuais buscas.

Relativamente a CC, cumpre ainda destacar qua quantia elevada que lhe foi apreendida (mais de 5900€) em casa, tudo proveniente da actividade de tráfico.

Já quanto à arguida BB, o seu grau de envolvimento é menor, o que naturalmente diminui a ilicitude da sua conduta, estando o seu papel adstrito a entregar o estupefaciente que o arguido o seu companheiro (o arguido AA) lhe indicava e quando o mesmo não o podia fazer.

O grau de culpa é intenso quanto a todos os arguidos quanto ao crime de tráfico, tendo os arguidos actuado com dolo directo, sendo igualmente directo o dolo nos crimes de condução de veiculo sem habilitação legal e detenção de arma proibida praticados pelo arguido AA.

As exigências de prevenção geral são fortíssimas, no que concerne a todos os tipos de crime, mas em particular no tráfico, pois é unânime a afirmação de que a toxicodependência constitui um dos mais importantes desafios sociais dos nossos dias, cumprindo contrariar, sem hesitação, todo o circuito que alimenta o padecimento das vítimas dos crimes induzidos pela toxicodependência e o sofrimento das famílias daqueles que sucumbem diariamente no consumo de estupefacientes, sendo ainda mister apontar os inúmeros acidentes que a condução sem habilitação acarreta, com consequências trágicas para os utentes da via, não sendo também despicienda a prática frequente destes crimes (aqui se incluindo a detenção ilegal de arma) cumprindo assinalar, quanto a todos os crimes, que a pena reintroduza na comunidade a confiança nas normas violadas, combatendo assim a desacreditação nas normas.

Ainda quanto às exigências de prevenção especial, cumpre realçar a precariedade laboral de todos os arguidos, à exceção de AA que vai trabalhando sanzonalmente no…...... sendo ainda de realçar quanto a este os dois antecedestes criminais, um dos quais precisamente por condução de veículo sem habilitação legal, bem os seus comportamentos aditivos.

A favor dos arguidos DD, CC e BB milita a circunstância de não terem antecedentes criminais registados, pesando contra BB a sua recorrente disrupção social.

CC e DD revelam inserção familiar, sendo que este último em contexto prisional revela um comportamento isento de reparos ou registos disciplinares, contando com as visitas/ contactos regulares da companheira e outros familiares e amigos, estando afecto à ..... onde revela bom empenho.

iii. finalidades da pena:

Estabelecida a moldura penal, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é o que decorre das finalidades da punição, firmadas pelo legislador no art. 40.º do Código Penal, e que são: a proteção do bem jurídico violado e a ressocialização do agente (n.º 1); e tem como limite inultrapassável “a medida da culpa” –n.º 2.

No Código Penal de 1982 não existia uma norma que direta e autonomamente estatui-se sobre as “finalidades das penas”. Via-se então, resumidamente, “a culpa como fundamento da pena”. Na introdução ao referido Código Penal, ao mesmo tempo que se refutava a doutrina que conferia “uma maior tónica à prevenção geral” porque, afinal, acabava aceitando “inequivocamente a culpa como limite de pena”, afirmava-se que “um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.”

Paradigma que o legislador do Código Penal de 1995 inverteu. Agora, “a encimar o acervo de finalidades das penas que enuncia, coloca o artigo 40.º a proteção de bens jurídicos”. Norma que o Presidente[20] da Comissão Revisora qualificou como paradigmática e que, segundo o então deputado Costa Andrade, é marcante, só ele a valer como um programa de política criminal”.

Ao princípio da vinculação à defesa de bens jurídicos aqui consagrado, subjaz a ideia de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, também, do n.°2 do artigo 12.º da Constituição, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades e garantias se limitarão «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

A Assembleia da República autorizou – Lei de autorização legislativa n.º 35/94 de 15 de setembro -,o Governo a alterar o Código Penal de 1982 de modo a, além do mais, introduzir como finalidades da aplicação das penas e medidas de segurança a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, bem como estabelecer, quanto à medida de segurança, a proporcionalidade à gravidade do facto e subordinar a sua aplicação à perigosidade do agente; e, quanto à pena, consagrar o critério de que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa”.

Cumprindo esta incumbência, o legislador, na exposição de motivos do DL n.º 48/95 de 15 de março, plasmou, clara e  inequivocamente aquela solução, nos seguintes termos: «Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

De destacar, a este propósito, a inovação constante do artigo 40.º ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é "a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa».

Como bem sintetiza a jurisprudência deste Supremo Tribunal: Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa[21].

Não há, pois, razões plausíveis para discordar que no vigente regime penal, a função primordial do direito penal é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.

Em consonância, as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena[22].

Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz a necessidade de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração[23]”.

Sendo que à proteção jurídico-penal há-de reportar-se àquilo que se entenda relevante para a subsistência da comunidade ou, dito por outras palavras, há-de reconhecer a natureza social do bem jurídico. Ele tem indefetível conexão com a ideia de que nada é tão desvalioso como praticar «lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem»[24].

Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto[25], estabelecendo o “teto” ou limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente. À culpa comete-se agora uma “função politico-criminal de garantia dos cidadãos e não mais do que isso. Entende-se que a pena não pode exorbitar a culpa, do mesmo passo que não pode privar-se dela, como seu pressuposto. Ou, nas sapientes palavras de Costa Andrade: por último, o terceiro axioma diz-nos que a culpa deve persistir como pressuposto irrenunciável e como limite intransponível da pena. A culpa não deve dar a medida da pena. A pena pode ficar aquém da culpa, o que não pode é ultrapassá-la, até porque esta, (…) constitui um «axioma antropológico» da ordem jurídico-constitucional portuguesa. Tem de valer como limite, como barreira à instrumentalização do homem, em nome de fins próprios da sociedade. Como garantia de que a racionalidade instrumental, de que falava Max Weber, não vai dominar, absorver e sacrificar inteiramente a racionalidade de valores de uma sociedade democrática.

Por respeito à exigência da culpa, o Código e o legislador penal português faz eco daquela sábia advertência de Schiller, que já dizia ao príncipe: «Desconfiai, nobre senhor, nem tudo aquilo que é útil ao Estado é necessariamente justo». É o limite da culpa que garante que a prossecução de tarefas e de metas legítimas, através do instrumento de conformação social que é o Direito Penal, se faça com respeito pelas exigências inultrapassáveis da justiça”. 

Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização.

iv. outros fatores

O modelo é já muito, mas é também apenas isso mesmo, um modelo que define as linhas mestras ou parâmetros nos quais devem atuar as “circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e a prevenção”.

Por isso, o Código Penal, no art. 71.º estabelece[26]: “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo o tribunal “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando” as circunstâncias que enuncia, exemplificativamente, nas alíneas do n.º 2, e que se reportam resumidamente ao facto ou ao agente (à culpa ou à prevenção), às quais a doutrina adiciona outros fatores, designadamente relativos à vitima.

Desde logo proíbe, nesta sede, a valoração de quaisquer circunstâncias que façam parte do tipo de crime cometido pelo agente (proibição da dupla valoração). O que “não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento do tipo”[27].

Fatores enunciados no art. 71.º n.º 2 que, grosso modo, podem respeitar ao facto ou ao agente, designadamente:

-à execução do concreto facto cometido pelo agente, agrupando circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídico-penal cometida, que servem para caracterizar a medida da censurabilidade, e (quando for o caso) o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

-à personalidade do agente revelada no facto, agrupando as condições pessoais, sociais e económicas, a sensibilidade à pena e à influência que esta pode exercer, as qualidades da personalidade comparadas com as do «homem fiel ao direito».

-à conduta anterior e posterior ao facto, agrupando a história vivencial e criminal do agente e o comportamento posterior empreendido no sentido de assumir as consequências do crime cometido e, estando ao seu alcance, contribuir para que os comparticipantes não restem impunes e a “governar-se” com o proventos ilícitos assim obtidos.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta que “para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (…), estando vinculado aos módulos-critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Sustenta também que tais critérios e circunstâncias “devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”[28].

Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»”.

No mesmo sentido conclui Souto de Moura[29]: “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os fatores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada.

Finalmente e como se faz notar na exposição de motivos do DL n.º 15/93 de 22/01,a gradação das penas aplicáveis ao tráfico tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”. Não sendo minimizáveis nesse âmbito também considerandos de natureza sócio-cultural”.

v. no caso:

O crime de tráfico de estupefacientes, cometido pelos recorrentes “é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Dos outros crimes cometidos pelo arguido AA, em concurso efetivo, - afastada a aplicação da pena de multa alternativa -, têm, ambos, a moldura mínima de 30 dias e a moldura máxima, respetivamente 2 anos, - o de condução sem habilitação legal -, e 4 anos de prisão - o de detenção de arma proibida.

O crime de tráfico é um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidades de proteção dos bens jurídicos tutelados (genericamente a saúde pública e o bem-estar dos cidadãos e reflexamente a economia legal).

O sentimento jurídico expressado pela comunidade nacional – na lei -, comunitária – na Decisão-Quadro 2004/757 -, e universal – em Convenções -, apela ao combate incessante e sem tréguas do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por corromper, por vezes irreparavelmente, a saúde mental e física dos consumidores, degradar a dignidade humana destes, destruir a vivência socialmente útil dos dependentes, arruinar o sossego e harmonia das respetivas famílias, e muitas vezes, também o património, e por fomentar fortemente a criminalidade associada (furto, roubo, recetação, burla, lenocínio, etc.) e também uma economia “subterrânea”, que escapa ao sistema normativo e que tende a introduzir-se neste pela porta das traseiras, isto é, através do “branqueamento” das vantagens ilicitamente obtidas.

Extrai-se das estatísticas divulgadas sobre as fenomenologias que em cada momento produz o maior número de reclusos nos estabelecimentos prisionais que o tráfico de estupefacientes é dos domínios em que a previsão abstrata da punição tem menor efeito dissuasor. Em idêntico sentido parecem apontar as estatísticas sobre reincidência.

Referiu-se já que é um desígnio europeu, universal impedir e nacional reprimir a atividade dos traficantes de droga, punindo-os com penas que, ao mesmo tempo, “deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas”.

Enunciou-se já que, encontrada a moldura legal – quase sempre de grande amplitude -, a dosimetria da pena judicial, primária e necessariamente balizada pelas finalidades que o legislador lhe atribui, é parametrizada pela atuação conjugada de fatores atinentes ao facto, ou seja, ao centeúdo da ilicitude (grau de ilicitude, modo de execução, gravidade do resultado, grau de violação dos deveres) e ao agente, ou seja, ao conteúdo da culpa (modalidade da censura, antecedentes, condições pessoais, finalidade, sentimentos, postura perante o acontecimento e personalidade sócio-comunitária que neste se revela).

No acórdão recorrido, o tribunal ponderou segunda vez parte substancial dos fatores que motivaram, justamente, a exclusão da ilicitude consideravelmente diminuída do tráfico cometido pelo arguido AA e que sumariamente consistem: na intensidade da traficância, as quantidades e qualidade dos estupefacientes, o período temporal e a colaboração da arguida BB. Deste modo e nesta parte valorando duplamente as mesmas circunstâncias.

Ensina J. Figueiredo Dias que na “sua mais simples formulação, o princípio tem urna justificação quase evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e, portanto, não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena. Desta perspetiva se toma claro que o princípio da proibição de dupla valoração surge só, na sua forma de aparecimento imediata, como urna consequência necessária do sistema”.

Exemplificando, adverte que não será licito elevar a medida da pena com o argumento de que, em geral, “nada terá havido no caso que sirva para (…) diminuir o grau da ilicitude ou da culpa[30].

Sumariamente, o aludido princípio da proibição da dupla valoração proíbe que o juiz, na determinação da medida da pena concreta, considere circunstâncias de que o legislador se serviu para estabelecer a moldura penal do crime cometido pelo agente, seja ele simples, qualificado, agravado ou privilegiado[31].

Consequentemente, em sede de dosimetria da pena de prisão, o grau da ilicitude do tráfico (normal) cometido pelo referido arguido AA tem de ajuizar-se por outros fatores atinentes às circunstâncias em que os factos foram perpetrados, de entre as quais sobressai, desde logo, a de ter estabelecido como principal “posto de venda” a própria habitação, provocando forte afluência de consumidores à porta do prédio onde residia –cfr. pontos 5 e 9 dos factos provados.

Acentua o grau de ilicitude da conduta dos recorrentes, incluindo o arguido AA, a circunstância de não destinarem ao próprio consumo o estupefaciente que traficavam – cfr. ponto 70 dos factos provados.

Também assim a circunstância de o trafico constituir “o modo de sobrevivência dos arguidos DD e CC, e um negócio com o qual” o arguido AA obtinha ganhos monetários –cfr. ponto 72 dos factos provados.

Complementam essa circunstância as quantias apreendidas aos recorrentes AA – 1.908,10€ (quase 5 vezes o valor mensal do subsidio social de desemprego que percebia), alegando dever então dois meses de renda – e CC - 5.930,00€ (sem outros rendimentos lícitos conhecidos que não fosse o RSI no valor de €109,00 mensais).

 Quanto à recorrente CC ademais da qualidade do estupefaciente traficado e de basear o tráfico também na própria habitação, acentuam ainda a ilicitude a circunstância de já em 2015 vender estupefacientes, um destes heroína, como sucedeu por diversas vezes com o comprador consumidor ZZ – cfr. ponto 39.1 dos factos provados. E a circunstância de ser também intermediária entre o fornecedor do estupefaciente – no caso o recorrente DD -, e os revendedores – os arguidos AA, seu irmão, “coadjuvado” pela companheira, a arguida BB -, servindo-se daquele para também vender por sua conta.

Quanto ao recorrente DD, ao já referido exercício do tráfico “como modo de vida”, eleva o grau de gravidade da ilicitude da sua conduta, a circunstância de ser o fornecedor da cocaína traficada pelos arguidos CC e AA, agindo cautelosamente sem se expor ao contacto direto com os consumidores. Mas também o cuidado e engenho empregue em dissimular a posse e guarda da cocaína que traficava.

Milita ainda contra o recorrente DD a quantidade já expressiva – como nomeando as doses se nota no acórdão recorrido - da cocaína (142,084 gramas) numa só ocasião. Bem com o a apreensão de balança e tesoura, compatíveis com atividade de manuseamento dos estupefacientes que comprava em maiores quantidades e dividia.

O tráfico é fortemente censurado pela comunidade, sobretudo pelas razões já acima apontadas, mas também por propiciar fáceis lucros ilícitos, permitindo um modo de vida à margem do sistema produtivo, como sucedia com os arguidos nestes autos.

Ao nível do conteúdo da culpa, resulta dos factos provados que tinham consciência plena da ilicitude e da forte censurabilidade desta sua conduta, tendo agido com dolo direto, intenso e persistente.

A sua atividade delituosa foi comandada pela intenção de obter ganhos ilícitos suficientes para viver sem trabalhar, indiferentes às graves consequências que adviessem para a saúde dos consumidores.

Ao nível da prevenção especial de ressocialização, depõem em favor dos recorrentes CC e DD a ausência de condenações anteriores. Quanto ao arguido AA e relativamente ao crime de tráfico também se revela favorável a inexistência de registo de condenação anterior por crimes desta fenomenologia.

No legítimo exercício do seu direito de defesa, nenhum dos arguidos quis beneficiar-se da confissão dos factos e contribuir de algum modo para que as polícias e o Ministério Público pudessem descobrir e deter outros elos da mesma cadeia de tráfico de estupefacientes.

Em favor do recorrente AA milita a circunstância de na época estival de cada ano civil ocupar um posto de trabalho (previsivelmente contratado a prazo certo). Pondera-se a pequena quantidade de estupefacientes apreendidos - 25 saquetas de metadona e 6,664 gramas de canábis -, não lhe terem sido encontradas balanças ou outros instrumentos de divisão, preparação e acondicionamento do estupefaciente para a venda final aos compradores consumidores.

Em favor dos arguidos AA e CC milita a circunstância de não lhe terem sido apreendidos meios sofisticados de traficar.

Do relatório social extrai-se que o arguido AA tem reduzida formação escolar, desde jovem que teve problemas de adição aos estupefacientes, acabando por adotar um tratamento prolongado (mantém ligação ao sistema de com terapêutica de substituição com metadona há cerca de vinte anos), é portador de algumas doenças crónicas graves, o seu percurso vivencial é marcado por  isolamento social e inconsistência das uniões que foi estabelecendo, com relações de risco, conseguindo, apesar de tudo, ocupações laborais temporárias, designadamente nos últimos 7 anos, nos termos referidos (na….., possivelmente com sucessivos contratos a prazo, para atividade sazonal típica da região algarvia). Consta também que há cerca de 40 anos cumpriu pena de prisão efetiva.

Do relatório social da arguida CC extrai-se que tem baixa formação escolar, uma vivência marcada por alguma instabilidade relacional, atualmente estabilizada, sem ocupação laboral regular, percebendo prestações do rendimento social de inserção, alguns problemas de saúde e familiares (falecimento de dois filhos e o terceiro com……).

Do relatório social do arguido DD consta que tem baixa formação escolar, sem ocupação laboral minimamente estável, sem ligações familiares na área geográfica onde traficou, aí vivendo só, nos últimos 4 anos (anteriores à detenção). O comportamento prisional referido é o espetável, sobressaindo apenas o empenho nas tarefas atribuídas.

Também se deve ponderar que nenhum dos arguidos reconheceu o mal do crime, revelou arrependimento e manifestou vontade séria de se reinserir na comunidade dos homens e mulheres fieis ao direito (o que a ter ocorrido poderia ter servido para poder reduzir a pena aplicada ao recorrente AA).

Assim, atentas as finalidades da pena e o funcionamento dos fatores atinentes à ilicitude, à culpa e às necessidades de prevenção que se enunciaram – adicional e especificadamente -, relativamente a cada um dos recorrentes por ter cometido o crime de tráfico de estupefacientes porque vêm condenados nos autos, conclui-se que a pena minimamente persuasiva e proporcionada é aquela que lhes foi fixada no acórdão recorrido e que respeitou o diferente grau de gravidade da ilicitude e a diversa dimensão da censurabilidade da conduta de cada um.

Quanto à medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido AA pela pratica de cada um dos dez crimes de condução sem habilitação legal, ao que se motiva no acórdão recorrido acrescenta-se que também quanto a estes crimes o arguido não resulta que tenha confessado e revelado arrependimento sincero. E, decisivamente, quantos aos crimes de condução sem habilitação, a pena singular situou-se tão próxima do limiar mínimo que fica sensivelmente no oitavo inferior da respetiva moldura penal, apesar da repetição massiva de crimes desta espécie num período temporal de menos cerca de dois meses e meio (de 5 de fevereiro a 23 de abril de 2019) e de o arguido ter já uma condenação anterior pela prática do igual crime. Sem olvidar o circunstancialismo, diligentemente acentuado no acórdão recorrido, de os crimes terem sido cometidos no empreendimento da aquisição, transporte e venda ou fornecimento de estupefacientes. Circunstancialismo que acentua a intensidade e persistência do dolo com que agiu em cada uma das situações e o acentuar crescente da censurabilidade da reiteração no mesmo tipo de crime.

É frequente ver-se na jurisprudência das instâncias que o agente de crimes de condução sem habilitação legal, ao entrar na ordem das dezenas de infrações iguais e já com antecedentes penais, acabe condenado em pena de prisão e que, quando assim sucede, a respetiva medida não seja inferior a 6 meses de prisão.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida, não obstante estarmos perante uma só infração, certo é que o arguido tinha consigo duas armas elétricas, disfarçadas de lanterna. E, como com pertinência se salienta no acórdão recorrido, a detenção ocorre associada ao tráfico de estupefacientes. Também a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida se situou ao nível do sexto inferior da respetiva moldura penal. Por outro lado verifica-se que o arguido apresentou uma versão manifestamente insubsistente no sentido de alijar a sua responsabilidade criminal pela guarda e detenção das referidas armas proibidas, bem ciente de que não as podia deter e guardar em nenhuma condição.

Razão pela qual entende este Supremo Tribunal que não se justifica intervenção corretiva na medida da pena aplicada aos recorrentes pela prática dos crimes cometidos. Improcedendo a pretensão destes de ver reduzida a pena ou penas impostas nos autos.

f) da pena única (arguido AA):

O recorrente AA alega que a pena única que lhe foi aplicada é excessiva e desproporcionada, pretendo que seja reduzida para 5 anos de prisão.

i. fatores a considerar:

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2, do Código Penal.

O art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, dispõe: 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu um regime especial, suplementar, para a determinação da medida da pena do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na quantificação da pena conjunta. 

A determinação da pena única por conhecimento superveniente do concurso obtém-se de acordo com um processo que se inicia pela identificação dos crimes em concurso e das penas aplicadas a cada um deles, construindo-se, assim, a moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do art. 77.º, sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas[32].

Um concurso de crimes, por opção de politica criminal, é punido com uma pena judicial única, obtida através da ponderação dos factos cometidos e da personalidade do agente. Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que na fixação do quantum da pena única a aplicar ao concurso de crimes essencial é o grau da gravidade dos factos e as tendências da personalidade que o agente neles revela.

Ainda assim, os recorrentes exasperando frequentemente na parametrização daqueles vetores – como evidencia o caso –pretendem que a punição do concurso de crimes ignore a condenação por cada crime singular e as penas parcelares, acabando, sem a pugnar por um sistema de pena unitária. Neste sistema, a totalidade dos factos cometidos, formam uma só entidade, um único crime para efeitos punitivos. Não existe decisão judicial intermédia alguma sobre o número e crimes e a correspondente consequência jurídica. A pena unitária não está condicionada ou balizada por penas parcelares, inexistentes, em regra. 

Não é assim no sistema da pena conjunta adotado pelo nosso legislador. O que realmente o distingue daquele não é, propriamente, o resultado final, traduzido, em ambos numa só pena para sancionar o concurso de crimes. Traço distintivo marcante é que ali a pena é única e determina-se numa só operação, através da consideração unitária do conjunto dos crimes do concurso como comportamento global unificado na mesma entidade punitiva. Enquanto que aqui os crimes do concurso são primeiramente tratados na sua singularidade punitiva, determinando-se-lhes uma pena parcelar. Seguidamente, a totalidade daquelas penas dão lugar a uma pena conjunta, determinada pelo critério especial acima apontado. Aqui, a avaliação do comportamento global deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua concreta medida e relação de grandeza com a moldura da pena do concurso.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[33].

Ou como se sustenta no Acórdão 14-09-2016[34], deste Supremo Tribunal: na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”.

Não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração – art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[35] e a jurisprudência[36] entendem que nada obsta a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[37].

ii. fator de compressão mitigado:

Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem guiar o juiz na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura do cúmulo, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal e para determinar a fração, toma em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam.

A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.

Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.

Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.

Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).

A utilização de tal critério de determinação da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida.

Este é o entendimento prevalente, que nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais.

Consequentemente, o denominado «fator de compressão», funcionando sempre como critério valorativo (aferidor) do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, deverá adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e do modo de execução dos crimes.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes contra as pessoas, crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.

E “paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global”, com o sentido assinalado, que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.

Sem perder de vista que, como sustenta J. Figueiredo Dias que “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. da CRP”[38].

iii. princípio da proporcionalidade da pena:

No mesmo sentido conflui também o principio da proporcionalidade da pena judicial.

Vejamos:

Alega o recorrente que as penas únicas em que está condenado violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro, o recorrente não adiante qualquer razão que possa justificar a sua desgarrada invocação, nem se compreende o alcance da sua invocação.

Quanto ao segundo, importa salientar que a proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República – art. 18º n.º 2 – e, por isso, de aplicação direta na sua vertente subjetiva.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objetiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais e da moldura das sanções com que são punidas as violações dos tipos de ilícito.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstratamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes. Questiona-se a proporcionalidade das penas única de prisão concretamente aplicadas ao arguido.

Como se assinala no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14/09/2016, já citado, “o modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios - no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também nos arts. 77º e 78º) - “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Em qualquer caso, as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime cometido não podem ser consideradas na quantificação da pena concreta (proibição da dupla valoração).

Dentro da moldura penal abstrata, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[39]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal. Pena única em medida inferior colocaria em causaa crença da comunidade na validade das normas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais[40].

Comportando-se nos estritos limites da culpa, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida ótima se também satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e ao mesmo tempo assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de um determinado modelo ou ordem de valores).

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade revelada no cometimento dos factos.

Sustenta-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30/11/2016[41]:a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da soma das penas aplicadas a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme – como sucede no caso -, e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida – como aqui também se verifica -, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme coletivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reação formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais.

Extrai-se do Acórdão STJ de 30/11/2016: A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.  (…).

Por outro lado,a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»” .

No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «trata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o procedimento comparativo efetuado, demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude – art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Intervenção corretiva necessariamente limitada pela inexistência, no Código Penal, de penas fixas, penas por degraus, ou penas com medida exata. Limitada também pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objetividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares.

iv. no caso:

o arguido AA está condenado, em concurso efetivo, numa pena de 6 anos de prisão (crime de tráfico), dez penas de 3 meses de prisão (crimes de condução sem habilitação legal) e uma pena de 8 meses de prisão (crime de detenção de arma proibida), que somadas perfazem 9 anos e 2 meses de prisão.

No acórdão recorrido, após enquadrar doutrinariamente a interpretação do quadro normativo consagrado no art.º 77º do Cód. Penal, motiva-se a decisão, expendendo:

a pena única aplicada tem de situar-se entre os 6 anos (mais alta das penas parcelares) e 9 anos e 2 meses (soma da totalidade das penas aplicadas), face às considerações tecidas aquando da determinação das penas parcelares, decide-se fixar a pena única em 7 anos de prisão.

Ainda que somente por remissão para a fundamentação das penas parcelares e, nessa medida, também exposta à proibição da dupla valoração, ainda assim não merece censura a individualização daquela pena única.

E não merece intervenção corretiva porque, desde logo à luz do critério do fator de compressão, pode dizer-se (ainda que o tribunal recorrido não terá seguido esta aritmética) que das restantes 11 penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico -, ou noutra expressão, que acrescem à pena singular que fixa a moldura mínima do concurso -, “aproveitou-se” apenas um mês – que é o mínimo da respetiva moldura penal – de cada uma das penas de 3 meses de prisão por ter cometido dez crimes de condução sem habilitação legal e dois meses (ou um quarto) da pena aplicada pela prática do crime de detenção de arma proibida. De outra perspetiva, a medida da pena conjunta situou-se ligeiramente abaixo do terço inferior da moldura penal do concurso. O que se aceita tendo em conta o agravamento da imagem do “facto global” que resulta da conjugação do tráfico com a detenção de arma proibida (arma elétrica disfarçada de lanterna) e com a condução automóvel sem habilitação legal, significando que se assim não fosse – se não tivesse cometido estes crimes -, não teria mobilidade para se deslocar pelos próprios meios quando se ia “abastecer” de estupefacientes” nem para efetuar algumas entregas em diferentes locais dos concelhos .......... e de ...........

Ao nível da personalidade, o percurso vivencial do arguido, as suas problemáticas especificas, a ausência de formação profissional e o seu modo de vida, que de certo modo o levaram a abraçar o tráfico como meio de obter proventos monetários, acentuam o perigo sério de reincidência (em sentido lato) no crime, acentuando as exigências de prevenção especial de ressocialização.

A sua postura perante os factos revela que carece de um período de reclusão acompanhado e programado para refletir, interiorizar que o tráfico de estupefacientes é física (para a saúde dos consumidores) e socialmente daninho, não compensa, e para ao mesmo tempo se  preparar-se para viver em sociedade sem cometer crimes.

Neste conspecto, a pena conjunta que lhe foi decretada é em medida justa e proporcionada, não pecando por execesso.   

Improcede assim a pretendida redução da media concreta da pena de prisão aplicada a cada recorrente no acórdão recorrido.

g) da pena suspensa:

Os recorrentes, pugnando pela redução da pena aplicada – o arguido AA da pena única -, peticionam também a aplicação de pena suspensa.

Nos termos do art. 50º n.º 1 do Cód. Penal, pressuposto formal da suspensão da execução da pena é que tenha sido fixada em medida não superior a 5 anos de prisão.

Mantendo-se os recorrentes condenados em penas com medida concreta superior a 5 anos de prisão, não se verifica o assinalado pressuposto, absolutamente incontornável. Pelo que não falece de sentido essa pretensão dos recorrentes.

h) declarações de perda:

i. de veículo automóvel (.......-QG):

O arguido AA insurge-se contra a declaração de perda do veículo automóvel com a matrícula .......-QG da marca….., modelo ……. Além do mais já acima tratado – máxime: falta de provas, de exame crítico da prova e de fundamentação da decisão – alega ainda que o tribunal decidiu assim sem factos – cls. 97 – e contradizendo-se – cls. 94 e 98.

Ao que se expôs acrescenta-se que ao invés do que alega o recorrente, o Tribunal, no acórdão recorrido, julgou assente que “no desenvolvimento da sobredita actividade de tráfico o arguido AA efectuou várias deslocações, usando para tal os veículos automóveis de marca e modelo ….., com a matrícula .......-QG, e de marca e modelo ……, com a matrícula .......-PT” – cfr. ponto 24 da facticidade provada.

E também assente, no ponto 84, que “nas circunstâncias de tempo, lugar e modo, supra descritas, foram apreendidos aos arguidos as quantias monetárias e objectos referidos nos artigos 21 a 23, 44 e 66 a 69, deste despacho acusatório, e os veículos automóveis de matrículas .......-QG e .........-VM e acima indicados, que serviram para os arguidos desenvolverem a actividade de tráfico ou eram produto da sua comercialização”.

Nos pontos 25 a 37 ficaram assentes deslocações efetuadas pelo arguido, conduzindo o referido veículo até ou em direção à residência da arguida CC, onde se fornecia de estupefacientes (“documentados nos autos de vigilância e seguimento”).

Insiste-se que o vertente recurso (de revista) não pode visar o reexame da decisão da matéria.

Quanto à questão de direito dúvidas não restam, atentos os factos provados, da aplicação ao referido veículo, do regime especial de perda consagrado no art. 35.º n.º 1 do Dl n.º 15/93 de 22 de janeiro, que obriga o tribunal a declarar perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido para a prática de uma infração tipificada no mesmo diploma legal. Tendo aquele automóvel sido utilizado pelo arguido nas deslocações para adquirir e transportar os estupefacientes que vendeu e ainda para efetuar algumas entregas, não restava outra solução que não fosse decretar a sua perda nos decididos, fundamentadamente, no acórdão recorrido. Que, por isso, não merece reparo.

Quanto à alegada contradição, tem razão o Digno Procurador-Geral Adjunto quando refere que se trata de patente lapso de escrita. O Tribunal, na motivação da decisão dos factos, viu o seu pensamento traído pela interposição do termo “não”, no início da frase, quando queria dizer: Esta ultima nota permitiu-nos também (…) dar como provado que a  veículos automóveis de matrícula .........-VM e .......-QG, usados respetivamente por DD e AA, estavam afectos à actividade de tráfico, como revelam as regras da experiência quando concatenadas com as escutas telefónicas e autos de vigilância, sendo evidente que eram essas as viaturas usadas para desenvolver a actividade, concretamente para fazer entregas e levantamentos em casa de CC, como o eram os telefones apreendidos (à excepção do telefone apreendido a EE, como infra se explicará) através dos quais se chegou ás inúmeras escutas telefónicas anexas aos apensos 1, 2 e 3 dos autos”. O texto do próprio paragrafo, na parte final, não deixa margem para qualquer dúvida razoável de que ali se quis justificar a prova dos factos acima transcritos e, concretamente, no que tange aos automóveis, muito claramente quando motiva assim: “sendo evidente que eram essas as viaturas usadas para desenvolver a atividade (…)”.

Assim, também aqui, em aplicação do disposto no art.º 380º n.º 2 do CPP. se vai determinar a retificação do ostensivo lapso.

É, pois, manifestamente insubsistente a argumentação do recorrente.

ii. de numerário (€5.930,00):

A recorrente CC insurge-se contra a declaração de perda da quantia monetária que lhe foi apreendida, opondo-lhe os argumentos já acima apreciados – máxime: violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo, nulidade da decisão por falta de fundamentação e de exame crítico das provas (impugnando ainda a valoração probatória).

Repete-se que o vertente recurso não pode visar o reexame do julgamento da matéria de facto

O Tribunal ad quem declarou perdido em favor do Estado aquele montante porque julgou provado que esta arguida não exerciaqualquer actividade profissional lícita regular, através da qual, aufiram qualquer ganho monetário” – cfr. ponto 71 -, que a venda de produtos estupefacientes constituía o seu “modo de sobrevivência” – ponto 72 – e que o dinheiro que lhe foi apreendido era proveniente dessa atividade de tráfico – ponto 73.

A facticidade julgada provada contraria inequivocamente a argumentação – marcadamente hipotética e muito teórica - da recorrente.

Com os factos provados não há realmente qualquer margem para modificar a fundamentada decisão de perda daquela quantia em numerário.

Como se citou, a lei é expressa e inequívoca neste domínio. Nos termos dos artigos 35 a 38º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro contem o regime especial sobre a perda dos instrumenta, producta sceleris e quaisquer vantagens retiradas do crime, bem como os eventuais juros, lucros e outros benefícios obtidos através daqueles. Efetivamente – como o recurso dos arguidos evidencia - a perda dos objetos, direitos ou vantagens, direta ou indiretamente, obtidas com o tráfico de estupefacientes e tão ou mais efetiva e dissuasora que a pena aplicada, privando o agente de tirar qualquer proveito do crime.

Improcede, assim, por manifestamente infundada, esta pretensão da recorrente.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide:

a) indeferir as nulidades arguidas pelos recorrentes;

b) julgar totalmente improcedente o recurso dos arguidos, aqui recorrentes, assim se confirmando o acórdão recorrido;

c) nos termos do art. 380º n.º 1 al.ª b) e 2 do CPP, retificar os seguintes lapsos detetados no acórdão recorrido, que passam a ter a redação seguinte:

i. o ponto 84 dos factos provados, alínea b):

“b) por factos ocorridos a 26.09.2011, foi condenado por sentença de 11.5.2012, transitado em julgado a 11.5.2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, entretanto extinta pelo cumprimento (proc. 696/11….. do Juízo de pequena Instância Criminal …….)”.

j. o seguinte excerto da motivação:

Esta ultima nota permitiu-nos também dar como provado que a  veículos automóveis de matrícula .........-VM e .......-QG, usados respetivamente por DD e AA, estavam afectos à actividade de tráfico, como revelam as regras da experiência quando concatenadas com as escutas telefónicas e autos de vigilância, sendo evidente que eram essas as viaturas usadas para desenvolver a actividade, concretamente para fazer entregas e levantamentos em casa de CC, como o eram os telefones apreendidos (à excepção do telefone apreendido a EE, como infra se explicará) através dos quais se chegou ás inúmeras escutas telefónicas anexas aos apensos 1, 2 e 3 dos autos”.


*


Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, a cargo de cada recorrente, em 7 UCs – art. 513º n.º 1 do CPP, art.º 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


Supremo Tribunal de Justiça, 6 de janeiro de 2021.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[42] .

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

__________

[1] Proc. 04P3182, in www.dgsi.pt
[2] Proc. 05P2431.
[3] Proc. 07P1131, in www.dgsi.pt
[4] Vd. Ac. n.º 281/2005 do Tribunal Constitucional, in Diário da República n.º 128/2005, Série II de 2005-07-06.
[5] Máxime: Ac. de 12/03/2014, proc. 1027/12.5GCTVD.S1 “A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, na ausência de recurso da matéria de facto, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, que só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção”.
Ac. de 3/04/2019 proc. 38/17.9JAFAR.E1.S1 Como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-10-2015, proferido no processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 – 3.ª Secção, «é jurisprudência constante deste Supremo Tribunal que “decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, de que o STJ deva oficiosamente conhecer», não constituindo o «conhecimento desses vícios pelo Supremo Tribunal (…) mais do que uma válvula de segurança a utilizar pelo tribunal nas situações em que não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou se fundar em erro de apreciação, ou estar assente em premissas contraditórias».
XIII - O conhecimento das questões de facto, enquanto tais, encontra-se, assim, subtraído à apreciação do STJ que, sendo um tribunal de revista, apenas conhece de direito – arts. 432.º e 434.º do CPP, e, assim, quanto aos «princípios da livre apreciação da prova e de “in dubio pro reo”, ao STJ apenas é possível apurar da respectiva violação através da própria decisão: só da análise da matéria de facto e da sua fundamentação se poderá avaliar da eventual infracção destes princípios e nunca pelo exame das próprias provas que estejam recolhidas nos autos.
[6] Recordemos António Aleixo, in “Quadras sobre a Mentira e a Verdade”:
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
[7] Proc. 05P662, in www.dgsi.pt
[8] Comentário ao Código de Processo Civil, pag. 434.
[9] Proc. 06P3646.
[10] Proc. 733/17.2JAPRT.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[11] Artigo 3º n.º 4 al.ª a)  “As Partes tornam a prática de qualquer das infrações estabelecidas de acordo com o n.º 1 deste artigo passível de sanções proporcionais à sua gravidade, tais como pena de prisão ou outras penas privativas de liberdade, multa e perda de bens”.
[12] Direito Penal, As consequências Jurídicas do Crime, pag. 199/200.
[13] Ac. STJ de 2-10-2019, proc. 2/18.0GABJA.S1, www.dgsi.pt.
[14] Ibidem.
[15] Proc.  411/14.4PFVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt
[16] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 119.
[17] Proc. 444/14.0PBEVR.S1, in www.dgsi.pt.
[18] Proc. 66/18.7PECBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[19] Máxime: acórdãos de 12-02-2009 , proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção, convocado nos acórdãos de 07-07-2016, proferido no processo n.º 444/14.0PBEVR.S1 – 3.ª Secção, de 18-01-2018, proferido no processo n.º476/13.6GTABF.S1 – 3.ª Secção, e de 21-11-2018, proferido no processo n.º 574/16.4PBAGH.S1 -3.ª Secção.
[20] J. Figueiredo Dias.
[21] Ac. STJ de 18/02/2016, proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[22] J. Figueiredo Dias, Direito, Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag. 227.
[23] “isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” – J. Figueiredo Dias, ob. citada, pag. 72/73.
[24] Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
[25] A censura ético-pessoal por ter violado bens jurídicos tutelados.
[26] Que manteve os postulados da versão equivalente do Código Penal de 1982 de 1982
[27] J. Figueiredo Dias, ob. citada, pag. 235.
[28] Ac. STJ de 18/02/2016, proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, in www.dgsi.pt/jstj.
[29] A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, pag. 6.
[30] Consequências Jurídicas, cit. pag. 234/235.
[31] Ac. STJ de 27/11/2019, proc. 1257/18.6SFLSB.S1
[32] Ac. STJ de 15-11-2017, Proc. 27/11.7JBLSB.S1, www.dgsi.py/jstj.
[33] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[34] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[35] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[36] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[37] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[38] Ob. citada, pag. 241/242.
[39] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 242
[40]
[41] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.
[42]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.