Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1023
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
CONTRATO DE CONCESSÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
CLIENTELA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200404150010237
Data do Acordão: 04/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2157/03
Data: 10/21/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a decisão de facto proferida pela Relação quando esta deu como provado algum facto sem produção de prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.
2. Como é plena a força probatória da confissão, do acordo das partes e de certos documentos, o exame crítico das provas a que se reporta o nº. 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil é o que envolve a operação do juiz ou do colectivo de juízes na selecção e na consideração dos factos cobertos por algum daqueles meios de prova.
3. O contrato de concessão comercial é uma espécie dos contratos de cooperação comercial, atípico, por via do qual uma das partes - o concessionário -, se obriga a comprar à outra - o concedente - determinada quota de bens, com a vista a revendê-los, em determinada zona, com autonomia.
4. O contrato de agência é aquele em que uma das partes - o agente -, actuando por conta e em nome da outra - o proponente ou principal - em regime de colaboração estável, desenvolve, em determinada zona geográfica ou em algum círculo de clientes, uma actividade de prospecção de mercado, captação de clientela, promoção de produtos e ou, com base em poderes especiais conferidos pelo principal, celebra os próprios contratos.
5. A similitude dos contratos de concessão comercial e de agência justifica que ao primeiro se apliquem algumas normas ao último atinentes, designadamente as relativas à indemnização de clientela e à violação do pré-aviso de denúncia.
6. O direito à indemnização de clientela traduz-se na remoção do ganho obtido pelo principal por virtude do incremento de clientela proporcionado pelo agente e que a este se destinava, na vigência do contrato, a título remuneratório.
7. A relação comercial duradoura de uma dezena e meia de anos, em que uma das partes comprava à outra de vinho por esta produzido, com desconto, e as vendia aos seus clientes, embora em alguns anos sob acordo de preços mínimos, é insusceptível de ser qualificada como contrato de concessão comercial ou de agência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- A e "B, Lda." intentaram, no dia 3 de Janeiro de 2002, contra C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a fixação em doze meses do prazo de pré-aviso para a denúncia do contrato celebrado com o primeiro e a sua condenação a pagar-lhes 1.705.220$ em razão do incumprimento de um contrato de agência para a comercialização de vinhos e aguardentes por via da denúncia em Janeiro de 2001, e 2.195.066$ a título de indemnização de clientela, e juros de mora vencidos e vincendos.
A ré negou, na contestação, a celebração de contrato de agência com os autores, acrescentando que eles só eram seus clientes, sem estatuto de distribuidores, e os autores replicaram em termos de manter a posição por eles assumida na petição inicial.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 18 de Novembro de 2002, pela qual a ré foi absolvida do pedido, da qual os autores apelaram, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Outubro de 2003, negou provimento ao recurso.

Interpuseram os autores recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- os fundamentos enunciados no acórdão recorrido assentam em deficiente apreciação da prova e na errada interpretação do direito, o qual violou também os artigos 10º, do Código Civil e 264º do Código de Processo Civil;
- o tribunal ignorou ostensivamente factos dados como assentes, postergando a sua avaliação e apreciação crítica, violando o artigo 659º, nº. 3, do Código de Processo Civil;
- a conclusão de que os recorrentes e a recorrida celebraram sucessivos contratos de compra e venda não é conforme com os factos provados e revela imperfeito conhecimento da vida concreta e da prática comercial das empresas, porque aqueles factos revelam que o conjunto de direitos, deveres e expectativas e de interesses aproximam fortemente a relação material controvertida da ratio das normas atinentes ao regime jurídico do contrato de agência;
- estabeleceu-se entre as partes, com carácter permanente e duradouro, uma relação comercial sob condições concretas e específicas que a aproximam da representação comercial, pelo que se justifica a aplicação dos artigos 28º, 29º, 33º e 34º do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, relativos ao regime de cessação do contrato de agência;
- deve aplicar-se à relação contratual sub-judice o regime legal da agência por estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 33º do Decreto-Lei nº. 178/86 no que respeita à chamada indemnização de clientela, e nos artigos 28º e 29º no atinente à indemnização pelo incumprimento do prazo de aviso prévio para a denúncia, e os recorrentes devem ser indemnizados pela recorrida em conformidade.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão:
- face à factualidade provada e aos elementos essenciais do contrato de concessão comercial, este inexiste, só existindo um feixe sucessivo de contratos de compra e venda;
- como não ocorrem os requisitos essenciais do tipo contratual concessão comercial, não pode haver aplicação analógica do regime legal do contrato de agência, por não ocorrer afinidade entre os celebrados entre os recorrentes e a recorrida com o contrato de concessão comercial ou de agência;
- não há lugar ao pagamento pela recorrida aos recorrentes de qualquer indemnização, devendo manter-se o acórdão recorrido.

II- É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O autor dedica-se ao comércio de produtos alimentares, bebidas e artigos de limpeza de consumo doméstico e industrial, tendo exercido a sua actividade como empresário em nome individual até 21 de Dezembro de 2000, altura em que constituiu a autora, da qual é o único representante.
2. A ré dedica-se à actividade de exploração agrícola e agro-pecuária, designadamente à comercialização de vinhos e bebidas espirituosas, e é conhecida no mercado pelo nome Casal de Valle Pradinhos ou Valle Pradinhos.
3. Desde 1985 que o autor procede à distribuição e venda, essencialmente no distrito de Bragança, dos vinhos e bebidas mencionados sob 2, produzidos em Valle Pradinhos, então por D e, desde 1994 pela ré, que àquela sucedeu.
4. Todos os riscos decorrentes da comercialização de vinhos da ré eram assumidos pelo autor, consistindo o proveito que ele tirava dessa actividade no lucro gerado na revenda dos vinhos produzidos pela ré no Casal de Vale Pradinhos, entre os quais Porta Velha e Valle Pradinhos, beneficiando por vezes, antes de 1994, de um desconto especial por quantidade de produtos encomendados.
5. A ré declarou aos serviços de finanças de Macedo de Cavaleiros, em 4 de Outubro de 1994, que iniciava, como actividade principal, a exploração agrícola a 6 de Outubro de 1994.
6. Após 1994, a ré, aquando do lançamento de novas colheitas no mercado, elaborava uma lista de preços e condições de venda que enviava aos clientes que distribuíam as suas bebidas, e elaborava uma tabela de preços para as vendas directas a particulares que fazia na loja em Valle Pradinhos, tabela esta que o autor solicitava.
7. No final de 1998, a ré reuniu com os distribuidores dos seus produtos, que acordaram num preço mínimo de venda no mercado para os produtos então em venda.
8. A ré estabeleceu a tabela de preços inserta a folhas dezanove, a vigorar a partir de 22 de Dezembro de 1999, na qual consta que o pagamento da mercadoria podia ser efectuado pelo autor a pronto, com 3% de desconto, e a 30 dias com 2% de desconto, ou a 60 dias, e, em Janeiro de 2001, alguns stocks de produções anteriores esgotaram-se.
9. O vinho Quinta das Murças é produzido e era comercializado por "E, Lda.", de que a ré é sócia, e o autor era abastecido desses vinhos, após encomenda, pelo armazém da ré em Vale Pradinhos.
10. Na época das vindimas de 2000, a ré deu conhecimento ao autor de que a definição da política comercial e de preços, incluindo a facturação dos novos produtos a colocar no mercado após aquela data ficaria a cargo da empresa "F" que assegurava a colocação de toda a produção no mercado, e com quem devia tratar os novos fornecimentos de bebidas, mas que ela continuava a fornecer os produtos já lançados no mercado até ao esgotamento de stocks.
11. Representantes da "F" exigiram à autora, no primeiro fornecimento de vinhos, o pagamento a pronto, para poder beneficiar de um desconto de 4%, e vendeu-lhe vinhos a preço superior ao praticado entre o autor e a ré, beneficiando a primeira apenas de um desconto normal de 8%, a qual não dava seguimento atempado aos pedidos e encomendas feitos pela segunda.
12. As vendas pela ré ao autor dos produtos mencionados em 2 no ano de 1997 somaram 4.477.716$, no ano de 1998 ascenderam a 6.041.539$, no ano de 1999 computaram-se em 4.888.305$ e, em 2000, somaram 3.934.190$.
13. A comercialização dos vinhos mencionados sob 2 representava cerca de 7% do volume de negócios do autor, o volume médio anual das suas vendas desses produtos foi nos últimos cinco anos de 6.661.162$, e o seu lucro anual médio auferido com a sua revenda nesse período foi de 1.332.236$.
14. A autora enviou à ré o escrito de folhas trinta e um, datado de 22 de Março de 2001, no qual consta que a primeira tem vindo a acumular prejuízos decorrentes da posição unilateral adoptada.
15. O autor angariou e manteve a maior parte dos clientes consumidores dos produtos mencionados sob 2 no distrito de Bragança, a quem agora a "F" vende os mesmos produtos, os quais sempre gozaram de boa reputação comercial.
16. O autor comunicou à ré, por escrito datado de 1 de Junho de 2001, por ela recebido no dia 6 de Junho de 2001: "Face à ausência de quaisquer notícias relativamente às questões que submetemos à apreciação de V.Exªs. na nossa carta de 22-03-2001, somos obrigados a concluir que mantém, nos termos que nos comunicaram a decisão de denunciar o contrato de distribuição exclusiva para a região de Trás-os-Montes que nos ligava à vossa empresa. Entendemos assim ser nosso dever reclamar da v/empresa o pagamento de um montante indemnizatório, por um lado, pelo incumprimento do prazo de aviso prévio de denúncia e, por outro, pelos prejuízos decorrentes da mesma, sendo que tal montante não poderá ser inferior a 4.000.000$".

III- A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida deve ou não indemnizar os recorrentes no montante de € 19.454,54 e pelo atraso de pagamento, por via de juros de mora, em razão de incumprimento contratual e de angariação de clientela.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- síntese do quadro de facto relativo à negociação envolvente das partes;
- deve ou não alterar-se o quadro de facto fixado pela Relação?
- desconsiderou ou não a Relação factos objecto de prova plena?
- estrutura essencial do contrato de concessão comercial;
- estrutura essencial do contrato de agência;
- regime legal decorrente do incumprimento do contrato de concessão comercial pelo concedente ou de agência pelo principal;
- natureza e efeitos das relações jurídicas estabelecidas entre os recorrentes e a recorrida e a sua antecessora;
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1. Atentemos, para melhor compreensão do objecto do litígio, na síntese dos factos declarados provados no acórdão recorrido essencialmente relevantes na definição da natureza das relações empresariais desenvolvidas entre D e a recorrida, por um lado, e os recorrentes, por outro.
O autor, que se dedica ao comércio de produtos alimentares, bebidas e artigos de limpeza de consumo doméstico e industrial, procede, desde 1985, à distribuição e venda, essencialmente no distrito de Bragança, dos vinhos e bebidas produzidos, primeiro por D e depois pela recorrida, cujos riscos eram por ele assumidos, sendo o seu proveito o lucro gerado na revenda, beneficiando por vezes, antes de 1994, de um desconto especial por quantidade de produtos encomendados.
Após 1994, a recorrida, aquando do lançamento de novas colheitas no mercado, elaborava e enviava uma lista de preços e condições de venda aos clientes que distribuíam as suas bebidas, e uma tabela de preços para as vendas directas a particulares que fazia na sua loja, que o recorrente lhe solicitava.
No final de 1998, reuniu a recorrida com os distribuidores dos seus produtos, que acordaram num preço mínimo de venda no mercado, e estabeleceu uma tabela de preços, para vigorar a partir de 22 de Dezembro de 1999, da qual constava poder o recorrente proceder ao pagamento do vinho a pronto com 3% de desconto, ou a 30 dias com 2% de desconto, ou a 60 dias.
Na época das vindimas de 2000, comunicou a recorrida ao recorrente que a definição da política comercial e de preços, incluindo a facturação dos novos produtos a colocar no mercado após aquela data, ficaria a cargo de outra empresa, que asseguraria a colocação de toda a produção no mercado, com quem devia tratar os novos fornecimentos de bebidas, e que ela continuava a fornecer os produtos já lançados no mercado até ao esgotamento de stocks.
O recorrente vendeu produtos da recorrida durante os anos de 1997 a 2000, no valor 4.477.716$, 6.041.539$, 4.888.305$ e 3.934.190$, respectivamente, sendo a média dos últimos cinco anos de 6.661.162$ e a média do lucro anual de 1.332.236$, o que representava cerca de sete por cento do volume dos seus próprios negócios.
Ele angariou e manteve a maior parte dos clientes consumidores dos produtos mencionados da recorrida no distrito de Bragança, a quem agora outra empresa os vende.

2. A Relação, apreciando no recurso de apelação a impugnação da matéria de facto formulada pelos recorrentes, julgou-a improcedente.
No recurso de revista, alegaram os recorrentes que os fundamentos enunciados no acórdão recorrido assentam em deficiente apreciação da prova, pelo que importa verificar o relevo ou irrelevo dessa alegação.
Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº. 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a sua existência ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, nº. 2, e 729º, nº. 2, do Código Civil).
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da matéria de facto quando o tribunal recorrido deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.
No caso vertente não se vislumbra qualquer dos fundamentos do funcionamento da mencionada excepção.
Decorrentemente, ainda que a Relação tivesse errado na apreciação das provas, o que, aliás, se não vislumbra, por estar fora do seu âmbito de competência, não poderia este Tribunal sindicar o seu erro.

3. Alegaram os recorrentes que a Relação ignorou ostensivamente factos dados como assentes, postergando a sua avaliação e apreciação crítica, infringindo o disposto no artigo 659º, nº. 3, do Código de Processo Civil.
A lei expressa, com efeito, que na fundamentação da sentença ou do acórdão, deve o juiz ou o colectivo de juízes como é o caso da Relação, tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigos 659º, nº. 3, 713º, nº. 2, e 726º do Código de Processo Civil).
O exame crítico das provas a que este normativo se reporta não tem o sentido que a mesma expressão tem no nº. 2 do artigo 653º do Código de Processo Civil, porque nesta última situação, e não naquela, está implicada a própria decisão da matéria de facto.
Como é plena a força probatória da confissão, do acordo das partes e dos documentos em causa, o exame crítico das provas a que se refere o nº. 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil limita-se praticamente à operação do juiz ou do colectivo de juízes de registar e considerar os factos cobertos por aqueles meios de prova.
Ao invés do que os recorrentes referem, não se vislumbra que Relação tenha desconsiderado algum dos factos provados por via da prova plena a que alude o nº. 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil.
Em consequência irreleva em absoluto a alegação em análise formulada pelos recorrentes.

4. Os recorrentes afirmaram que as relações estabelecidas com a recorrida ou com a sua antecessora se enquadravam porventura no contrato de concessão comercial, pelo que importa caracterizar esse tipo contratual.
O contrato de concessão comercial não está especificamente regulado no direito português, seja de origem interna, seja de origem internacional, mas as partes podem, nos limites da lei, celebrar contratos diferentes dos especialmente nela previstos, independentemente de determinada forma (artigos 219º e 405º, nº. 1, do Código Civil).
Exprime-se por uma relação contratual duradoura entre o produtor ou o adquirente àquele e o distribuidor, em que o concessionário actua em nome e por contra próprios, obrigando-se a promover a revenda dos produtos que constituem o objecto mediato do contrato na zona a que se reporta, e o concedente a celebrar com aquele sucessivos contratos de compra e venda e a fornecer-lhe os meios necessários ao exercício da sua actividade (MARIA HELENA BRITO, O Contrato de Concessão Comercial, Coimbra, 1990, pág. 179, e ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, Coimbra, 1998, pág. 17).
Dir-se-á, em síntese, por um lado, que se trata de um contrato atípico, espécie dos contratos de cooperação comercial, por via do qual, uma das partes, o concessionário, se obriga a comprar à outra, o concedente, determinada quota de bens, com o fim de os revender ao público em determinada zona, com autonomia e independentemente da característica da exclusividade.
E, por outro, que dele deriva uma relação jurídica complexa integrante, além do mais, da vinculação das partes à constituição de futuras relações jurídicas concretizadas por via de novas manifestações de vontade concernentes à transferência do direito de propriedade sobre os bens atinentes, consubstanciadoras de sucessivos contratos de compra e venda em execução do contrato quadro.
Além disso, por via dele, há a faculdade de controlo do concedente sobre a actividade do concessionário, em termos de o primeiro impor ao segundo a sua estratégia comercial e de lhe controlar a actividade de distribuição (Ac. do STJ, de 3.5.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 45).
Como contrato atípico que é, o contrato de concessão comercial rege-se pelo convencionado pelas partes contratantes e, na sua falta, pelas normas gerais dos contratos e, se necessário, pelas normas relativas aos contratos que com ele apresentem maior analogia, como é o caso do contrato de agência.

5. Conforme acima se referiu, o contrato cuja estrutura apresenta maior analogia com o contrato de concessão comercial é o de agência, regulado pelo Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº. 118/93, de 13 de Abril.
Com efeito, resulta do referido diploma que o contrato de agência é aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outrem a celebração de contratos de modo autónomo e estável, mediante retribuição, em certa zona ou no âmbito de determinado círculo de clientes (artigo 1º do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho).
O contrato de agência é, pois, o negócio oneroso em que uma das partes - o agente -, actuando por conta e em nome da outra - o proponente -, em regime de colaboração estável, não necessariamente exclusiva, desenvolve autonomamente em determinadas zonas ou no quadro de determinado círculo de clientes, uma actividade de prospecção do mercado, conquistando clientela, promovendo os produtos e celebrando eventualmente contratos quando para tal se sejam concedidos especiais poderes (MANUEL JANUÁRIO GOMES, Da Qualidade de Comerciante do Agente Comercial, BMJ, nº. 313, pág. 47).
A diferença entre a posição do concessionário e a do agente traduz-se, por um lado, essencialmente no facto de o primeiro agir em nome e por conta próprios, sob a obrigação de adquirir bens ao concedente, pelos quais paga um preço e os vende em nome próprio, por ser mercadoria sua, assumindo os riscos da operação.
E, por outro, em o agente agir em nome próprio e por conta do principal na angariação de contratos, ou na sua celebração se o último lhe tiver concedido poderes especiais para esse efeito.
Ademais, enquanto a remuneração do agente se traduz na retribuição da sua actividade desenvolvida no interesse do principal, a vantagem patrimonial do concessionário é consubstanciada na diferença entre o preço da compra dos bens e o da sua venda.
É a similitude da estrutura dos contratos de concessão comercial e de agência que, em razão da analogia, justifica sejam aplicáveis ao primeiro algumas normas ao segundo atinentes (artigo 10º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

6. O regime jurídico decorrente da alteração do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, pelo Decreto-Lei nº. 118/93, de 13 de Abril, é aplicável, a partir de 1 de Janeiro de 1994, aos contratos de agência celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma (artigo 2º do Decreto-Lei nº. 118/93, de 13 de Abril).
De harmonia com o disposto no artigo 28º, nº. 1, alínea c), do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, na redacção que lhe foi posta pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº. 118/93, de 13 de Abril, a denúncia do contrato de agência celebrado por tempo indeterminado e que tenha durado mais de dois anos depende de comunicação escrita ao outro contraente com a antecedência mínima de três meses.
O desrespeito do referido prazo de pré aviso é susceptível de causar danos a alguma das partes por via da extinção inesperada da relação contratual e que, por isso, lhe tenha afectado as perspectivas patrimoniais da sua actividade.
Nesse contexto, expressa a lei que o denunciante do contrato de agência que não respeite os prazos previstos no artigo 28º do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, fica vinculado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta do pré aviso, em termos de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo lato sensu (artigo 29º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho).
O agente tem, porém, a faculdade de exigir do principal, em vez da mencionada indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta (artigo 29º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho).
No âmbito do contrato de agência, estabelece a lei ter o agente direito, após a cessação do contrato, a indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com os já existentes, a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente ou este deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com aqueles clientes (artigo 33º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho).
Não é, em rigor indemnização, porque não depende da alegação e prova pelo agente dos danos por ele sofridos, antes se tratando, grosso modo, de uma compensação, a favor do agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela pelo primeiro angariada ou desenvolvida, benefício que durante a vigência do contrato era comum a ambos e após a sua cessação só aproveita ao principal.
A ideia é a de que só é razoável compensar o agente pelo que fez no passado, na medida em que isso venha a repercutir-se directamente em benefício principal, ou seja, quando este tenha efectivo acesso à clientela angariada pelo primeiro no quadro de uma continuidade.
Dir-se-á que o direito à indemnização de clientela se traduz em remover um ganho obtido pelo principal por virtude do incremento de clientela proporcionado pelo agente, e que a este se destinava, a título remuneratório, na vigência do contrato.
O ónus de alegação e de prova dos factos integrantes dos pressupostos da compensação de clientela a que se reporta o artigo clientes 33º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 178/86, de 3 de Julho, incumbe, como é natural, ao agente, porque constitutivos do seu direito (artigo 342º, nº. 1, do Código Civil).

7. A causa de pedir relativa aos contratos é consubstanciada, como é natural, nas respectivas declarações negociais, por via das quais se determina a sua vontade e os interesses contrapostos que visam realizar (artigos 342º, nº. 1, do Código Civil e 498º, nº. 4, do Código de Processo Civil).
Aos recorrentes incumbia a articulação e a prova de factos reveladores de que entre eles e D, primeiro, e a recorrida, depois, foi celebrado um contrato quadro juridicamente qualificável como de concessão ou de agência ou outro de estrutura próxima, certo que é com base em um ou outro que formulam contra a última o pedido indemnizatório em causa (artigo 342º, nº. 1, do Código Civil, e 264º, 467º, nº. 1, alínea c), e 664º do Código de Processo Civil).
Sabe-se, pelos factos provados, que D, primeiro, e a recorrida depois, produziram vinhos e aguardentes que vendiam, por um lado directamente ao público em própria loja, segundo determinada tabela e, por outro, a comerciantes, que lhos encomendavam de acordo com outra tabela de preços.
Mas deles não resulta que os recorrentes se tivessem vinculado a comprar vinhos ou aguardentes a D, primeiro, ou à recorrida, depois, antes estando assente que o vinho destas transaccionado por aqueles não representava mais do que sete por cento do volume global das suas próprias operações comerciais.
Os recorrentes não lograram provar, além do mais, o que articularam no sentido de que, no ano de 1985, o recorrente e D haviam acordado que o primeiro passaria a comercializar, em regime de exclusividade, nos distritos de Bragança e de Vila Real, os vinhos de mesa e aguardentes daquela.
Na realidade, o que provaram a este propósito foi que o recorrente procedia desde 1985, essencialmente no distrito de Bragança, à venda de vinhos e bebidas produzidos naquela data por D, e nove anos depois pela recorrida.
A circunstância de a recorrida, no final de 1998, portanto pontualmente, haver reunido com os distribuidores dos seus produtos e acordaram um preço mínimo de venda não significa, só por si, como é natural, que entre a recorrida e o recorrente houvesse algum contrato de concessão comercial ou de agência ou de estrutura similar, ou com alguma conexão, como é o caso da comissão, do mandato ou da prestação de serviços.
O que na realidade resulta dos factos provados é que os recorrentes, A primeiro, e "B, Lda." depois, actuaram em nome próprio, revendendo aos seus clientes os vinhos adquiridos, inicialmente a D e, posteriormente, à recorrida.
Tendo em conta o conceito de contrato de agência acima delineado, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que as relações jurídicas estabelecidas entre qualquer dos recorrentes e D, primeiro, e a recorrida, depois, não integram o tipo contratual de agência.
Tal como alegam os recorrentes, tendo em conta a natureza do produto que eles adquiriam primeiro a D e, depois, à recorrida, irreleva a circunstância de os factos não revelarem que os primeiros se obrigaram a prestar algum tipo de assistência às segundas.
Mas não resulta dos factos provados que D, primeiro, e a recorrida, depois, e os recorrentes, inicialmente A e, posteriormente, "B, Lda.", tivessem convencionado, em termos de contrato quadro, a obrigação de as primeiras venderem aos segundos as garrafas do vinho em causa, nem a obrigação de os últimos se sujeitarem a políticas de preços ou controlo de fiscalização por parte das primeiras
Ao invés, o que os factos provados revelam é que, primeiro o recorrente e, depois, a recorrente, compravam as garrafas de vinho produzido, inicialmente por D e, posteriormente, pela recorrida, nas condições convencionadas entre ambos os contraentes, entre as quais o benefício de desconto variável conforme o prazo de pagamento.
É certo que os factos provados também revelam a existência de uma relação comercial duradoura entre as partes, porque se desenvolveu durante uma dezena e meia de anos.
Mas isso é insuficiente, como é natural, para que se conclua no sentido de se estar perante algum contrato de concessão comercial ou de agência, ou de estrutura próxima, nem disso resulta uma situação incompatível com a circunstância de se tratar de sucessivos contratos de compra e venda de natureza comercial, consoante o quadro de encomendas e de fornecimentos do vinho.
Perante este quadro de facto e o conceito de contrato de concessão comercial acima referido, não há fundamento legal para se concluir no sentido de que as partes o celebraram.

8. Os factos provados não revelam que D, primeiro, e a recorrida, depois, por um lado, e o recorrente, primeiro, e a recorrente, depois, tenham celebrado algum contrato quadro de concessão comercial ou algum contrato de agência, nem qualquer outro a que deva aplicar-se o regime legalmente previsto para o último daqueles contratos.
Assim, essencialmente por não verificação do quadro fáctico integrador dos mencionados contratos, cujo ónus de alegação e de prova incumbia aos recorrentes, não pode proceder a sua pretensão indemnizatória por falta de aviso prévio ou de angariação de clientela.
Por isso, ao invés do que os recorrentes alegaram, a decisão das instâncias é harmónica com o quadro da matéria de facto provada e não revela imperfeito conhecimento da realidade da prática comercial entre as empresas.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 15 de Abril de 2004
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís