Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31662/16.6T8LSB-D.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
MÁ FÉ
LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO
ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão:
REVISTA IMPROCEDENTE.
RECURSO SUBORDINADO PROCEDENTE.
Sumário :

I- Do disposto no artigo 120º, n.1 e n.4 decorrem os requisitos gerais, de verificação cumulativa, que justificam a resolução em benefício da massa insolvente: a temporalidade do ato (2 anos antes do início do processo de insolvência), a natureza prejudicial desse ato e a existência de má-fé do terceiro (concretizada nos termos do n.5 ou da segunda parte do n.4 dessa norma). No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para alem dos requisitos que especialmente lhes respeitam.


II- Não constando o contrato de cessão de exploração do elenco do art.121º do CIRE, a resolução em benefício da massa insolvente impõe a demonstração dos requisitos gerais exigidos pelo art.120º. Não resultando da factualidade provada que o cessionário estava de má-fé, não há fundamento para a resolução desse ato.


III- A resolução de um contrato de arrendamento em benefício da massa insolvente, por declaração do administrador da insolvência, com base no artigo 121º, n.1, alínea h) do CIRE pressupõe a demonstração de que as obrigações assumidas pelo locador (insolvente) excedem manifestamente as da contraparte. Não permitindo a factualidade provada concluir pela existência de tal desequilíbrio, não existe fundamento para aquela resolução.

Decisão Texto Integral:







Processo n.31662/16.6T8LSB-D.L1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. IMPACTMELODY, Ldª, pessoa coletiva com sede no ..., propôs ação de processo comum contra a Massa Insolvente de ANIMACORPUS - GESTÃO DE SPAS E HEALTH CLUBS UNIPESSOAL, Ldª (representada pelo Administrador da Insolvência), nos termos do art. 125.º do CIRE, peticionando que fosse dada sem efeito a resolução em benefício da Massa Insolvente operada pelo administrador da insolvência.


Alegou, em síntese, que os negócios celebrados entre as partes não foram prejudiciais para os credores, nem a autora atuou de má fé, pois, apesar de ter tido conhecimento prévio da situação deficitária da exploração do hotel, não tinha conhecimento da situação de insolvência da contraente.


2. A ré contestou a ação, alegando que a celebração dos contratos em causa causou prejuízo ao património da insolvente, pela diminuição do seu valor. Alegou que o contrato é prejudicial porque a renda é variável e o seu pagamento está na total discricionariedade da autora, que até ao momento nada pagou. Alegou ainda que os prejuízos resultam dos encargos assumidos pela insolvente com a celebração do contrato, na medida em que ficou estabelecido que as cedentes entregariam à cessionária 50% do rendimento das unidades/andares de utilização independente que não fazem parte do objeto da exploração e suportariam ainda outros encargos com água, eletricidade e seguros, assim como os encargos com os trabalhadores no termo do contrato de cessão. E alegou que a autora tinha conhecimento da crise que as cedentes enfrentavam à data da outorga dos contratos.


3. Delimitado o objeto do litígio como consistindo no apuramento da validade da resolução dos negócios de cessão de exploração e de arrendamento identificados na carta enviada pelo Administrador de Insolvência à autora (a fls. 33 a 39 dos autos), a primeira instância proferiu a seguinte decisão:


«o Tribuna julga procedente a presente ação e, em consequência, declara inválida e ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Sr. Administrador de Insolvência referente ao contrato de cessão de exploração e respetivo aditamento celebrados entre a sociedade autora e a insolvente, em 24.06.2015 e em 11.02.2016, respetivamente


4. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o TRL decidido:


«julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:


- Revogar parcialmente a decisão recorrida, a qual se substitui por outra a declarar válida e eficaz a resolução impugnada no que respeita ao aditamento/arrendamento celebrado em 11/02/2016;


- Manter o decidido quanto ao contrato de cessão de exploração celebrado em 24/06/2015, embora com diversa fundamentação


5. Continuando inconformada a ré [Massa Insolvente da Animacorpos] interpôs recurso de revista. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:


«A. Primeiramente se refira que o acórdão recorrido não se pronuncia quanto a duas questões suscitadas no recurso de apelação.


B. Uma das questões suscitadas e alegadas pela Recorrente nos seus articulados, mormente na oposição à impugnação, versa sobre a verificação do requisito da má-fé nos termos do artigo 120.º, n.º 4 do CIRE, ou seja, com recurso à presunção iuris tantum prevista nesse normativo legal.


C. Ora, por mero lapso, certamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa refere, na página 44, “não se tendo demonstrado qualquer relação especial entre a impugnante e a insolvente, não estamos perante um caso no qual a má fé se possa presumir” – sucede que, tal não é verdade porque a aqui Recorrente alegou e demonstrou a relação especial (indireta) entre a impugnante e a insolvente, nomeadamente nos itens 104.º a 120.º da oposição.


D. Como decorre do acórdão recorrido, a sentença não se pronunciou quanto a esta questão pelo facto de ter entendido que o ato não era prejudicial, porém, enferma em omissão de pronúncia o acórdão recorrido que, só por mero lapso, não verificou a demonstração da relação especial entre a impugnante e a insolvente para efeitos de presunção do requisito de má-fé.


E. Concomitantemente, no recurso de apelação alegou a Apelante a titulo subsidiário que o contrato de cessão de exploração sempre seria objeto de resolução incondicional nos termos do artigo 121.º, n.º 1, al. b) do CIRE, por se tratar de um ato materialmente gratuito.


F. A omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir).


G. A omissão de pronúncia é uma das causas de nulidade de sentença.


H. Desta forma, encontra-se configurada uma nulidade de sentença prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC - omissão de pronúncia, nulidade que pelo presente se alega e pretende ver reconhecida com as demais consequências legais.


DAS MOTIVAÇÕES,


I. O acórdão recorrido decidiu o seguinte sentido:


Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:


- Revogar parcialmente a decisão recorrida, a qual se substitui por outra a declarar válida e eficaz a resolução impugnada no que respeita ao aditamento/arrendamento celebrado em 11/02/2016;


- Manter o decidido quanto ao contrato de cessão de exploração celebrado em 24/06/2015, embora com diversa fundamentação.


J. O presente recurso terá como objeto apenas a parte do acórdão que manteve o decidido na primeira instância.


K. A questão controvertida insere-se na resolução condicional em beneficio da massa insolvente dos atos prejudiciais a esta, nos termos do artigo 120.º do CIRE, na qual o Tribunal da Relação manteve o decido no sentido de ser considerada válida a impugnação efetuada pela Recorrida quanto à resolução em beneficio da Massa Insolvente operada pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência.


L. O Tribunal da Relação entendeu, efetivamente, que o ato em questão era um ato prejudicial para a Massa Insolvente, porém concluiu pela não verificação do requisito da má-fé nos termos e para os efeitos do artigo 120.º, n.º 5 do CIRE.


M. No entendimento da Recorrente incorre em erro tal entendimento, por dois motivos: i. o Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter tido em consideração a presunção de má-fé prevista no n.º 4 do artigo 120.ºdo CIRE, pois verificam-se todos os pressupostos – o que afastou liminarmente; ii. ainda que não fosse presumível a má-fé (como entendeu a relação), sempre se verificaria a mesma por força do disposto no artigo 120.º, n.º 5 do CIRE.


-Da presunção do requisito da má-fé (120.º, n.º 4 CIRE):


N. O acórdão não analisa sequer a intervenção de pessoa especialmente relacionada, referindo “não se tendo demonstrado qualquer relação especial entre a impugnante e a insolvente”, mas não apreciando concretamente a situação – ou seja, afasta liminarmente esta questão sem qualquer justificação válida para o efeito.


O. Porém, a aqui Recorrente, efetivamente, alegou e demonstrou (documentalmente) em sede de oposição à impugnação apresentada a aqui Recorrente discorreu sobre a verificação do requisito do artigo 120.º, n.º 4 por referência a existência de pessoa especialmente relacionada – cfr. itens 104.º a 120.º da oposição.


P. De facto, o negócio em questão teve como participante/aproveitador pessoa especialmente relacionada com a insolvente, relação esta que existia já à data.


Q. Isto porque, à data da outorga do aditamento ao contrato de cessão de exploração, 11-02-2016, quem vinculava as sociedades insolventes T... e ANIMACORPUS eram os seus administradores, AA e BB, tal como se pode constatar do teor do próprio aditamento e certidão permanente das empresas constantes da contestação.


R. A recorrida propôs-se explorar o hotel da propriedade da insolvente T... sob a alçada da marca G...


S. Ora, CC é o Administrador da cessionária, aqui Recorrida e também o CEO do grupo F... que é detentora da marca G... em Portugal, com pelo menos 4 (quatro) unidades em funcionamento: G..., T.... ... ......... e G... e Janeiro 2016 G... ... e G....


T. BB é nada mais nada menos do que a diretora de Marketing, Comunicação e Vendas na F...


U. Ou seja, uma das administradoras da sociedade insolvente era, concomitantemente, diretora de marketing comunicação e vendas do grupo F...


V. E esta F..., como se aferiu, é a proprietária da marca sob a qual são explorados os serviços de hotel e spa nos imóveis em referência.


W. É, inequívoco, que terá de existir um contrato que permite e legitime a Recorrida a explorar os estabelecimentos comerciais sob a marca propriedade do grupo F...


X. É, inequívoco, que a diretora do departamento de vendas do grupo F... sabia que a Recorrida ia explorar o hotel/spa sob a marca G... nas instalações propriedade da sociedade aqui insolvente e da T... – pois esta diretora era administradora das duas sociedades.


Y. Pelo que, é inequívoco que estamos perante a celebração de um contrato com pessoas especialmente relacionadas – insolvente (com administradora a Sra. BB); recorrida (que tem licença/autorização para utilização da marca G... na exploração do hotel); e F... (proprietária da marca G... e cuja uma das pessoas de topo dos quadros da sociedade é a Sra. BB).


Z. Nenhum destes circunstancialismos foi apreciado pelo Tribunal da Relação (nem pela primeira instância que se ficou pela prejudicialidade do ato) – embora alegados e comprovados.


AA. O n.º 4 do artigo 120.º consagra já uma presunção iuris tantum (cfr. artigo 350.º, n.º 2 do CCivil), sendo que os requisitos aí contemplados (referente ao período temporal e ao especial relacionamento) são de preenchimento cumulativo.


BB. O requisito temporal está assente; O requisito do especial relacionamento também se verifica de acordo com tudo o que se explanou.


CC. Segundo a Doutrina e Jurisprudência supracitada podemos inferir o seguinte com importância para os autos: i. possibilidade de recorrer ao artigo 49.º para aferição das pessoas de especial relevância; ii. afastamento da necessidade das partes serem adquirentes no negócio, bastando-se as mesmas como participantes ou dele tenham aproveitado.


DD. Ora, as pessoas especialmente relacionadas no caso dos autos efetivamente participam no negócio e dele beneficiam – 49.º, n.º 2, a) e c) - a pessoa especialmente relacionada com a Devedora é a sua Administradora, a saber, a Sra. BB.


EE. A Sra. BB exercia importantes funções na sociedade detentora da marca G..., mais propriamente diretora de Marketing, Comunicação e Vendas na F...


FF. Esta F... cedeu à Recorrida (cessionária no contrato ora em crise) os direitos de propriedade intelectual associados à G... para exploração do Hotel/Spa que aqui tratamos.


GG. É, assim, evidente que o negócio em apreço teve a participação, e dele aproveitaram, pessoas especialmente relacionadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 29.º, n.º 2 do CIRE em conjugação com o artigo 120.º, n.º 4 do CIRE.


HH. O artigo 49.º do CIRE não é taxativo para efeitos do artigo 120.º, n.º 4 do CIRE, ou seja, esta presunção de má-fé pode operar em mais situações não expressamente previstas na lei (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/06/2023, relatado por Paula Cardoso).


II. A situação dos autos é, independente de por força do artigo 49.º do CIRE ou por força da situação de facto reportada, uma clara situação onde há um interveniente especialmente relacionado que participa naquele negócio e dele obtém proveito nos termos do n.º 4 do artigo 120.º.


JJ. A Sra. BB é claramente uma pessoa especialmente relacionada e participou no negócio (e do mesmo aproveitou) – isto porque, interveio na qualidade de administradora da ora insolvente (proprietária no contrato) e interveio também na qualidade de diretora de Marketing, Comunicação e Vendas na F... (que cedeu o gozo da marca G... em Portugal, aproveitando para tal sociedade beneficio claro).


KK. Mais se diga, sem razões de dúvida, que atento o circunstancialismo invocado, o negócio não se teria sequer realizado, caso a Sra. BB não interviesse em “ambos os lados da moeda” quer na qualidade de Administradora, quer de Diretora.


LL. Assim, é evidente que estando verificada a participação (e aproveitamento) por parte de pessoa especialmente relacionada – verificando-se de forma indireta relação especial entre a impugnante recorrida e a insolvente – mas verificada e não contestada, o negócio em crise (contrato de cessão de exploração) deveria beneficiar da presunção do requisito de má-fé previsto no artigo 120.º, n.º 4 do CIRE.


MM. E, em consequência desse facto, deveria a resolução do contrato operada pelo Exmo. Administrador de Insolvência ser considerada plenamente válida e, por conseguinte, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a presente ação totalmente improcedente, declarando como totalmente válida e eficaz a resolução impugnada também relativamente ao contrato de cessão de exploração.


Sem prescindir,


- Da verificação do requisito da má-fé por força do n.º 5, do artigo 120.º do CIRE:


NN. Atento o exposto, a Recorrida, sabia, como aliás, não pode alegar desconhecer a real situação de crise que a insolvente enfrentava à data da outorga dos contratos objeto de resolução.


OO. Aliás, tanto assim é que é a própria Autora que aceita e confessa ter conhecimento da “crise empresarial” que o hotel enfrentava:


I. É admitido no item 10.º da Pi pela Recorrida que o Hotel estava a ter “resultados ruinosos”, como também referido também já nos factos provados.


II. No item 17.º da PI afirma que “o seu normal funcionamento fora inviabilizado, mercê do progressivo declínio dos lucros da actividade e acumulação de prejuízos e dividas, com destaque para as remunerações devidas aos trabalhadores”.


III. No item 18.º da PI “conexamente, a insolvente, na qualidade de entidade empregadora dos trabalhadores do hotel, procedeu então à suspensão dos contratos de trabalho em vigor com os mesmos, com respaldo na situação de “crise empresarial” que o estabelecimento endurava…”.


IV. No item 21.º “em simultâneo, o Executivo da Câmara de ..., presidido pelo Dr. DD, fazia eco das preocupações mantidas pela insolvente e a Animacorpus, porquanto conhecendo a situação que o Hotel atravessava, antevia no seu eventual encerramento definitivo a extinção dos postos de trabalho dos seus trabalhadores, e o desaparecimento de um factor de atracção de capitais e pessoas, dinamizador do turismo na região”.


V. No item 29.º “sendo que, no momento da cessão dos poderes de exploração, o hotel se encontrava praticamente “paralisado”, sem uma única reserva de quartos pendente”.


VI. No item 71.º “testemunho disso é o GOP da actividade do hotel no período anterior ao inicio da sua exploração pela impugnante que, segundo informações obtidas por esta aquando da negociação dos sobreditos contratos, se cifrava num saldo negativo em €335.500,00 (trezentos e trinta e cinco mil e quinhentos euros) em 2013 num saldo também negativo de €281.200,00 (duzentos e oitenta e um mil e duzentos euros) no exercício de 2014”.


VII. No item 135.º “Assim, em primeiro lugar, a título de incumbência passiva, a impugnante assumiu o risco do negocio explorado no hotel, numa altura em que o mesmo apresentava resultados notoriamente negativos, e em que rumava para o encerramento, mercê da ausência de lucros e acumulação de responsabilidades e prejuízos”


PP. Para efeitos de verificação do requisito da má-fé, nos termos do citado n.º 5 do normativo legal, refere o artigo 120.º que basta ao terceiro ter conhecimento de uma das seguintes situações ali elencadas – mero conhecimento por parte do terceiro envolvido.


QQ. O acórdão recorrido sustenta que o terceiro, Recorrida, não tinha conhecimento das situações elencadas naquela disposição, por no seu entendimento os factos que eram conhecimento da Recorrida reportarem-se à situação do hotel explorado pela cedente T... – o que é absolutamente irrelevante para o presente.


RR. Os contratos objeto de resolução foram outorgados dentro dos dois anos anteriores à declaração de insolvências, donde, a situação de insolvência da cedente, à data, já era eminente e conhecida, de resto, resulta das várias e constantes confissões acerca da crise empresarial da insolvente feitas Recorrida e dado como provado em sede de sentença (nomeadamente pontos 25) e 26) dos factos provados).


SS. O Acórdão recorrido faz uma distinção total do Spa e do Hotel – isto porque os diferentes estabelecimentos eram explorados por sociedades distintas, a saber a aqui Insolvente e a T....


TT. Sucede que, as sociedades integram o mesmo grupo societário, funcionando como um todo na exploração do hotel e spa – aliás, prova disso mesmo é o facto de ambas as sociedades estarem já declaradas insolventes, os membros dos órgãos de gestão da sociedade são exatamente os mesmos, ou seja, a sociedade insolvente dependia do bom funcionamento da sociedade T... para também ter solidez financeira e económica.


UU. E, era evidente, quer para a Recorrida, quer para todos os intervenientes e agentes de mercado no ramo em apreço, que as sociedades em referência eram indissociáveis do ponto de vista de facto/prático.


VV. Aliás, ao longo dos contratos e de toda a ação, a mera referência ao hotel por questões de simplicidade de escrita e não por diferenciação prática entre aquelas duas pessoas jurídicas.


WW. Assim, é por demais evidente, que a situação relativa às sociedades ANIMACORPUS e T... tem de ser interpretada do ponto de vista do grupo societário, talqualmente são interpretados e foram redigidos os contratos de cessão de exploração e aditamento para contrato de arrendamento.


XX. Estando provado, como refere o acórdão recorrido, que a Recorrida tinha pleno conhecimento do estado de insolvência eminente em que se encontra a T..., por decorrência do referido, tinha evidente conhecimento do igual estado em que se encontrava a sociedade Animacorpus!!! tal como tinham todos os intervenientes naquele concreto nicho de mercado!


YY. Desta forma, a aqui Recorrida, tendo conhecimento da situação real da Sociedade insolvente, atuou de má-fé nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 5 do CIRE, ao celebrar um contrato altamente prejudicial para aquela sociedade que, também devido a este negócio ruinoso, veio logo de seguida a ser declarada insolvente.


ZZ. Assim, verifica-se a reunião de todos os pressupostos necessários à resolução de atos prejudiciais à massa insolvente ao abrigo do disposto no artigo 120.º do CIRE, motivo pelo qual é forçoso concluir que a resolução do contrato operada pelo Exmo. Administrador de Insolvência quanto ao contrato de cessão de exploração foi plenamente válida e, por conseguinte, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a presente ação totalmente improcedente, declarando como totalmente válida e eficaz a resolução em beneficio da massa insolvente do contrato de cessão de exploração celebrado a 24/06/2015.


Sem prescindir,


- Da gratuidade do ato – resolução incondicional (121.º, n.º 1, b) CIRE):


AAA. Resulta também evidentemente de tudo o exposto, nomeadamente do facto de ter sido dado como provado que nunca foi paga nenhuma retribuição à Insolvente pela fruição do espaço objeto de cessão de exploração/arrendamento.


BBB. Com efeito, apesar de formal e potencialmente o ato ser considerado um contrato oneroso, verifica-se que em bom rigor, este contrato é materialmente gratuito – aliás isso acabou por ser indiretamente evidenciado na fundamentação do acórdão recorrido.


CCC. Quanto a esta alegação não se pronunciou o acórdão recorrido.


DDD. Visto que a Recorrida usa e fruí do locado, sem proceder ao pagamento de qualquer contraprestação.


EEE. Assim sendo, permite-nos concluir que o contrato de cessão de exploração comercial, que foi celebrado dentro dos dois anos anteriores à declaração de insolvência, é um ato materialmente gratuito e, assim sendo, passível de resolução incondicional em beneficio da massa insolvente nos termos e para efeitos do artigo 121.º, al. b) do CIRE.


FFF. O que expressamente se alega e pretende ver reconhecido, visto também que este o Tribunal ad quem está vinculado aos factos alegados pelas partes e já não à qualificação jurídica dos mesmos que poderá, a todo o momento, ser devidamente enquadrada por V/Exas.


GGG. Atento tudo o exposto, requer-se, assim, a pronúncia por parte de Suas Exas., Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, quanto à questão suscitada, só assim se fazendo a inteira e sã justiça conforme doutamente nos têm habituado.


Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser declarado procedente e em consequência ser o Acórdão proferido parcialmente revogado nos termos peticionados com as demais consequências legais


6. A autora – Impactmelody, Ldª – apresentou resposta, defendendo a inadmissibilidade da revista bem como a sua improcedência, dado não se verificar o requisito da má-fé; e interpôs recurso subordinado, na parte em que o acórdão decide julgar válida a resolução em benefício da massa insolvente do Aditamento ao Contrato de Cessão de Exploração, outorgado entre a Insolvente Animacorpus e a autora em 11.02.2016.


Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:


«I. O presente recurso subordinado vem interposto, a título subsidiário, do Acórdão recorrido, na parte em que decide “[r]evogar parcialmente a decisão recorrida, a qual se substitui por outra a declarar válida e eficaz a resolução impugnada no que respeita ao aditamento/arrendamento celebrado em 11/02/2016”.


II. O conteúdo negocial do Aditamento implica, tão somente, uma alteração do regime jurídico subsidiário do Contrato de Cessão de Exploração (para passar a ser o do arrendamento), e não deu azo a qualquer obrigação ou vinculação acrescida para qualquer das partes em relação ao que já resultava do anterior contrato, nomeadamente no que diz respeito à renda.


III. Pelo que o suposto “desequilíbrio” do regime de fixação e cálculo da renda devida pela Autora não poderia constituir fundamento de resolução do Aditamento à luz do artigo 121.º n.º 1, alínea h), do CIRE. Ainda que assim não fosse – o que se admite por mera hipótese – sempre se impunha concluir o seguinte:


IV. O regime de fixação das rendas devidas pela Autora, emergente do Contrato de Cessão de Exploração, não evidencia desequilíbrio algum à luz do artigo 121.º n.º 1, alínea h), do CIRE: por um lado, por corresponder ao único programa contratual que se afigurou viável para garantir a retoma da actividade do SPA (e do Hotel),


V. E, por outro lado, por o mesmo Contrato constituir a Autora na obrigação de realizar obras de reabilitação em valor avultado, bem como de assumir na íntegra os prejuízos decorrentes da exploração do dito SPA e os custos de manutenção do mesmo, com vantagens imediatas e significativas para a Animacorpus.


VI. Em qualquer dos casos, a eventual resolução incondicional do Aditamento não poderia, sequer em abstracto, fundar-se nas supostas dificuldades de o referido imóvel “vir a ser adquirido por terceiros”, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, porquanto esse putativo fundamento não surge mencionado na carta resolutiva (v. documento n.º 2 da PI), não podendo, tão pouco, ser aditado em momento posterior.


VII. O Aditamento, ao se limitar a alterar o enquadramento jurídico das relações entre Autora e Animacorpus, não vinculou as partes à realização de novas prestações, pelo que não lhe é aplicável o disposto no artigo 121.º n.º 1, alínea h), do CIRE, que pressupõe uma ponderação do (des)equilíbrio entre obrigações / deveres de prestar emergentes do acto resolúvel.


VIII. O mero facto de o arrendamento constituir, por si só, um ónus sobre o imóvel não poderia justificar um juízo de prejudicialidade ou desequilíbrio, nos termos do artigo 121.º n.º 1, alínea h), do CIRE, pois esse juízo não se pode fundamentar num aspecto que é inerente a um tipo contratual legalmente contemplado e regulado.


IX. Caso contrário, alcançaríamos a conclusão absurda de que todos os arrendamentos são, necessariamente, resolúveis em benefício da massa insolvente.


X. Conclui-se que os motivos que sustentam a decisão que é objecto do presente recurso subordinado padecem de error in judicando, devendo essa decisão ser revogada e substituída por outra que declare ineficaz a resolução do Aditamento em benefício da massa insolvente, confirmando a sentença de 1.ª instância.


Nestes termos, requer a V. Exas. julguem improcedente o recurso da Ré, com fundamento na irrecorribilidade do Acórdão sub judice ou, caso assim não se entenda, na manifesta improcedência das respectivas conclusões, confirmando o Acórdão recorrido nessa parte.


Mais requer que o recurso subordinado seja admitido e julgado improcedente e, consequentemente, revogada a decisão constante do Acórdão recorrido que é objecto desse recurso, com fundamento em erro de julgamento, e substituída por outra que declare a ineficácia da resolução do Aditamento em benefício da massa insolvente


7. O tribunal recorrido pronunciou-se, em acórdão da Conferência, sobre as nulidades invocadas pela recorrente Massa Insolvente, tendo decidido pela respetiva improcedência.


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto do recurso


1.1. A recorrente – Massa Insolvente da Animacorpus – delimitou o objeto do recurso [no ponto J. das suas conclusões] apenas à parte do acórdão que, com fundamentação diferente, manteve o decidido na primeira instância.


Em simultâneo, invocou a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.


Embora esteja em causa matéria de natureza insolvencial, ao presente recurso não se aplica o regime específico previsto no artigo 14º do CIRE, mas sim as regras gerais dos recursos, como decorre claramente do teor desse artigo 14º e como a jurisprudência tem reiteradamente afirmado, dado não estar em causa uma decisão proferida no processo de insolvência, mas sim num processo que corre por apenso.


As normas aplicáveis são, assim, o art.671º, n.1 e n.3. Dado que o acórdão recorrido manteve a decisão da primeira instância, na matéria que é objeto de recurso, mas com fundamento diferente, não se forma a denominada “dupla conforme”, pelo que a revista é admissível. Efetivamente, enquanto a primeira instância entendeu que não se verificava o requisito da prejudicialidade, exigido pelo art.120º do CIRE, o acórdão recorrido concluiu que esse requisito se encontrava preenchido, mas falhava o requisito da má-fé, também exigido por aquela disposição.


O recurso da Massa Insolvente tem, assim, por objeto a questão de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito ao confirmar parcialmente a decisão da primeira instância, considerando como inválida a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão de exploração, por ter entendido que não existia má-fé da contraparte.


1.2. A autora recorrida apresentou recurso subordinado limitado ao segmento do acórdão que revogou parcialmente a sentença, ou seja, na parte em que lhe foi desfavorável ao considerar válida a comunicação do administrador da insolvência destinada à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de arrendamento constante do Aditamento ao contrato de cessão de exploração. O recurso subordinado é, assim, admissível nos termos do art.633º aplicável por força do art.679º do CPC.


Nesta parte o objeto do recurso consiste em saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito ao revogar parcialmente a decisão da primeira instância, considerando válida a extinção do referido contrato de arrendamento.


*


2. A factualidade assente:


As instâncias deram como provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:


«1. A impugnante é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social engloba atividades de exploração e gestão de estabelecimentos hoteleiros e similares de hotelaria, com fornecimento de alojamento e de alimentação, atividades recreativas e de animação turística; promoção e organização de festas, eventos, espetáculos e rotas turísticas, prestação de atividades relacionadas com a manutenção e o bem-estar físico, nomeadamente, ginásio, banhos turcos, saunas, solários, massagem, relaxamento e outras atividades similares e prestação de serviços de promoção imobiliária, compra, venda e revenda de bens móveis e imóveis, próprios ou alheios, gestão, administração e arrendamento de imóveis.


2. Entre a empresa T... e insolvente e a impugnante, foi celebrado um contrato de cessão de exploração datado de 24/06/2015, que constitui o documento n.º 3 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


3. Por via do referido contrato a sociedade T..., na veste de cedente, deu de exploração, a favor da impugnante, um hotel com 87 unidades de alojamento, sendo 83 quartos e 4 suites, denominado “E...”, situado na Avenida ..., ....


4. O Hotel, enquanto estabelecimento comercial, é composto por três prédios, a saber:


a) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 401 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 1308, da propriedade da sociedade T...;


b) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1344 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 347, da propriedade da sociedade T...;


c) fracção 0/123 com afetação de ginásio, sala de musculação, squash, gabinete médico e bar, piscina e discoteca e instalação de máquinas, sita no prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... pelo n.º 363/Guardão, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 1272, da propriedade da insolvente.


5. Foi estipulado que a cessão da exploração seria por 12 (doze) anos, com início em 26-07-2015 e termo em 30-06-2027, data em que operará a sua caducidade automaticamente e sem necessidade de qualquer formalidade adicional.


6. Como contrapartida pelo gozo, fruição e posse dos imóveis identificados nas alíneas a), b) e c), até ao termo contratual, a impugnante assumiu a obrigação contratual de pagamento de rendas nos seguintes termos:


a) a sociedade T... terá direito a receber em cada exercício uma quantia igual a 75% de metade do Resultado Operacional Bruto do Hotel.


b) a sociedade ANIMACORPUS terá direito a receber em cada exercício uma quantia


igual a 25% de metade do Resultado Operacional Bruto do Hotel.


7. A impugnante obrigou-se a realizar obras no Hotel, quer com vista ao restauro e otimização geral das instalações necessárias à exploração do mesmo tendo em vista a referida recuperação financeira, quer com vista à adaptação do Hotel às exigências inerentes à Marca G....


8. A impugnante obrigou-se a prestar serviços de assistência, manutenção e vigilância sobre os espaços correspondentes aos andares/unidades independentes da titularidade da insolvente e que não são objeto do acordo referido em 2), mas que integra o prédio identificado em c) do ponto 4) – conforme ponto E e F do preâmbulo e cláusula 1.4.


9. Como contrapartida pela prestação do referido serviço, as partes acordaram que a insolvente pagaria à cessionária 50% do valor auferido como renda no âmbito dos respetivos contratos de arrendamento, sendo esse valor elevado para 100% nos contratos novos que viessem a ser celebrados durante a vigência do contrato de cessão.


10. O acordo previa, ainda, relativamente aos contratos vigentes, que a contrapartida paga pela insolvente à cessionária não era contabilizada para efeitos de GOP e que caberia à insolvente suportar quaisquer despesas de água, eletricidade e gás decorrentes da utilização desses espaços no âmbito dos contratos vigentes – cláusula 4.º, ponto 12 e ss.


11. Relativamente aos contratos novos que viessem a ser celebrado com vista à utilização dos referidos andares/unidades de utilização independente, as rendas auferidas passariam a ser contabilizadas como receita da cessionária contabilizável no GOP – cláusula 4.ª, ponto 14.


12. Por documento reduzido a escrito, datado de 11-02-2016, ao qual as partes denominaram de “Cessão de Exploração - Aditamento “, que constitui o documento n.º 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as sociedades T..., insolvente e impugnante celebraram um acordo escrito mediante o qual a sociedade T... declarou dar de arrendamento à impugnante, que aceitou, os imóveis melhor identificados nas alíneas a) e b), e a insolvente declarou dar de arrendamento à impugnante, que aceitou, o imóvel melhor identificado na alínea c).


13. O referido contrato foi celebrado pelo tempo remanescente do prazo estipulado no contrato de cessão de exploração, até 30-06-2027.


14. Ficou estipulado, na cláusula quarta desse contrato “Como contrapartida pelo arrendamento dos imóveis nos termos da Cláusula Primeira e pela cessão de exploração, a PRIMEIRA CONTRAENTE [T...] terá direito a receber em cada exercício uma quantia igual a 75% (setenta e cinco por cento) de metade do Resultado Operacional Bruto do Hotel (ou GOP – gross operating profit), e a SEGUNDA CONTRAENTE (ANIMACORPUS) uma quantia correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) de metade do GOP”.


15. No exercício de 2015 o GOP foi positivo no valor de € 34.668,00.


16. Por requerimento de 21.12.2016, a MASSA INSOLVENTE W..., S.A. requereu judicialmente a declaração de insolvência da ANIMACORPUS – Gestão de Spas e Health Clubs, Lda., a qual foi declarada por sentença proferida em 25.01.2017, transitada em julgado.


17. O Administrador da Massa Insolvente da ANIMACORPUS – Gestão de Spas e Health Clubs, Lda., nomeado nos autos, remeteu à autora, que recebeu em 22.06.2017, a missiva que constitui o documento n.º 2 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzidos, comunicando a resolução em benefício da massa insolvente dos dois contratos celebrados entre a impugnante, a T..., S.A. e a insolente, identificados em 2) e 7).


18. Desde fevereiro de 2015, aquando da entrada em contacto entre a impugnante com a insolvente e a T..., o Hotel e o Spa encontravam-se fechados ao público e a gestão da exploração do mesmo era levada a cabo por aquela última.


19. Os contratos de trabalho dos funcionários do Hotel e Spa encontravam-se suspensos, nos termos do disposto no art. 298.º do Código do Trabalho.


20. As instalações do Hotel encontravam-se degradadas, com equipamentos obsoletos, sistemas informáticos disfuncionais, e com a generalidade dos espaços carentes de restauro e manutenção.


21. O executivo da Câmara de ..., presidido pelo Dr. DD, impulsionou um primeiro contacto entre a impugnante, por um lado, e a insolvente e a T..., por outro lado.


22. Na negociações que se seguiram, no sentido da transmissão temporária para a impugnante dos poderes de exploração do Hotel, um dos elementos essenciais a ponderar foi a necessidade inicial de se fazer um investimento de vulto na restauração e renovação da quase totalidade dos equipamentos do Hotel, tendo em conta os parâmetros exigidos pelo mercado para o Hotel de 4 estrelas; e o outro foi a cessão da posição contratual no contrato de trabalho com os trabalhadores.


23. A exploração do estabelecimento pela impugnante seria feita sob a marca G....


24. A impugnante assumiu as posições contratuais de empregador a respeito de 19 (dezanove) dos trabalhadores do hotel, cessando a suspensão contratual que até então vigorava, por força do art. 298.º do Código do Trabalho (v. cláusula 13.ª).


25. O GOP da atividade do Hotel no período anterior ao início da sua exploração pela Impugnante que, segundo informações obtidas por esta aquando da negociação dos sobreditos contratos, se cifrava num saldo negativo em € 335.500,00 em 2013 e num saldo também negativo de € 281.200,00 no exercício de 2014.


26. A autora tinha conhecimento dos resultados ruinosos da exploração e da acumulação de prejuízos e dívidas.


27. Com a outorga do aditamento ao contrato a autora pretendeu numa futura venda garantir o direito de preferência na aquisição dos imóveis.


28. A autora em execução do contrato de cessão realizou obras de conservação, manutenção e modernização nos imóveis em valor não concretamente apurado.


29. A insolvente nunca pagou à autora qualquer contrapartida referente à assistência, manutenção e reparações dos andares/unidades de utilização independentes.


30. De acordo com avaliação determinada nos autos apurou-se que o valor de mercado do imóvel sem ónus é de € 1.740.000,00 e com os contratos vigentes é de € 811.723,00, tendo por base o rendimento esperado durante os próximos 8 anos será nulo.»


*


3. O direito aplicável


3.1. A ré Massa Insolvente limitou o seu recurso de revista à parte do acórdão que (com fundamentação essencialmente diferente) manteve o decidido na primeira instância, ou seja, quanto ao segmento que considerou inválida a resolução do contrato de cessão de exploração operada por comunicação do administrador da insolvência.


Invocou também a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.


3.2. Quanto à questão da nulidade do acórdão:


A recorrente entende que o acórdão seria nulo, nos termos do art. 615.º, n. 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia. Alegou, concretamente, que o Tribunal da Relação não teria conhecido das seguintes questões alegadas no recurso de apelação: a verificação do requisito da má-fé nos termos do artigo 120.º, n.º 4 do CIRE; e a questão de saber se poderia haver resolução incondicional do contrato de cessão de exploração, nos termos do art. 121.º, n.º 1, al. b), do CIRE.


Como bem se entendeu no acórdão da Conferência, o acórdão recorrido não apresenta qualquer razão para nulidade, pois decidiu as questões normativas que integravam o seu objeto.


Como se afirma no acórdão da Conferência: «(…) ambas as questões invocadas pela apelante não constituem qualquer omissão de pronúncia, sendo que esta instância conheceu efectivamente das questões/pretensões que teria de apreciar, tendo em atenção a factualidade constante dos autos e a respectiva subsunção a efectuar com relação às normas aplicáveis.


O acórdão decidiu as questões que tinha que decidir (embora não o tenha feito exactamente como pretendido pela apelante), já não tendo que “decidir” os argumentos/razões (de facto ou de direito), invocados pela recorrente para sustentar a respectiva posição no litígio


Efetivamente, não assiste razão à recorrente, pois não tem o tribunal de rebater dialogicamente todo e qualquer argumento alinhado pelos recorrentes para sustentarem as suas pretensões recursivas. No caso concreto, as questões normativas que foram submetidas em apelação foram efetivamente julgadas, pelo que improcede, nesta matéria, a pretensão da recorrente.


*


3.3. Quanto à questão de saber se existia fundamento para a resolução do contrato de cessão de exploração, operada por comunicação do administrador da insolvência, entende a recorrente que a cessionária se encontrava de má-fé, pelo que o acórdão recorrido deveria ter concluído pela validade dessa resolução.


Para demonstrar a sua pretensão, a recorrente invoca profusa matéria de natureza factual que não se encontra provada, pelo que não tem este tribunal, nos termos do art.682º do CPC, que se pronunciar sobre tal argumentário, mas apenas concluir se a factualidade assente, face ao quadro legal aplicável, permitia concluir de modo diverso quanto ao requisito da má-fé.


O quadro legal que estabelece os requisitos para a resolução em benefício da massa insolvente encontra-se, essencialmente, definido pelos artigos 120º e 121º do CIRE, que apresentam o seguinte teor:


«Artigo 120.º (Princípios gerais)


1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.


2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.


3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.


5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;


b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;


c) Do início do processo de insolvência.


6 - São insuscetíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização ou de processo especial para acordo de pagamento regulados no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adoção de medidas de resolução previstas no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, bem como os realizados no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.


Artigo 121.º (Resolução incondiciona)


1- São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:


a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;


b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;


c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;


d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;


e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;


f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento;


g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;


h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;


i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos


Do disposto no artigo 120º, n.1 e n.4 decorrem os requisitos gerais, de verificação cumulativa, que justificam a resolução em benefício da massa insolvente: a temporalidade do ato (2 anos antes do início do processo de insolvência), a natureza prejudicial desse ato e a existência de má-fé do terceiro (concretizada nos termos do n.5 ou da segunda parte do n.4 dessa norma).


No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para alem dos requisitos que especialmente lhes respeitam.


3.4. No caso concreto, não cabendo o contrato de cessão de exploração, tipologicamente, em nenhuma das hipóteses especiais previstas no artigo 121º, as instâncias procederam à análise dos pressupostos gerais exigidos pelo art.120º para a validade da resolução em benefício da massa insolvente.


Assim, sendo certo que o contrato de cessão de exploração foi celebrado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, não cabe, porém, no presente recurso, apreciar o requisito da prejudicialidade do ato (para efeitos do artigo 120.º do CIRE), mas apenas o requisito da má-fé da autora na celebração desse contrato. Efetivamente, apesar de o acórdão recorrido ter considerado verificado o requisito da prejudicialidade do negócio (divergindo, neste ponto, do entendimento da primeira instância), tal parte da fundamentação não integra o objeto do recurso. Acresce que a recorrida, nas suas contra-alegações, também não rebateu esse entendimento.


Estando em causa, para efeitos do art.120º do CIRE, requisitos de verificação cumulativa, basta que se conclua, como concluiu o acórdão recorrido, pela inexistência de má-fé na celebração do negócio, para falhar o fundamento da resolução em benefício da massa insolvente.


Entende a recorrente que a cessionária estava de má-fé.


Porém, a factualidade assente não permite dar-lhe razão, e pode, desde já, afirmar-se que, nesta matéria, o acórdão recorrido fez, consequentemente, a correta aplicação do direito.


Efetivamente, da factualidade provada não resulta que, à data do negócio, a cessionária tivesse conhecimento de qualquer uma das três hipóteses previstas no n.5 do art.120º do CIRE, para se concluir que estivesse de má-fé, ou seja, não há base factual para concluir que a cessionária tivesse conhecimento:


«a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;


b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;


c) Do início do processo de insolvência


Por outro lado, a matéria de facto provada também não permite concluir pela verificação da presunção de má-fé prevista na 2ª parte do n.4 do art.120.º, pois daí não constam elementos para se afirmar que a cessionária era pessoa especialmente relacionada com o insolvente, nos termos em que o artigo 49º do CIRE define, taxativamente, tal conceito. De facto, nenhuma das hipóteses previstas no art.49º do CIRE se verifica no caso concreto, como se concluiu no acórdão recorrido.


Em relação ao requisito da má-fé, nos termos em que o n.5 do art.120º o carateriza, extrata-se do acórdão recorrido a seguinte fundamentação, que se subscreve:


«Com relação à sociedade aqui insolvente, inexiste qualquer facto que ateste que a impugnante conhecesse, ou devesse conhecer, a situação económica em que aquela se encontrava. Relembre-se que a mesma teve intervenção no contrato na qualidade de proprietária de um dos imóveis que compunha o hotel, enquanto estabelecimento comercial.


Nada nos permite concluir (nem o AI o invoca) que a apelada tivesse conhecimento (ou que lhe fosse exigível que o tivesse) de estar a sociedade “Animacorpus” em situação iminente de insolvência ou mesmo de qual seria a sua concreta situação financeira.


Como tal, mostra-se inviável concluir pela verificação do requisito da má fé, o que obsta a que se possa considerar válida e eficaz a resolução levada a cabo pela recorrente com relação ao contrato de cessão de exploração.»


Falhando, assim, um dos requisitos, de verificação cumulativa, exigidos pelo art.120º do CIRE, tem de se concluir pela inexistência de fundamento para a resolução do contrato de cessão de exploração, pelo que, nesta matéria, improcede a pretensão da recorrente.


Vem, ainda, a recorrente, nas suas alegações de revista, invocar o caráter gratuito desse contrato, tendo em vista a aplicação da hipótese prevista no art. 121.º n.º 1, alínea b), do CIRE. Trata-se de uma pretensão manifestamente infundada, atenta a tipologia do contrato celebrado (cuja identidade normativa não foi posta em causa), bem como os termos em que foi celebrado, no qual as partes convencionaram contrapartidas económicas. A posterior conclusão de que as contrapartidas convencionadas são de baixo valor ou até que não são cumpridas por uma das partes não descarateriza a natureza onerosa de um contrato, porquanto essa caraterística resulta dos termos em que foi convencionado e não das vicissitudes da sua execução.


*


3.5. Quanto ao recurso subordinado.


3.5.1. O recurso subordinado interposto pela autora – IMPACTMELODY, Ldª – teve por objeto apenas a parte do acórdão que revogou parcialmente a sentença e considerou válida a resolução, operada por ato do administrador da insolvência, do contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente e a autora em 11.02.2016.


A primeira instância entendeu que o administrador da insolvência não tinha fundamento para revogar, com base no artigo 121º, n.1, alínea h) do CIRE, aquele contrato de arrendamento, pelo que decidiu que a comunicação do administrador destinada a operar a extinção do contrato não era válida.


O acórdão recorrido, pelo contrário, entendeu que se encontrava preenchida a alínea h) do n.1 do art.121º do CIRE, pelo que o administrador da insolvência tinha fundamento para resolver o referido contrato de arrendamento.


3.5.2. Extrata-se do acórdão recorrido a seguinte fundamentação para a revogação parcial da sentença:


«Considerando que pela cessão de exploração (locação de estabelecimento) é transferido para o cessionário o gozo e fruição de um estabelecimento enquanto unidade económica – o objecto é o estabelecimento como um bem unitário, com todos os elementos que o integram e com a finalidade de prosseguir uma dada actividade (não sendo o imóvel em si mesmo o objecto do negócio) –, enquanto que, pelo arrendamento, se transfere já o direito de gozo do prédio, as consequências que resultam de um ou outro negócio não são exactamente as mesmas.


E a posição do cessionário e do arrendatário, diverge igualmente, sendo que o primeiro tem a sua posição menos protegida do que o segundo.


E justifica-se que assim seja. No primeiro caso, não ocorre tanta necessidade de proteger o cessionário, considerando que o mesmo recebe um estabelecimento já existente (não foi ele que o criou), restando-lhe levar a cabo a sua exploração. Por seu turno, no segundo caso, o arrendatário comercial como que cria a sua própria riqueza (limitando-se o senhorio a proporcionar-lhe o gozo do imóvel).


Essa maior protecção do arrendatário revela-se, desde logo, no facto de apenas ele (e já não o cessionário) beneficiar do direito de preferência relativamente o imóvel - gozará de tal direito nas situações previstas no artigo 1091.º do CCivil, entre elas a compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos.


Analisada a matéria de facto considerada provada (a qual, reitera-se, não foi impugnada), resulta do ponto facto 27 que, com o aditamento outorgado no dia 11/02/2016, visou a apelada “numa futura venda garantir o direito de preferência na aquisição dos imóveis”.


Ora, se assim é, dir-se-á:


- Por um lado, do aditamento nenhuma vantagem adveio para a insolvente, apenas dele tendo beneficiado a apelada (nenhum incremento patrimonial foi estipulado a título de renda, para além do que já decorria do contrato de cessão);


- Por outro lado, o facto de o imóvel em causa passar a estar vinculado a um arrendamento, acarreta prejuízos para a massa insolvente e para a satisfação dos direitos dos credores, porquanto, como já o mencionamos supra, sempre será mais difícil de o mesmo vir a ser adquirido por terceiros em sede de liquidação. E tal dificuldade será ainda mais relevante considerando que o arrendamento foi celebrado por um prazo de 12 anos (até 30/06/2027).


E não se alegue (como argumenta a apelada) que o exercício de tal direito não acarreta prejuízo porquanto apenas poderá concretizar-se pelo valor que venha a ser proposto para a aquisição. É que a referida oneração interfere com o valor do próprio imóvel (como, aliás, resulta expressamente do facto provado n.º 30) Nessa medida, sempre as propostas que vierem a ser apresentadas sê-lo-ão nesse pressuposto (com a inerente perda que daí resultará para a massa/credores – se as propostas forem mais baixas, a alienação será igualmente por um valor inferior e o resultado/produto da venda a distribuir pelos credores sofrerá idêntico reflexo).


Por fim, da conjugação dos dois contratos, constata-se que, da celebração do arrendamento, resultam outras consequências das quais só a apelada beneficiará.


Veja-se, a título de exemplo, que estando clausulado no contrato de cessão de exploração que poderá a cessionária fazer cessar unilateralmente tal negócio se “o Resultado Operacional Bruto vier a revelar-se negativo por 3 (três) exercícios consecutivos”, sem que tal traduza “incumprimento do contrato” (Cláus. 4.ª, n.º 10), na eventualidade de assim suceder, sempre lhe seria permitido continuar na posse do imóvel, agora enquanto sua arrendatária.


Mostra-se, assim, absolutamente evidente e inegável, não só a falta de equilíbrio entre as obrigações assumidas pela insolvente e pela apelada – entre o que reverteu para o património da primeira e o que beneficiou a segunda – como o prejuízo que resulta da outorga de tal aditamento, sendo que, para efeitos da resolução operada ao abrigo do artigo 121.º, dispensa-se a demonstração do requisito da má fé.


Da conjugação de tudo o que se deixou exposto, afigura-se-nos assistir razão ao AI no que concerne à resolução atinente ao celebrado aditamento/arrendamento, apresentando-se a mesma justificada à luz do disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1, al. h), nos moldes invocados.»


3.5.3. Está em equação a aplicação do art.121º, n.1, alínea h) do CIRE, do qual resulta que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos:


«h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte


Estando em causa a celebração de um contrato de arrendamento (cuja identidade normativa as partes não questionaram), trata-se, sem dúvida, de um negócio tipologicamente oneroso. Estando assente que esse contrato foi celebrado no ano anterior ao início do processo de insolvência, o único problema em análise é o de saber se as obrigações que a insolvente assumiu, através desse contrato, excedam manifestamente as da contraparte.


Tendo a insolvente a qualidade de locadora, as obrigações por ela assumidas serão, do ponto de vista tipológico, aquelas que resultam da lei (nomeadamente do artigo 1031º e seguintes do Código Civil), bem como aquelas que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, especificamente convencionaram.


No caso concreto, esse contrato de arrendamento assume a forma de um “Aditamento” ao contrato de cessão de exploração supra referido.


Com relevo para a apreciação desta questão, constam da matéria de facto provada os seguintes pontos:


«12. Por documento reduzido a escrito, datado de 11-02-2016, ao qual as partes denominaram de “Cessão de Exploração - Aditamento “, que constitui o documento n.º 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as sociedades T..., insolvente e impugnante celebraram um acordo escrito mediante o qual a sociedade T... declarou dar de arrendamento à impugnante, que aceitou, os imóveis melhor identificados nas alíneas a) e b), e a insolvente declarou dar de arrendamento à impugnante, que aceitou, o imóvel melhor identificado na alínea c).


13. O referido contrato foi celebrado pelo tempo remanescente do prazo estipulado no contrato de cessão de exploração, até 30-06-2027.


14. Ficou estipulado, na cláusula quarta desse contrato “Como contrapartida pelo arrendamento dos imóveis nos termos da Cláusula Primeira e pela cessão de exploração, a PRIMEIRA CONTRAENTE [T...] terá direito a receber em cada exercício uma quantia igual a 75% (setenta e cinco por cento) de metade do Resultado Operacional Bruto do Hotel (ou GOP – gross operating profit), e a SEGUNDA CONTRAENTE (ANIMACORPUS) uma quantia correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) de metade do GOP”.


27. Com a outorga do aditamento ao contrato a autora pretendeu numa futura venda garantir o direito de preferência na aquisição dos imóveis


Quanto ao imóvel objeto do contrato de arrendamento (e igualmente do contrato de cessão de exploração), encontra-se identificado na alínea c) do facto provado n.4, o qual tem o seguinte teor


«4. O Hotel, enquanto estabelecimento comercial, é composto por três prédios, a saber:


a) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 401 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 1308, da propriedade da sociedade T...;


b) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1344 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 347, da propriedade da sociedade T...;


c) fracção 0/123 com afetação de ginásio, sala de musculação, squash, gabinete médico e bar, piscina e discoteca e instalação de máquinas, sita no prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... pelo n.º 363/Guardão, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 1272, da propriedade da insolvente.»


Para efeitos do que se encontra assente nos pontos 12 a 14 da factualidade provada, a informação respeitante à “T...” é irrelevante, dado que essa sociedade não é parte nos autos.


Conclui-se, assim, que as partes convencionaram a duração do contrato, coincidindo com a duração da cessão de exploração, até 30.06.2027, sobre o mesmo imóvel, e estipularam uma renda variável coincidente com a renda correspondente ao contrato de cessão de exploração. Existe, assim, uma “sobreposição” do objeto e (pelo menos parcialmente) do conteúdo dos dois contratos.


3.5.4. A locação de um estabelecimento comercial que se encontra instalado em determinado imóvel pressupõe também que o cessionário tenha um título legal que lhe permita o acesso ao gozo desse imóvel. Quando o locador (cedente) do estabelecimento tem a qualidade de arrendatário desse imóvel, o n.2 do art.1109º dispensa a autorização do senhorio (proprietário do imóvel) para que o gozo do imóvel possa ser cedido conjuntamente com o gozo do estabelecimento (mantendo o cedente a qualidade de arrendatário).


Quando o locador do estabelecimento é o proprietário do imóvel onde o estabelecimento se encontra, total ou parcialmente, instalado (como acontece no caso concreto), o acesso ao gozo desse imóvel é uma prestação inerente (e essencial) à própria execução da cessão de exploração, a qual se rege, com as necessárias adaptações, pelas regras dos arrendamentos para fins não habitacionais, nos termos do n.1 do art.1109º do CC.


Assim, no caso concreto, a cedente “Animacorpus” (posteriormente declarada insolvente) e a cessionária da exploração não tinham necessidade de celebrar um contrato de arrendamento para garantirem o acesso ao gozo do imóvel, porque a cedência desse gozo já correspondia a uma prestação essencial ao funcionamento do estabelecimento.


A celebração de um posterior contrato de arrendamento, paralelo ao contrato de locação do estabelecimento, tendo por objeto o mesmo imóvel e com as mesmas cláusulas, não sendo necessário para assegurar o funcionamento do estabelecimento, algum propósito deverá ter tido, pois a sua execução autónoma e simultânea sobre o mesmo imóvel não pareceria viável. Consta do facto provado n.27 que o propósito foi o de conferir à arrendatária (e cessionária) direito de preferência – previsto no art.1091º do CC.


3.5.5. O acórdão recorrido entendeu que este ato cabia na alínea h) do art.121º do CIRE, pelo que, revogando a sentença nessa parte, considerou válida a resolução operada pela comunicação do administrador da insolvência.


Está em causa apenas concluir se as obrigações assumidas pela locadora, por força da celebração do contrato de arrendamento, excedem manifestamente as da contraparte.


O acórdão recorrido entendeu que tal requisito se encontrava demonstrado.


Pode, desde já, afirmar-se que assim não é.


Efetivamente, da factualidade provada (supra transcrita) com relevo para a decisão desta questão, não é possível concluir que do conteúdo desse contrato resulte um manifesto desequilíbrio prestacional.


Os argumentos usados no acórdão recorrido traduzem-se, em grande medida, em suposições do que poderá vir a ser a execução desse contrato, e não na análise do programa contratual (em si mesmo) emergente tanto da lei como da convenção das partes.


Assim, entendeu-se que se o objetivo das partes foi o de permitir à arrendatária vir a ter o direito de preferência, constante do art.1091º do CC, numa futura venda do local arrendado, isso constituiria um ónus que causaria prejuízo à massa insolvente e, consequentemente, aos credores.


Ora, tal argumento não pode relevar para efeitos do disposto no art.121º, n.1, alínea h) do CIRE, pois o direito de preferência consagrado no art.1091º do CIRE não integra o núcleo essencial das prestações do locador, mas apenas o seu núcleo eventual.


Assim, no momento em que se julga, não é possível saber se a arrendatária virá, efetivamente, a pretender exercer esse direito. Acresce que o direito de preferência não confere ao arrendatário uma vantagem patrimonial na venda do local arrendado, dado que, pela própria natureza do direito em causa, este terá de pagar o mesmo que qualquer interessado estaria disposto a pagar ao alienante.


Por outro lado, ainda que um arrendatário pretenda exercer um direito de preferência na venda de determinado imóvel, podem verificar-se vicissitudes várias que não lhe permitam esse exercício. Assim, deve ter-se presente, que a preferência legal do arrendatário só tem por objeto o local arrendado, podendo não ser possível o seu exercício, por exemplo, em algumas hipóteses nas quais esse local não seja o único objeto da compra e venda.


Por outro lado, diferentemente do que se entendeu no acórdão recorrido, o facto de o contrato de arrendamento ter termino em 2027 não constituirá, necessariamente, um “ónus” que afasta interessados na aquisição do imóvel, conduzindo à sua desvalorização, dado que os contratos de arrendamento de prazo superior a 6 anos estão sujeitos a registo, nos termos do artigo 2º, n.1, alínea m) do Código do Registo Predial, como condição de oponibilidade a terceiros (art.5º, n.5 do CRPredial), nomeadamente daqueles que venham a adquirir o imóvel.


Argumenta-se, ainda no acórdão recorrido que «estando clausulado no contrato de cessão de exploração que poderá a cessionária fazer cessar unilateralmente tal negócio se “o Resultado Operacional Bruto vier a revelar-se negativo por 3 (três) exercícios consecutivos”, sem que tal traduza “incumprimento do contrato” (Cláus. 4.ª, n.º 10), na eventualidade de assim suceder, sempre lhe seria permitido continuar na posse do imóvel, agora enquanto sua arrendatária.»


Trata-se de um argumento que corresponde, essencialmente, à suposição de um facto futuro, e que parece confundir o conteúdo do contrato convencionado – aquele que releva para efeitos de aferição do art.121º, n.1, alínea h) do CIRE – com eventuais vicissitudes na execução desse contrato.


Efetivamente, parece esquecer-se que a lei confere ao locador, em caso de incumprimento do arrendatário, várias hipóteses de extinção do contrato, como, por exemplo, a resolução por falta de pagamento de rendas ou pelo não uso para o fim convencionado (art.1083º do CC).


O que não pode é concluir-se que um eventual incumprimento do contrato, com o inerente prejuízo económico para o locador (declarado insolvente) deva ser valorativamente convocado para se concluir que o conteúdo das obrigações assumidas pelo locador, aquando da celebração, excederam manifestamente as do locatário e que, por isso, poderá haver resolução do contrato por comunicação do administrador da insolvência. São coisas diferentes, às quais correspondem soluções legais diferentes.


Para o que interessa aos presentes autos, conclui-se, como havia concluído a primeira instância, que não se encontram preenchidos os requisitos do art.121º, n.1, alínea h) do CIRE, pelo que o recurso da autora tem de ser considerado procedente.


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DECISÃO: Pelo exposto:


a) Julga-se improcedente o recurso da Massa Insolvente, mantendo-se nessa parte o acórdão recorrido;


b) Julga-se procedente o recurso subordinado da autora, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido, repristinando-se nesta parte a decisão da primeira instância.


Custas: a cargo da recorrente principal (Massa Insolvente).


Lisboa, 06.03.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Amélia Alves Ribeiro


Ricardo Costa


SUMÁRIO: