Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5838/16.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO DO DIREITO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO.
Doutrina:
- Fátima Gomes, Contratos e Intermediação Financeira – Sumário Alargado, Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 1.ª Edição, 2002;
- Luís Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, AAVV “Direito dos Valores Mobiliários”, Vol. II ; Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2016;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários. 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 303.º E 304.º.
CÓDIGO DO MERCADO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM): - ARTIGOS 314.º, N.º 2 E 324.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O art. 314.º, n.º 2, do CMVM, consagra uma presunção ex lege de culpa simples do intermediário financeiro.
II - A prescrição do direito pelo decurso do prazo-regra (de dois anos) funciona enquanto excepção peremptória de conhecimento não oficioso, carecendo, por isso, de ser invocada em juízo por quem aproveita, no caso, pelo intermediário financeiro.
III - As situações de culpa grave ou do dolo do intermediário financeiro, enquanto factos impeditivos da aplicação do prazo-regra, funcionam como contra-excepção à excepção de prescrição, cujo ónus de alegação e prova competirá ao cliente-investidor.
IV - Na formulação do juízo concreto sobre o grau de culpa do intermediário terá de ser considerado o perfil do investidor, as características dos produtos financeiros subscritos e o conhecimento de que dispunha ou não dispunha o intermediário ao tempo da pré-negociação.
V - O contrato de cobertura de intermediação financeira (contrato-meio) visa a subscrição de um produto financeiro pelo investidor junto de um emitente através de um contrato de execução (contrato-fim). Por isso, ao reportar-se ao conhecimento da conclusão do negócio o art. 324.º, n.º 2, do CMVM, necessariamente, que se está a referir ao negócio de execução e os respectivos termos do mesmo, ou seja, às características dos produtos financeiros transaccionados omitidas pelo intermediário e que o fizeram incorrer em responsabilidade.
VI - A delimitação do início do prazo prescricional nas situações de responsabilidade do intermediário financeiro afere-se em função da natureza do direito exercido na acção pelo autor, que é o direito fundado na violação ilícita e culposa do dever de informar na fase prévia à celebração do contrato de intermediação financeira.
VII - Consequentemente, neste caso, segundo a norma especial prevista no art. 324.º, n.º 2, do CMVM, o início do prazo de prescrição fixa-se no momento em que o investidor tem conhecimento do negócio de execução e dos seus termos, nos quais se incluem as características das aplicações adquiridas.
Decisão Texto Integral:


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório
1. AA instaurou (Março de 2016) acção declarativa de condenação com processo comum contra o BANCO BB, SA, pedindo a restituição do montante de 105.949,03€ (sendo 100.000,00€ de capital e 5.949,03€ de juros vencidos) acrescidos de juros de mora, à taxa supletiva legal sobre as operações comerciais, contados sobre 100.000,00€, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

            Alegou para o efeito e essencialmente:

- ter subscrito (em Outubro de 2004 e Setembro de 2008) junto do Réu (ainda enquanto BANCO CC), duas obrigações (50.000€ por referência a um título) emitidas pela EE,S.A;

- ter levado a cabo as referidas subscrições na convicção de constituírem sucedâneo de um depósito a prazo por 10 anos, tendo por base informação falsa prestada, ou omitida pelo banco com o propósito concretizado de o induzir em erro, sobre as características do produto que estava a subscrever;

- ter-lhe sido garantido pelo banco a restituição daquele capital findo o prazo acordado para o investimento;

- ter a EE,S.A, desde Abril de 2015, deixado de pagar juros, sendo previsível a sua liquidação face à não aprovação do plano de recuperação apresentado no processo de revitalização que relativamente a si foi requerido

Invocando a qualidade de investidor não qualificado perante o banco e o não recebimento do montante investido no produto FF, arrroga-se no direito a ser indemnizado pelo Réu por responsabilidade pré-contratual e contratual deste, concluindo no sentido da procedência da acção.

2. O Réu contestou excepcionando a prescrição do direito do Autor e impugnando os factos alegados pelo Autor, tendo concluído pela improcedência da acção.

3. Em audiência prévia foi proferido saneador que relegou para decisão final o conhecimento da excepção de prescrição suscitada pelo Réu. Foi fixado o valor da causa e o objecto do litígio, consignados os factos admitidos provisoriamente por acordo das partes e delimitados os temas de prova.

4. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por inexistência de responsabilidade do Réu e por prescrição do direito do Autor.

5. O Autor apelou da sentença tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão (23-11-2017) que confirmou a sentença quanto à improcedência da acção com fundamento na prescrição do direito do Autor.

6. O Autor interpôs recurso de revista excepcional ao abrigo do artigo 672.º, n.º2, alínea c), do CPC, concluindo nas suas alegações (transcrição):

            “A. A dupla conformidade não ocorre quando da mesma questão a resolver se extraem efeitos jurídicos diferentes.

B. Tendo o tribunal de 1.ª instância concluído pela não violação, pelo Banco recorrido, dos deveres assacados ao intermediário financeiro e tendo o Tribunal da Relação aditado nova matéria aos factos provados e concluído pela violação de tais deveres, não se verifica a dupla conforme.

C. Para o que fundamentalmente interessa na economia do presente recurso, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu aditar “a alínea AJ aos factos provados, com o seguinte teor:

D. O douto acórdão recorrido padece de uma notória e insanável contradição entre os fundamentos e a decisão.

E. A asserção de que os empregados do réu que lidavam com o autor tinham consciência de que este não teria aceitado subscrever as obrigações se lhe tivessem sido explicadas as características do produto financeiro que lhe estava a ser vendido consubstancia dolo do banco recorrido.

F. O devedor é responsável perante o credor pelos atos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

G. Os funcionários do Banco réu, tendo conhecimento do perfil de investidor do autor, optaram conscientemente por enganá-lo, ocultando-lhe as verdadeiras características do produto FF, com vista a convencerem-no a subscrever as obrigações em causa.

H. No caso sub judice, apenas poderia não ter existido dolo se os funcionários do Banco recorrido não tivessem consciência que o autor não aceitaria subscrever as obrigações se lhe explicassem as características do produto que lhe estava a ser vendido.

I. Ainda que os funcionários do Banco recorrido tivessem agido negligentemente, tal negligência constituiria seguramente falta grave e não falta leve, pelo que não poderia a culpa deixar de ser qualificada como grave.

J. O tribunal a quo não interpretou e não aplicou á matéria de facto dada por provada as normas jurídicas correspondentes e também não extraiu dos factos apurados as presunções impostas por lei.

K. O prazo prescricional bianual, previsto no n.º 2, do artigo 324.º do C.V.M., só será aplicável caso não se possa imputar ao réu uma conduta dolosa ou a título de culpa grave, ou, dito pela positiva, se apenas lhe for assacada uma culpa leve ou levíssima.

L. A classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito.

M. No caso em apreço, sobre o banco recorrido impendia um dever especial de diligência e a observância dos ditames da boa-fé, assim como elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, o que se prende com a profissionalidade da atividade por ele exercida.

N. A culpa leve tem no caso em apreço um padrão de aferição mais exigente do que aquele que incide em geral sobre o «bom pai de família», bastando para que se integre a culpa grave, a inobservância do grau de diligência requerido ao profissional competente.

O. Quando o banco, descurando os interesses dos seus clientes, em função das suas estratégias económico/financeiras, omite informação relevante, forçando o investimento e descurando o profissionalismo dos seus colaboradores, a culpa só se poderá classificar como grave.

P. Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem o capital investido era garantido.

Q. A informação falsa prestada ao recorrente, investidor ocasional, da forma como o foi, pressupõe uma violação das regras mais elementares da actividade do intermediário e só é compreensível num intolerável quadro de amadorismo dos agentes do recorrente responsáveis pela transmissão dessa informação e de desconsideração dos interesses do cliente, pois constitui um factor indutor de uma confiança artificial no investimento proposto pelo agente do recorrente e realizado pelo investidor.

R. Ao qualificarmos o grau de culpa do banco recorrido estamos a discutir matéria de direito.

S. O autor provou o dolo e a culpa grave do réu.

T. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

U. Para definir o que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da exceção ao prazo curto de prescrição, temos que ter em conta a ponderação de interesses inerente à norma, nomeadamente as características da relação entre o Banco e o cliente, a confiança especial depositada por este na instituição bancária e os deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa-fé do Banco em relação ao cliente.

V. A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no artigo 304.º, n.º 2 do C.V.M..

W. Esta norma consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do artigo 487.º do C.C., que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.

X. O regime da responsabilidade civil estabelecido no Art. 304º-A do CVM é especial, constituindo uma forma de tutela específica do consumidor de produtos financeiros.

Y. Relevam também os deveres de informação previstos no artigo 312.º, n.º 1 do C.V.M. relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, dispondo esta norma que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

Z. O C.V.M. contém inúmeras normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o cliente compreende os riscos envolvidos, para então formar o seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade.

AA. No caso presente, encontramo-nos perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente, se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.

BB. Como, de resto, entendeu o Venerando Tribunal recorrido, ao aditar “a alínea AJ aos factos provados.

CC. O douto acórdão agora posto em crise está em frontal contradição com outro, proferido por este Colendo Supremo Tribunal, em 17/03/2016, relatado pela Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, transitado em julgado.

DD. Sendo o comportamento do R. doloso, o prazo prescricional da obrigação de indemnização não é de 2 anos, nos termos do Art. 324º n.º 2 do CVM, mas sim o de 20 anos, tal como estabelecido no Art. 309º do C.C

EE. Ambos os acórdãos em confronto se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se atua ou não com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente, se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.

FF.Verifica-se, no caso concreto, uma clamorosa contradição entre a jurisprudência quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e de outros tribunais superiores, bem como, sobretudo, com a jurisprudência uniforme e consolidada deste Colendo Supremo Tribunal e aquela professada pelo Tribunal a quo.

GG. A apreciação da questão é absolutamente necessária para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que o douto acórdão recorrido vem subscrever um entendimento frontalmente contrário àquele da generalidade dos tribunais superiores.

HH. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 227º, nº1, 309º, 487º, nº2, 799º, e 800º, nº1, do Código Civil, 607º, nº 3 e 4, e 615º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil, 1º, nº1, alínea b), 7º, 289º, 290º, 292º, 293º, 304º, 305º, 312º, 314º e 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e 73º, 74º e 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.”

7. Em contra alegações o Réu defende a improcedência da acção.

8. A Formação admitiu a revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC).

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
ð Da prescrição do direito do Autor

1. Os factos

1.1 provados
A - O réu girava anteriormente sob a denominação BANCO CC, SA.
B - Até à entrada em vigor da Lei 62-A/2008, de 11/11, pela qual o Estado Português procedeu à nacionalização da totalidade das acções por que se encontrava representado e repartido o seu capital, o réu era, além de uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica, uma instituição de crédito da espécie banco, estando para tanto autorizada a exercer a sua actividade pelo Banco de Portugal e [que] exercia normalmente de intermediação de instrumentos financeiros, nomeadamente, de papel comercial.
C - Até à entrada em vigor daquela Lei, a totalidade do capital social do BANCO CC era detida, na íntegra, pela DD, SA, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela EE, SA.
D - O réu, para além de ser, até à data da nacionalização do seu capital, uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando como tal registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários desde, pelo menos, o ano de 1993.
E - O autor em 2004/2008 não tinha realizado quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre, ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a 500.000€, nem tinha prestado funções, pelo menos durante um ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que fosse exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários.
F - O autor é, há mais de 10 anos, cliente do réu, através da agência da ....
G - Na altura da comercialização das obrigações denominadas FF, vigorava a instrução de serviço (IS) 19/01, de 05/02/2003, cujo tema é mercado de capitais e papel comercial.
H - O autor tinha depositado na sua conta à ordem junto do réu, em 25/10/2004, uma quantia superior a 80.000€.
I - Ocorreram duas aquisições em nome do autor daquelas obrigações, no valor nominal de 50.000€ cada uma.
J - No dia 15/09/2008 o autor assinou o documento de fl. 87v, mediante o qual realizou a segunda aquisição referida em I.
L - As duas obrigações encontram-se, ainda hoje, depositados na carteira de títulos do autor junto do réu.
M - A GG pagou os juros referentes às obrigações até 30/04/2015.
N - Em data não concretamente apurada, mas anterior a 04/10/2004, o Conselho de Administração da GG, decidiu captar 50.000.000€ através de um empréstimo obrigacionista, denominado FF, por emissão de 1000 obrigações subordinadas, em forma escritural, ao portador, com o valor nominal de 50.000€ cada uma, sendo o prazo máximo desse empréstimo de 10 anos, a amortizar ao par, de uma só vez, em 25/10/2014, salvo se houvesse reembolso antecipado, nos termos previstos no ponto call option do documento junto aos autos a fls. 69 a 85, sendo as obrigações objecto desta emissão colocadas pelo BANCO CC, através da sua rede comercial, tendo essa emissão sido objecto do prospecto junto aos autos a fls. 69 a 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e foi objecto de aprovação pelo CA da GG, em reunião realizada a 04/10/2004.
Entre o mais constava dele:
            1 - ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES
            A presente oferta pública de subscrição não está sujeita ao registo prévio junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 111.º do Código de Valores Mobiliários. Consequentemente, a presente nota informativa não foi objecto de qualquer apreciação pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
            A presente oferta pública de subscrição não foi objecto de notação por qualquer sociedade de prestação de serviços de notação de risco (rating) registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
            As condições da emissão obrigacionista objecto desta nota informativa foram aprovadas pelo Banco de Portugal, em 1 de Outubro de 2004, pelo que o presente empréstimo obrigacionista é considerado, para efeitos do cálculo dos fundos próprios da EMITENTE, como empréstimo subordinado. Assim, as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que:
            _ Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE;
            _ O prazo inicial de reembolso das obrigações é de 10 anos;
            _ Os obrigacionistas não poderão solicitar o reembolso antecipado da emissão (inexistência de “put option”);
            _ O eventual reembolso antecipado da emissão por iniciativa da EMITENTE (“cal option”) terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal.
            O BANCO II, S.A. não preparou, analisou ou confirmou a informação prestada pela EMITENTE. Em conformidade, este prospecto não implica qualquer responsabilidade, compromisso ou garantia do BANCO II, S.A., quanto à suficiência, veracidade, objectividade e actualidade do conteúdo da informação prestada pela EMITENTE, nem envolve, por parte do BANCO II, S.A. qualquer juízo de valor quanto à situação económica e financeira da EMITENTE, à sua viabilidade ou à qualidade dos valores mobiliários que constituem a presente oferta, nem qualquer avaliação ou juízo de valor quanto à oportunidade e validade do investimento que depende exclusivamente do critério dos investidores.
O - Na sequência do relatado em N, o réu elaborou e enviou aos seus balcões em 07/10/2004, a nota interna que se encontra junta aos autos de fls. 66v a 68, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, além do mais [por exemplo: a) O FF é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos; b) o FF assegura o pagamento semestral de juros; c) caso o Subscritor necessite de liquidez, o BANCO CC está disponível para fazer o financiamento com condições especiais; d) Caso o subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o BANCO CC assumirá uma atitude pró-activa tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do BANCO CC. Contudo, o BANCO CC não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações FF], deu instruções aos seus funcionários para manterem o prospecto de fls. 69 a 85 disponível para consulta e para o entregarem a todos os clientes que o solicitassem.       
P - Mediante a nota interna referida em O, foi comunicado pelo réu aos seus funcionários que “o CA decidiu lançar uma emissão de obrigações subordinadas a 10 anos, denominada FF, para consolidação da dívida da GG. A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o grupo”, sendo que na página 2 desse documento consta: capital garantido: 100% do capital investido.
Q - Os valores captados através da operação referida em N resultaram, na sua grande maioria, de quantias que os cliente do réu tinham depositadas a prazo neste banco.
R - A venda das obrigações contou para o campeonato interno (para efeitos de atribuição de prémios aos colaboradores do réu) de vendas do ano 2004 pelo réu.
S - Até pelo menos inícios de 2007, os funcionários do balcão do réu na ..., acreditavam que as obrigações eram seguras e que não ofereciam risco para os subscritores.
T - Em 26/07/2008, o Dr. Jj, elemento da direcção coordenadora de empresas centro do réu, enviou aos trabalhadores do réu o e-mail de fl. 86, onde, a propósito da “emissão de papel comercial da HH, SA, escreve o seguinte: “Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (administração, accionistas e restantes colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes últimos 2 anos, a lutar, ou seja, profissionalismo, atitude, e fundamentalmente, honestidade profissional e reconhecimento pela casa, o BANCO CC, independentemente dos objectivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a todos que, logo a partir das 8h30 de 2ª feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição. Relembro que a HH, é a maior accionista da GG (31%), que por sua vez detém 100% do BANCO CC, ou seja, na prática, estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (…). Quando o cliente efectua um DP está a comprar “risco” BANCO CC. Não vejo diferenças. Escuso-me de vos reiterar a importância que, pessoalmente e para todos nós atribuo a uma boa performance (no mínimo arrasar, logo na 2ª feira, o objectivo que venha a ser fixado), com seguimento diário, hora a hora, minuto a minuto que esta operação vai ter, com todos os “olhos” nela focados. Obrigado a todos pelo excelente trabalho que, tenho a certeza, vamos realizar, e que será para todos nós motivo de orgulho e afirmação no futuro”.
U - Em 09/07/2009, um grupo não concretamente identificado de funcionários do réu enviou para a rede comercial do réu e para os funcionários do réu que se encontram identificados no e-mail de fl. 86v sob a menção “para”, o referido e-mail, onde se lê: “Assunto: papel comercial e obrigações do grupo GG. Aos trabalhadores do BANCO CC, chegou a hora de resolver o problema ou, pelo menos, minimizar as consequências para a nossa integridade física e psicológica, bem como, da nossa credibilidade junto dos clientes. Pelo que temos visto esta administração nada tem feito para nos ajudar a encontrar uma solução, pelo contrário, empurra-nos para a GG. Tudo o que fizemos (vender papel comercial e obrigações do grupo GG) foi com orientação da administração e direcções à data, em que claramente era assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo). Nunca quisemos enganar ninguém, muito menos os nossos clientes. Mas nada melhor para confirmar o que dizemos, como o e-mail que anexamos, de um Director à data e actualmente administrador do BANCO CC, Dr. Jj. Foi nesta base que vendemos os produtos da GG. E agora ninguém quer saber (?). Já percebemos que a administração nada vai fazer para solucionar esta situação. O único caminho que nos resta é salvaguardar a nossa posição: de forma anónima e confidencial imprimam os e-mails que temos enviado, principalmente este, e enviem para todos os vossos clientes que têm produtos (papel comercial e obrigações) do grupo GG. Nós já o fizemos. Dessa forma os nossos clientes ficam com elementos que qualquer tribunal não terá dúvidas em lhes dar razão. Em paralelo os clientes terão a certeza que somos nós, os trabalhadores do BANCO CC, os únicos que queremos resolver a situação”.
V - O autor subscreveu a primeira obrigação em data não concretamente apurada mas que se situa entre 11 a 21/10/2004.
W - Na altura da subscrição da obrigação referida em V, o autor não assinou qualquer boletim de subscrição, nem qualquer outro documento similar, nem tal alguma vez lhe foi solicitado pelo réu.
Y - Na sequência da subscrição da obrigação referida em V, no dia 25/10/2004 foi debitada na conta à ordem do autor referida em H, a quantia de 50.000€, por referência à compra de um título FF.
X - O documento identificado em J encontra-se intitulado de ‘comunicação de cliente’ e, com excepção do número de conta do autor que nele se encontra inscrito, não tem qualquer outra numeração nele aposta, tratando-se de um impresso válido para qualquer operação junto do réu em que o cliente pretenda dar ordens ao último para que este realize qualquer operação em nome do cliente.
Z - Aquando da subscrição das duas obrigações referidas em I, o autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do réu, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do banco e que, especialmente, no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.
AA - Em data não concretamente apurada, mas antes de 14/01/2010 e próximo desta data, o Secretário de Estado e das Finanças declarou que até final de Março de 2010, os clientes com papel comercial do universo GG, antiga dona do BANCO CC, deverão receber as suas aplicações.
AB - O banco réu encontra-se autorizado pela CMVM a realizar as seguintes actividades:
Desde 19/07/1993:
            -recepção e transmissão de ordens por conta de outrem;
            -execução de ordens no mercado a contado
            -execução de ordens no mercado a prazo
            -negociação por conta própria em valores mobiliários
            -serviço de câmbios e aluguer de cofres, ligados à prestação de serviços de investimento
            -consultoria sobre a estrutura de capital
            -assistência em oferta pública relativa a valores mobiliários          concessão de crédito
            -tomada firme e colocação em oferta pública;          
            Desde 17/08/1995: registo e depósito de instrumentos financeiros
            Desde 29/07/1999: depositário de valores mobiliários.
AC - O réu esteve adicionalmente registado na CMVM para o exercício profissional das actividades de consultoria para investimento entre 19/07/1993 e 28/09/2006 e de depositário de valores mobiliários entre 19/07/1993 e 22/10/1998.
AD - O autor tem conhecimento das características das obrigações (referidas em I), desde, pelo menos, Novembro de 2008.
AE - A primeira obrigação GG, subscrita pelo autor nos moldes descritos em I e V, ficou depositada na conta de títulos do autor com o n.º 0000139 e a segunda obrigação GG, subscrita pelo autor nos moldes descritos em I e J, ficou depositada na conta de títulos do autor com o n.º 00000838.
AF- Em 11/02/2010, por documento junto aos autos a fl. 106v, o autor solicitou a transferência daquela primeira obrigação e de outros produtos da sua conta 0000139 para a conta 00000838, sendo que, nesse requerimento, o autor identifica de forma perfeitamente clara todos os produtos que pretende transferir pela sua denominação, sabendo que está a transferir títulos entre duas contas de títulos.
AG - O autor realizou as aplicações que se encontram discriminadas nos documentos juntos aos autos a fls. 103v a 104 e 105 a 107.
AH - Pelo menos desde 17/11/2009, o autor é titular de 125.646 acções da GG, acções essas que o autor transmitiu a favor da Kk, Lda, pedindo para o efeito autorização à GG.
AI - Até pelo menos inícios de 2007 não havia qualquer indicação de que a emissão das obrigações referida em N pudesse vir a não ser paga uma vez que se tratava de uma emissão de dívida da entidade que detinha o próprio réu e, pelo menos, até inícios de 2007, foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo GG, tendo sido todos pagos sem qualquer tipo de problema até pelo menos inícios de 2007.
AJ - O autor não teria aceitado subscrever as obrigações se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos juntos aos autos a fls. 66v a 85, nomeadamente nos pontos ‘prazo de reembolso’, ‘reembolso antecipado’ e ‘subordinação’, bem como a ausência de garantia do réu à subscrição, ainda por cima estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal e os empregados do réu que lidavam com o autor tinham consciência disso.

2. O direito

2.1 Prescrição do direito do Autor

2.2.1 Da caracterização da culpa
Através da presente acção pretende o Autor que, a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual e contratual do Banco Réu, lhe seja restituído o capital investido (no valor total de 100.000,00€) ao subscrever duas obrigações subordinadas emitidas pela GG, SA na convicção de que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo por 10 anos face à informação (falsa ou pelo menos omitida quanto ao risco da operação) prestada pelo Banco Réu quanto à garantia da restituição do capital investido.
O acórdão recorrido, alterando a matéria de facto provada na sentença, considerou que no caso ocorria, quanto à questão da responsabilidade do Banco Réu enquanto intermediário financeiro, a verificação dos pressupostos de ilicitude e culpa, sendo que, quanto ao dano, ponderou: “ (…) o valor correspondente à indemnização seria, em princípio, o valor emprestado através da subscrição das obrigações (art. 562 a 564 do CC). A questão teria de ser desenvolvida – pois que dos factos provados não resulta que o autor já não possa vir a receber o valor das obrigações, ou que estas não tenham qualquer valor – se não fosse o que se segue, que torna irrelevante esse desenvolvimento
Resulta assim que no acórdão recorrido a decisão quanto à responsabilidade do Réu apenas foi considerada em parte pois que não abrangeu o dano enquanto pressuposto do direito de indemnização de que o Autor se arroga por considerar tal questão prejudicada pelo conhecimento da prescrição excepcionada pelo Réu[1].
A responsabilidade do Réu mostra-se pois definitivamente decidida a verificação dos pressupostos ilicitude e culpa.
A tal respeito o tribunal a quo assentou o seu posicionamento nas seguintes premissas:
- as partes em litígio estabeleceram entre si duas relações contratuais de intermediação financeira (subscrição de obrigações GG em Outubro de 2004 e em 15 de Setembro de 2008), nos termos dos artigos 1.º, alínea b), 289,º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código do Mercado dos Valores Mobiliários (doravante CMVM);
- o Réu não cumpriu[2] o dever de informação relativo às características das obrigações GG subscritas;
- tal incumprimento presume-se culposo por força do disposto nos artigos 799.º, do Código Civil e 314.º, n.º 2, do CMVM.
        Relativamente à prescrição do direito do Autor, o acórdão recorrido, na sequência da sentença, deu procedência a esta excepção alicerçado na seguinte ordem de argumentos:
- de acordo com o disposto no artigo 324.º, n.º 2, do CMVM, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo prescreve no prazo de dois anos a partir da data em que o cliente tenha tomado conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo havendo dolo ou culpa grave do réu;
- A presunção de culpa do intermediário financeiro não equivale a presunção de culpa grave ou de dolo;
- O Autor não demonstrou a culpa grave ou o dolo do Réu, por forma a permitir que o prazo de prescrição a considerar fosse de vinte anos;
- o prazo de dois anos, iniciado em Novembro de 2008 (data em que o Autor passou a conhecer das características das obrigações que subscreveu) completado em Novembro de 2010, encontrava-se ultrapassado à data da interposição da acção (em 03 de Março de 2016).
Insurge-se o Autor quanto a esta decisão pugnando pela qualificação de culpa grave (na forma de dolo) por parte do Banco atento o conhecimento que os funcionários tinham do seu perfil de investidor.
Segundo o Recorrente, apenas não existira dolo do Réu se os funcionários não tivessem consciência de que o Autor não aceitaria subscrever as obrigações se lhes explicassem as características do produto que lhe estava a ser vendido.
Vejamos.
Em causa está a responsabilidade do Réu resultante da violação do dever de informação do intermediário financeiro perante o cliente, o Autor, na fase pré-contratual (cfr. artigos 314.º, 304.º-A e 312.º do CMVM, respectivamente de acordo com as redacções vigentes à data da subscrição das aplicações financeiras pelo autor, 2004 e 2008[3]).
Independentemente do posicionamento a assumir quanto à sua natureza jurídica (extracontratual[4] ou contratual[5]) a responsabilidade civil do intermediário financeiro, na sequência, aliás, do decidido pelo tribunal a quo, exige a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: a conduta voluntária, activa ou omissiva, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Relativamente à culpa (cfr. artigos 314.º, n.º2 e 304.º-A, n.º2, ambos do CMVM nas respectivas versões - 9ª e 14ª - a aplicar aos autos) do intermediário financeiro, a mesma presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação, mostrando-se por isso consagrada uma presunção ex lege de culpa simples do intermediário financeiro (e não também de culpa grave ou dolosa)
Atento o que preceitua o n.º 2 do artigo 324.º do CMVM (em qualquer das versões a aplicar nos autos e nos termos do qual, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos), verifica-se que, por regra, o exercício do direito fundado na responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo (negócio em termos latos, abrangendo as fases pre-contratual, de execução e pós-contratual) prescreve no prazo de dois anos, excepto tendo ocorrido dolo ou culpa grave, pois que, nesses casos, prescreve no prazo previsto na lei civil, ou seja, 20 anos[6].
Esta distinção assume desde logo relevância em termos de ónus de prova.
Na verdade, a prescrição do direito pelo decurso do prazo-regra (de dois anos) permite ao beneficiário recusar o cumprimento da obrigação (artigo 304.º do Código Civil), funcionando enquanto excepção peremptória de conhecimento não oficioso, carecendo, por isso, de ser invocada em juízo por quem aproveita (no caso, pelo Réu na qualidade de intermediário financeiro – artigo 303.º, do Código Civil).
Nas situações de culpa grave ou do dolo do intermediário financeiro, enquanto factos impeditivos da aplicação do prazo-regra, funcionam como contra-excepção à excepção de prescrição, cujo ónus de alegação e prova competirá ao cliente-investidor (no caso o aqui Autor), uma vez que que não abrangidos naquela presunção. 
Reportando tais considerações à situação sob apreciação, atento posicionamento do Recorrente, caberá indagar se o Autor cumpriu o ónus da prova quanto à culpa grave ou do dolo do intermediário financeiro na violação do dever de informar o investidor previamente à subscrição das aplicações financeiras que invoca.
Entendemos que a matéria de facto provada não permite concluir nesse sentido, conforme passaremos a justificar.
Como faz salientar José Engrácia Antunes, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência – art. 304.º, n.º 2, do CMVM, levando -o a concluir pela previsão de uma regime especial em matéria de aferição e imputação diferente do regime geral dos arts. 487.º e 799.º, do Código Civil. Tal regime especial traduz-se, essencialmente, na consagração de um padrão de aferição de “culpa levíssima” – decorrente do já referido critério do “elevado padrão de diligência (“diligentissimus pater famílias”) previsto no art. 304.º, n.º 2 do CVM (ao invés do critério geral do “bonus pater famílias” dos arts. 487.º, n.º 2 e 799.º, n.º 2, do Código Civil) – e de uma inversão do ónus da prova – por força da presunção de culpa (…), cujo âmbito de aplicação, de resto, é bastante mais vasto do que uma presunção geral de culpa do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil (estendendo-se à responsabilidade pré-contratual e aplicando-se automaticamente no caso de violação de deveres informativos)[7].
Na formulação do juízo concreto sobre o grau de culpa, terá de ser considerado o perfil do investidor, as características dos produtos financeiros subscritos e o conhecimento de que dispunha ou não dispunha o intermediário ao tempo da pré-negociação.
Quanto ao perfil do investidor dispõe o n.º 3 do artigo 304.º do CMVM, que “na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente”, ou seja, nos dizer de Fazenda Martins, “conhece-se o cliente para que se possa cumprir os deveres inerentes à intermediação[8].
A factualidade apurada revela-se exígua quanto à caracterização do Autor como potencial investidor porquanto apenas resulta demonstrado que “em 2004/2008 não tinha realizado quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre, ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a 500.000€, nem tinha prestado funções, pelo menos durante um ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que fosse exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários” (facto provado E)), que era “há mais de 10 anos, cliente do réu, através da agência da ...” (facto provado F)) e que “Aquando da subscrição das duas obrigações referidas em I, tinha plena confiança nos seus interlocutores do réu, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do banco e que, especialmente, no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças” (facto provado Z)).
Nada pois foi apurado quanto ao nível de escolaridade, o concreto conhecimento ou desconhecimento sobre produtos financeiros, subscrição anterior de outros produtos financeiros, património e liquidez financeira em relação ao montante investido, bem como o objectivo do investimento.
No que toca às características dos produtos financeiros em causa, para o que para o efeito assume relevância, tratava-se de obrigações GG com reembolso a 10 anos e, em caso de insolvência da emitente, subordinados ao reembolso prévio de todos os demais credores não subordinados, e sem possibilidade de resgate antecipado pelo investidor (facto provado N).
Relativamente ao risco de perda do capital investido, mostra-se apurado que “até pelo menos inícios de 2007 não havia qualquer indicação de que a emissão das obrigações pudesse vir a não ser paga uma vez que se tratava de uma emissão de dívida da entidade que detinha o próprio réu e, pelo menos, até inícios de 2007, foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo GG, tendo sido todos pagos sem qualquer tipo de problema até pelo menos inícios de 2007” (facto provado AI) e que, no caso das aplicações subscritas pelo Autor, “A GG pagou os juros referentes às obrigações até 30/04/2015” (facto provado M), sendo que não consta provado que, após início de 2007, tenha havido indicação de que a emissão de dívida GG pudesse vir a não ser paga.
Quanto ao conhecimento da própria Ré, entroncando com a ausência de risco particular associado às obrigações em questão, até pelo menos inícios de 2007, “os funcionários do balcão do réu na ..., acreditavam que as obrigações eram seguras e que não ofereciam risco para os subscritores” (facto provado S), aliás em consonância com o facto apurado de “o réu elaborou e enviou aos seus balcões em 07/10/2004, a nota interna que se encontra junta aos autos de fls. 66v a 68, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, além do mais [por exemplo: a) O FF é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos; b) o FF assegura o pagamento semestral de juros; c) caso o Subscritor necessite de liquidez, o BANCO CC está disponível para fazer o financiamento com condições especiais; d) Caso o subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o BANCO CC assumirá uma atitude pró-activa tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do BANCO CC. Contudo, o BANCO CC não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações FF], deu instruções aos seus funcionários para manterem o prospecto de fls. 69 a 85 disponível para consulta e para o entregarem a todos os clientes que o solicitassem” (facto provado O).
Neste âmbito importa ter presente que a culpa presumida dirigida ao Réu mostra-se conexionada com a omissão de informar o Autor quanto ao prazo de reembolso, ao reembolso antecipado e à subordinação das obrigações, com o que teria evitado o investimento (cfr. facto provado AJ)
No elenco da factualidade provada não pode assumir cabimento concluir-se pela demonstração do dolo ou da culpa grave (negligência grosseira) do Réu (na omissão de informar o Autor relativamente ao carácter subordinado das obrigações, ao prazo do reembolso e à impossibilidade de reembolso antecipado), tendo em conta dois aspectos:
1º. a falta de prova de um figurino particularmente prudente, ponderado e conservador ou/e analfabeto, iletrado do Autor como investidor;
2.º - por ter sido apurado nos autos:

- que as obrigações GG não ofereciam, à data em que foram subscritas (2004 e 2008), maior risco de perda do capital que o comum risco inerente a qualquer aplicação financeira;

- ter o Autor recebido os juros das mesmas até 2015;

- estar o Réu convencido, pelo menos até 2007 (não tendo resultado provado o contrário desde então), da ausência de risco particular associado às referidas obrigações..
Refira-se, por fim, que não pode deixar de assumir relevância que, relativamente ao carácter subordinado das obrigações, não estava no horizonte previsível do mercado o risco de insolvência da emitente; por sua vez, quanto ao prazo do reembolso e impossibilidade de reembolso antecipado, aspectos entre si ligados, importa salientar que o Autor tomou conhecimento das características omitidas das obrigações em 2008 e não procedeu ao resgaste do capital após os 10 anos sobre a data do primeiro investimento, isto é, em 2014, pois recebeu os juros da aplicação até 2015 (cfr. factos provados em AD) e M)).
Conclui-se, por isso, em face da insuficiência fáctica para o efeito, não ser possível configurar-se culpa grave ou o dolo do Réu intermediário na conduta omissiva de informar o Autor cliente-investidor.
Consequentemente, na sequência do decidido pelo tribunal a quo, é de dois anos o prazo de prescrição do direito exercido na acção pelo Autor.

2.1.2 Da contagem do prazo de prescrição
O prazo de prescrição de dois anos, de acordo com o artigo 324.º, n.º2, do CMVM, conta-se a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Na aplicação da norma ao caso importa definir, partir de que momento se começa a contar o prazo de prescrição.
O contrato de cobertura de intermediação financeira (contrato-meio) visa a subscrição de um produto financeiro pelo investidor junto de um emitente através de um contrato de execução (contrato-fim). Por isso, ao reportar-se ao conhecimento da conclusão do negócio o citado preceito, necessariamente, que se está a reportar ao negócio de execução e os respectivos termos deste negócio, ou seja, as características dos produtos financeiros transaccionados omitidas pelo intermediário e que o fizeram incorrer em responsabilidade.
Quanto a este aspecto a factualidade apurada não deixa qualquer dúvida.
Com efeito e conforme resulta dos autos, os negócios de aquisição das obrigações GG ocorreram entre 11 a 21-10-2004 (facto provado V) e a 15-09-2008 (facto provado J), por ordem de subscrição do Autor tendo o mesmo tomado conhecimento das características das obrigações, pelo menos, desde Novembro de 2008 (facto provado AD)[9].
Assim, na falta de prova do dia concreto do mês em que teve conhecimento das reais características das obrigações subscritas (podendo sê-lo a 30-11-2008), ter-se-á de considerar que o prazo de prescrição de dois anos para o exercício do direito se iniciou em 01 de Dezembro de 2008 e que se interromperia com a com a citação do Réu para a presente acção – cfr. artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, tendo presente que a acção foi proposta em Março de 2016, há muito que havia prescrito o direito do autor, como se encontra decidido pelo acórdão recorrido.
Improcedem, pois, na sua totalidade, as conclusões das alegações.

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo Autor.


Lisboa, 17 de Dezembro de 2019

Graça Amaral - Relatora

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

_______________________________________________________

[1] Assim, a apreciação da revista encontra-se sempre cingida à apreciação da excepção de prescrição, pois que, em caso de improcedência, não pode este tribunal substituir-se ao tribunal da Relação no conhecimento da questão da responsabilidade do Réu (no que se refere ao pressuposto em falta: o dano) por não lhe ser aplicável a regra da substituição do tribunal de recurso ao tribunal recorrido – cfr. artigos 665.º, n.º 2, e 679.º, ambos do CPC.
[2] Impendia sobre o Banco o ónus de demonstrar que tinha dado conhecimento ao Autor das características do produto que este estava a subscrever, não tendo feito tal prova. 
[3] À data da primeira subscrição, Outubro de 2004, estava em vigo o CMVM aprovado pelo DL 486/99, de 13-11 e sucessivas alterações, sendo a introduzida pelo DL 66/2004, de 24-03, última com relevância para a situação sob apreciação; à data da segunda subscrição, Setembro de 2008, encontrava-se em vigor o CMVM, na redacção dada pelo DL 357-A/2007, de 31-10.  
[4] Assente em normas de protecção destinadas a proteger os interesses dos investidores - cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários. 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, Luís Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, AAVV “Direito dos Valores Mobiliários”, Vol. II.
[5] Assente em relação contratual ou obrigacional entre o intermediário e o cliente-investidor, que vincula aquele ao cumprimento de deveres específicos da função profissional - Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2016 e Acórdão do STJ de 17-03-2016, Processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[6] Cfr. Fátima Gomes, Contratos e Intermediação Financeira – Sumário Alargado, Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 1.ª Edição, 2002.
[7] Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – alguns aspetos, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 56, 2017, p.46.
[8] Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado, Caderno do Mercado dos Valores Mobiliários, 2000, p. 344.
[9] De notar que a circunstância das obrigações GG em causa (adquiridas em Outubro de 2004 e Setembro de 2008) só poderem ser reembolsadas ao fim de dez anos, sem possibilidade de o serem por iniciativa do investidor em momento anterior (apenas a 21-10-2014 e a 15-09-2018, respectivamente) de modo algum altera os parâmetros em que se mostra enquadrado o início do prazo prescricional.
Não obstante o Autor ter feito coincidir o dano peticionado com o montante do capital investido (50.000 em cada aquisição) tal não legitima que se conclua no sentido de que o direito de ser ressarcido pelo intermediário financeiro só poderia ser exercido (ainda que conhecendo desde Novembro de 2008 as características reais das obrigações) após o decurso do prazo de 10 anos para reembolso do capital, por só então saber que iria incorrer em dano.
A identificação precisa, no caso, de quando o direito pode ser exercido para iniciação do prazo de prescrição (artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil) terá de ser reportada à natureza do direito exercido na acção pelo Autor e que é o direito fundado na violação ilícita e culposa pelo intermediário financeiro do dever de informar, na fase prévia à celebração do contrato de intermediação financeira, enquanto negócio jurídico de cobertura e que, segundo a norma especial prevista no art. 324.º, n.º 2, do CMVM, se conta desde o momento em que o investidor tem conhecimento do negócio de execução e dos seus termos, nos quais se incluem as características das aplicações adquiridas.
O direito exercido na acção não é pois o direito fundado na violação ilícita e culposa pelo emitente de reembolsar o capital investido pelo cliente ao fim de dez anos, como imposto pelo negócio de execução, e que se conta a partir apenas de tal data por só então ocorrer incumprimento.