Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B316
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Nº do Documento: SJ200503030003167
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 1384/04
Data: 10/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. O Regulamento CE nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, entrou em vigor no dia 1 de Março de 2002 e aplica-se às acções judiciais intentadas depois disso, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, salvo a Dinamarca, prevalecendo sobre as sua regras de competência internacional dos tribunais de origem interna.
2. A alínea b) do nº 1 do artigo 5º do referido Regulamento, inspirada pelas ideias de a obrigação característica do contrato de compra e venda ser a do vendedor, da necessidade de foro alternativo em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio e de atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro, não consagra presunção simples ou ilidível.
3. O normativo mencionado sob 2 abrange, salvo convenção em contrário, qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a de pagamento da contrapartida monetária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.
4. Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção de condenação envolvente de duas sociedades comerciais, uma portuguesa e outra espanhola, na qual a primeira pede contra a segunda o pagamento do preço, que devia ser pago por esta àquela em Portugal, relativo a um contrato de compra de coisas que deviam ser entregues em Espanha.
5. A implementação do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia pressupõe a sua necessidade para o julgamento da causa objectivamente constatada pelos jurisdicionais dos Estados-Membros.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I

"A"-Indústria de Fundição Ldª intentou, no dia 16 de Abril de 2003, contra "B", SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe as quantias de € 71.421,67 e € 100.083,52, acrescidas de juros de mora, com fundamento na omissão de pagamento do preço relativo ao fornecimento de peças de ferro fundido ligado com crómio e molibidénio.

A ré invocou, em contestação, no confronto da autora, as excepções do incumprimento do contrato envolvente da omissão de devolução e da compensação e requereu a suspensão da instância, e a autora, na réplica, pronunciou-se no sentido da falta de fundamento da pretensão da ré, e esta, posteriormente, invocou a incompetência internacional do tribunal português à luz do artigo 5º nºs 1, alíneas a) e b), do Regulamento CE/44/2001.

A autora respondeu no sentido de o tribunal português ser internacionalmente competente para conhecer da acção, nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento nº 44/2001, em razão de a causa de pedir na acção ser o incumprimento da obrigação de pagar o preço dos fornecimentos e o prejuízo derivado da recusa de levantar a mercadoria encomendada, ambas a cumprir em Portugal.

No tribunal da 1ª instância, por sentença proferida no dia 5 de Março de 2004, foi julgada procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses invocada pela ré e esta absolvida da instância.
Agravou a autora e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Outubro de 2004, negou provimento ao recurso.

Interpôs a autora recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- no direito português e no direito espanhol, do contrato de compra e venda resultam as obrigações, para o vendedor de entregar a coisa e, para o comprador, a de pagar o preço;

- a obrigação em discussão é a de pagamento do preço dos fornecimentos e da encomenda não levantada pela recorrida, não conexa com a obrigação de entrega das peças vendidas;

- a presunção estabelecida na alínea b) do nº 1 do artigo 5º do Regulamento CE nº 44/2001 só se aplica às questões conexas com a obrigação de entrega dos bens e não com o pagamento do preço, pelo que o acórdão recorrido alargou ilegitimamente o seu âmbito;

- mesmo que tal presunção abrangesse a obrigação de pagamento do preço, tendo afirmado na petição que a entrega era feita em Portugal e que a ré não levantou a encomenda, estaria ilidida a referida presunção;

- o Regulamento não revogou as normas processuais dos Estados-Membros que regulam a competência internacional dos respectivos tribunais desde que verificados os elementos de conexão a que atribuem relevância;

- a sentença recorrida atribuiu indevida e injustificadamente força imperativa à alínea a) do nº 1 do artigo 5º do Regulamento CE nº 44/2001 que se limita a criar uma extensão facultativa de competência;

- o Regulamento limita-se a permitir que a acção corra termos no lugar do cumprimento da obrigação, independentemente da existência dos elementos de conexão que, de harmonia com as normas nacionais dos diferentes Estados, confeririam competência àquela jurisdição para dirimir o litígio;

- a sentença que vier a ser proferida será exequível no tribunal português em razão de terem sido arrestados em Portugal bens da agravada;

- a lei aplicável ao contrato é a portuguesa o que só por si torna competente para conhecer da acção os tribunais portugueses, nos termos dos artigos 42º do Código Civil, 65º do Código de Processo Civil e 4º, nº 2, da Convenção de Roma de 1980;

- decidindo como decidiu, o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 5º do Regulamento CE nº 44/2001 e violou o artigo 65º do Código de Processo Civil;

- entendendo o Supremo Tribunal que a questão oferece dúvidas, justifica-se o reenvio de interpretação para o Tribunal de Justiça das Comunidades, ao abrigo do artigo 234º do Tratado de Roma.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:
- é imperativa a aplicação das regras de competência internacional do Regulamento CE nº 44/2001, perante as quais cedem as regras de direito interno, designadamente as dos artigos 65 e 65-A do Código de Processo Civil, por serem de hierarquia inferior;

- pela regra do domicílio do demandado constante do artigo 2º, quer pela regra do artigo 5º, ambos do mencionado Regulamento, a competência para apreciar e decidir a acção inscreve-se nos tribunais espanhóis;

- na compra e venda, a única obrigação relevante para a definição da competência internacional, face ao disposto no artigo 5º do Regulamento, é a do local de entrega dos bens, irrelevando o de pagamento do preço;

- o processo contém elementos suficientes para se concluir com segurança que a mercadoria devia ser entregue na sede da agravada em Humanes de Madrid, Espanha, sendo a partir do momento da entrega nesse local que se contava o prazo de vencimento das facturas;

- o acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação da lei e não é caso de reenvio, em virtude da clareza e univocidade do texto do Regulamento e da primazia das normas nele contidas em relação às normas do direito interno.

II
É a seguinte a dinâmica processual considerada no acórdão recorrido:

1. A autora, com sede em Abrantes, Portugal, pediu contra a ré, com sede em Humanes, Madrid, Espanha, em acção declarativa de condenação intentada no 3º Juízo da Comarca de Abrantes, no dia 16 de Abril de 2003, a condenação dela a pagar-lhe as quantias de € 71.421,67 e de € 100.083,52.

2. A autora afirmou na petição inicial o seguinte:
a) ter fornecido à ré, no âmbito da sua actividade, peças em ferro fundido ligado com crómio e molibidénio a pagar no prazo de 90 dias após a emissão das facturas;

b) não ter a ré procedido à liquidação do valor dessas facturas no montante de € 67.894,86 e haver encomendado à autora os materiais referidos na factura proforma e recusar-se a recebê-los bem como a pagar-lhe o valor de € 100.083,52;

c) serem os bens encomendados pela ré e produzidos pela autora entregues por esta àquela em Espanha e a primeira dever pagar à última o preço por via da sua remessa para a sua sede, em Portugal.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais espanhóis são ou não internacionalmente competentes para conhecer da acção declarativa de condenação que a recorrente intentou contra a recorrida no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação formuladas pela recorrente e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- núcleo processual relevante no recurso;

- pressupostos do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
e rutura e efeitos da excepção dilatória de incompetência internacional;

- regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna;

- regras de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de origem externa, designadamente do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000;

- solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei:

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos por delimitar o núcleo processual relevante no recurso, tal como foi considerado pela Relação no quadro da interpretação das afirmações constantes da petição inicial e dos documentos que a suportam.

A recorrente é uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, e a recorrida é uma sociedade espanhola, com sede em Espanha.

A recorrente invocou na petição inicial haver convencionado com a recorrida, a primeira vender e a segunda comprar, por determinado preço, peças de ferro fundido, e que a última não lho pagou no prazo convencionado de 90 dias após a emissão das facturas, incluindo a parte dele relativa a algumas daquelas peças que se recusa a receber, e pediu a sua condenação a pagar-lhe € 71.421,67 e € 100.083,52.

A Relação considerou, face à petição inicial apresentada pela recorrente e aos documentos que a acompanham, serem as peças entregues por aquela à recorrida em Espanha, e esta dever pagar àquela o preço por via de remessa para a sua sede em Portugal.

Embora a recorrente se refira à responsabilidade contratual na vertente da recusa de recebimento da mercadoria, expressando tratar-se de prejuízo equivalente ao respectivo preço, do que se trata realmente é de uma situação de omissão de pagamento do preço.

Assim, o litígio a que se reporta a acção em causa tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa espanhola, ambas, por seu turno, hierarquizadas ao ordenamento jurídico da União Europeia, de que Portugal e a Espanha fazem parte.
O Código Civil Espanhol caracteriza o contrato de compra e venda em termos de "Por el contrato de compra y venta uno de los contratrantes" se obliga a entregar uma cosa determinada y el outro a pagar por ella um precio cierto, em dinero ou signo que lo requerente (artigo 1445º).

Os Códigos Comercial e Civil portugueses prescrevem, por seu turno, ser compra e venda o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço e que tem por efeitos essenciais essa transmissão, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço (artigos 2º, 3ºe 463º, nº 1º, do primeiro e 874º e 879º do último, respectivamente).

Em termos de direito substantivo, sem discrepância das partes, estamos, pois, perante um contrato de compra de venda de natureza comercial, do qual decorrem para o vendedor a obrigação de entrega dos bens que constituem o seu objecto mediato e para o comprador a obrigação do pagamento do preço, seja à luz do direito substantivo português, seja à luz do ordenamento jurídico espanhol.

2.
Vejamos agora os pressupostos do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros.

O artigo 234º do Tratado permite aos juízes nacionais interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de normas comunitárias por via do designado reenvio prejudicial, com vista à interpretação uniforme do direito comunitário em toda a União Europeia.

Naturalmente só se justifica que os órgãos jurisdicionais de algum Estado-Membro implementem o referido reenvio quando isso se revelar necessário ao julgamento da causa.

Tal acontecerá no caso de dúvida sobre a interpretação do Tratado de Roma, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da União Europeia ou pelo Banco Central Europeu ou dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho (artigo 234º do Tratado de Roma).

3.
Atentemos agora na estrutura e nos efeitos da excepção dilatória incompetência internacional dos tribunais portugueses.
As normas de competência internacional, em jeito de normas de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional pelo conjunto dos tribunais portugueses no quadro de relações jurídicas conexas com mais de uma ordem jurídica estrangeira.

As regras de incompetência internacional, salvo a mera violação de algum pacto privativo de jurisdição, integram a chamada incompetência absoluta, de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo, até ao trânsito em julgado da sentença sobre o mérito da causa, consequenciante da absolvição do réu da instância (artigos 101º, 102º e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A referida excepção dilatória deve aferir-se essencialmente, como é natural, face ao pedido e à causa de pedir formulados pelo autor na petição inicial.

4.
Vejamos agora as regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna.
A regra geral no direito processual interno português é no sentido de que sendo ré uma sociedade será demandada no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência filial, delegação ou representação, conforme a acção seja dirigida contra a primeira ou contra as últimas.

Mas as acções intentadas contra sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal podem ser propostas no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal (artigo 86º, nº 2, do Código de Processo Civil).

As regras de competência internacional dos tribunais portugueses foram adaptadas pela reforma processual que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 às Convenções de Bruxelas e de Lugano, de 27 de Setembro de 1968 e de 16 de Setembro de 1988, respectivamente, que passaram a vigorar em Portugal no dia 1 de Julho de 1992.

Delas resulta, pois, à luz dos mencionados princípios, por exemplo quando o sujeito passivo seja uma sociedade estrangeira, como é o caso vertente, que sem prejuízo, além do mais, do estabelecido nos regulamentos comunitários, que a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de um de quatro factores de atribuição, inspirados nos princípios actio sequitur forum rei, da coincidência, da causalidade e da necessidade.

Em aproximação ao caso vertente, dir-se-á que os referidos factores se traduzem na localização em território português da sede estatutária ou efectiva ou da sua sucursal, agência, filial ou delegação, na prática em território português do facto que serve de causa de pedir à acção ou de algum dos factos que a integram e na impossibilidade de se tornar efectivo o direito invocado senão por via de acção intentada em Portugal ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura do estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (artigo 65ºdo Código de Processo Civil).

5.
Atentemos agora nas regras de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de origem externa, designadamente do Regulamento CE/44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.

O referido Regulamento, relativo, além do mais, à competência judiciária, entrou em vigor no 1 de Março de 2002, substituindo entre os Estados Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968, aplica-se às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor é obrigatório em todos os seus elementos e é directamente aplicável em todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia (artigos 1º, 68º e 76º).

Visou unificar, no âmbito da sua aplicação, além do mais, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1º, nº 1).
Estabelece, por um lado, a regra do domicílio como factor de conexão essencialmente relevante para determinação da competência internacional do tribunal, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2º, nº 1).

E, por outro, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do respectivo capítulo (artigo 3º, nº 1).

Assim, a referida regra do domicílio não é absoluta, certo que há casos em que é possível instaurar a acção nos tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo tenha domicílio ou sede.

Para efeitos do disposto no Regulamento em análise, as sociedades comerciais, tal como é o caso da recorrente e da recorrida, tem domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu estabelecimento principal (artigo 60º, nº 1).

No que concerne aos referidos critérios especiais de determinação da competência jurisdicional, releva essencialmente, por um lado, o artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento, segundo o qual uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

E, por outro, releva a alínea b) do referido nº 1 do artigo 5º, segundo o qual, para efeito da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

É um normativo inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária.

E, por outro, pela ideia de que o foro do domicílio do sujeito passivo deve ser completado pelo estabelecimento de foros alternativos em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio, com vista a facilitar a boa administração da justiça.

Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro.
Ao invés do que é afirmado pela recorrente, inexiste fundamento legal para se concluir tratar-se de uma presunção simples ou ilidível, pois do que se trata é do que é designado por presunção juris et de juris.

Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do nº 1 do artigo 5º abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.

Ademais, expressa o nº 2 do referido artigo 5º que contra aquelas regras, não podem ser invocadas as regras de competência internacional dos tribunais nacionais.
Acresce que a competência de um tribunal de um Estado-Membro para conhecer da acção não inviabiliza a instauração de uma providência cautelar conexa nos tribunais de outro Estado-Membro (artigo 31º).

5.
Vejamos agora a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
Face ao conteúdo das normas do Regulamento objecto de interpretação e à dinâmica processual envolvente, inexiste dúvida nessa operação que implique a necessidade do reenvio prejudicial.

Pela regra geral constante do artigo 2º do Regulamento, tendo em linha de conta que a recorrida tem sede em Espanha, a competência internacional para conhecer da presente acção inscrever-se-ia nos tribunais espanhóis.

Pelas acima referidas normas especiais relativas à competência alternativa, a mencionada regra geral pode ser afastada em matéria contratual, designadamente por via da instauração da acção nos tribunais do Estado-Membro onde deve ser cumprida a obrigação em questão.

Trata-se, na espécie, de duais sociedades comerciais que figuram como sujeitos da acção, uma sediada em Portugal e outra sediada em Espanha, Estados-Membros da União Europeia.

Está em causa na acção a omissão de pagamento por parte da recorrida do preço devido pelos bens que lhe foram ou deviam ser entregues no âmbito de um contrato de compra e venda e, consequentemente no âmbito objectivo de aplicação do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 20 de Dezembro de 2000.

De harmonia com a chamada primazia do direito comunitário em relação ao direito dos Estados-Membros da União Europeia, as normas concernentes à competência judiciária integrantes do referido Regulamento prevalecem sobre as de idêntica natureza constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil (artigos 3º, nº 2, do Regulamento e 8º, nº 3, da Constituição).

Resulta, assim, da lei aplicável que a obrigação relevante para efeito de determinação da competência internacional no confronto dos tribunais portugueses e dos tribunais espanhóis é a de entrega do objecto mediato do contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e a recorrida.

Não releva, pois, para o efeito, o lugar onde deva ser realizada a prestação de pagamento do preço, designadamente a circunstância de dever ocorrer em território português.

Não havia na espécie, por isso e por não ter havido convenção em contrário, alternativa de foro para conhecimento deste litígio transfronteiriço, ou seja, o factor atributivo de competência internacional do domicílio coincide com o factor atributivo da competência lugar de cumprimento da obrigação de entrega do objecto mediato do contrato de compra e venda, irrelevando para o efeito a obrigação de pagamento do preço que a recorrente faz valer na acção.

E tal interpretação, ao invés do que a recorrente referiu, não transforma uma norma facultativa numa norma imperativa.
Também não releva, ademais, para atribuição da competência internacional para conhecer da acção aos tribunais portugueses, a circunstância de a recorrente haver arrestado em Portugal bens da recorrida ou o regime jurídico substantivo aplicável pelo tribunal no quadro das normas de conflito nacionais ou internacionais do artigo 42º do Código Civil ou do artigo 4º, nº 2, da Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980.

A Relação não ignorou o facto de a recorrente ter invocado na acção o incumprimento pela recorrida da sua obrigação de pagamento do preço das peças de ferro fundido nem os elementos de conexão do contrato com a ordem jurídica portuguesa; só que, a lei aplicável não permite considerá-la para efeitos de determinação do foro internacional alternativo.

Em consequência, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção em causa, pelo que a solução para o caso espécie não podia deixar de ser, como foi, a de absolvição da recorrida da instância (artigos 101º, nº 1 e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 3 de Março de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.