Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3798
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ABUSO DE DIREITO
NULIDADE
INCUMPRIMENTO
EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: SJ201001070037987
Data do Acordão: 01/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO "CC"
CONCEDIDA A REVISTA INTERPOSTA POR "DD"
CONCEDIDA A REVISTA
SUBORDINADA DA "AA"
Legislação Nacional:
DL Nº 446/85, 25/10;
DL Nº 359/91, 21/9;
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 224º, 230º, 286º, 334º 342º, 433º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 26º
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, ACÓRDÃOS DE
– 2 DE JUNHO DE 1999, PROC. Nº 99B387
– 13 DE JANEIRO DE 2005, PROC. NÇ 04B3874
– 14 DE NOVEMBRO DE 2006, PROCS. NºS 06A3441,
– 5 DE DEZEMBRO DE 2006, SUB IUDICE, 36, JULHO-SETEMBRO, PÁG, 161 SEGS.
– 24 DE ABRIL DE 2007, PROC. Nº 07A685
– 3 DE MAIO DE 2007, PROC. .Nº 06B1650
–15 DE MAIO DE 2008, PROC Nº 08B357
Sumário :
1. Nos termos do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91, a falta de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato no momento em que o assinou implica a nulidade do mútuo.
2. A nulidade do mútuo implica a obrigação de restituição aos consumidores das quantias por estes pagas ao mutuante, apesar de este ter pago a totalidade do capital ao fornecedor do serviço.
3. A obrigação de restituir só abrange o que os consumidores pagaram desde que o serviço deixou de ser prestado.
4. Para que o consumidor possa opor ao financiador o incumprimento do fornecedor do serviço, é necessária a existência de um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor e que o crédito em concreto tenha sido obtido pelo consumidor no âmbito desse acordo.
5. Nos termos da al. d) do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, têm-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que, antes dessas assinaturas, haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Invocando os disposto nos artigos 1º e 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor instaurou uma acção popular contra BB – Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda., CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA. e DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA, pedindo:
– A declaração de nulidade dos “contratos de crédito celebrados pelos consumidores com as segundas e terceiras RR para pagamento da contratação de serviços de formação prestados pela primeira R. por inobservância dos requisitos constantes do nº 1 e als. c) e e) in fine do [nº 3 do] artigo 6º do DL 359/91, de 21 de Setembro, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 7º do mesmo diploma;
“Em consequência”, a declaração de nulidade de “todos os contratos de matrícula celebrados pelos consumidores com a primeira R., nos termos do disposto no nº 1 do art.12º do DL 359/91, de 21 de Setembro”;
– Subsidiariamente, a declaração de resolução dos “contratos de matrícula”, por incumprimento da primeira ré e dos “contratos de crédito celebrados entre as segunda e terceira RR. por existir um acordo prédio entre estas e a primeira Ré, nos termos do qual o crédito era exclusivamente concedido para financiar os cursos por aquela ministrados, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 12º do DL 359/91”;
– A condenação de BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda., na devolução, aos consumidores por si representados, das “quantias por estes já pagas no âmbito de contratos de matrícula celebrados cuja liquidação se fará em execução de sentença”;
– A condenação de CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA. e DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA na devolução aos consumidores das “quantias por estes pagas desde a data do incumprimento por parte da primeira R., ou seja, Agosto de 2002, cuja liquidação se fará igualmente em execução de sentença”.
Para o efeito, e em síntese, alegou terem sido celebrados entre a ré BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda., e um número elevado de consumidores contratos de prestação de serviços (“serviços de ensino técnico de idiomas”), que a mesma ré deixou de cumprir desde Agosto de 2002, assim impossibilitando cerca de 1200 alunos de concluir os cursos em que se tinham matriculado e para cujo pagamento recorreram ao crédito; que, para o efeito, foram celebrados contratos de mútuo, negociados com a ré BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda., nas suas instalações, sem intervenção das segundas e terceira rés; que os exemplares dos contratos de mútuo eram assinados nessas instalações e só depois remetidos para a entidade financiadora, sem conhecimento dos consumidores e sem que a estes fosse fornecida cópia do contrato no momento da assinatura; que tal cópia, no caso de contratos celebrados com a segunda ré, só posteriormente lhes era remetida, com as cartas de aprovação do crédito, e que, quanto àqueles em que interveio a terceira, nunca chegou a ser enviada aos consumidores; que dos contratos em causa “não consta também o preço a contado nem a data de vencimento das prestações”; que o crédito se destinava exclusivamente ao pagamento dos serviços prestados pela primeira ré, no âmbito de um “acordo prévio e exclusivo existente entre a primeira R. e as segunda e terceiras RR embora em datas diferentes”; que BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda. não devolveu aos alunos qualquer quantia, mas que as segunda e terceiras rés “persistem em exigir o pagamento das prestações do contrato de crédito”, apesar de conhecerem o incumprimento.
Todas as rés contestaram, separadamente, impugnando os factos alegados e sustentando a autonomia entre os contratos de mútuo e de prestação de serviços. BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda. defendeu terem-se extinguido os contratos de prestação de serviços por impossibilidade objectiva e não culposa de cumprimento, salientando ter mesmo sido requerida a declaração da sua falência; CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA., opondo a natureza individualizada dos interesses em jogo, alegou não ser admissível, no caso, a propositura de uma acção popular, nem ter a autora legitimidade para a instaurar.
A autora replicou.
Por despacho de fls. 360, foi determinado que se procedesse à citação dos clientes da primeira ré que tivessem celebrado contratos de crédito ao consumo com as demais rés, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 15º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto. A citação foi efectuada.
A fls. 366, FF declarou pretender “intervir no processo a título principal, aceitando-o na fase em que se encontra”.
No despacho saneador, a fls. 416, foi desatendida a alegação de inadmissibilidade da acção popular e de ilegitimidade activa.
Por sentença de fls. 722, a acção foi julgada parcialmente procedente.
Tendo ocorrido anomalias no registo da prova, foi determinada a repetição “de toda a prova produzida da audiência final” (despacho de fls. 1254, proferido na sequência do despacho do relator do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 1250).
Veio assim a ser proferida nova sentença, a fls. 1393, que novamente julgou parcialmente procedente a acção, nestes termos:

«a) declaro a nulidade dos contratos de mútuo celebrados pela ré “CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.”;

b) declaro a nulidade dos contratos de prestação de serviços celebrados pela ré “BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda.”, que tenham sido objecto de financiamento pela ré “CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.”;

c) declaro a resolução dos contratos de prestação de serviços celebrados pela ré “BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda.”, que tenham sido objecto de financiamento pela ré “DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.”;

d) declaro a resolução dos contratos de mútuo celebrados pela ré “DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.”;

e) condeno a ré “BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda.” na restituição aos consumidores, representados pela autora “AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor”, das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de prestação de serviços, a liquidar em execução de sentença;

f) condeno a ré “CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.” na restituição aos consumidores, representados pela autora “AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor”, das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de mútuo, desde Agosto de 2002, a liquidar em execução de sentença;

g) condeno a ré “DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.” na restituição aos consumidores, representados pela autora “AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor”, das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de mútuo, desde Agosto de 2002, a liquidar em execução de sentença;

h) absolvo as rés “BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda.” e “DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, S.A.” do restante peticionado.»

Foi ainda determinado que, após trânsito em julgado, se procedesse à publicitação da decisão, de acordo com o previsto no nº 2 do artigo 19º da Lei nº 83/95.

2. As rés apelaram. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1742, as apelações foram julgadas parcialmente procedentes, sendo decidido:

“a) declarar válidas as cláusulas de adesão das rés BB VA e DD, constantes dos contratos de mútuo, não obstante as assinaturas dos aderentes terem sido apostas antes das condições gerais, inexistindo violação do art. 8 d) do DL 446/85 de 25/10, na redacção DL 220/95 de 31/8 e DL 249/99 de 7/”
b) condenar a ré BB– Centros de Inglês, Sociedade Unipessoal, Lda., na restituição aos consumidores representados pela AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de prestação de serviços, sendo que, nos contratos de prestação de serviços financiados pelas rés CC e DD, a restituição tem lugar até Julho 2002, inclusive, quantias estas a liquidar em execução de sentença.
d) Confirma-se quanto ao mais a sentença recorrida no que concerne às alíneas a), b), c), d) f), g) e h).”

3. Deste acórdão interpuseram recurso para o Supremo Tribunal da Justiça as rés CC – ........ e DD e, subordinadamente, a autora. Os recursos foram admitidos, como revista e com efeito meramente devolutivo (despachos de fls.1840 e 1934).
Antes de mais, cumpre deixar claro que se encontra transitada em julgado a decisão que julgou ter a autora legitimidade para instaurar a presente acção popular; e ainda que, não tendo a ré BBinterposto recurso do acórdão da Relação, se encontra também transitada a sua condenação, nos termos determinados pelo mesmo Tribunal.
Igualmente se encontra transitada a alteração na condenação na restituição, aos consumidores, das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de prestação de serviços que foram financiados pelas rés CC – ........ e DD, que a Relação decidiu ter lugar apenas até Julho de 2002. Esta redução não foi impugnada.
Não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto.

4. Nas alegações que apresentou, a ré DD formulou as seguintes conclusões:

«1.° - O Acórdão ora Recorrido, à revelia da letra da lei substantiva, sustenta a tese que entre os contratos de prestação de serviços e os contratos de mútuo existe uma unidade económica relevante que determina, sem mais, que se o primeiro for considerado resolvido, o segundo também o será – independentemente destes serem – individualmente considerados – válidos e eficazes; ora,
2.° - A tese defendida pelos Mmos. Juízes Desembargadores a quo, que não aceita, faz tábua rasa da lei, nomeadamente do artigo 12/2 do D.L. 391/91 de 21/9, que prevê a possibilidade "dos consumidores demandarem o credor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este último;
b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na aliena anterior"
3.° - Da leitura do normativo legal, da sua interpretação e análise, rapidamente se conclui que a lei exige expressamente a verificação destes dois requisitos cumulativos (exclusividade e acordo prévio) sem a qual, a não serem demonstrados, não podem os consumidores ver resolvidos os contratos de mútuo; mais,
(…) 5.° - A Recorrente é totalmente alheia quer aos contratos de prestação de serviços celebrados entre os consumidores e a Ré BB, quer a eventuais incumprimentos por parte desta, pelo que nunca tais factos poderão afectar a subsistência, a plena validade e eficácia dos contratos de mútuo celebrado com a Ré DD S.A.
(…) 9.° - A ligação entre aqueles dois contratos resume-se apenas e só ao facto do crédito concedido pela aqui Ré DD, S.A se destinar ao financiamento dos cursos de Inglês àquela terceira entidade.
(…)».

A ré CC – ........ concluiu as respectivas alegações desta forma:

«1. A Recorrente interpõe o presente recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente a acção intentada pela Recorrida, tendo condenado a Recorrente em todos os pedidos deduzidos pela primeira.
2. Não pode a Recorrente deixar de sustentar que não estamos perante um contrato de crédito ao consumo regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro por diversos motivos.
(…)
4. Sendo embora indubitável que a Recorrente integra o conceito de credor nos termos e para os efeitos do artigo 2º n.º 1 alínea c) do DL 359/91, em lado algum logrou a Recorrida, Autora, provar nos presentes autos que os clientes que celebraram contratos de mútuo com a Recorrente integram o conceito de consumidor – elemento essencial no presente caso – nos termos e para os efeitos do artigo 2º n.º 1 alínea b) do mesmo diploma.
5. Ao abrigo do artigo 342.º do CC “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Ora, resulta manifesto dos autos e da prova para os mesmos carreada que a Recorrida não fez prova do direito alegado, mormente de que estava em causa a defesa dos direitos dos consumidores.
6. Por sua vez, na esteira do artigo 349.º do CC dir-se-á que o facto conhecido pelo Tribunal a quo é o de que foram celebrados contratos de prestação de serviços e contratos de mútuo. Nada mais. Deles não podia o Tribunal ilidir que estavam em causa consumidores, porquanto a lei não presume essa qualidade. (…)
7. Em segundo lugar, dispõe o artigo 2º n.º 2 que “Não é considerado contrato de crédito o contrato de prestação de serviço com carácter de continuidade, em que o consumidor tenha o direito de efectuar pagamentos parciais durante a prestação do serviço” e no presente caso encontramo-nos perante um contrato de mútuo finalizado para a prestação de serviços e executado de forma continuada, já que os cursos de inglês tinham, em geral, a duração de 24 meses e os clientes gozam, desta forma, da possibilidade de efectuar pagamentos parciais. Faculdade que, em bom rigor, cai no âmbito de aplicação do artigo 2º, n.º 2, já que estão verdadeiramente em causa “pagamentos parciais durante a execução do contrato”. Ou seja, também por esta via, os contratos de mútuo não poderão ser considerados como contratos de crédito, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro (…).
8. Sublinhe-se que, em terceiro lugar, nos termos do artigo 3º alínea d), o diploma não é aplicável aos contratos em que “o crédito seja concedido ou posto à disposição do consumidor sem juros ou outros encargos”. Na verdade, porém, e diversamente da alegada inexistência de prova efectuada nesse sentido conforme o Tribunal vem alegar na sua decisão (cfr. p. 69), o crédito concedido aos clientes através dos contratos de mútuo celebrados com a Recorrente era concedido sem quaisquer juros ou encargos, o que implica, a exclusão da aplicação deste diploma (artigo 3.º do DL 359/91 de 21 de Setembro).
9. Em abono da verdade se dirá que, o preço do curso de inglês, quer fosse pago a pronto, quer fosse pago em prestações mediante o recurso ao crédito junto da Recorrente com a consequente celebração do contrato de mútuo, era exactamente igual para o cliente. Significa isto que era a R. BB quem suportava todos os juros, despesas e encargos decorrentes do contrato de mútuo e não os clientes, que, como se disse, nenhum custo tinham a acrescer ao custo do próprio curso (...). Ou seja, a aqui Recorrente não funcionaria como uma qualquer instituição de caridade, antes recebendo, verdadeiramente, uma remuneração pelo financiamento em causa, apenas que este não seria pago pelos clientes, mas pela própria R. BB.
10. Ainda que o Tribunal a quo se não tenha pronunciado sobre esta matéria, nunca se poderia cogitar a caracterização dos contratos em causa como sendo contratos a favor de terceiro (cfr. artigo 443º do CC) (…).
11. A circunstância de se estipular que a entrega do capital mutuado era feita directamente à R. BB indicia apenas que em causa está um contrato de mútuo finalizado e não livre.
12. Por último, relativamente à qualificação operada pelo Tribunal a quo de união de contratos entre o contrato de prestação de serviços e o contrato de crédito ao consumo, saliente-se a separação formal e substancial entre os dois contratos (…).
14. No que concerne à nulidade dos contratos de mútuo com fundamento na não entrega aos consumidores de um exemplar do contrato, e admitindo que os contratos de mútuo celebrados pela Recorrente configuram contratos de crédito ao consumo nos termos e para os efeitos do DL 359/91, de 21 de Setembro, o que não se concede, sempre se dirá que a obrigação em causa era cumprida pela Recorrente, conforme consta da própria alínea V) da Especificação (facto n.º 27, p. 52 da decisão).
15. O cliente limitava-se a subscrever uma proposta contratual que, posteriormente, seria submetida à aprovação da ora Recorrente, apenas se concluindo o contrato no momento em que esta última dava o seu acordo à proposta, nos termos gerais previstos no Código Civil. Assim, o artigo 6º do diploma refere-se ao contrato propriamente dito e não às meras propostas contratuais, às quais, naturalmente, não poderá aplicar-se esta regra. Portanto, só no momento em que a Recorrente aceitava a proposta contratual que lhe era dirigida, celebrando-se assim o contrato, tinha que ser entregue um exemplar ao consumidor.
16. A tal não obsta, porém, o entendimento – aliás perfeitamente defensável – de que o prazo de reflexão que o Tribunal a quo considera “cerceado” começasse a contar apenas na data da recepção efectiva do contrato pelos próprios clientes.
17. Aliás, a verdade é que, mesmo depois de terem subscrito os mencionados contratos e mesmo depois de o terem recebido – já que os mesmos foram entregues pela própria Recorrente – não resultou provado que qualquer dos clientes tivesse querido utilizar da faculdade prevista no artigo 6º em apreço e que tal faculdade lhe tenha sido recusada.
18. Caso assim também se não entenda, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se dirá que o artigo 6º do DL 359/91 apenas se aplica a contratos celebrados entre presentes e não entre ausentes. (…)
19. Por outro lado, acrescente-se que, ao contrário do que é afirmado na decisão recorrida, a ratio do artigo 8º do DL 359/91 não fica afectada pelo facto de não ser entregue ao consumidor uma cópia da proposta contratual por este subscrita já que o prazo previsto no artigo 8º só começa, obviamente, a correr a partir do momento em que existe um contrato e o consumidor se encontra na posse do mesmo, ou seja, no caso dos presentes autos, quando o consumidor recebe a carta da Recorrente comunicando a aprovação do contrato, pelo que não há lugar a qualquer assumpção de dívidas pelo consumidor cujo conteúdo se desconheça (cfr. p. 77 da decisão) (…).
(…) 21. Outro dos fundamentos aflorados genericamente pelo Tribunal a quo, sem que este se tenha pronunciado devidamente sobre o seu sentido, refere-se à nulidade dos contratos de mútuo pela alegada não identificação do preço a contado no contrato, em infracção do artigo 6º n.º 3 alínea c) do DL 359/91 de 21 de Setembro. Sucede que, e ainda que se não conceda no alegado fundamento da nulidade, em todos os casos em que foi celebrado um contrato de mútuo entre os consumidores e a Recorrente para pagamento do serviço prestado pela R. BB, não havia qualquer diferença entre o pagamento do preço a contado e o pagamento do preço a crédito. (…)
22.(…). Termos em que, terá necessariamente que entender-se que o preço a contado constava também do contrato de mútuo, inexistindo qualquer violação de disposições legais.
23. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se dirá que todos os consumidores tinham exacta noção de que o preço a contado era exactamente igual ao montante do crédito, porquanto procederam à assinatura do contrato de matrícula, do qual constava o preço a contado, e à assinatura do contrato de mútuo, do qual constava o preço do crédito.(…)
(…) 25. Conforme temos vindo a analisar, os contratos de mútuo celebrados com a Recorrente não são nulos, ao contrário do que é alegado no Acórdão recorrido, pelo que não pode aplicar-se o regime da nulidade previsto no artigo 289º do Código Civil.
26. De qualquer modo, sempre se dirá que a invocação da nulidade pela Recorrida nestas circunstâncias constitui abuso de direito, não devendo, por isso, ser atendida (…). Na verdade, grande parte dos contratos de mútuo foram celebrados antes de Abril de 2001 (facto assente n.º 28 (p. 53, da decisão)). E note-se que a Recorrente apenas foi citada para contestar a presente acção (em que se requeria, entre outros, a declaração de nulidade dos contratos de mútuo) no final de Fevereiro de 2003.
(…) 28. A Recorrida apenas invocou a nulidade num momento altamente oportuno em que a R. BB deixou de cumprir o contrato de prestação de serviços que celebrou com os alunos, pretendendo assim que seja a Recorrente a suportar as consequências e prejuízos decorrentes desse incumprimento, quando esta cumpriu pontualmente os contratos de mútuo por si celebrados, tendo entregue à R. BB a totalidade dos valores de capital financiados, logo após a celebração dos contratos de mútuo, conforme resultou assente no facto n.º 15 (cfr. p. 50, da decisão).
(…) 30. Ainda que assim se entendesse, o que não se concede, os efeitos da nulidade dos contratos de mútuo não seriam os determinados no Acórdão ora recorrido. (…) O que o Acórdão não mencionou, quando o deveria ter mencionado, é que (…), sendo nulos os contratos de mútuo, a Recorrente teria obrigação de restituir aos clientes todas as quantias pagas por estes em prestações, devendo estes restituir à Recorrente a totalidade do capital que por esta foi mutuado.
31. Adoptando-se a solução determinada no Acórdão ora recorrido, teríamos como resultado um manifesto enriquecimento sem causa dos clientes, nos termos e para os efeitos do regime previsto no artigo 473º e seguintes do Código Civil, já que a Recorrente foi efectivamente desembolsada do montante total dos contratos de mútuo por si celebrados (…)
32. A Recorrente permite-se ainda sublinhar que os contratos de mútuo por si celebrados não são nulos, ao contrário do que é alegado no Acórdão recorrido, conforme temos vindo a defender, pelo que jamais os contratos de prestação de serviço poderiam ser declarados nulos como reflexo da invalidade dos contratos de crédito ao consumo, gorando-se assim a aplicação do disposto no artigo 12º n.º 1 do DL n.º 359/91 de 21 de Setembro.
33. Face ao supra exposto, entendemos que a consequência da pretensa nulidade dos contratos de mútuo não poderá ser a restituição pela Recorrente aos clientes das prestações por estes pagas, sem que estes sejam também condenados na restituição da totalidade dos montantes mutuados, nos termos do artigo 289º do Código Civil.
34. Sem discutir se existe ou não fundamento para a resolução dos contratos de prestação de serviços, dado que esta problemática respeita apenas à R. BB, certo é que tal não determina a resolução dos contratos de mútuo celebrados pela Recorrente, nos termos do artigo 433º do Código Civil. In casu, os contratos de prestação de serviços foram celebrados exclusivamente entre a R. BB e os alunos, sendo a Recorrente, manifestamente, um terceiro relativamente a estes contratos, já que se limitou a celebrar contratos de mútuo completamente independentes, distintos e autónomos dos contratos de prestação de serviços.
(…) 36. Quanto à resolução dos contratos de mútuo celebrados com a Recorrente por incumprimento dos contratos de prestação de serviços, por aplicação do artigo 12º n.º 2 do DL 359/91 de 21 de Setembro, a Recorrente escusa-se analisar se existe, ou não, fundamento para a resolução por incumprimento dos contratos de prestação de serviços, dado que esta problemática respeita apenas à R. BB; certo é que tal não determina nos contratos de mútuo celebrados pela Recorrente, os efeitos reflexos pretendidos pelo Tribunal a quo.
(…)40. Deste modo, ainda que fosse aplicável o regime do crédito ao consumo regulado pelo DL n.º 359/91 de 21 de Setembro a única responsável seria a R. BB e nunca a ora Recorrente, por falta dos pressupostos de aplicação do artigo 12º n.º 2 do mesmo diploma (…).
43. Por último, o Tribunal não se pronunciou sobre a existência de fundamento legal para resolução dos contratos de mútuo por aplicação do instituto da alteração das circunstâncias previsto no artigo 437º do Código Civil. Tendo, porém, em atenção a confirmação da sentença do Tribunal de 1.ª Instância, permite-se a Recorrente tecer algumas considerações sobre a aplicação daquele instituto.
(…) 50. Foi R. BB, enquanto parceiro contratual dos clientes num determinado contrato, quem incumpriu a prestação a que estava obrigada. Pelo que, ao abrigo do instituto da alteração das circunstâncias, jamais assistiria aos alunos o direito a incumprir a obrigação a que se vincularam perante a Recorrente, enquanto seu parceiro contratual num contrato distinto e autónomo do primeiro referido.
51. O encerramento das escolas de inglês da R. BB terá que ser aferido como risco próprio dos contratos de matrícula e não dos contratos de mútuo, devendo acrescente-se ainda que o instituto da alteração das circunstâncias não é aplicável se o contrato já tinha sido cumprido.
52. Face a todo o supra exposto, o instituto da alteração das circunstâncias previsto no artigo 437º do Código Civil não pode constituir um fundamento de resolução dos contratos de mútuo celebrados pela Recorrente.
53. Em suma, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 289.º, 290.º, 334.º, 342.º, n.ºs 1 e 2, 346.º, 433.º, 435.º, 473.º e 777.º do Código Civil e, ainda que se não tenha o Tribunal a quo pronunciado devidamente sobre estes, os artigos 437.º e 443.º do mesmo diploma legal. Violou também a decisão recorrida os artigos 1.º, 2.º, n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 2, 3.º alínea d), 6.º n.ºs 1 e 3 alínea c), 7.º n.º 1 e 12.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro.»

A autora contra-alegou, concluindo:

«1. Decidiu bem o douto acórdão recorrido ao qualificar os contratos de mútuo celebrados entre os consumidores e as Recorrentes como contratos de adesão, de crédito ao consumo, a favor de terceiros e constituindo uma união de contratos com os contratos de prestação de serviços celebrados pelos mesmos consumidores e a R. BB;
2. Em primeiro lugar porque a questão da qualidade de consumidor dos alunos da BB está definitivamente decidida já que é um pressuposto da legitimidade da ora Recorrida e essa legitimidade foi decidida no despacho saneador que não foi objecto de recurso, pelo que transitou em julgado.
3. Em segundo lugar e sem conceder, porque os alunos da BB eram consumidores, isso mesmo foi alegado pela Recorrida e confessado inequivocamente por todas as RR.. Por outro lado, a relação que está subjacente à celebração de tais contratos é susceptível de ser qualificada como uma relação de consumo.
4. Os contratos de mútuo celebrados com a Recorrente CC não cabem na previsão do nº 2 do art.º 2º do DL 359/91, de 21/9, dado que não são contratos de prestação de serviços mas sim contratos de crédito. Na previsão desta norma cabem apenas as relações contratuais estabelecidas directamente entre o prestador de serviços e o consumidor se se verificarem os restantes requisitos (continuidade e pagamento fraccionado), não cabem as relações tripartidas como a dos autos.
5. Os contratos de mútuo celebrados com a Recorrente CC são mútuos onerosos na medida em que, no seu preço, se incluem juros e encargos; a existência de tais juros é evidente quer nos clausulados dos contratos, quer nas condições financeiras do Acordo de Colaboração junto como doc. n.º 1 com a contestação da Recorrente;
6. Todos os contratos de crédito referem que a quantia mutuada se destina ao pagamento dos cursos de inglês comercializados pela R. BB e que esta quantia era entregue à R. BB directamente pela Recorrente CC e, posteriormente, pela Recorrente DD; A R. BB tinha neste acordo um benefício claro e evidente pois recebia de uma só vez e antes de iniciar a prestação do serviço que habitualmente tinha a duração de 24 meses, o pagamento dos cursos;
7. Os contratos de matrícula e mútuo para consumo constituem uma união de contratos tal como está prevista no art.º 12º do DL 359/91, de 21 de Setembro. Na verdade, existe entre estes um nexo funcional que influi na respectiva disciplina, que cria entre eles uma relação de interdependência bilateral ou unilateral, em que um deles funciona como condição, contraprestação, base negocial do outro;
8. Decidiu bem ao determinar a nulidade dos contratos de crédito celebrados entre a Recorrente CC e os consumidores por violação das regras imperativas do art.º 6.º nº 1 e nº 3 al. c) e do DL nº 359/91 de 21 de Setembro, nulidade cominada pelo art.º 7.º do mesmo diploma, já que dos mesmos não consta nem o preço a contado e que não foi fornecida, pela Recorrente CC a cada um dos consumidores quando da assinatura destes, uma cópia do respectivo contrato;
9. Decidiu bem quanto aos efeitos repristinatórios da nulidade dos contratos: até Agosto de 2002 quem tem a obrigação de restituir aos consumidores as quantias por estes pagas é a 1ª Ré, daí em diante, em consequência da cessação da actividade da Recorrente e respectivo incumprimento do contrato de prestação de serviços, serão, obviamente, a segunda e terceira Rés, CC – ........ e DD – ........, quem tem o dever de restituição aos consumidores do capital mutuado.
10. Decidiu igualmente bem ao considerar resolvidos os contrato de crédito celebrados pela Recorrente DD com os consumidores com base na alteração da base negocial que determinou a celebração do mesmo.»

Quanto ao recurso que interpôs subordinadamente, a autora alegou, formulando as seguintes conclusões:

«1. Decidiu mal o douto acórdão recorrido interpretando e aplicando erradamente a al. d) do art.° 8º do DCCG já que se contentou com o cumprimento formal do dever de informação previsto nos art.°s 5º e 6º do DCCG e não considerou, como deveria ter feito, que a norma da al. d) do art.° 8º do DCCG é independente dos deveres de informação constantes dos art.°s 5º e 6º já referidos;
2. E que, em consequência, a declaração que consta dos contratos é irrelevante para este efeito uma vez que a assinatura dos consumidores é aposta antes das condições gerais e não depois como obriga a lei.
3. A interpretação constante do douto acórdão recorrido conduz à inutilidade da norma constante da ai. d) do art.° 8o do DCCG já que, assim, bastaria que o predisponente de tais contratos demonstrasse que informou o consumidor da existência de tais cláusulas (pois a declaração que está nos formulários em questão mais não faz do que isso) para ser indiferente o local onde era aposta a sua assinatura;
4. Ora, não foi certamente esse o objectivo do legislador;
5. Assim, tais cláusulas devem ser consideradas excluídas das respectivas propostas contratuais como vem sendo aliás jurisprudência desse Venerando Tribunal.»

A ré DD contra-alegou, concluindo:

«1.º - O recurso às cláusulas contratuais gerais questiona, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração, pelo que elas se inscrevem no negócio através dos mecanismos negociais típicos. Donde, os negócios originados poderem ser valorados à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais. Assim, o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais residiu na premência da conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva e equilibrada autodeterminação. Ou seja, as cláusulas contratuais gerais, apesar da sua especificidade, não deixam de ser estipulações jurídico-negociais, pelo que a sua vigência pressupõe um acordo das partes contratuais.
2.º - Daí que o legislador tenha o cuidado de, através do preceituado no artigo 9º do DL n.o 446/85, consignar a subsistência dos contratos singulares sempre que verificado qualquer um dos casos previstos no seu antecedente art. 8º. Trata-se de uma norma que poderíamos apelidar de profilática, impeditiva da destruição, pura e simples, de uma relação contratual consciente e de boa fé celebrada.
3.° - Na verdade, a pré-elaboração não pode, nem deve, confundir-se com pré-existência de formulários contendo cláusulas contratuais. Se bem que, por vezes caminhem juntas, a sua distinção advém da diferença entre a vontade contratual e a redacção dela emergente. Por ignorância jurídica, facilidade, ou comodidade de redacção, entre outras razões, as partes têm tendência, cada vez mais, para procurarem e aceitarem redacções pré-elaboradas. Mas ainda que aceitem estas, pode fixar um vazio onde emerge de pleno a sua vontade contratual, que assume então foros individualizados. Vazio que se traduz, a mais das vezes, por espaços em branco, a preencher de acordo com a vontade contratual.
4º - Ora, e revertendo para o caso em concreto, os mutuários participaram na celebração do contrato de mútuo e declararam por fim conhecer e aceitar as cláusulas gerais. Ou seja, a vontade negocial das partes envolvidas no negócio estava, como continua a estar, devidamente esclarecida, correctamente formada e, por isso, considera-se que o mesmo é válido e eficaz.
5º - Sobre esta matéria existe uma vasta jurisprudência neste sentido.
6º - Face ao exposto devem ser consideradas incluídas dos contratos de mútuo as cláusulas constantes no verso, sendo por via disso as mesmas perfeitamente válidas, e eficazes, como bem entenderam os Mmos Juízes a quo.»

Quanto à ré CC – FFAC, contra-alegou afirmando a correcção do acórdão da Relação, na parte posta em causa pela autora.
Salientando, por entre o mais, que «(i) No corpo do contrato é feita referência expressa às cláusulas existentes no seu verso; (ii)Tais cláusulas não se encontram em documento autónomo; (iii) O contraente manifestou o seu conhecimento sobre a existência e o conteúdo daquelas mesmas cláusulas (ao declarar conhecer e ter sido esclarecido sobre o conteúdo e alcance de todas s cláusulas do verso deste contrato); e (iv) Tendo além do mais dado o seu acordo àquelas mesmas cláusulas, É impensável considerar que os requisitos da existência e do conteúdo daquelas cláusulas não se encontra preenchido com tal declaração”», a ré sustentou não poderem ser «excluídas dos contratos as cláusulas constantes do seu verso, sendo as mesmas eficazes». E que, ainda que assim se não entendesse, tal exclusão não implicaria a nulidade dos contratos singulares.

5. Vem definitivamente provada a seguinte matéria de facto, conforme se transcreve da sentença (cujo julgamento não foi alterada pelo acórdão recorrido, não obstante ter sido impugnado em alguns pontos):

«1. A ré BB dedica-se ao ensino técnico de idiomas e à preparação para carreiras oficiais ou especiais, tanto por métodos de ensino à distância, como por métodos presenciais, bem como à elaboração e comercialização de material didáctico correspondente. (alínea A da especificação)
2. A ré CC e a ré DD dedicam-se à concessão de crédito para aquisição de produtos e/ou serviços. (alínea B da especificação)
3. No exercício da sua actividade, a ré BB desenvolveu diversos cursos de ensino à distância e em presença. (alínea C da especificação)
4. Tendo para tal celebrado “contratos de matrícula” com diversos consumidores. (alínea D da especificação)
5. A ré BB obrigou-se a prestar serviços de ensino técnico de idiomas. (resposta ao quesito 1º)
6. Para pagamento dos cursos, a ré BB disponibilizou soluções de crédito com a ré CC e a ré DD. (alínea E da especificação)
7. Diversos consumidores recorreram ao crédito para pagamento dos seus cursos, celebrando, simultaneamente com o “contrato de matrícula”, um “contrato de mútuo”. (alínea F da especificação)
8. O contacto com os consumidores com vista à negociação e à celebração dos “contratos de mútuo” era realizado pela ré BB, nas suas instalações. (alínea G da especificação)
9. Os formulários dos “contratos de mútuo” eram apresentados aos consumidores pela ré BB, sem que estivesse presente qualquer funcionário da ré CC e da ré DD. (alínea H da especificação)
10. Até ao final de Abril de 2002, a ré BB disponibilizava soluções de crédito exclusivamente com a ré CC. (resposta ao quesito 5º)
11. Em alguns formulários dos “contratos de mútuo” relativos à ré CC consta, no canto superior esquerdo, o logotipo “BB”. (alínea L da especificação)
12. A ré BB e a ré CC celebraram um acordo escrito, cuja tradução foi junta aos autos a fls. 290-306, denominado “acordo de colaboração entre o grupo CEAC e ........”, relativo à oferta aos clientes da ré BB da possibilidade de concessão de um financiamento para aquisição de produtos, designadamente cursos. (alínea I da especificação)
13. A cláusula 1ª, ponto 4, deste acordo tem a seguinte redacção: “As Partes declaram que o presente acordo não constitui uma obrigação de exclusividade para nenhuma delas.”. (alínea J da especificação)
14. Nos termos do parágrafo segundo do anexo 3 do referido acordo escrito, “o valor das operações de financiamento ultimadas e concluídas (...) será pago” à ré BB, “sendo a data valor de tal pagamento o dia útil seguinte ao da recepção, pela” ré CC “dos originais dos documentos (...) devidamente preenchidos e assinados pelo cliente”. (facto provado por documento - fls. 304)
15. A ré CC liquidava directamente à ré BB a totalidade dos valores de capital financiados, logo após a celebração dos “contratos de mútuo”. (alínea T da especificação)
16. Os “contratos de mútuo” relativos à ré CC constituem formulários, com cláusulas previamente elaboradas pela ré CC e impressas no verso da página onde consta a assinatura dos consumidores. (alínea S da especificação)
17. Nos cabeçalhos dos “contrato de mútuo” relativos à ré CC consta a expressão “contrato de mútuo”. (alínea M da especificação)
18. Nos “contrato de mútuo” relativos à ré CC é identificada como mutuante a ré CC. (alínea N da especificação)
19. A cláusula 1ª, alínea b), dos “contratos de mútuo” relativos à ré CC tem a seguinte redacção: “A quantia mutuada destina-se à liquidação da contratação do serviço de formação, a prestar por EE”. (alínea O da especificação)
20. A cláusula 1ª, alínea c), dos “contratos de mútuo” relativos à ré CC tem a seguinte redacção: “EEl compromete-se a prestar o dito serviço de formação de acordo com as condições particulares pactuadas entre EE e a Parte Devedora, de forma que para qualquer comunicação relativa à prestação de serviço, a Parte Devedora deverá dirigir-se à EE.”. (alínea P da especificação)
21. A cláusula 1ª, alínea d), dos “contratos de mútuo” relativos à ré CC tem a seguinte redacção: “A Parte Devedora autoriza a Mutuante a entregar a quantia mutuada à EE, nos termos que a EE e a Parte Devedora acordaram expressamente no presente contrato.”. (alínea Q da especificação)
22. Parte da cláusula 2ª dos “contratos de mútuo” relativos à ré CC tem uma das seguintes redacções: “A Parte Devedora obriga-se a amortizar o presente empréstimo no número e valor de prestações, iguais e sucessivas de capital e juros, indicadas nas Condições Particulares, vencendo-se a 1ª prestação no dia 30 do mês seguinte ao da celebração do contrato e as restantes no dia 30 dos subsequentes meses.” e “A Parte Devedora obriga-se a amortizar o presente empréstimo no número e valor de prestações, iguais e sucessivas de capital e juros, indicadas nas Condições Particulares, vencendo-se a 1ª prestação no dia 15 do mês seguinte ao do início do contrato e as restantes no dia 15 dos subsequentes meses.”. (alínea R da especificação)
23. Nas “condições particulares” dos contratos celebrados com a ré CC não consta a data de vencimento das prestações. (resposta ao quesito 8º)
24. Dos contratos celebrados com a ré CC não consta o preço a contado. (resposta ao quesito 7º)
25. Relativamente à ré CC, juntamente com a assinatura do “contrato de matrícula”, os consumidores assinavam a proposta do “contrato de mútuo”, o qual era remetido pela ré BB à ré CC. (alínea U da especificação)
26. Não era fornecida aos consumidores uma cópia da proposta de “contrato de mútuo” relativo à ré CC após assinatura da mesma pelos consumidores. (resposta ao quesito 9º)
27. Posteriormente, a ré CC enviava aos consumidores uma cópia do “contrato de mútuo”, a acompanhar as cartas de aprovação do crédito. (alínea V da especificação)
28. Relativamente à ré CC, grande parte dos contratos de mútuo foram celebrados antes de Abril de 2001. (resposta ao quesito 23º)
29. Os “contratos de mútuo” relativos à ré DD constituem formulários, com cláusulas previamente elaboradas pela ré DD e impressas no verso da página onde consta a assinatura dos consumidores, sendo que, por cima da assinatura dos consumidores, consta o seguinte: “Declaro ter tomado conhecimento e aceite plenamente as Condições Gerais (constantes do verso)”. (facto provado por documento – fls. 72, 105-108 e 619-620)
30. No anteverso dos formulários de “contratos de mútuo” relativos à ré DD consta o seguinte: “O capital mutuado foi, nesta data, entregue ao Fornecedor…”; e “(…) autorizando desde já a entrega do capital mutuado ao fornecedor do bem financiado”. (facto provado por documento – fls. 72, 105-108 e 619-620)
31. Em alguns dos contratos celebrados com a ré DD não consta o preço a contado. (resposta ao quesito 12º)
32. Por vezes, a ré DD não entregava aos consumidores uma cópia do “contrato de mútuo”. (resposta ao quesito 10º)
33. Em Agosto de 2002, a ré BB encerrou as suas instalações em Portugal. (resposta ao quesito 2º)
34. Deixando de prestar serviços de ensino técnico de idiomas. (resposta ao quesito 3º)
35. Com o encerramento das instalações, cerca de 1200 alunos viram-se impossibilitados de concluir os seus cursos. (resposta ao quesito 4º)
36. Foram arrestados bens da ré BB. (resposta ao quesito 14º)
37. A ré BB foi declarada falida, conforme certidão junta aos autos a fls. 353-359. (alínea X da especificação)
38. Verificou-se o pagamento em prestações do curso à R. BB em situações pontuais (4/5 no total) e somente por empresas (resposta ao quesito 16º)
39. Relativamente à R. CC, grande parte dos contratos de mútuo foram celebrados antes de Abril de 2001 (resposta ao quesito 23º).»

Igualmente se transcreve da sentença factos definitivamente não provados:

«1. Os consumidores podiam proceder ao pagamento em prestações do curso à ré BB, através de uma autorização de débito em conta bancária. (resposta restritiva ao quesito 16º, tendo ficado provado que, em apenas 4 ou 5 casos e de empresas houve pagamento a prestações)
2. Relativamente à ré CC, o valor a pagar pelos cursos era igual, independentemente de recorrerem ou não ao crédito. (resposta negativa ao quesito 18º)
3. Os alunos sabiam que o valor a pagar pelos cursos era igual, independentemente de recorrerem ou não ao crédito. (resposta negativa ao quesito 19º)
4. Relativamente à ré CC, o montante do crédito era igual ao preço a contado. (resposta negativa ao quesito 20º)
5. Relativamente aos “contratos de mútuo” da ré CC, os consumidores não pagavam quaisquer juros ou encargos. (resposta negativa ao quesito 22º)
6. Desde Maio de 2002, a ré BB disponibilizava soluções de crédito exclusivamente com a ré DD. (resposta negativa ao quesito 6º)
7. Dos contratos celebrados com a ré DD não consta a data de vencimento das prestações. (resposta negativa ao quesito 13º)».

6. Cumpre conhecer dos recursos. No entanto, antes de se passar à análise das questões suscitadas por cada uma das recorrentes nas conclusões das respectivas alegações, há que dar como assente que, como as instâncias entenderam, estão em causa contratos de prestação de serviços (“ensino técnico de idiomas”), celebrados, conforme a autora sustenta mas a ré CC – ........ contesta, entre consumidores e a ré BB, e contratos de mútuo celebrados entre aqueles consumidores e as demais rés (CC – ........ e DD), resultantes de formulários com cláusulas previamente elaboradas pelas mutuantes (e portanto sujeitos ao regime definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro para as cláusulas contratuais gerais).
Igualmente entenderam as instâncias que a ligação funcional revelada entre os contratos de prestação de serviços e os mútuos conduz à qualificação destes últimos como contratos de crédito ao consumo e à consequente aplicação do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, apontado pela autora para legitimar os pedidos que formulou nesta acção.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Novembro de 2008 (www.dgsi.pt, proc nº 07B27224), o Decreto-Lei nº 359/91 (rectificado pela declaração de rectificação nº 119-B/91, publicada no Diário da República, I Série A, nº 218, supl., de 21 de Setembro de 1991 e alterado pelo Decreto-Lei nº 101/2000, de 2 de Junho e pelo Decreto-Lei nº 82/2006, de 3 de Maio), aprovado com o objectivo de transpor as Directivas nºs 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986 e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, veio regular os contratos de crédito ao consumo e, nomeadamente e apenas para o que agora interessa, disciplinar os casos em que o crédito, concedido sob a forma de contrato de mútuo, se destina a financiar a aquisição de serviços, esclarecendo as especiais implicações decorrentes da ligação funcional que, nesse caso, existe entre o mútuo e a aquisição.
Na verdade, tal ligação (que permite afirmar ocorrer uma situação de união de contratos, uma vez que a aquisição – a prestação de serviços, modalidade que agora nos interessa – é a causa do mútuo) tem, naturalmente, repercussões no plano da subsistência e da execução dos contratos coligados. Assim, nomeadamente, no seu artigo 12º, o citado Decreto-Lei nº 351/91 dispõe expressamente sobre as repercussões da validade e eficácia do mútuo na prestação de serviços (nºs 1 e 3) e, no sentido oposto, do incumprimento ou do cumprimento defeituoso desta compra e venda sobre aquele mútuo (nº 2).
O que fundamentalmente está em causa nos recursos interpostos pelas rés CC – ........ e DD é, como se viu, saber se podem considerar-se como contratos de crédito ao consumo os mútuos celebrados pelas segunda e terceiras rés e, em caso afirmativo, que implicações tem na respectiva validade e eficácia a sua ligação aos contratos de prestação de serviços.

7. A recorrente CC – ........ começa por sustentar não poderem ser qualificados os mútuos que celebrou como contratos de crédito ao consumo, para o efeito de lhes ser aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 359/91, pelas seguintes razões:
– por não estar demonstrada a qualidade de consumidores dos mutuários (artigo 2º, nº 1, b)), cabendo à autora o ónus da prova correspondente.
Segundo este preceito, consumidor é “a pessoa singular que, nos negócios abrangidos pelo presente diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.
Não está realmente em dúvida que são pessoas singulares aquelas que são representadas pela autora na presente acção; incumbiria assim à ré, ora recorrente, ter alegado e provado que os contratos de prestação de serviços tinham sido celebrados com objectivos profissionais. É o que resulta da aplicação do critério de repartição do ónus da prova, constante dos nºs 1 e 2 do artigo 342º do Código Civil.
Note-se que até ficou provado que casos houve em que o pagamento do curso foi realizado, à BB, por empresas, facto do qual se poderia ter oportunamente extraído consequências quanto ao ponto agora relevante.
Não é todavia exacto que o trânsito em julgado da decisão sobre a excepção de ilegitimidade da autora implique existir caso julgado quanto à qualidade de consumidores das pessoas por ela representadas, como sustenta a AA em contra-alegações; tendo em conta o critério adoptado pelo nº 3 do artigo 26º do Código de Processo Civil – que, no que agora interessa, não entra em conflito com o que sustenta a legitimidade da autora, definido no artigo 26º-A e no artigo 3º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto – , saber se, para além do que foi configurado pela autora, os contraentes tinham efectivamente as qualidades necessárias para serem qualificados como consumidores respeita já ao mérito da causa, e não ao pressuposto da legitimidade;

– por se verificar a exclusão prevista no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 359/91, segundo o qual “não é considerado contrato de crédito o contrato de prestação de serviço com carácter de continuidade, em que o consumidor tenha o direito de efectuar pagamentos parciais durante o período de prestação do serviço”. Esta exclusão não é, porém, aplicável ao caso, já que é a qualificação do mútuo e não da prestação de serviços que está em causa;

– porque o crédito era concedido aos clientes “sem quaisquer juros ou encargos”, assim valendo a exclusão agora constante da al. d) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 359/91.
Independentemente de outras considerações, basta observar que tal alegação não ficou provada (cfr. pontos 2 a 5 dos factos não provados, atrás transcritos).
A recorrente afirma ainda tratarem-se de mútuos gratuitos; no entanto, tal afirmação é expressamente contrariada pelos factos provados (cfr. em especial o ponto 22 da matéria de facto provada);

– por não se tratar de um contrato a favor de terceiro. Na verdade, aqui procede a observação da recorrente; mas daqui não decorre nenhum efeito quanto ao julgamento do presente recurso;

– por não ocorrer entre os contratos de prestação de serviços celebrados com a BB e os mútuos em que interveio como mutuante a ligação que implicaria que estes fossem havidos como contratos de crédito ao consumo.
A prova feita dos autos conduz, todavia, à conclusão a que chegaram as instâncias e à qualificação dos contratos de mútuo como contratos de crédito ao consumo, nos termos e para os efeitos do citado Decreto-Lei nº 359/91.
Com efeito, a matéria de facto provada é na verdade suficiente para se concluir que os mútuos foram celebrados para financiar os contratos de prestação de serviços (cfr., em especial, os pontos 6, 7, 10, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 25). Constituem, sem qualquer espécie de dúvida, contratos de crédito ao consumo, cujo objectivo foi o financiamento de uma aquisição de serviços (artigos 2º e 6º, nº 3, a), do Decreto-Lei nº 359/91).

8. A recorrente CC – ........ sustenta também que, mesmo que se tratasse de contratos de crédito ao consumo, não deveriam ter sido julgados nulos, pelas seguintes razões:

– por ter sido cumprida a obrigação de entrega de “um exemplar [do contrato] ao consumidor no momento da respectiva assinatura” (nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 359/91), uma vez que “o artigo 6º (…) refere-se ao contrato propriamente dito a não às meras propostas contratuais, às quais, naturalmente, não poderá aplicar-se esta regra”.
E, para ao caso de assim não ser entendido, afirma a inaplicabilidade deste preceito aos contratos entre ausentes, como são os que estão em causa.
Está provado que os consumidores assinavam a proposta de mútuo nas instalações da BB (pontos 8, 9, 25), que a mesma era remetida pela BB à CC – ........ (ponto 25) e que não era fornecida aos consumidores uma cópia dessa proposta após a sua assinatura (ponto 26), antes lhes sendo enviada posteriormente uma cópia do contrato de mútuo, a acompanhar as cartas de aprovação do crédito (ponto 27).
Ora o que o nº1 do artigo 6º exige é que seja entregue ao consumidor em exemplar do contrato de crédito, “no momento da respectiva assinatura”. Em consonância com esta obrigação de entrega imediata, o nº 1 do artigo 7º faz contar desse mesmo momento da assinatura os sete dias concedidos ao consumidor para reflectir sobre a sua “declaração negocial”, que só após estarem decorridos “se torna eficaz”, se por ele não for revogada, pela via ali prevista.
Na verdade, a lei poderia ter optado por solução diferente, quando determinou que o período de reflexão se contasse desde a data da assinatura do contrato; nomeadamente, poderia ter estabelecido que apenas decorresse a partir da recepção do exemplar. Seria defensável, como observa a recorrente.
Não foi essa, no entanto, a opção tomada. É incontestável que só há contrato com a aceitação pela contraparte, nos termos gerais – cfr. nomeadamente o artigo 232º do Código Civil. Mas o que resulta dos referidos preceitos, no caso de contratos assinados, primeiro pelos consumidores depois pelo mutuante, como foi o caso, é que deve ser entregue ao consumidor a proposta contratual que assinou no prazo de sete dias a contar dessa assinatura, porque é a contar dessa data que começa a contar o prazo de “arrependimento” que o nº 1 do artigo 8º lhe concede, tenha entretanto havido aceitação ou não.
Como todos sabemos, “a proposta de contrato”, que se torna eficaz, segundo o nº 1 do artigo 224º do Código Civil, logo que chegue ao poder do destinatário ou dele seja conhecida, “é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida”, como se estabelece no nº 1 do artigo 230º do Código Civil. Ora a conjugação do disposto no nº 1 do artigo 6 e do nº 1 do artigo 8º com este regime geral permite-nos entender o alcance da escolha do momento da assinatura pelo consumidor, quer se trate de uma proposta de contrato, quer de um contrato já concluído.
No mesmo sentido, podem ver-se, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 2 de Junho de 1999 (www.dgsi.pt, proc. nº 99B387) ou de 7 de Julho de 2009 (www.dgsi.pt, procs. nºs 6773/04.4TVLSB.S1 e 369/09.01YFLSB).
Não merece pois qualquer censura a conclusão a que as instâncias chegaram quanto à nulidade dos contratos de mútuo celebrados com a recorrente CC – ........ que estão em causa nesta acção, por não ter sido entregue aos consumidores um exemplar do contrato no momento em que eles o assinaram (nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91);

– por não proceder outro dos motivos de nulidade apontados pelas instâncias: a falta de indicação do “preço a contado”, exigida pela al. b) do nº 3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 359/91 e sancionada pelo nº 1 do artigo 7º.
Ora, para além de não ter ficado provado o que o CC – ........ sustenta para apoiar esta alegação, a verdade é que a nulidade dos contratos a que se chegou torna inútil o conhecimento deste fundamento.

9. A CC – ........ entende, ainda, que seria abusiva a invocação da nulidade, de acordo com o critério definido pelo artigo 334º do Código Civil. Em síntese, aponta o tempo decorrido entre a celebração dos contratos (antes de Abril de 2001, na sua maioria) e a sua citação para a acção (fim de Fevereiro de 2003) e a circunstância de ter sido invocada a nulidade por se ter verificado o incumprimento por parte da BB, fazendo recair sobre si as consequências deste incumprimento, apesar de ter pago “a totalidade dos valores de capital financiado”
Cumpre desde já esclarecer que não tem relevância a circunstância de ter sido o incumprimento por parte da BB que desencadeou a propositura das presentes acções, com a invocação de nulidade dos contratos de mútuo.
Com efeito, estando provado que o crédito foi concedido aos consumidores no âmbito de um acordo prédio entre a CC – ........ e BB (factos provados, nºs 6 e 12), e que, de facto, ocorria uma situação de exclusividade (ponto 10), os consumidores podiam opor à CC – ........ o incumprimento da BB. Este regime, que no fundo faz com que o financiador suporte o risco do incumprimento, permitiria, aliás, alcançar os efeitos da declaração de nulidade através da resolução dos contratos de mútuo, nos termos conjugados deste nº 2 do artigo 12º com o artigo 433º do Código Civil:
Também não é significativo, por si só, o tempo que decorreu entre a celebração dos contratos e a propositura da presente acção (ou da citação da recorrente); a nulidade pode ser invocada a todo o tempo (naturalmente com o limite, genérico, da prescrição), nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil. Se o legislador pretendesse a sanação do vício pelo decurso do tempo tê-lo-ia provavelmente sancionado com a anulabilidade, como fez para os casos previstos no nº nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91.
Assim sendo, haveria de ter sido alegada e provada matéria de facto que permitisse concluir que o não exercício anterior do direito de invocar a nulidade por falta de entrega oportuna de um exemplar da proposta de contrato tinha sido acompanhado de uma actuação dos consumidores apta a, objectiva e justificadamente, criar na recorrente a confiança de que a nulidade não seria suscitada, tornado claramente inaceitável que, ao arrepio dessa sua atitude, a viessem invocar, em violação da confiança que eles próprios (objectivamente, repete-se) criaram (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2006, 3 de Julho de 2008, 18 de Dezembro de 2008 ou de 31 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 06A3441, 08B2002, 08B3154 e 09A0537).
Com efeito, para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil).
Nada disso resulta dos factos provados.
Improcede, pois, a alegação de abuso de direito.

10. A recorrente questiona ainda a sua condenação na restituição aos consumidores das quantias por estes pagas no âmbito dos contratos de mútuo, desde Agosto de 2002.
Segundo alega, das regras relativas às consequências da nulidade resultaria, sob pena de enriquecimento sem causa dos mesmos, que, sendo condenada na referida restituição, também os consumidores deveriam ser condenados a restituir-lhe a totalidade do capital que foi mutuado.
Não tem todavia razão, como por exemplo se decidiu já em casos semelhantes nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de Dezembro de 2006 ou de 7 de Julho de 2009 (www.dgsi.pt, procs. nºs 06A2879 e 6773/04.4TVLSB.S1).
Pese embora ser exacto que mutuante é a recorrente e mutuários são os consumidores, a verdade é que, conforme o que havia sido acordado entre a BB e a CC – ........, o montante do financiamento deveria ser (ponto 14), como foi (ponto 15) directamente pago a BB (a quem incumbirá a sua devolução ao mutuante, como se observou nas instâncias).
Desta solução não resulta qualquer enriquecimento sem causa para os consumidores, decorrente da condenação da CC – ........ na devolução das prestações e juros que, desde Agosto de 2002, lhe foram pagas em cumprimento dos contratos de mútuo.
Com efeito, a data da condenação coincide com o encerramento das instalações da BB (ponto 33) e com o incumprimento das suas obrigações (ponto 34); e ambas coincidem com o momento a partir do qual a recorrente tem de restituir aos consumidores as quantias por estes pagas.
Ou seja: a recorrente apenas foi condenada a restituir aos consumidores – a quem não tinha entregue o capital mutuado – o que estes lhe pagaram a partir do momento em que deixaram de lhes ser prestados os serviços contratados com BB.

11. Quanto às demais questões suscitadas nas alegações da recorrente CC — ........, respeitantes à eventual repercussão da resolução dos contratos de prestação de serviços nos mútuos em que interveio, não serão apreciadas por inutilidade.

12. Quanto à recorrente DD, cabe recordar que a Relação, verificando que os mútuos em que interviera tinham sido preparados e concluídos no âmbito de uma colaboração com a ré BB, julgou que, “destinando-se o empréstimo exclusivamente a financiar o contrato de prestação de serviços – ministração por parte da ré BB dos cursos de inglês – tendo este sido resolvido, o consumidor deixou de necessitar de financiamento (nada há a financiar, em resultado da invalidade do contrato de prestação de serviços e da impossibilidade/inexistência dos cursos de inglês). Assim sendo, há lugar à resolução dos contratos de mútuo celebrados com a apelante DD, ex vi art.12/2 do DL 391/91 de 21/9”.
A recorrente sustenta, no entanto, que não estão preenchidos os requisitos “exclusividade e acordo prévio” cumulativamente exigidos pelo nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91 para que o incumprimento da ré BB possa ser invocado contra si, conduzindo à resolução dos contratos de mútuo.
Resulta da prova dos autos que estes contratos, tal como aqueles em que interveio a recorrente CC – ........, foram celebrados para financiar os contratos de prestação de serviços (cfr., em especial, os pontos 6, 7, 30). Constituem, sem qualquer espécie de dúvida, contratos de crédito ao consumo, cujo objectivo foi o financiamento de uma aquisição de serviços (artigos 2º e 6º, nº 3, a), do Decreto-Lei nº 359/91), estando pois sujeitos ao regime do Decreto-Lei nº 359/91.
Ora, segundo o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 12º deste diploma, para que o consumidor (adquirente do serviço) possa opor o incumprimento ao financiador (por via de acção ou de excepção) é necessário que exista “entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor [prestador do serviço] para a aquisição de bens [serviços] fornecidos [prestados] por este último” e que o crédito tenha sido obtido pelo comprador no âmbito desse “acordo prévio”.
Como se observou no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Abril de 2007 (www.dgsi.pt como proc. nº 07A685), “a relação de trilateralidade consagrada neste preceito quanto aos efeitos do incumprimento contratual do vendedor confere ao consumidor a faculdade de accionar o financiador, ou de, quando demandado, alegar a excepcão de incumprimento, fazendo-o repercutir no contrato de financiamento; mas para isso a lei exige a verificação em concreto de duas condições, que são a existência de um acordo prévio entre o credor e o vendedor – acordo dito de exclusividade – em virtude do qual este se obriga a direccionar os seus clientes para aquele com vista à concessão do crédito necessário à aquisição dos bens que ele, vendedor, fornece (1ª) e a obtenção do crédito no âmbito desse acordo prévio de exclusividade (2ª). Se não se verificarem estes dois requisitos, o credor não responde pelo incumprimento do vendedor: entendeu o legislador que só em situações com estes contornos a conexão entre os dois contratos é suficientemente apertada para que se possa justificar, mediante a extensão da responsabilidade do vendedor ao financiador, terceiro em relação ao contrato de compra e venda e em nome da efectiva protecção do consumidor, uma tão clara derrogação do princípio da relatividade dos contratos (no sentido exposto, cfr. o acordão deste STJ de 5.12.06 (Pº 06A2879)”.
Ora, considere-se ou não questionável a exclusividade aqui exigida (que encontrará explicação na responsabilização do credor, pelo melhor controlo que poderá ter sobre a actividade do vendedor, como se disse no acórdão de 13 de Novembro de 2008, já citado), a verdade é que, no presente caso, não está provada qualquer exclusividade na concessão de crédito para os contratos de prestação de serviços (cfr. em especial o ponto 6 da lista de factos não provados, atrás transcrita).
Tanto basta para que não possa retirar-se do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91 a consequência da resolução dos contratos de mútuo celebrados com a recorrente DD. Note-se, a propósito, que a autora alegou a existência de exclusividade, ao pedir a declaração de resolução dos contratos de mútuo, pretendendo assim fundamentar a automaticidade da repercussão ali prevista.
E, tendo em conta os factos alegados e provados, também se não pode fazer derivar essa consequência da união existente entre os mútuos e os correspondentes contratos de prestação de serviços, à luz do regime geral dos contratos, nomeadamente da possibilidade da sua resolução por alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, prevista no artigo 437º e segs. do Código Civil (cfr., por exemplo, quanto à aplicabilidade aos casos de união de contratos das regras relativas à excepção de não cumprimento, o acórdão de 5 de Dezembro de 2006 deste Supremo Tribunal, em Sub Iudice, 36, Julho-Setembro 2006, pág. 161 e segs).
Procede, pois, o recurso interposto por DD.

13. Igualmente procede o recurso subordinado, interposto pela autora com o objectivo de ver revogado o acórdão recorrido na parte em que, alterando o decidido em 1ª instância, não considerou excluídas dos contratos de mútuo, celebrados entre os consumidores e as segunda e terceira rés, as cláusulas constantes do verso dos contratos, após a assinatura dos contraentes.
Segundo o disposto na al. d) do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, “consideram-se excluídas dos contratos singulares: d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes”.
Significa este preceito que se têm como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram após qualquer uma dessas assinaturas (neste sentido, acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2007 e de 15 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, procs.nºs 06B1650 e 08B357); quanto aos contratos (singulares), serão ou não afectados na sua validade consoante o efeito decorrente da amputação, nos termos constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 9º do mesmo diploma.
Em aplicação deste critério, a primeira instância declarou oficiosamente a exclusão das “cláusulas constantes do verso dos formulários” dos “contratos de mútuo relativos a ambas a ré CC e a ré DD”.
A Relação, todavia, deu relevância a uma cláusula incluída nos contratos da qual resultava que o mutuário declarava ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às cláusulas constantes do verso.
Entende-se, no entanto, que tal cláusula não tem a virtualidade de afastar a sanção da exclusão das cláusulas posteriores à assinatura (neste sentido, o citado acórdão de 15 de Maio de 2008 e jurisprudência nele citado). A clara intenção de protecção do aderente, que aliás explica o acentuado formalismo adoptado pelo legislador, conduz a fazer prevalecer a presunção de que há fundadas razões para crer que possa não ter ponderado devidamente o significado das cláusulas posteriores ao acto que exprime a assunção, pelo declarante, da declaração que emitiu: a sua assinatura.
Como se escreveu no mesmo acórdão de 13 de Janeiro de 2005, www.dgsi.pt, proc. nº 04B3874, a dar-se relevância a tal cláusula manter-se-ia o risco que o legislador pretende evitar e, portanto, ficaria praticamente sem campo de aplicação o normativo sancionatório em apreço. É prática tradicional e segura a de que se deve assinar só o que se lê e é esta prática que o legislador claramente acolhe, na previsão de que – como acertadamente se argumenta nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 21/1/2003 e de 13/5/2003, CJ, ano XXVIII, respectivamente, tomos I e III, páginas 70 e 75 e que estamos a seguir muito de perto – os contraentes apenas atentarão e tomarão consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas.”
A mesma lógica de protecção dos aderentes conduz ao conhecimento oficioso do vício em causa.

14. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso interposto por CC ........ – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA, neste ponto confirmando o acórdão recorrido;
b) Conceder provimento ao recurso interposto por DD – Sociedade Financeira de Aquisições a Crédito, SA, neste ponto revogando o acórdão recorrido e absolvendo a recorrente do pedido;
c) Conceder provimento ao recurso subordinado interposto por AA – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, neste ponto revogando o acórdão recorrido.

Custas pelos vencidos em cada um dos recursos, sendo certo que a autora beneficia de isenção.



Lisboa, 07 de Janeiro de 2010


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego