Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1348/10.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
COMITENTE
COMISSÁRIO
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
DANO CAUSADO POR COISAS OU ATIVIDADES
ACTIVIDADES PERIGOSAS
ATIVIDADES PERIGOSAS
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
MORTE
DANOS FUTUROS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 274, 288, 662.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I volume, 53.
- Pessoa Jorge, Ensaio, 48.
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. II, 162.
- Vaz Serra, na R.L.J., 112.º, 203.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 493.º, N.º1, 500.º, 874.º,1207.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25.11.1975, NO B.M.J., 251.º, 167.
-DE 20.07.1982, NO B.M.J., 319.º, 273.
Sumário :
I - Analisando a vontade manifestada pelo réu DD (empreiteiro) e pela ré “EE - Actividades Turísticas, Lda.” no acordo que estes demandados celebraram, havemos de reconhecer, como na ação se expressa, que o contrato que firmaram se confina, essencial e exclusivamente, a um contrato de empreitada, o qual mantém a sua plena autonomia, desta feita se aplicando ao litígio a disciplina que este tipo de contrato comporta.

II - Estando demonstrado que, quando se operava o procedimento da instalação do anúncio luminoso de publicidade no “Hotel JJ Lisboa”, se estava a cumprir o contrato de empreitada que havia sido antes celebrado entre o réu DD e a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda.” e, por isso mesmo, o réu DD não agia por conta e no interesse do dono do edifício do Hotel, também não podemos assegurar que aquela “EE - Actividades Turísticas, Lda.” tinha a qualidade de “comitente” e o réu DD era seu “comissário” no circunstancialismo em que eclodiu o acidente.2

III - Não é no contexto normativo prescrito no artigo 493.º, n.º 1, do CC, que se integra a factualidade que faz atribuir aos autores o ressarcimento dos estragos sofridos e rogados; não é pela circunstância de a “EE - Actividades Turísticas, Lda.” (dona da obra) ter contratado com aquele DD (empreiteiro) a instalação do falado anúncio luminoso exterior que, só por isso, se lhe pode atribuir a culpa no desastre que vitimou o acidentado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA e BB instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC, DD, “EE - Actividades Turísticas, Lda”, FF, GG, S.A. e “HH - Seguros Gerais, S.A.”, alegando, em síntese, o seguinte:

 - Os autores são, respectivamente, a viúva e filho de II e seus únicos e universais herdeiros;

 - O 1.º réu trabalhava, à data dos factos, como montador de estruturas e reclamos luminosos, por conta, no interesse e sob as ordens, fiscalização e responsabilidade do 2.º réu;

 - Este dedica-se, entre outras actividades, ao fabrico, comercialização e instalação de estruturas e reclamos luminosos;

 - A 3.ª ré é uma sociedade que tem por objecto social a exploração hoteleira e similares de hotelaria, sendo dona do estabelecimento hoteleiro denominado “Hotel JJ Lisboa”, sito na Avenida …, n.º …, em Lisboa, bem como do edifício onde se encontra instalado tal estabelecimento, sito na referida Avenida, nºs 1, 3, 5, 7, 9 e 11 e na Rua …, nºs 12, 12ª e 14;

 - O 4.º réu era, à data dos factos, o Director do referido Hotel, incumbindo-lhe, entre outras funções, a direcção, o controlo e a fiscalização das obras de remodelação e beneficiação realizadas no edifício onde aquele se encontra instalado;

 - A 5ª ré é uma companhia de seguros para a qual o 2.º réu transferiu, através de contrato de seguro, a responsabilidade pela ocorrência de danos causados no exercício da sua actividade, designadamente por trabalhadores ao seu serviço;

  - A 6ª ré é a companhia de seguros para a qual a 3ª ré transferiu, através de contrato de seguro, a responsabilidade pela ocorrência de danos causados por actividades desenvolvidas nas instalações que explora, abrangendo designadamente os que decorram de obras nelas efectuadas;


O referido edifício foi objecto de obras de remodelação e beneficiação, que decorreram desde o ano de 2003 até, pelo menos, Julho de 2005, com vista à instalação do estabelecimento hoteleiro denominado Hotel JJ;

 - Tais obras foram feitas a pedido, por conta e no interesse da 3ª ré, sob a direcção, a orientação, o controlo e a fiscalização desta;

 - Parte das obras consistiu na demolição do interior do edifício e na construção de um novo edifício, com cinco caves e nove pisos elevados, mantendo a fachada antiga;

 - Paralelamente às obras, nos primeiros meses do ano de 2005, a 3ª ré contratou directamente o 2.º réu para fabricar e proceder à instalação de reclamos luminosos e informativos no interior do hotel e de um anúncio exterior luminoso de publicidade ao hotel, em forma de cubo, na cobertura do respectivo edifício;

- O 2.º réu fabricou o referido anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação;

 - Em Maio de 2005, o 2.º réu, através do 1.º réu, seu empregado, colocou, na cobertura do edifício, o anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação;

 - No dia 04/07/2005, de manhã, o 1.º réu encontrava-se na cobertura do edifício a preparar a instalação do anúncio luminoso exterior;

 - Os quatro primeiros réus sabiam que à volta do edifício e na sua cobertura não se encontravam instaladas quaisquer protecções, designadamente tapumes metálicos ou redes de segurança que evitassem a queda de objectos provenientes da cobertura para a via pública;

 - Os referidos réus sabiam igualmente que não existia qualquer espaço delimitado, que impedisse os peões de se aproximarem do edifício, ou sinalização da existência de obras;

  - Entre as 10h30 e as 11h00, quando manuseava um tubo de aço galvanizado - com 4 arestas, cerca de 2,70 metros de comprimento, 7x7 de diâmetro e, numa das extremidades, uma base quadrada, para permitir a fixação à laje da cobertura -, destinado a servir de suporte do reclamo luminoso - e difícil de manusear por uma só pessoa, por se tratar de um objecto pesado e instável -, o 1.º réu deixou-o cair para fora do perímetro da cobertura do edifício, em direcção ao solo, o que fez por falta de força muscular, imperícia, desatenção e total imprevidência;

 - Na sua trajectória em direcção ao solo, o tubo embateu no guarda-vidro do piso 8 do edifício, galgou a varanda do piso 7 e caiu, sem que nada o detivesse, sobre II, que transitava a pé, no cruzamento da Avenida 5 de Outubro com a Rua Pinheiro Chagas, junto ao hotel;

 - Em consequência directa do embate do tubo na cabeça da vítima, esta caiu inanimada na via pública, sofrendo lesões traumáticas crânio encefálicas e torácicas que viriam a causar a sua morte, nove dias após o acidente;

 - II tinha 52 anos de idade e enquanto esteve hospitalizado padeceu de enorme sofrimento;

 - Era uma pessoa saudável, trabalhadora, alegre e feliz, nutrindo grande amor pela vida;

 - Tinha um grande afecto pela sua mulher e pelo seu filho;

 - Explorava um restaurante há 13 anos, sentindo-se realizado pessoal e profissionalmente;

 - A autora era casada com o falecido há 27 anos, por quem nutria grande amor e afeição, e trabalhava diariamente com ele no restaurante, onde desempenhava as funções de cozinheira;

 - Vivia inteiramente para o marido e dele dependia familiar, financeira, profissional e afectivamente;

 - Em consequência da sua morte, sofreu um fortíssimo choque emocional e um enormíssimo desgosto;

 - Chorou diariamente, durante anos, a morte do marido, entrando em profunda depressão, que a impediu, durante quase um ano, de viver na sua casa, sofrendo ataques de pânico, medo da solidão e insegurança, ao ponto de ter ido viver para casa da sua irmã, só regressando a sua casa acompanhada;

 - Sofreu de pesadelos que a impediram de dormir, perdeu toda a sua autonomia e gosto em viver;

 - Profissionalmente, sentiu-se completamente desamparada e desorientada, já que sempre trabalhara com o marido no restaurante, cuja exploração era por ele dirigida e se viu forçada a encerrar definitivamente o mesmo, que era o sustento da família, já que não tinha conhecimentos nem força anímica para assegurar a continuidade do negócio, ficando sem qualquer rendimento, o que lhe causou um grande desgosto e uma enorme angústia e desespero;

 - Toda a burocracia ligada ao restaurante ficou em total colapso, trazendo esta situação uma profunda angústia e ansiedade à autora;

 - Teve que recorrer à ajuda de familiares e amigos para executar as tarefas relacionadas com a gestão do negócio, o que lhe causou uma enorme angústia e profundo trauma;

 - O autor tinha 3 anos de idade e apercebeu-se da ausência do pai, perguntando pelo mesmo e ressentindo-se da falta do seu afecto e carinho, revelando inquietação e desassossego;

 - Hoje, com 7 anos de idade, pergunta frequentemente pelo pai, sentindo-se frustrado, perturbado e profundamente infeliz quando lhe referem que o pai morreu;

 - A morte do pai irá deixar dolorosas e profundas marcas psicológicas para toda a vida do autor;

 - O falecido auferia o salário líquido mensal de €337,23, obtendo ainda os proventos da actividade que desenvolvia na exploração do restaurante, no valor mensal de €1.000,00, que utilizava na sua economia doméstica, em benefício próprio e dos autores;

 - O falecido pagava o infantário do autor, despendendo mensalmente a quantia de €100,00, contribuindo ainda com a quantia de, pelo menos, €150,00 mensais, para ajuda das despesas com alimentação, vestuário, higiene e saúde do autor, e com a quantia de, pelo menos, €600,00 mensais, para as despesas comuns do casal com a habitação, consumos domésticos, alimentação, vestuário, higiene, saúde, férias e deslocações;

 - Pagava ainda à autora, pela actividade de cozinheira, por intermédio da sociedade de que era sócio conjuntamente com aquela e através da qual explorava o restaurante, a quantia mensal de €373,64;

 - A autora suportou com despesas do funeral a importância de €2.350,00.

Concluíram pedindo a condenação dos réus a:

a) Pagar à autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €208.409,68, correspondente à soma das seguintes quantias:

i) €12.500,00, correspondente a metade do valor dos danos morais sofridos pelo falecido marido da A.;

ii) €30.000,00, correspondente a metade da indemnização devida pelo dano morte;

iii) €25.000,00, correspondente ao valor dos danos não patrimoniais sofridos pela A.;

iv) €138.559,68, correspondente aos danos patrimoniais sofridos, designadamente a título de lucros cessantes ou ganhos frustrados decorrentes da perda do contributo para a economia doméstica, presente e futura, que o seu marido prestava dos seus rendimentos;

v) €2.350,00, a título de danos patrimoniais, correspondente às despesas suportadas com o funeral.


b) Pagar ao autor, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €111.500,00, correspondente à soma das seguintes quantias:

i) €12.500,00, correspondente a metade do valor dos danos morais sofridos pelo falecido pai do A.;

ii) €30.000,00, correspondente a metade da indemnização devida pelo dano morte;

iii) €15.000,00, correspondente ao valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo A.;

iv) €54.000,00, correspondente aos danos patrimoniais sofridos, designadamente a título da perda do contributo para a economia doméstica, presente e futura, que o seu  pai prestava dos seus rendimentos.


c) Pagar aos Autores juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da citação, no que diz respeito aos danos patrimoniais, e desde a sentença, no que concerne aos danos não patrimoniais.


Citados regularmente, os 1º, 3º, 4º, 5º e 6º réus apresentaram contestação.

O 1º réu impugnou parte dos factos alegados pelo autor.

Os 3º e 4º réus invocaram a excepção de prescrição do direito de indemnização invocado, pelo decurso de prazo superior a três anos, desde a data do acidente, e impugnaram parte da factualidade articulada na petição inicial.

A 5ª ré excepcionou a falta de fundamento legal para ser demandada directamente pelos autores e a exclusão da cobertura quer de danos causados em território português quer dos danos causados pela inobservância voluntária, pelo segurado, das medidas de segurança impostas por lei para o desempenho da sua actividade, tendo impugnado parte da factualidade articulada pelos autores.

A 6ª ré, além de excepcionar a prescrição do direito de indemnização dos autores, invocou ainda a exclusão da cobertura dos danos cujo ressarcimento é peticionado, tendo impugnado parte da factualidade articulada na petição inicial.


Na réplica os autores pugnaram pela improcedência das excepções invocadas pelos 3º a 6º réus.


No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção invocada pela 5ª ré e foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição invocada pelo 3º, 4º e 6º réus, e foi efectuada a selecção dos factos e assentes e foi elaborada a base instrutória.


Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido fixada a matéria de facto.


Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e decidindo da seguinte forma:

1) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem, a título de indemnização pelo dano morte, a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros), a distribuir em partes iguais pelos autores AA e BB, acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da presente decisão, até integral pagamento.

2) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem à autora AA, a título de indemnização pela despesa de funeral, a quantia de €2.288,50 (dois mil duzentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 19/06/2010, até integral pagamento.

3) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem à autora AA, a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros resultantes da perda de alimentos, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 19/06/2010, até integral pagamento.

4) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem ao autor BB, a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros resultantes da perda de alimentos, a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 19/06/2010, até integral pagamento.

5) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem, a título de indemnização por danos não patrimoniais da própria vítima, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a distribuir em partes iguais pelos autores AA e BB, acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da presente decisão, até integral pagamento.

6) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem à autora AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da presente decisão, até integral pagamento.

7) Condeno solidariamente os réus CC e DD a pagarem ao autor BB, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da presente decisão, até integral pagamento.

8) Absolvo os réus CC e DD do demais peticionado na acção pelos autores.

9) Absolvo os réus FF, GG, S.A., EE – Actividades Turísticas, L.da e HH - Seguros Gerais, S.A.. dos pedidos contra si formulados na acção pelos autores.

10) Condeno os autores e os réus CC e DD nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do artigo 446.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido aos autores.”


Não se conformando com esta sentença, dela interpuseram recurso os autores para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Abril de 2015 (cfr. fls. 1623 a 1653), julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.


Irresignados, os autores recorrem agora para este Supremo Tribunal, interpondo revista excepcional, que foi admitida por acórdão de 22.09.2016, transcrito desde fls. 1942 a 1952 e com o fundamento em que “…a questão em debate nestes autos - deve ser a 3.ª ré (“EE -Actividades Turísticas, L.da”) igualmente responsável pelas consequências do acto culposo do empreiteiro - apresenta-se revestida de ineditismo e com interesse que extravasa os limites do caso concreto”.


Seguindo, por comodidade, a sistematização delineada pelos recorrentes, são estas as conclusões apresentadas quanto à temática que a revista comporta, isto é, quanto aos motivos que os recorrentes deduzem contra a resolução tomada no acórdão da Relação, que confirmou a sentença proferida na 1° instância:

32 - Já quanto à absolvição da 3.º Ré, EE - Atividades Turísticas Lda., tal decisão decorre dos seguintes pressupostos:

- da qualificação da relação existente entre a 3.ª R e o 2.° R, como um contrato de empreitada, e que por virtude de tal relação jurídica, não cabia á 3ª R dar quaisquer instruções e ordens para a execução dos trabalhos ao 2.° Réu, pelo que daí não decorre que entre os dois exista uma relação do tipo comitente - comissário que, como tal, seja suscetível de enquadrar no âmbito do art° 500° do C. Civil;

- por inexistência de qualquer vínculo genérico de subordinação entre estes, também não era exigível á 3.ª R, ou a quaisquer agentes ou mandatários desta, verificar a execução dos trabalhos do 2.° R (que o julgador a quo, designa de "obra"), nem se dos mesmo resultava qualquer perigo de lesão para os peões que circundavam o seu Hotel;

- tal como não existia qualquer dever especial de vigilância daquela sobre este, de base legal ou contratual, mesmo que a actividade em causa fosse uma "atividade perigosa", e assim considerando não havia qualquer facto ilícito, por acção ou omissão desta, e não há corno responsabilizar a 3ª R pelo evento danoso.

33 - Discordamos que a relação de facto existente entre a 3.ª R e o 2.° R corresponda, no plano jurídico, á realização de uma "obra", tipo contrato de empreitada, e não antes e essencialmente, a um contrato de compra e venda, seguido de instalação do equipamento vendido (no fundo, fornecimento, com instalação),

34 - como, e ainda, entendemos que não obstante tal enquadramento, existindo manifesta culpa da 3.ª R (alegada "comitente") nos factos, responde esta, directa e imediatamente, pelas suas consequências, independentemente de culpa (provada ou presumida) dos 1.º R (alegada "comitente"), e da responsabilidade objectiva 2° R (alegado "comissário").

35 - Temos assim, para nós que o negócio jurídico celebrado entre a 3ª e o 2º R se tratava de um contrato de fornecimento e de instalação (de coisas móveis), típico exemplo económico­social de contrato misto, e no qual concorrem duas prestações típicas e características:

- uma, a produção e entrega da coisa (anuncias e respectivas peças), tal como sucede no contrato de compra e venda;

- e outra, a instalação da coisa na cobertura do Hotel, admitimos que prestação de um serviço, enquadrável no contrato de empreitada (levada a cabo, à data, com bens que, se bem que produzido pelo 2° R, que já eram propriedade da 3ª R).

36 - É de admitir aqui, e por isso mesmo, e como forma de enquadrar e regular juridicamente este contrato misto, a aplicação da teoria da combinação, e não a teoria da absorção, como fez, ou acabou por fazer, o Tribunal da Relação.

37 - Contraposição que se faz, por via do facto da segunda se basear na eleição de uma parte preponderante, que lhe imprime carácter e enquadrá-lo no tipo que assim fundamentalmente pertence, e da primeira procurar um combinação justificada dos preceitos pertinentes aos dois tipos em que o contrato se inspira (por outras palavras, regular cada um dos aspectos jurídicos do contrato em função da figura típica a que correspondem)[1].

38 - Parece-nos ser esta teoria da combinação, face aos dados do caso, a solução que consagra a uma melhor e mais correcta aplicação do direito.

39 - Este fornecimento do 2° R à 3ª R, compreendeu (como fixado nos autos), pelo menos, 3 momentos e fases materialmente distintas. A da encomenda por parte da 3ª R (efectuada nos primeiros meses de 2005), o da entrega por parte do 2° R a esta R do anúncio exterior e peças necessárias á sua instalação (verificado em Maio de 2005), e os do pedido da 3.ª R ao 2.ª R para proceder á instalação do reclamo luminoso em causa e para que enviasse alguém a Portugal para o efeito, neste caso o 1° R, e início de tal instalação na cobertura do Hotel (ocorridos em Julho de 2005)[2].

40 - E tanto assim é, que a contraprestação a título de preço satisfeito pela 3.ª R ao 2.º R, se desdobra em dois pagamentos; um pela produção e fornecimento dos material (anúncio e peças), e outra pela instalação deste conjunto, sendo o primeiro facturado em 7.10.200[3], e o segundo em 31-01-2006[4] (vide fls. 93 e 94 dos autos); Ou seja para além da sua mesma natureza pecuniária, também não temos uma única e só contraprestação do lado do adquirente (3ª Ré).

41 - Tudo isto é elucidativo, devia ter sido valorado tendo em vista uma boa aplicação do direito, e não nos parece que tenha sido!...

42 - Quadro este que justifica e permite que á primeira prestação daquele contrato atípico, se aplique o regime do contrato de compra e venda, designadamente o da aquisição da propriedade das coisas quod efectum (art.º 879.° e 408.°, n° 1 do Cód. Civil).

43 - Ou seja, á data de 4 de Julho de 2005, data da verificação do acidente causador dos danos, já era a 3.ª R a proprietária e possuidora dos equipamentos em causa. Neste caso, de todas as peças a serem instaladas e que estavam a ser manuseadas pelo empreiteiro na data do infeliz acidente.

44 - Ora, como bem sabemos, "cuius commoda, eius incommoda". Em termos prático­jurídicos, que tem os proveitos e beneficia das utilidades da coisa, deve arcar com os inerentes inconvenientes e responsabilidades.

45 - E isto é tanto ou mais verdade no caso do proprietário, uma vez que este goza de plenos poderes sobre a coisa (neste caso imóvel), para o seu integral gozo e fruição (art.º 1305.º do Código Civil) mas, também, está sujeito aos correspectivos deveres ou ónus.

46 - Designadamente, os de vigiar as coisas móveis que lhe pertencem, velando para que as mesmas tenham as condições necessárias e convenientes para não provocar danos a terceiros (vide art.º 493.°, n.° 1 do Código Civil)[5].

47 - No fundo, em termos legais, a responsabilidade da 3.ª R, enquanto proprietária daqueles bens móveis, e a partir de - o mais tardar - Maio de 2005, por eventual violação do dever de vigilância que sobre esta impendia, ao abrigo do previsto no art.º 493.°, n.° 1, do Cód Civil.

48 - Designadamente, evitar que aqueles anúncios e peças, face ás condições em que, tal como provado nos autos, foram descarregadas e deixadas na cobertura do Hotel, gerassem uma situação de dano para terceiros: sem amarrações que os prendessem á estrutura física do imóvel, sem qualquer espaço delimitado que impedisse os peões de se aproximarem do edifício, ou sequer sinalização da existência de obras, e sem protecções como tapumes metálicos ou redes de segurança por forma a evitar queda de objectos preveni entes da cobertura do edifício para via publica.

49 - É que, existindo tal dever da 3.ª R no âmbito do concreto quadro de factos e circunstâncias dados como provado nos autos, temos assim que também a 3.ª R cometeu um ilícito obrigacional, e deveria ter sido responsabilizada pelo ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes peticionados, decorrentes da morte do marido e pai das AA. E não absolvida como foi.

50 - E daí, e também, condenada a respectiva companhia de seguros e 6.ª ré, para qual foi transferida tal responsabilidade civil da 3.ª R, por via de contrato de apólice de seguro (facto 9)

51 - E isto porque, não só é pacifico que o que provocou o acidente fatal que vitimou o marido e pai dos AA, foi o tubo metálico que caiu do alto daqueles 9 andares do edifico da 3.ª R, e que a respectiva cobertura não tinha qualquer protecção e era de fácil acesso, como e ainda, porque não existia à data (4.7.2005) qualquer rede, tapume ou outra estrutura de contenção á volta do edifico em causa, nem qualquer espaço delimitado que impedisse os peões (como foi o caso do vitimado) de se aproximarem do mesmo, ou sequer sinalização da existência de obras (vide factos 31, 33 a 36, 38 e 39).

52 - Tal como permitiu, também, que as várias componentes do referido cubo permanecessem na cobertura do edifico sem qualquer amarração de segurança á estrutura física do mesmo (facto 37), fosse ela efectuada pelo 1.º e 2.º RR, fosse pela própria 3.ª R, ou por ordem da mesma!...; Mais ainda;

53 - Semelhante estrutura metálica que delimitava obra em todo o seu perímetro, e a passagem pedonal para os peões, que tinham existido no pretérito, já haviam sido retiradas pela construtora antes de 4.7.05, e a 3.ª R e proprietária bem sabia de tal facto, bem como da inexistência de qualquer outras protecções (factos 19 a 21, e 38).

54 - No afã de corresponder à inspecção ao hotel por parte da Direcção de Turismo de Lisboa, prevista para aquele dia 4/7/05, e olhando cegamente aos seus interesse pediu ao 2.º R para proceder à instalação dos reclamos luminosos às pressas!... (facto 27)

55 - Sendo ainda certo, por outro lado, que foi por falta de tais protecções que não se evitou a queda do objecto, causa do acidente fatal (facto 34), e a 3.ª R, e não só o 2.° e 3.º RR, bem sabiam que à data dos factos inexistiam as proteções referidas (facto 38).

56 - Em termos práticos e objectivos, a 3.ª R, enquanto proprietária das coisas (cubo e demais peças), nada, mas absolutamente nada fez, para tentar evitar o sucedido. Vamos mesmo mais longe;

57 - Admitindo, por mero dever de patrocínio, que todos os 1.º a 4.° RR contassem com a permanência da estrutura de contenção e segurança implantada quando da obra de construção civil pela construtora “MM L.da”, até Julho de 2005 inclusive, o certo é que, tendo aquela sido retirada por esta antes de tal data, competia á proprietária estabelecer as condições em que permitia, ou não, que se desenrolasse a instalação dos reclamos luminosos na cobertura do seu edifício.

58 - À cautela e sem se conceder, ainda que fosse aquela relação contratual enquadrada como uma empreitada, e como tal analisada para efeito de eventual responsabilidade civil extracontratual ao abrigo do art° 500.º do C. Civil, ainda assim, sempre faleceria de mérito a decisão adoptada. Mais ainda;

59 - Para além do antes exposto, havendo algum tipo de culpa do comitente ora 3.ª Ré (in eligendo, in instruendo ou in vigilando), é indiferente a existência, ou não, de culpa do comissário (2.° R), para efeito de responsabilização cível daquele.

60 - É que mesmo admitindo, e estamos dispostos a aceitar, que o direito-dever de fiscalização do comissário, pelo comitente e proprietário previsto no art.º 500.° do C. Civil, não tem a mesma dimensão e cobertura de análogo dever numa relação em que existe subordinação jurídica (do tipo laboral, por exemplo), ainda assim, neste caso em concreto, também há culpa da 3.ª Ré . E isto porque;

61 - E tem-na, seja na eleição da pessoa (2.º R) que escolheu para lhe fornecer e instalar os reclamos luminosos na cobertura do seu edifício; seja, in instruendo e in vigilando, dando-lhe:

- as indicações para que este promovesse as condições de segurança necessárias para a instalação em causa, ou evitando, ou tentando evitar, que esta ocorresse sem tais condições mínimas;

 - ou exigindo do mesmo uma apólice de seguro de responsabilidade civil que cobrisse material e geograficamente os riscos do evento, porquanto como dona da obra entendia aquela 3.ª R, como simples dona de obra, que não tinha que responder por quaisquer danos dai decorrentes.

62 - Nada, mas absolutamente nada fez!...; Nem cuidou sequer, ou quis saber, se o 2.° R tinha seguro que cobrisse a sua actividade em Portugal para realização da empreitada á sua ordem. Uma vergonha!...

63 - Pouco relevará aqui que o tubo tenha caído por falta de força muscular do 1.º R, empregado do 2.° R, para o segurar, quando foi provado que foi a 3.ª R que pediu para avançar com tal instalação, mesmo sabendo que, á data, já tinham sido retiradas as vedação e contenção de segurança á volta e no perímetro do edifício (i), e que não estavam reunidas as condições de segurança para evitar o sucedido (ii).

64 - Sendo a 3.ª R uma sociedade portuguesa, e tendo recorrido e contratado terceiro fornecedor estrangeiro para lhe vender e instalar o equipamento, era expectável que o tivesse feito atendendo a critérios de capacidade, e de alguma garantia, para executar o fornecimento em condições.

65 - Ao eleger aquele 2.° R como fornecedor para o efeito, deve, ou devia tê-lo feito de forma criteriosa, apostando nas capacidades do mesmo. Nada foi alegado, ou provado, nesta matéria.

66 - Apenas se constata a total indiferença do fornecedor - à semelhança da 3.ª R - pelas condições de segurança (ou falta dela) em que decorreu a instalação do equipamento no imóvel em causa, tudo aponta em termos de factos provados, para uma escolha muito negligenciável em sede de fornecedor para efectuar semelhante tipo de instalação.

67 - Para além disso, é legitimo concluir que quem, naquele mês de Julho de 2005 - sabendo e conhecendo que já não havia quaisquer condições de segurança -, ainda assim, deu instrução para avançar com a instalação dos reclamos luminosos, foi a 3.ª R.

68 - Em edifico e hotel do qual era proprietária, e dos quais podia dispor plenamente em termo de timings para o efeito.

69 - Já não diremos que tratasse ela própria de prover as condições de segurança adequadas para a realização da instalação do reclamo luminoso no alto do seu edifício. Mas, no mínimo, de advertir o 2.° R para o efeito, ou diligenciar para que este (ou o 1.° R, seu empregado) as adoptasse.

70 - Ou, em derradeiro caso e hipótese, à falta de quaisquer outras à data, pelo menos condicionasse o procedimento de instalação á existência de tais condições de segurança.

71 - E isto, mesmo que depois não fosse verificar ou controlar se, de facto, as mesmas estavam reunidas (por eventualmente se entender que o dever de fiscalizar aí não chegasse, face á delegação de tarefas inerentes á encomenda da instalação)!...

72 - Nada, absolutamente nada, a 3.ª Ré fez, ou promoveu que se fizesse!...

73 - E não só de facto o não fez, como no plano processual, nada se provou nos autos que demonstrasse que os danos teriam ocorrido, mesmo havendo culpa da sua parte (art.º 493.°, n.° 1 in fine do C Civil).

74 - E não se provou, nem se podia provar, porque se a 3ª R tivesse actuado em conformidade com o supra exposto, e de acordo com os seus deveres, das duas, uma:

- ou a instalação dos equipamento, pura e simplesmente, não teria avançado naquela data e naquelas condições;

- ou, provavelmente, estariam reunidas em tal data, as condições de segurança para o efeito, por iniciativa, exigência ou indicação daquela.

75 - Assim não se verificando, é nosso entendimento que absolvição da 3.ª R, et pour cause, da 6.ª R, HH, sua seguradora, não procede face ao concreto quadro de factos e circunstâncias que foram dados como provados.

76 - Em resumo:

- a 3.ª R como proprietária das coisas móveis (anúncio e peças) tinha um dever de as vigiar, dever este que, no concreto contexto de factos e circunstâncias em causa, não foi minimamente cumprido (art.º 493.°, n.° 1 do Código Civil);

- sob a perspetiva de uma mera comitente (no âmbito de uma relação de comitente comissário, por via de uma alegada "empreitada"), não deixa de ter obrigações in eligendo, in instruendo e in vigilando, que não acatou minimamente, e que não são derrogáveis pelo simples facto daquele tipo de instalação estar por si cometida a terceiro.

77 - Termos nos quais se considera que também a 3.ª e 6.ª Ré devem ser co-responsabilizadas e condenadas, em regime de obrigação solidária, nos pedidos em que foram condenados os 1.º e 2.º RR, ao abrigo do previsto nos art.º 483.°, 486.°, 493.°, n.º 1 e 497.°, todos do Código Civil.

78 - Assim não o fazendo violou o Acórdão em recurso o Direito na interpretação e aplicação das regras contidas nas normas citadas ao longo das presentes.

Terminam pedindo que seja anulado e revogado o acórdão em recurso e seja substituído por diversa e superior decisão que condene também a 3.ª e 6.ª RR nos pedidos de indemnização dos AA em que foram objecto de condenação os 1.º e 2.º RR.


Contra-alegou a recorridas “HH - Seguros Gerais, S.A.” pedindo a manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


Encontram-se provados os seguintes factos:

1) II faleceu no dia 13 de Julho de 2005, com 52 anos de idade, no estado de casado com AA [al. A) da matéria assente].

2) A Autora, AA, nasceu em 19 de Abril de 1960 e casou com II no dia 16 de Junho de 1978 [al. B) da matéria assente].

3) O Autor, BB, nasceu no dia 9 de Abril de 2002, e é filho de II e de KK [al. C) da matéria assente].

4) À data da morte de II, este era sócio, juntamente com a sua mulher, da sociedade “LL, Lda.”, a qual tinha por objecto a exploração da indústria hoteleira [al. D) da matéria assente].

5) A 3ª Ré “EE – Actividades Turísticas, Lda.” é uma sociedade anónima que tem por objecto social a exploração hoteleira e similares de hotelaria, sendo dona do estabelecimento hoteleiro denominado “Hotel JJ Lisboa”, sito na Avenida …, n.º 11, em Lisboa [al. E) da matéria assente].

6) A 3ª Ré é dona e legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 145.../....29, da freguesia de …, que corresponde ao mencionado edifício, sito na Avenida … nºs 1, 3, 5, 7, 9 e 11 e na Rua …, nºs 12, 12A e 14, onde se encontra instalado o referido hotel [al. F) da matéria assente].

7) O 2.º Réu transferiu para a 5ª Ré, “GG S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 200...-2, a responsabilidade pela ocorrência de danos causados no exercício da sua actividade, designadamente por trabalhadores ao seu serviço [al. G) da matéria assente].

8) Consta da cláusula 1.3 das “Condições Gerais” do seguro, sob a menção “Delimitación Geográfica de la Cobertura”, que “La garantia de este seguro se extiende y limita a las responsabilidades derivadas de dãnos sobrevenidos em territorio espanõl y reclamadas e reconocidas por Tribunales espanõles; lê-se na cláusula 2.4 das “Condiciones Especiales – Cobertura Complementaria de Responsabilidade Civil de Productos” que é causa de exclusão “De la responsabilidad civil por danos causados o no impedidos por incumplimiento voluntario e injustificado de los deveres de prevención indicados en el punto 3 de esta Cobertura Complementaria”; reza a cláusula 3.1 destas “Condiciones Especiales” “Que sean cumplidas las medidas de seguridade exigidas por las normas legales y reglamentarias para la actividad a que se dedica” [al. H) da matéria assente].

9) A 3ª ré transferiu para a 6ª ré, “HH – Seguros Gerais, S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 60…, a responsabilidade pela ocorrência de danos causados por actividades desenvolvidas nas instalações que explora, abrangendo designadamente as que decorrem de obras nele efectuadas [al. I) da matéria assente].

10) Consta do ponto 3. das condições especiais do contrato de seguro mencionado em 9) que: “Para além das exclusões estabelecidas nas Condições Gerais, ficam expressamente excluídos os danos causados: “ (…) K) Por trabalhos de ampliação, modificação e/ou reparação das instalações do Segurado” [al. J) da matéria assente].

11) O 1.º réu, CC, é um cidadão de nacionalidade espanhola que, à data de 4 de Julho de 2005, trabalhava como montador de estruturas e reclamos luminosos, por conta, no interesse e sob as ordens, fiscalização e responsabilidade do 2.º réu [resp. ao art.º 1.º da base instrutória].

12) O 2.º réu, DD, era empresário em nome individual, de nacionalidade espanhola, sedeado em Calle Lardero, n.º …, …, 2002 Logroño, ..., Espanha, que, entre outras actividades, se dedicava ao fabrico, à comercialização e à instalação de estruturas e reclamos luminosos [resp. ao art.º 2.º da base instrutória].

13) À data de 4 de Julho de 2005, o 4.º réu, FF, era director do “Hotel JJ” [resp. ao art.º 3.º da base instrutória].

14) O 4.º réu tinha apenas como funções a contratação de pessoal e de fornecedores, bem como a relação com instituições diversas, de forma a permitir a abertura do hotel, que à data não estava inaugurado [resp. ao art.º 4.º da base instrutória].

15) O edifício descrito em 5) foi objecto de obras de remodelação e de beneficiação que decorreram desde o ano de 2003 até, pelo menos, Junho de 2005, com vista à instalação, em tal edifício, do estabelecimento hoteleiro denominado “Hotel JJ” [resp. ao art.º 5.º da base instrutória].

16) Tais obras foram feitas a pedido, por conta e no interesse da 3ª ré, sob a direcção, a orientação, o controlo e a fiscalização desta [resp. ao art.º 6.º da base instrutória].

17) Parte das obras consistiu na demolição do interior do edifício e na construção de um novo edifício, com cinco caves e nove pisos elevados, mantendo a fachada antiga [resp. ao art.º 7.º da base instrutória].

18) Esta parte das obras foi realizada pela sociedade “Construtora MM, Lda.”, a qual pertence, juntamente com a “Constructora NN, S.A..”, ao “Grupo OO” [resp. ao art.º 8.º da base instrutória].

19) Para que essas obras decorressem em segurança, a “Construtora MM, Lda.” realizou a contenção das fachadas com uma estrutura metálica que delimitava a obra, através da colocação de tapumes metálicos em todo o seu perímetro, com construção de uma passagem pedonal, que visavam proteger a segurança de quem passasse no local, de acordo com o plano de segurança e saúde [resp. ao art.º 9.º da base instrutória].

20)  O que foi feito com o conhecimentos dos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º réus [resp. ao art.º 10.º da base instrutória].

21) As protecções referidas em 19) foram retiradas pela “Construtora MM, Lda.” antes do dia 4 de Julho de 2005 [resp. ao art.º 11.º da base instrutória].

22) Paralelamente às obras efectuadas pela “Construtora MM, Lda.”, nos primeiros meses do ano de 2005, a 3ª ré contratou directamente o 2.º réu para fabricar e proceder à instalação de reclamos luminosos e informativos no interior do “Hotel JJ” e de um anúncio exterior luminoso de publicidade ao Hotel, em forma de cubo, na cobertura do referido edifício [resp. ao art.º 12.º da base instrutória].

23) Na sequência do contratado, o 2.º réu deslocou-se a Lisboa, ao mencionado edifício, onde tirou medidas para fazer o mencionado anúncio exterior luminoso [resp. ao art.º 13.º da base instrutória].

24) Na sequência dessa deslocação, o 2.º réu fabricou o referido anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação [resp. ao art.º 14.º da base instrutória].

25) Em Maio de 2005, o 2.º réu, através do 1.º réu, seu empregado, descarregou no referido edifício o anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação [resp. ao art.º 15.º da base instrutória].

26) O anúncio e as peças foram colocados na cobertura do edifício, onde deveriam ser montados e instalados [resp. ao art.º 16.º da base instrutória].

27) A 3ª ré contactou o 2.º réu, através de PP, pedindo-lhe que enviasse alguém no dia 2 de Julho ao Hotel, para proceder à instalação dos reclamos e painéis de informação interiores, dado que, no dia 4 desse mês, estava previsto realizar-se uma inspecção da Direcção de Turismo de Lisboa [resp. ao art.º 17.º da base instrutória].

28) No dia 15 de Junho de 2005, a 3ª ré entregou junto da Câmara Municipal de Lisboa o pedido de licenciamento da instalação do anúncio luminoso na cobertura do Hotel, o que só viria a ser deferido no ano seguinte [resp. ao art.º 18.º da base instrutória].

29) Na sequência do pedido efectuado pela 3ª ré, o 2.º réu enviou de Espanha a Lisboa o 1.º réu, para proceder à colocação dos reclamos interiores e também para a instalação do reclamo luminoso exterior [resp. ao art.º 19.º da base instrutória].

30) No dia 4 de Julho de 2005, de manhã, o 1.º réu encontrava-se na cobertura do referido edifício a preparar a instalação do mencionado anúncio luminoso exterior [resp. ao art.º 20.º da base instrutória].

31) Entre as 10h30 e as 11h00, quando manuseava um tubo galvanizado, com cerca de dois metros de comprimento, destinado a servir de suporte de um reclamo luminoso a instalar na cobertura do edifício, o 1.º réu deixou-o cair para fora do perímetro da cobertura do referido edifício, em direcção ao solo [resp. ao art.º 21.º da base instrutória].

32) Fê-lo por falta de força muscular e por imprevidência, tendo em consideração o facto de se tratar de um terraço situado no 9.º andar de um prédio, sujeito à acção do vento e rodeado por muretes de apenas 40 centímetros de altura [resp. ao art.º 22.º da base instrutória].

33) Na sua trajectória em direcção ao solo, o referido tubo embateu no guarda vidro do piso 8 do mencionado edifício, galgou a varanda do piso 7 e caiu, sem que nada o detivesse, sobre II, que transitava a é no cruzamento da Avenida 5 de Outubro com a Rua Pinheiro Chagas, junto ao mencionado Hotel [resp. ao art.º 23.º da base instrutória].

34) A situação descrita em 33) não teria ocorrido se à volta do edifício e na sua cobertura se encontrassem instaladas protecções como tapumes metálicos ou redes de segurança por forma a evitar a queda de objectos provenientes da mencionada cobertura para a via pública [resp. ao art.º 24.º da base instrutória].

35) Não existia qualquer espaço delimitado que impedisse os peões de se aproximarem do mesmo ou sequer sinalização da existência de obras [resp. ao art.º 25.º da base instrutória].

36) Uma das medidas de segurança adequadas a evitar a queda de qualquer componente do cubo seria a amarração com cordas dos seus componentes a uma estrutura física do prédio, sendo os componentes previamente preparados na sua composição com ganchos ou argolas para segurarem as cordas e assim permitirem uma amarração segura [resp. ao art.º 25.º-A da base instrutória].

37) Até ao dia 4 de Julho de 2005, o 2.º réu e a 3ª ré permitiram que permanecesse no terraço da cobertura do prédio vários componentes do referido cubo, sem se certificarem que esses componentes se encontravam amarrados com cordas a uma estrutura física do prédio ou que a sua queda era impedida por qualquer outro dispositivo de segurança, sendo que o referido terraço se situa no 9.º andar do prédio, tem um murete de cerca de 40 centímetros de altura a rodeá-lo e é de fácil acesso [resp. ao art.º 25.º-B da base instrutória].

38) À data do acidente, os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º réus sabiam que inexistiam as protecções referidas em 34) e 35) [resp. ao art.º 26.º da base instrutória].

39) Em consequência do embate do tubo de ferro na cabeça de II, este caiu inanimado na via pública [resp. ao artigo 33.º da base instrutória].

40) O tubo de aço galvanizado tinha quatro arestas, um comprimento total não superior a dois metros, sete por sete de diâmetro e, numa das extremidades, uma base quadrada destinada a permitir a fixação do tubo à laje de cobertura [resp. ao art.º 34.º da base instrutória].

41) A queda do referido tubo sobre II, atento o seu peso e velocidade que lhe foi imprimida pela força da gravidade, bateu na vítima, causando-lhe lesões traumáticas crânio encefálicas e torácicas [resp. ao art.º 35.º da base instrutória].

42) Em consequência dessas lesões, foi internado no Hospital de S. José, onde faleceu [resp. ao art.º 36.º da base instrutória].

43) Enquanto esteve hospitalizado, II permaneceu entre a vida e a morte, tendo sido, inclusive, intervencionado cirurgicamente, e padeceu de enorme sofrimento [resp. ao art.º 37.º da base instrutória].

44) Aquando da sua morte, II era uma pessoa saudável, trabalhadora, alegre e feliz [resp. ao art.º 38.º da base instrutória].

45) Tinha um grande afecto pela sua mulher e pelo seu filho [resp. ao art.º 39.º da base instrutória].

46) Explorava há treze anos um restaurante com o nome “QQ”, situado na Rua …, 91-A, em Lisboa, através da sociedade comercial “LL, Lda.” [resp. ao art.º 40.º da base instrutória].

47) A autora nutria por II um grande amor e uma grande afeição [resp. ao art.º 41.º da base instrutória].

48) Trabalhava diariamente com o marido, desempenhando as funções de ... no restaurante “QQ” [resp. ao art.º 42.º da base instrutória].

49) Em consequência da morte do marido, a autora sofreu um fortíssimo choque emocional e um enorme desgosto [resp. ao art.º 43.º da base instrutória].

50) Chorou diariamente durante anos a morte do marido e entrou em profunda depressão [resp. ao art.º 44.º da base instrutória].

51) A depressão impediu-a durante quase um ano de viver na sua casa, sofrendo ataques de pânico, medo da solidão e insegurança [resp. ao art.º 45.º da base instrutória].

52)  Pelo que teve de ir viver para casa da sua irmã, só se deslocando acompanhada [resp. ao art.º 46.º da base instrutória].

53) Sofreu de pesadelos que a impediram de dormir [resp. ao art.º 47.º da base instrutória].

54) Dado que a exploração do restaurante “QQ” era dirigida por II, a autora, sem conhecimentos nem força anímica para assegurar a continuidade do negócio, fechou o restaurante, ficando sem qualquer rendimento [resp. ao art.º 48.º da base instrutória].

55) A burocracia relacionada com o restaurante trouxe uma profunda angústia e ansiedade à autora, não logrando finalizar contratos, pagar as contas pendentes a fornecedores, pagar “leasings” da maquinaria e pagar os impostos [resp. ao art.º 49.º da base instrutória].

56) Teve de recorrer à ajuda de familiares e de amigos para executar tais tarefas, o que lhe causou uma enorme angústia e profundo trauma [resp. ao art.º 50.º da base instrutória].

57) O autor pergunta frequentemente pelo pai, sentindo-se triste e frustrado pelo facto de o pai ter morrido em condições inesperadas [resp. aos art.ºs 51.º, 52.º e 53.º da base instrutória].

58) A mãe do autor, KK, está desempregada [resp. ao art.º 54.º da base instrutória].

59) Vive com um pai idoso a quem tem que dar apoio, um filho maior que ajuda nas despesas, e o autor [resp. ao art.º 55.º da base instrutória].

60) A autora auferia da sociedade “LL, Lda.”, como trabalhadora dependente, o salário líquido mensal de €337,23 (trezentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) [resp. ao art.º 56.º da base instrutória].

61) II obtinha da actividade que desenvolvia os proventos mínimos de €1.000,00 (mil euros) por mês, os quais utilizava na sua economia doméstica, em benefício próprio e dos autores [resp. ao art.º 57.º da base instrutória].

62) II contribuía com pelo menos €100,00 (cem euros) mensais para a ajuda das despesas com o infantário, a alimentação, o vestuário, a higiene e a saúde do autor [resp. aos arts. 58.º e 59.º da base instrutória].

63) II contribuía em grande parte para as despesas comuns que mantinha com a autora, relacionadas com a habitação, consumos domésticos, alimentação, vestuário, higiene, saúde, férias e deslocações [resp. ao art.º 60.º da base instrutória].

64) A autora suportou com despesas de funeral de II o valor de cerca de €2.288,50 (dois mil duzentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos) [resp. ao art.º 61.º da base instrutória].



==============================


1. A ré “EE.-Actividades Turísticas, L.da” é a dona do “Hotel JJ Lisboae do edifício onde se encontra instalado este estabelecimento hoteleiro.

Procedendo à remodelação e beneficiação deste imóvel, estas obras foram feitas a pedido, por conta, no interesse, sob a direcção, a orientação, o controlo e a fiscalização da ré “EE -Actividades Turísticas, L.da”.


Nos primeiros meses do ano de 2005 a ré “EE - Actividades Turísticas, L.da” contratou directamente o réu DD para fabricar e proceder à instalação de reclamos luminosos e informativos no interior do “Hotel JJ” e de um anúncio exterior luminoso de publicidade ao Hotel, em forma de cubo, na cobertura do referido edifício, e, na sequência do contratado, o réu DD fabricou o encomendado anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação; através do réu CC, seu empregado, o réu DD descarregou no referido edifício o anúncio exterior e as peças necessárias à sua instalação e colocados na cobertura do edifício, onde deveriam ser montados e instalados


A ré “EE -Actividades Turísticas, L.da” contactou o réu DD pedindo-lhe que enviasse alguém, no dia 2 de Julho, ao Hotel, para proceder à instalação dos reclamos e painéis de informação interiores, dado que, no dia 4 desse mês, estava previsto realizar-se uma inspecção da Direcção de Turismo de Lisboa; na sequência deste pedido, o réu DD enviou, de Espanha a Lisboa, o réu CC, para proceder à colocação dos reclamos interiores e também para a instalação do reclamo luminoso exterior.

No dia 4 de Julho de 2005, de manhã, o réu DD encontrava-se na cobertura do referido edifício a preparar a instalação do mencionado anúncio luminoso exterior; e, quando manuseava um tubo galvanizado, com cerca de dois metros de comprimento, destinado a servir de suporte de um reclamo luminoso a instalar na cobertura do edifício, o réu CC deixou-o cair para fora do perímetro da cobertura do referido edifício, em direcção ao solo.

Fê-lo por falta de força muscular e por imprevidência; tendo em consideração o facto de se tratar de um terraço situado no 9.º andar de um prédio, sujeito à acção do vento e rodeado por muretes de apenas 40 centímetros de altura, na sua trajectória em direcção ao solo, o referido tubo embateu no guarda vidro do piso 8 do mencionado edifício, galgou a varanda do piso 7 e caiu, sem que nada o detivesse, sobre II, que transitava a é no cruzamento da Avenida 5 de Outubro com a Rua Pinheiro Chagas, junto ao mencionado Hotel; e, em consequência do embate do tubo de ferro na cabeça, o II caiu inanimado na via pública e, em consequência dessas lesões, foi internado no Hospital de S. José, onde faleceu.


Os autores são, respectivamente, a viúva e filho de II e seus únicos e universais herdeiros;


2. As instâncias, entendendo que é de empreitada o contrato celebrado entre a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” e o réu DD, consideraram que a sociedade, dona do hotel, não responde pelos danos causados e assim provocados e, em consequência, absolveram os réus FF, “GG, S.A..”, “EE - Actividades Turísticas, L.da” e “HH-Seguros Gerais, S.A.” dos pedidos contra si formulados na acção pelos autores.


Contrariamente, pensam os autores/recorrentes que, também a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” e a ré HH - Seguros Gerais, S.A.”, devem ser co-responsabilizadas, em regime de obrigação solidária, nos pedidos em que foram condenados os réus DD e CC, ao abrigo do previsto nos art.º 483.°, 486.°, 493.°, n.º 1 e 497.°, todos do Código Civil.

No seu discernimento, o negócio jurídico celebrado entre a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” e o réu DD caracteriza-se como um contrato misto (um contrato de fornecimento e de instalação de coisas móveis), no qual concorrem duas prestações típicas e características:

- A produção e entrega da coisa (anúncios e respectivas peças), tal como sucede no contrato de compra e venda; e a instalação da coisa na cobertura do Hotel, prestação de um serviço enquadrável no contrato de empreitada.

Este quadro contratual justifica e permite que à primeira prestação daquele contrato atípico se aplique o regime do contrato de compra e venda, designadamente incumbindo à ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” o dever de vigiar as coisas móveis que lhe pertencem, velando para que as mesmas tenham as condições necessárias e convenientes para não provocar danos a terceiros (vide art.º 493°, n° 1 do Código Civil).

Ao eleger o réu DD como fornecedor dos produtos de que precisava, devia a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” tê-lo feito de forma criteriosa, apostando nas capacidades do mesmo.

A ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” tinha o dever de vigiar as suas coisas móveis (anúncio e peças) - art.º 493.°, n.° 1 do Código Civil e,  sob a perspetiva de uma mera comitente tinha obrigações in eligendo, in instruendo e in vigilando, que não acatou minimamente, concluem os recorrentes


Vejamos se aos recorrentes assiste a razão que apregoam.



=========================


I. Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art.º 1207.º do C.Civil).

Obra é o produto acabado em que se incorpora o trabalho fornecido pelo empreiteiro. Tanto se está perante a empreitada no caso de construção de um prédio, como na elaboração de um parecer económico (Monteiro Fernandes; Dir. Trabalho; I volume; pág. 53).

O que define a essencialidade do contrato de empreitada é a situação de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte (modalidade da prestação de serviços, a empreitada tem por objecto não o trabalho executado sob a direcção do outro contraente mas o resultado desse trabalho, sendo na realização da obra que reside o acto jurídico) - Ac. do STJ de 20.07.1982; BMJ; 319.º; pág. 273).

A característica fundamental deste contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte. O empreiteiro actua autonomamente e não sob a direcção ou instruções do dono da obra, que pode, todavia, fiscalizar a execução da obra - art.º 1209.º (Vaz Serra; RLJ; 112.º; 203).

Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (art.º 874.º do C.Civil).

Tendo por objecto essencial a transmissão de um direito (seja de propriedade seja de outra natureza), que, para ser transferido, necessita de existir previamente como tal na titularidade do vendedor, a compra e venda não se confunde com o contrato de empreitada, que tem por objecto fundamental a realização de uma obra (art.º 1207.º). A nota essencial da empreitada é sempre dada pela realização da obra, que sendo um acto in fieri [6] se não confunde nunca com um direito implantado ou a inserir na esfera jurídica do alienante (Pires de Lima e A. Varela; Cód. Civil Anotado; Vol. II; pág. 162).

Ora, constatando-se que a ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” contratou directamente com o réu DD no sentido de que este fabricasse e procedesse à instalação de um anúncio exterior luminoso de publicidade ao Hotel, em forma de cubo, na cobertura do referido edifício, hesitações não podemos ter de que este ajuste contratual se enquadra nas características de um contrato de empreitada.


Deste modo, podemos dizer, com toda a segurança, que o contrato celebrado entre o 2.º e a 3.ª réus foi um contrato de empreitada e, por isso, o regime aplicável à situação sub judice não é suscetível de se poder ir buscar ao contrato de compra e venda.

Como provado ficou, foi na efetivação desta especificada negociação que, quando o réu CC, empregado daquele DD, manuseava um tubo galvanizado destinado a servir de suporte do reclamo luminoso a instalar na cobertura do edifício e o deixou cair para fora do perímetro da cobertura do referido edifício, em direcção ao solo, que se operou o acidente que vitimou o peão II; e, sendo assim, não é suscetível de se arredar deste ajuste contratual a ponderação a fazer sobre a responsabilidade indemnizatória a considerar referentemente à ré “EE - Actividades Turísticas, Lda”.

Relembremos que o sinistro se verificou - é esta a realidade jurídico-factual em análise - durante a execução dos trabalhos que se integravam na obrigação assumida por quem se havia comprometido a materializar a postura do anúncio exterior na cobertura do referido edifício, o que faz com que estejamos perante a promessa do resultado de uma actividade assumida pelo réu DD (empreiteiro) e sem subordinação à direcção da ré “EE - Actividades Turísticas, Lda”.

Só se o réu DD tivesse ficado de fora desta ajustada tarefa - tão só tivesse vendido aquele anúncio luminoso à ré “EE - Actividades Turísticas, L.da”- é que se poderia falar de um contrato de compra e venda.


II. O princípio da liberdade contratual, consignado no art.º 405.º do Cód. Civil, dá lugar em muitos casos à existência dos denominados contratos mistos.

"Diz-se misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”.         

Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados) as partes, porque os seus interesses assim o imponham, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei - Prof. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; I; pág. 274.

E qual o regime legal que tem de aplicar-se a esta complexa particularidade fáctica, ou seja, no caso de haver num único contrato elementos de vários outros?

- O primeiro passo a dar consiste em saber se na lei há qualquer disposição que especialmente se lhe refira. Quando não existe disposição especial a contemplar o caso e se verifique uma simples justaposição ou contraposição de elementos pertencentes a contratos distintos, deve aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato. Caso contrário, ou seja, quando o contrato misto corporiza diversos elementos contratuais que estão entre si numa relação de subordinação, o regime dos elementos acessórios ou secundários só será de observar na medida em que não colida com o regime da parte principal, fundamental ou preponderante do contrato. Quando há uma verdadeira fusão desses elementos num todo orgânico ou uma real assimilação de um dos contratos pelo outro, só o regime do contrato essencial, principal, se deve aplicar (Prof. Antunes Varela; Obra citada; pág. 288).

Conforme já procurámos demonstrar atrás, analisando a vontade manifestada pelo réu DD (empreiteiro) e pela ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” (dona da obra) no acordo que estes demandados celebraram, havemos de reconhecer, como na ação se expressa, que o contrato que firmaram se confina, essencial e exclusivamente, a um contrato de empreitada, o qual se mantém em sua plena autonomia, desta feita se aplicando ao litígio a disciplina que a este tipo de contrato comporta.


Não tem fundamento a argumentação proposta pelos recorrentes no sentido de que as partes contratantes consolidaram entre elas um contrato misto - um contrato de compra e venda, seguido de outro de instalação do equipamento vendido (fornecimento com instalação).

É que o anúncio luminoso encomendado só poderia reverter para o património da “EE - Actividades Turísticas, L.da” no caso de ser bem sucedida a sua instalação na cobertura do edifício e se toda a contingência sobrevinda tivesse ocorrido já depois de ter findada a tarefa laboral que o réu CC praticava sob a ordem do seu patrão (o réu DD).


Estamos, assim, perante um único contrato de empreitada através do qual o réu DD (empreiteiro) se obrigou ao resultado de uma actividade - proceder à instalação de um anúncio exterior luminoso de publicidade ao Hotel, em forma de cubo, na cobertura do edifício e sem obediência à superintendência de quem com ele contratou.


III. Dispõe o art.º 500.º do Cód. Civil (responsabilidade do comitente):

1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.


Ao determinar (seu n.º 1) que, desde que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, propõe este dispositivo legal uma situação de responsabilidade objectiva do comitente; não obstante isso, a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada (seu n.º 2).

- A comissão consiste na realização de actos de carácter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a uma pessoa diversa do interessado (Prof. Pessoa Jorge, Ensaio; pág. 48) e tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se tanto num acto isolado como numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual (Prof. Antunes Varela; Obrigações; Vol. I; pág. 662).

É esta relação de sujeição do comissário em relação ao comitente que faz justificar que sobre este impenda a obrigação de indemnizar o lesado, apesar de não se ter provado a culpa sua na produção do dano; e, sendo assim, não estando provada esta relação de subordinação, também se encontra prejudicada a aplicação daquele normativo (art.º 500.º, n.º 1, do Cód. Civil).


Conferindo o estatuído no art.º 500.º do C.Civil, o dono da obra não responde objectivamente pelos actos lesivos praticados pelo empreiteiro e incidentes sobre terceiro.

…"Para que se verifique a responsabilidade do comitente nos termos do art.º 500.º C. Civil é preciso que o comissário - que pode ser um simples serviçal, um assalariado ou qualquer encarregado da prestação de um serviço - tenha sido escolhido pelo comitente e que o facto danoso haja sido praticado no exercício de função àquele confiada, bastando, para caracterizar este vínculo, que o facto esteja devidamente relacionado com o serviço executado " - Ac. STJ de 25.11.1975; BMJ; 251.º; 167.


Estando demonstrado que o réu DD, quando procedia à instalação do anúncio exterior luminoso de publicidade no “Hotel JJ Lisboa”, estava a cumprir um contrato de empreitada que havia antes celebrado com a ré “EE - Actividades Turísticas, L.da” e, por isso mesmo, não agia por conta e no interesse da dono do edifício do Hotel, também não podemos assegurar que aquela “EE -Actividades Turísticas, L.da” tinha a qualidade de “comitente” e o réu DD era seu “comissário” no circunstancialismo em que eclodiu o sinistro.

Queremos com isto dizer que, dissentido do que pretendem fazer transparecer os autores, se não verifica a relação de comitente/comissário entre a ré “EE -Actividades Turísticas, L.da” e o réu DD, respetivamente.

IV. Nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 1, do C. Civil, quem tiver em seu poder coisa. imóvel, com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Por força deste dispositivo legal a ré “EE - Actividades Turísticas, L.da”, dona do Hotel JJ Lisboa”, haveria de indemnizar os autores pelos danos que a estes sobrevieram, se tais prejuízos lhes tivessem advindo em virtude da omissão dos deveres que se encontram diretamente ligados à conservação e manutenção do edifício onde se encontra instalado o seu “Hotel JJ Lisboa”.

Tendo na sua disponibilidade e ao seu cuidado este especificado imóvel, o qual exige a necessária atenção de modo a que se tomem todas as precauções tendentes a que se não desprendam dele os elementos de publicidade que o acompanham, sobre o seu detentor recai a obrigação de cuidar pela sua manutenção, eficiência e conservação.

Todavia, não é neste contexto normativo que se integra a factualidade que faria atribuir aos autores o ressarcimento dos estragos rogados.

O elemento determinativo desta indemnização enquadra-se - repetimos - no regime legal adstrito ao contrato de empreitada ajustado entre a 3.ª e o 2.º réus e não já se estendendo esta responsabilidade até à ambiência patrimonial da sociedade dona do “Hotel JJ Lisboa”, só por ser a dona do edifício onde o empreiteiro procedia à “obra” incluída neste pormenorizado contrato.


Não tem assim sentido algum, o entendimento preconizado pelos recorrentes no sentido de que “existindo manifesta culpa da 3.ª ré ("comitente") nos factos, responde esta, directa e imediatamente, pelas suas consequências, independentemente de culpa (provada ou presumida) do 2.º réu ("comissário") e, por isso, não assentimos no entendimento de que, como admitem os recorrentes, há culpa da ré “EE - Actividades Turísticas, L.da” na eleição da pessoa (2º R) que escolheu para lhe fornecer e instalar os reclamos luminosos na cobertura do seu edifício, in instruendo e in vigilando

Na verdade, e como é evidente, da facticidade comprovada na ação a envolver a relação obrigacionista dos réus “EE - Actividades Turísticas, L.da” e DD, nada há que tenhamos detetado no comportamento destes demandados que se delineie capaz de responsabilizar o “dono da obra” pelas falhas do “empreiteiro”, enquadradas neste tipo especial de contrato.

Não é pela circunstância de a “EE - Actividades Turísticas, L.da” (dona da obra) ter contratado com aquele DD (empreiteiro) a instalação do falado anúncio luminoso exterior que, só por isso, se lhe pode atribuir a culpa no desastre que vitimou o acidentado II.


Os termos do contrato estabelecido entre o 2.º e o 3.º réus não faz atribuir à sociedade “EE - Actividades Turísticas, L.da” a responsabilidade pelos danos resultantes da invocada falta de protecções que fizeram com que se não tivesse evitado a queda do objecto, causa do acidente fatal como, sem razão, argumentam os autores.


Concluindo:

1. Analisando a vontade manifestada pelo réu DD (empreiteiro) e pela ré “EE - Actividades Turísticas, Lda” no acordo que estes demandados celebraram, havemos de reconhecer, como na ação se expressa, que o contrato que firmaram se confina, essencial e exclusivamente, a um contrato de empreitada, o qual mantém em sua plena autonomia, desta feita se aplicando ao litígio a disciplina que a este tipo de contrato comporta.

2. Estando demonstrado que, quando se operava o procedimento da instalação do anúncio luminoso de publicidade no “Hotel JJ Lisboa”, se estava a cumprir o contrato de empreitada que havia sido antes celebrado entre o réu DD e a ré “EE - Actividades Turísticas, L.da” e, por isso mesmo, o réu Luís não agia por conta e no interesse da dono do edifício do Hotel, também não podemos assegurar que aquela “EE - Actividades Turísticas, L.da” tinha a qualidade de “comitente” e o réu DD era seu “comissário” no circunstancialismo em que eclodiu o acidente.

3. Não é no contexto normativo prescrito no artigo 493.º, n.º 1, do C. Civil, que se integra a factualidade que faz atribuir aos autores o ressarcimento dos estragos sofridos e rogados; não é pela circunstância de a “EE - Actividades Turísticas, L.da” (dona da obra) ter contratado com aquele DD (empreiteiro) a instalação do falado anúncio luminoso exterior que, só por isso, se lhe pode atribuir a culpa no desastre que vitimou o acidentado II.


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 07 de dezembro de 2016.


Silva Gonçalves (Relator)

António Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

_____________________
[1] Vide autores e obras supra citadas.
[2] Vide factos 22 a 30 da fundamentação da sentença.
[3] Equipamentos vários, incluindo o Rótulo a 3 caras terraza.
[4] Trabajos anteriores - rotulo Hotel JJ Lisboa.

[5] Vide, para além de inúmera jurisprudência na matéria disponível em www.dgsi.com. na Doutrina, por todos, págs. 495 do Código Civil Anotado - . Volume I, da Coimbra Editora, 4ª edição - Revista e Actualizada, de Antunes Varela e Pires de Lima.
 [6] “De ser feito, tornar-se"…que está em processo de ser…”; “ uma obra , uma iniciativa ainda em desenvolvimento”.