Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4720/04.2TTLSB.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PRÉ-REFORMA
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 2007, págs.867 a 868.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ºedição, 516 e 517.
- Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, anotado, 6ª edição, pág. 660.
- Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 2006, pág. 719.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 493.º, N.º 3.
DL N.º 261/91, DE 25-7: - ARTIGOS 3.º, 6.º, N.º 3, 7.º AL. B), 9.º, N.ºS 1 E 2, 11.º, N.º1 AL. A), 2 E 3.
LCT: - ARTIGO 38.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/5/99, REVISTA Nº 64/99, 4ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 5/7/2000, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 14/2/2000, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 27/11/2002, CJ, 154/5.
Sumário : I- Tendo o trabalhador direito, por força dum acordo de pré-reforma que celebrou com a sua entidade patronal, a receber desta uma prestação pecuniária mensal, a mesma tem uma natureza jurídica diversa da pensão de reforma, ou da pensão complementar de reforma.
II- Na verdade, durante a vigência da pré-reforma o contrato de trabalho mantém-se, sendo a própria lei que considera que o que existe é uma suspensão ou redução da prestação de trabalho, conforme resulta do artigo 3º do DL nº 261/91 de 25/7.
III- Por isso, a pré-reforma não faz extinguir o vínculo laboral entre empregador e trabalhador, verificando-se antes uma modificação dos deveres contratuais do trabalhador que se pode traduzir na redução ou até mesmo na suspensão da prestação de trabalho, conforme o que for acordado entre as partes.
IV- Assim sendo, e tratando-se ainda duma prestação que tem a sua génese no contrato de trabalho, embora modificado, o prazo de prescrição tem que ser o do artigo 38º da LCT, que ao tempo vigorava.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça



AA e
BB, instauraram, em 18 de Novembro de 2004, uma acção com processo comum, contra

TAP Air Portugal, S.A, pedindo a condenação da R a pagar-lhes as diferenças entre o valor das diuturnidades que deixaram de receber e o das anuidades a que têm direito, vencidas desde 1 de Novembro de 1997 e até à reforma, tudo a liquidar em execução de sentença.

Alegaram, em síntese, que:

- foram admitidas pela ré em 15 de Junho de 1965 (a lª autora) e em 28 de Abril de 1970 (a 2ª autora), tenho ultimamente, a lª autora a categoria profissional de Técnica de Tráfego - grau III e a 2ª autora a categoria profissional de Técnico Comercial - grau II;
- em 31.12.96 (a lª autora) e em 7.03.96 (a 2ª autora) e a ré assinaram um acordo de suspensão do contrato de trabalho entre ambos existente, com efeitos a partir de 31.12.96 e 7.03.96, respectivamente, datas em que passariam à situação de pré-reforma, tendo nas mesmas datas celebrado um acordo de pré-reforma;
- desses acordos, de suspensão e de pré-reforma, consta que o valor ilíquido da prestação de pré-reforma corresponderia ao valor da retribuição liquida que as autoras receberiam se estivessem no activo, bem como a estipulação de uma actualização da prestação sempre houvesse actualização geral das remunerações do pessoal no efectivo na empresa;
- por acordo celebrado entre a ré e os sindicatos representativos do pessoal de terra foi instituído um regime de anuidades em substituição do regime de diuturnidades;
- a ré não tem vindo a pagar a prestação mensal nos termos em que se obrigara, argumentando que a percentagem acordada não incide sobre essas anuidades.

Não tendo a audiência de partes derivado em conciliação, veio a ré contestar, e excepcionando, alegou que os créditos reclamados pela autora BB estão prescritos, visto que se trata de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, que se extinguem por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato.

Por isso e como o contrato de trabalho celebrado com a referida autora se extinguiu, por caducidade, em 4 de Setembro de 2003 e a ré só foi citada para os termos da causa em 29 de Novembro de 2004 consumou-se o prazo de prescrição, que era de um ano.
E impugnando alegou que:
o protocolo foi negociado entre a ré e os sindicatos representativos do pessoal de terra, estando as autoras filiadas num deles, que, por isso, as representava, pelo que não podem reclamar o que reclamam na acção, porquanto desse protocolo, vinculativo para as autoras por força da sua filiação sindical, resulta que a anuidade convencionada é apenas para pagar ao pessoal no activo;
- isto porque, devido à saída de pessoal na situação das autoras, o demais pessoal de terra teve de aumentar a sua produtividade, devendo ser compensado, e só ele, por tal circunstância; o essencial da estipulação negocial vertida nos acordos celebrados com as autoras foi o quantum da prestação: as partes determinaram de forma perfeitamente quantificada o valor da prestação retributiva que a Ré pagaria mensalmente na situação de suspensão acordada;
- seria injusto que as autoras viessem a beneficiar, agora, de uma medida instituída para compensar quem continuou a trabalhar e passou a ter de trabalhar mais e melhor.

Na resposta as autoras pronunciaram-se pela improcedência da excepção e pugnaram pela manutenção do pedido.

Findos os articulados foi realizada audiência preliminar e seguidamente foi proferido despacho saneador/sentença que julgando improcedente a excepção de prescrição, considerou a acção procedente, condenando a ré a pagar às autoras as diferenças entre o valor das diuturnidades que elas deixaram de receber e o das anuidades a que têm direito, vencidas desde 1.11.97" até" à data da reforma, a liquidar em execução de sentença.

Inconformada com a decisão do Tribunal da 1ª instância apelou a ré, mas a Relação de Lisboa, julgando improcedente o recurso de apelação, confirmou a sentença recorrida.
Novamente inconformada trouxe-nos a R a presente revista, mas limitada à questão da prescrição dos créditos da A BB, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Em causa nos autos está a actualização de uma prestação que a Recorrente pagava à Recorrida em contrapartida da suspensão do seu contrato de trabalho (desde 4.3.1996 até perfazer 55 anos de idade) e da sua pré-reforma (desde os seus 55 anos de idade até à caducidade do contrato de trabalho devido a reforma por velhice).
2. O acordo de suspensão e o acordo de pré-reforma assinados entre as partes em 4.3.1996 constituem meros actos modificativos do contrato de trabalho, que subsiste para além deles: apenas a prestação de trabalho fica suspensa.
3. A prestação pecuniária mensal a que se obrigou a Recorrente naqueles acordos de suspensão (ou «pré-pré-reforma» na gíria da empresa) não tem natureza previdencial nem se confunde, em nenhum aspecto, com uma pensão de reforma ou com uma pensão complementar de reforma.
4. Tal confusão é a que inquina a decisão recorrida e que urge esclarecer.
5. Todos os créditos devidos por força destes acordos são anteriores à extinção do contrato de trabalho e por isso são créditos emergentes de um contrato de trabalho que subsiste (ainda que modificado por seu efeito), pelo que se extinguem por prescrição decorrido 1 (um) ano a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato.
6. Não lhes sendo aplicável o regime da prescrição das prestações periodicamente renováveis, que é próprio, isso sim, das pensões previdenciais.
7. O contrato de trabalho celebrado com a Recorrida extinguiu-se por caducidade em 4 de Setembro de 2003;
8. A R., ora Recorrente, só foi citada para os termos da causa em 29 de Novembro de 2004, pelo que, nesta data, os créditos reclamados pela Recorrida já se encontravam prescritos;
9. Nesse sentido se tem decidido no próprio Tribunal da Relação de Lisboa e neste Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a situações precisamente idênticas às dos autos (apenas sendo outro o trabalhador), importando lutar pela harmonia e segurança do direito e não ceder ao facilitismo da mera coincidência aparente da realidade fáctica e jurídica subjacente: os créditos dos autos não são pensões de reforma, nem são complementos de reforma, mas o oposto: são devidos antes da reforma e enquanto o contrato de trabalho perdurar - razão pela qual a sentença da l.ª instância limitava temporalmente a condenação na data da reforma das autoras.

Pede-se assim que seja dado provimento ao recurso e a R, recorrente, absolvida do pedido, em relação a esta trabalhadora.

A Autora não alegou.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dada vista à Ex.mª Procuradora Geral Adjunta que emitiu parecer no sentido da procedência da revista e que notificado, suscitou resposta da A a pugnar pela manutenção do acórdão da Relação e resposta da recorrente a rebater a argumentação da A.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2---

Para tanto, temos de partir da seguinte matéria de facto:

1 - As autoras foram admitidas ao serviço por conta e sob direcção da ré nas seguintes datas: a 1ª autora em 15 de Junho de 1965 e a 2ª autora em 28 de Abril de 1970;
2 - Ultimamente, a 1ª autora tinha a categoria profissional de. Técnica de Tráfego - grau III e o 2ª autora a categoria profissional de Técnico Comercial - grau II;
3 - Ambas as autoras são sindicalizadas no SITAVA;
4 - Às relações de trabalho entre as partes é aplicável o Acordo de Empresa publicado no BTE, n.° 41, de 08/11/1997;
5 - A ré, desde 1967, atribui a todos os trabalhadores na situação de reforma por velhice ou invalidez um complemento de reforma;
6 - Como é do conhecimento geral, a ré, desde há algum tempo, tem procedido à reestruturação profunda dos seus serviços, a qual tem passado pela redução de efectivos;
7 - Por isso mesmo, desde, pelo menos, 1990 tem incentivado as situações de cessação e/ou suspensão do contrato de trabalho dos seus efectivos;
8 - Teor da ordem geral de serviço n.° 33/93, de 04/06/93 (fls. 41-44), em que a ré apela, entre outros, aos seus trabalhadores na situação de requerer a reforma por velhice ou invalidez, para exercer esse direito;
9 - Nos termos da referida ordem de serviço (fls. 42), a pensão total de reforma era calculada de acordo com a seguinte fórmula quanto às autoras, pessoal de terra: PTR = (RB + DC + DF) X 0,04 X N em que:
PTR - pensão total de reforma
RB - retribuição base mínima (tabela salarial geral)
DC - diuturnidades da companhia vencidas
DF - diuturnidades de função vencidas
VF - vencimento fixo
VS - vencimento de senoridade
SC - senoridade de chefia
VB - vencimento base
VE - vencimento de exercício
N - número de anos (ou fracção) de serviço (com limite máximo de 20) .

E o complemento TAP de reforma era calculado pela fórmula: CR = PTR - PR em que
CR - complemento TAP de reforma
PTR - pensão total de reforma
PR - pensão de reforma (inicial) da Segurança Social (ou
montante de pensão de reforma unificada nos casos em que possa ser pedida;
10 - Refere ainda a mesma ordem de serviço que valor do complemento, será actualizado sempre e na mesma medida em que o fossem as remunerações base minimas dos trabalhadores no activo, sendo aplicável a percentagem de aumento global dessa remunerações;
11 - Mais consta da ordem de serviço que a atribuição do complemento TAP pressupõe sempre que o trabalhador se encontra ao serviço no momento da atribuição da pensão de reforma ou invalidez;
12 - A ré acordou em pagar aos trabalhadores ao seu serviço que requeressem a passagem à reforma um complemento de reforma, nos termos da Cláusula 14ª de fls. 61 e 68;
13 - Teor de fls. 45-49, que se dá por reproduzido;
14 - Às autoras e demais trabalhadores foi garantido que durante a suspensão do contrato e até à reforma, entre outros direitos, que continuariam a beneficiar das facilidades de passagens de que beneficiariam se ao activo se encontrassem (extensíveis aos familiares), da utilização do refeitório, dos serviços de saúde, do seguro de doença e do seguro de vida;
15 - Em 31/12/1996 (a 1ªa autora) e 07/03/1996 (a 2ª autora) e a ré assinaram um acordo suspendendo o contrato individual de trabalho entre ambos existente, com efeitos a partir de 31/12/1996 e 11/03/1996 respectivamente, datas em que os segundos outorgante passariam à situação de pré-reforma;
16 - Tendo nas mesmas datas celebrado um acordo de pré-reforma;
17 - Na cláusula 2ª dos mesmos acordou-se:
1. A partir da data referida na cláusula anterior a 1ªa outorgante pagará mensalmente à 2ª outorgante a prestação ilíquida de pré-reforma constante do pré-acordo documentado.
2. No cálculo da prestação ilíquida de pré-reforma referida no n.° 1 desta cláusula, tomou-se por base a última retribuição ilíquida pela A., auferida também nos termos do mesmo, no montante de Esc. 256.400$00 mensais (para a 1ª A.) / Esc. 284.130$00 mensais (para a 2ª A.) (remuneração de base acrescida das demais componentes fixas).
3. A prestação de pré-reforma será paga 14 meses em cada ano, incluindo os equivalentes ao subsidio de férias e ao subsidio de Natal, cujo pagamento terá lugar em Junho e Dezembro, respectivamente. No mês seguinte ao da entrada na pré-reforma será pago o período de férias vencidas e vincendas e correspondente subsidio; consequentemente no ano de passagem à pré-reforma, a prestação de Junho nunca será paga em dobro. Quando no ano de entrada na pré-reforma o trabalhador tiver recebido o subsdio de Natal, também não lhe é devida a prestação em dobro no mês de Dezembro.
4. A TAP depositará mensalmente na conta bancária do 2º outorgante o valor ilíquido resultante da prestação ilíquida de pré-reforma.
18 - Na cláusula 2ª e 3ª dos acordos, estabelecia-se que o valor ilíquido da prestação de pré-reforma é o correspondente a 85% do valor da retribuição liquida que a 2ª outorgante receberia se estivesse no activo, acrescida dos valores de IRS e TSU aplicáveis nos termos legais;
19 - Por protocolos assinados em 28.10.97 entre a ré e o sindicato representativo do pessoal de terra, foi instituído um regime de anuidades em substituição de regime de Diuturnidades da Companhia (DC) e de Diuturnidade de Função (DF);
20 - Nesses Protocolos, prescreve-se que na aplicação do novo regime está garantido que nenhum trabalhador terá qualquer redução do total actualmente recebido de DC e DF;
21 - Para efeitos de regime de anuidades não contam os períodos de licença sem retribuição (fls. 71);
22 - A P.T.R. das autoras que era constituída por (RB + DC '+ DF) X 0,04 X N passou agora a P.T.R. = RB X 0,04 X N;
23 - Os trabalhadores reformados, os trabalhadores na situação de pré-reforma ou de suspensão de contrato deixaram de ter direito às diuturnidades;
24 - Como não lhes foi garantido o direito a anuidades;
25 - Posteriormente a ré funde estas duas diuturnidades (diuturnidades da companhia e diuturnidades de função) e substitui-as por anuidades;
26 - A ré, na circular C4-30-97, declara que o regime de anuidades substitui o regime de diuturnidades em vigor;
27- - O montante da anuidade que passou a vigorar, e a ser pago mensalmente, acumulando-se por permanência de anos na função foi o seguinte:
1997 1 510$00
1998 2 030$00
1999 2 500$00
2000 3 100$00
2001 3.100$00.
2002 € 15,46
2003 € 15,46
2004 — € 15,46;
28 - A ré nos recibos de vencimento mensal para efeitos de descontos para a Segurança Social inclui as anuidades a que as autoras teriam direito.

2.1---

Diz-se no despacho saneador, aquando da apreciação da excepção de prescrição, que “tendo a A. BB passado à situação de reforma no dia 4/9/03, à data da citação da ré, em 29/11/04, não se encontravam ainda prescritos os créditos reclamados pela mesma autora”.

Assim sendo, para além dos factos constantes do ponto 2, temos de atender também a estes dois factos, que se mostram relevantes para a decisão da questão que é suscitada neste recurso.

3----

E decidindo:
Antes de mais temos de dizer que, sendo o recurso limitado à A BB, vamos ignorar completamente a situação da outra A, AA, pois o acórdão recorrido transitou em julgado quanto à condenação da R e no que a esta diz respeito.
Ora, a recorrente suscitou, na sua contestação, a questão da prescrição dos créditos reclamados pela A, BB, alegando que a sua relação de trabalho se extinguiu, em 4.09.2003, por caducidade do contrato.
E como só foi citada para a acção em 29/11/2004, sustenta que se consumou o prazo de um ano, contado a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato, prazo que esta tinha para reclamar os seus direitos, ao abrigo do art. 38° da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n° 49.408, de 24 de Novembro de 1969.

Esta tese não foi acolhida pelas instâncias, argumentando para tanto, que o prazo de prescrição aplicável a este tipo de prestações resultantes de pré-reforma é o previsto na alínea g), do artigo 310° do Código Civil - 5 anos.
Nesta linha, tendo a A AA passado à situação de reforma no dia 4.09.2003, à data da citação da ré, que ocorreu em 29.11.2004, ainda não se tinha consumado o decurso deste prazo de cinco anos.
Argumenta o acórdão recorrido para suporte desta posição que “nas alegações de recurso a apelante retoma a tese expendida na contestação, citando em abono da mesma o Ac. deste Tribunal 27.11.2002 (CJ, Ano XXVII, Tomo V, pág. 154). A orientação contida no referido aresto e que parte do principio que na situação de pré-reforma se mantém o vinculo laboral pré-existente, não tem merecido o acolhimento da nossa jurisprudência maioritária e à qual aderimos (vide, entre outros, os Acs. da RC 20.06.89, CJ Ano XIV, T. III, pág. 121, da RE ' 3.11.2003, CJ, Ano XXVIII, T. V, pág. 280, desta ' Relação de 19.01.2005, CJ, Ano XXX, Tomo I, pág. 148, e do STJ de" '22.11.84, BMJ n° 341, 326, de 10.10.90, BMJ, n° 400, pág. 467, de -13.01-. 91V-"
AD, 370.°, pág. 1141, de 21.11.94, AD 280.°, pág. 477 : e de 26.04.99, CJ/STJ Ano VII, T. II, pág. 268).

Nesta linha argumenta ainda o acórdão que “Segundo esta jurisprudência o artigo 38.° do RJCIT só é aplicável à prescrição dos créditos nascidos durante a vigência do contrato de trabalho e não à pensão complementar de reforma, a qual constitui uma obrigação para ser concretizada e se efectuar após a reforma, por efeito directa desta e, portanto, para além da vigência de cada contrato de trabalho atingido pela caducidade. O crédito à pensão complementar de reforma não, se adquire pelo exercício da profissão, derivando do próprio acto de reforma que pôs termo à relação de trabalho, de modo que, tendo o direito à pensão complementar de reforma como suporte a lei e a situação de reformado e não a relação de trabalho, não lhe é aplicável o prazo de prescrição extintiva estabelecida naquele, art. 38°, mas o previsto na alínea g) do art. 310.° do Código Civil, que é de cinco anos”.

Com esta argumentação, o acórdão impugnado julgou improcedente a questão da prescrição dos créditos da A BB.

Contrapõe a recorrente que o acordo de suspensão e o acordo de pré-reforma assinados entre as partes em 4.3.1996, constituem meros actos modificativos do contrato de trabalho, que subsiste para além deles, pois apenas a prestação de trabalho fica suspensa; que a prestação pecuniária mensal a que se obrigou a Recorrente naqueles acordos de suspensão (ou «pré-pré-reforma» na gíria da empresa), não tem natureza previdencial, nem se confunde, em nenhum aspecto, com uma pensão de reforma ou com uma pensão complementar de reforma.

Nesta linha, todos os créditos devidos por força destes acordos são anteriores à extinção do contrato de trabalho e por isso são créditos emergentes de um contrato de trabalho que subsiste (ainda que modificado por seu efeito), pelo que se extinguem por prescrição decorrido 1 (um) ano a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato, não lhes sendo aplicável o regime da prescrição das prestações periodicamente renováveis, que é próprio das pensões previdenciais.
Colocando-se a questão nestes termos, vejamos então como decidir.

3.1----

A autora BB e a R celebraram, em 7/3/96, um acordo de suspensão do contrato de trabalho, tendo-se clausulado ainda que este se converteria em acordo de pré-reforma, que passaria a vigorar a partir de 5 de Setembro de 1998, e que foi celebrado também naquela data (fls. 63 a 69).
Assim e face a estes acordos, não restam dúvidas de que a partir de 7/3/96 a A ficou com o contrato de trabalho suspenso, embora com direito às contrapartidas acordadas, que passavam pelo pagamento, por parte da R, duma prestação pecuniária e mantendo as facilidades de passagens de que beneficiaria tal como se estivesse ao serviço, bem como do refeitório da empresa e seus serviços de saúde (cláusula 2ª de fls. 53).

Na mesma data, a A BB e a R, celebraram o acordo de pré-reforma que consta de fls. 63 a 69 e que começou a produzir efeitos a partir de 5 de Setembro de 1998, situação que cessou em 4/9/03, data em que passou à reforma.

Assim, a partir de 5 de Setembro de 1998, a A passou a ter direito a uma prestação pecuniária ilíquida de pré-reforma, no montante de 161. 491$00, que seria anualmente actualizada (cláusula 2ª).
E enquanto na situação de pré-reforma, continuaria a ter direito a facilidades de passagens, que eram extensíveis aos familiares elegíveis pelo Regulamento da empresa, a utilizar o refeitório e os serviços de saúde da R, bem como ao seguro de doença e ao seguro de vida, tudo nas condições em cada momento vigentes (cláusula 6ª de fls. 65).

Donde concluirmos que a A, a partir de 5 de Setembro de 1998, passou à situação de “pré-reforma”, instituto que foi criado pelo DL nº 261/91 de 25/7.

Efectivamente, o legislador, ciente de que “a partir de certa idade a prestação de trabalho gera progressivamente maior tensão e cansaço físico, sobretudo quando o trabalhador revele dificuldades de adaptação a modificações tecnológicas e a processos de gestão que alteram as condições de trabalho” (conforme se invoca no preâmbulo da lei), quis com este diploma consagrar uma solução adequada a resolver os problemas resultantes destas manifestações físicas e psíquicas que a idade traz ao evoluir do contrato de trabalho.

Nesta linha e para trabalhadores com mais de 55 anos, criou-se um sistema de suspensão ou redução da prestação de trabalho, em que se mantém o direito a receber da entidade empregadora uma prestação pecuniária mensal, situação que a lei qualifica de “pré-reforma” e que perdurará até ocorrer a extinção desta situação (artigo 3º) por uma qualquer das formas contempladas no artigo 11º.
A prestação pecuniária acima referida e a que o trabalhador nesta situação tem direito, goza de todas as garantias e privilégios próprios da retribuição (artigo 6º/3), ficando a entidade empregadora, bem como o trabalhador, sujeitos ao pagamento das contribuições para a segurança social, que embora com taxas mais reduzidas, incidem sobre a remuneração que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma (artigo 9º nºs 1 e 2).
Esta situação terminará, conforme resulta do nº 1 do artigo 11º, nos seguintes circunstancialismos:

com a passagem do trabalhador ao regime de pensionista, seja por invalidez, seja por limite de idade - alínea a);
por regresso do trabalhador ao pleno exercício de funções, que pode ocorrer por acordo entre as partes, ou nos termos do artigo 7º- alínea b);
pela cessação do contrato de trabalho, que pode ocorrer mediante o pagamento de uma indemnização, por acordo, que será do montante das prestações de pré-reforma que seriam devidas até à idade legal da reforma, conforme se conclui do artigo 11º nºs 1,2 e 3.

Do exposto, facilmente concluímos que durante a vigência da pré-reforma o contrato de trabalho mantém-se, tanto mais que a própria lei considera que o que existe é uma suspensão ou redução da prestação de trabalho, conforme resulta do artigo 3º.

O que evidencia claramente que o contrato de trabalho se mantém.

De tal forma é assim que durante o período da pré-reforma, a entidade empregadora e o trabalhador estão sujeitos ao pagamento de contribuições para a segurança social, que incidem sobre o valor da remuneração que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma do mês a que respeitam, embora sejam de taxas mais reduzidas, conforme advém do artigo 9º.
É certo que o diploma que vimos referindo, foi revogado a partir da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 [artigo 21º, nº 1, alínea o) da Lei 99/2003], portanto a partir de 1 de Dezembro de 2003, conforme resulta do seu artigo 3º nº 1.
No entanto, dado que a A se reformou em Setembro de 2003, ainda vigorava ao tempo o DL nº 261/91.
Diga-se ainda que, de qualquer maneira, o CT/2003 manteve o essencial do regime jurídico da pré-reforma constante daquele diploma, conforme Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, anotado, 6ª edição, pgª 660.

Pronunciando-se sobre esta figura, considera a doutrina que a situação de pré-reforma constitui uma causa de suspensão do contrato de trabalho, por acordo das partes, sustentando que se mantém o vínculo laboral, com as obrigações assumidas pelo empregador, conforme o acordo que fez com o trabalhador (1) ,

Também Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ºedição, 516 e 517, considera que se trata duma modalidade particular de limitação dos efeitos do contrato de trabalho, em que o trabalhador que fique nesta situação, pode ficar, ou não, obrigado a prestar trabalho à entidade empregadora.

Este Supremo Tribunal também já se pronunciou sobre esta matéria, orientando-se no sentido de considerar a pré-reforma como um regime especial de trabalho, em que ocorre uma redução ou suspensão da prestação laboral, e em que o trabalhador mantém o direito de receber da sua entidade patronal uma prestação pecuniária mensal cuja natureza jurídica é diversa da pensão de reforma – acórdão do STJ de 26/5/99 (Dinis Nunes), revista nº 64/99, 4ª secção, disponível no sítio do ITIJ.
Por seu turno, do acórdão de 5/7/2000 (Alípio Calheiros), disponível no mesmo sítio, retira-se que “a pré-reforma não faz extinguir o vínculo laboral entre empregador e trabalhador, verificando-se antes uma modificação que se pode traduzir na redução ou até mesmo na suspensão da prestação de trabalho, conforme o que for acordado entre as partes.

Concluímos assim que, nas situações de pré-reforma, o contrato de trabalho mantém-se, embora modificado quanto às obrigações do trabalhador, cuja prestação pode ser reduzida ou até mesmo suspensa, ficando no entanto com direito a uma prestação pecuniária nos termos que forem acordados.


Doutra forma, nem sequer se compreenderia que a entidade empregadora, bem como o trabalhador, fiquem sujeitos durante a sua duração, ao pagamento das contribuições para a segurança social, que embora com taxas mais reduzidas, incidem sobre a remuneração que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma.

Por isso, e acompanhando neste ponto o parecer da Ex.mª Procuradora Geral Adjunta, também entendemos que a prestação que resulta do acordo de pré-reforma, ainda constitui um benefício auferido em razão do vínculo laboral, ou seja, “é ainda uma prestação que tem a sua génese no contrato de trabalho, embora modificado”, conforme argumenta aquela Magistrada.

Como tal, o prazo de prescrição tem de ser o definido no artigo 38º da LCT, diploma que vigorava ao tempo do nascimento dos direitos invocados pela autora BB.

Não aderimos portanto, à tese do acórdão recorrido, que se apoia em jurisprudência constante e uniforme respeitante a pensões de reforma ou pensões complementares de reforma, situações distintas do caso presente, pois pressupõem que o contrato de trabalho tenha deixado de existir por força da caducidade operada pela passagem do trabalhador à situação de reforma.


Neste caso, porém, o contrato de trabalho da A manteve-se até Setembro de 2003, data em que caducou pela sua passagem à reforma.
Por isso, e tratando-se ainda duma prestação que tem a sua génese no contrato de trabalho, embora modificado, o prazo de prescrição tem que ser o do artigo 38º da LCT, que ao tempo vigorava (3).
Como a acção só foi ajuizada em 18/11/2004, há muito que se esgotara o prazo de um ano previsto naquele preceito para a A, BB, reclamar os seus créditos da R, pois tendo o prazo de prescrição começado a correr no dia 5 de Setembro de 2003, ele terminaria às 24 horas do dia que lhe corresponde do ano seguinte, ou seja às 24 horas do dia 5 de Setembro de 2004.
Diga-se ainda que, e conforme resulta do art. 323º do Código Civil, a prescrição só se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa, ou indirectamente, a intenção do credor exercer o direito.
E do n.º 2 colhe-se que se a citação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição como interrompida logo que decorram esses 5 dias.
Aplicando estes normativos, a prescrição da R só se interrompeu cinco dias após ter sido requerida, ou seja, em 23 de Novembro de 2004.
De qualquer forma, muito para além do prazo de um ano.
Por outro lado, não há dúvida que se trata de créditos vencidos ainda durante a vigência do contrato de trabalho, pois a A pede a condenação da R a pagar-lhe as diferenças entre o valor das diuturnidades que deixou de receber e o das anuidades a que tinha direito, vencidas desde 1 de Novembro de 1997 e até à reforma, ocorrida em 4/9/03.


Donde resulta que, em qualquer dos casos, se teria de considerar que o prazo de prescrição se consumou.


Pelo exposto, temos de dar razão à recorrente e revogar o acórdão recorrido na parte que diz respeita à A, BB, considerando por isso, procedente a excepção de prescrição dos créditos reclamados por esta.

E como tal vai a R absolvida de todos os pedidos por esta deduzidos, conforme resulta do artigo 493º nº 3 do CPC.

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Termos em que se acorda nesta secção social em conceder a revista.

Custas do recurso a cargo da A, BB Troufa Real, que suportará também as custas nas instâncias.

Lisboa, 13 de Abril de 2011


Gonçalves Rocha (Relator)

Sampaio Gomes

Pereira Rodrigues
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1) - Neste sentido, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 2007, pgªs 867 a 868; Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 2006, 719.
2)- Neste sentido a RL, acórdãos de 14/2/2000 (Sarmento Botelho), disponível no sítio do ITIJ; e de 27/11/2002 (Guilherme Pires), CJ, 154/5.