Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S1831
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: SJ200610240018314
Data do Acordão: 10/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A eficácia probatória de um documento contratual apenas se circunscreve à materialidade das declarações nele contidas, ou seja, à conformidade da vontade então declarada, deixando intocada a relação material subjacente.

II - Daí que o facto de se encontrar provado que os outorgantes declararam o que consta de um determinado documento, não invalida a necessidade de alcançar o sentido último das suas declarações, sobretudo quando estão em causa negócios consensuais em que o que releva é o conteúdo real, decorrente da prática das partes, reservando-se ao documento respectivo uma função subsidiariamente interpretativa.

III - Apesar de as partes assinarem um contrato que apelidaram de prestação de serviços, o mesmo é de qualificar como de trabalho por se constatar que o autor (vendedor/comissionista de automóveis) utilizava as instalações e o equipamento da ré (que se dedica à comercialização de veículos automóveis) para o exercício da sua actividade, cumpria um horário de trabalho fixado pela ré, de quem recebia ordens, auferia uma retribuição fixa que lhe era paga 14 vezes por ano, gozava todos os anos um mês de férias, cuja marcação era aprazada entre as partes e a ré disponibilizava ao autor um veículo automóvel, que este utilizava na sua actividade.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1- RELATÓRIO

1.1.
"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Cascais, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo - com fundamento na natureza laboral da relação jurídica firmada entre as partes e no consequente despedimento ilícito do que foi alvo por parte da Ré - que esta seja condenada a pagar-lhe os componentes retributivos pretensamente em dívida, que discrimina, e a correspondente indemnização por antiguidade, se o Autor vier a optar por ela em detrimento da reintegração devida.
A Ré contestou, sustentando que o vínculo aprazado configura um contrato de prestação de serviços, livremente denunciável, como foi, pelo que não assiste ao Autor o direito aos créditos retributivos e indemnizatórios que reclama.
1.2.
Instruída e discutida a causa, a 1ª instância afirmou a natureza laboral do contrato ajuizado e, na procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor:
- € 3.094,54, a título de diferenças salariais relativamente ao período de 1/4/96 a 31/7/02;
- uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de diferenciais devidos pela Ré, relativamente ao subsídio de férias e de Natal, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.6.";
- uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de trabalho extraordinário prestado nos dias úteis, entre 1997 e 2002 inclusivé, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.7.";
- uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de remuneração complementar por trabalho prestado ao sábado, entre 1997 e 2002 inclusivé, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.7.";
- a quantia de €4.161,60, a título de indemnização por antiguidade;
- uma quantia relativa aos salários intercalares, incluindo férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos desde 30/4/03 até ao trânsito em julgado da decisão, deduzida dos rendimentos auferidos pelo Autor nesse período, a liquidar em execução de sentença;
- a quantia de €431,46, a título de salário relativo ao mês de Abril de 2003;
- a quantia de €287,64, a título de subsídio de férias e de Natal, tendo em conta o trabalho prestado, no ano da cessação do contrato, de 1/1/03 a 30/4/03.
Debalde apelou a Ré, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente a sentença da 1ª instância.
1.3.
Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, em cujo âmbito produziu alegações que remata com o seguinte núcleo conclusivo:
1- as partes celebraram um contrato de prestação de serviços, constante do título por eles assinado, datado de 1/4/96, junto a fls. 15 e 16 e que se dá aqui por inteiramente reproduzido;
2- a recorrente dedica-se à comercialização de veículos automóveis, possuindo, para o efeito, um quadro de vendedores, integrados na empresa por contrato de trabalho, e um grupo de vendedores/comissionistas, ligados à empresa por contrato de prestação de serviços;
3- de harmonia com o estabelecido no referido contrato, o recorrido obrigou-se, expressamente, a exercer a sua actividade para com a recorrente como vendedor - comissionista: com inteira liberdade, sem sujeição às ordens e à direcção da recorrente, a prestar apenas o resultado da sua actividade, com total independência, auferindo pelo resultado do seu trabalho, uma retribuição mensal fixa, sem prejuízo de poder vir a auferir também comissões sobre as vendas, nos termos que viessem a ser fixados pela recorrente para o conjunto dos vendedores-comissionistas;
4- aceitaram ainda as partes que o contrato podia ser revogado por qualquer delas com o aviso prévio de um mês, prazo considerado por ambos como suficiente, nos termos dos art.ºs 1156º e 1172º do C.C., tendo ambos declarado que, no omisso, se aplicariam as disposições do artigo 1154º do mesmo Código;
5- o recorrido prestava a sua actividade profissional de vendedor/comissionista de automóveis, atendendo os clientes e promovendo a venda de automóveis da marca Daihatsu e SSangyong;
6- quando o recorrido não comparecia no stand, avisava previamente o chefe de vendas ou o director comercial da recorrente que tratavam de aí colocar outra pessoa, assegurando, assim, a abertura ao público do stand,
7- sendo que não era exigido ao recorrido que apresentasse qualquer justificação de falta nem a ora recorrente procedia a qualquer desconto na sua retribuição mensal;
8- o recorrido prestou a sua actividade em várias feiras e exposições organizadas pela recorrente;
9- o recorrido emitiu e entregou à Ré as facturas/recibos cujas cópias se encontram juntas a fls. 62 a 83 dos autos, que se referiam a prestação de serviços e que mencionavam o n.º de contribuinte 501464590, indicando a retenção de 17% de IVA e de 20% de IRS sobre cada um dos valores aí indicados;
10- o recorrido apresentou no Ministério das Finanças as declarações de rendimentos referentes aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, relativos a rendimentos provenientes de "Trabalho Independente";
11- o recorrido não invocou, nem se provou, qualquer facto que, de alguma forma, fosse susceptível de pôr em causa a vontade por ele declarada no contrato supra referido;
12- tendo em conta o disposto nos art.ºs 374º n.ºs 1 e 2, 376º n.ºs 1 e 2, 393º n.º 1 e 394º n.º 1 do C.C., e tal como se concluiu no douto Acórdão recorrido, os documentos referidos, quanto aos factos neles contidos que forem contrários aos interesses de declarante, fazem prova plena desses factos, sendo de salientar que não é admissível a produção testemunhal relativamente a convenções constantes de documento particular que beneficie da força probatória plena, nos termos dos art.ºs 393º n.º 2 e 394º n.º 1 do C.C.;
13- assim, o contrato que as partes quiseram celebrar, e que celebraram efectivamente, foi um típico contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho;
14- face ao exposto, o douto Acórdão recorrido, apesar de ter entendido - bem! - que o contrato em causa goza de força probatória plena, acabou por fazer uma errada aplicação da lei aos factos validamente provados, suportando-se em dois indícios constantes do contrato, que não podem ser determinantes (pagamento da retribuição 14 vezes por ano e férias de um mês em cada ano), bem como, erradamente, em factos que foram considerados provados por prova testemunhal que, no caso sub-judice, não era legalmente permitida;
15- face à nova redacção do art.º 12º do C.T. - que aqui se chama à colação, como fez o referido Acórdão, apenas como contributo para a boa decisão da causa, e tendo em consideração o acordado entre as partes no documento que goza de força probatória plena - o ora recorrido ficou vinculado por contrato de prestação de serviços, obrigando-se a prestar o resultado da sua actividade, exercendo os seus serviços com inteira autonomia, sem sujeição às ordens e direcção da ora recorrente, parece indiscutível que estamos perante um contrato de prestação de serviços e não perante um contrato de trabalho;
16- foram violados, entre outros, os art.ºs 374º n.ºs 1 e 2, 376º n.ºs 1 e 2, 393º n.ºs 1 e 2, 394º n.º 1, 1152º e 1154º do C.C. e o art.º 1º do D.L. n.º 49.408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho).
1.4.
O Autor contra-alegou, sustentando a justeza do julgado e a consequente improcedência do recurso.
1.5.
No mesmo sentido se pronunciou, com discordância expressa da recorrente, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
1.6.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:
«1ª
A Primeira Outorgante dedica-se à comercialização de veículos automóveis, dispondo para o efeito, par a além dos vendedores integrados nos quadros da empresa, de um conjunto de vendedores/comissionistas, que exercem os seus serviços com inteira autonomia, sem sujeição às ordens e direcção da Primeira Outorgante e com o objectivo de alcançar resultados determinados.

Pelo presente título o Segundo Outorgante aceita integrar-se no conjunto dos vendedores /comissionistas referidos na cláusula anterior, obrigando-se assim a prestar à Primeira Outorgante o resultado da sua actividade de vendedor/comissionista com total independência, mas sem prejuízo das instruções de serviço que lhe sejam dadas pela Primeira Outorgante.

A actividade do Segundo Outorgante será exercida habitualmente fora das instalações da Empresa, nos termos e pelo modo que o mesmo melhor entender, sem prejuízo de poder também, sempre que se mostre conveniente, ser prestado nos próprios stands que a Primeira Outorgante possui em Lisboa e Cascais.

1. Pelo resultado do seu trabalho o Segundo Outorgante receberá, da Primeira, a retribuição fixa de Esc. 73.500$00 (Setenta e três mil e quinhentos escudos), paga mensalmente, catorze vezes por ano, bem como uma comparticipação para despesas de alimentação no valor de Esc.: 724$00, por cada dia de prestação efectiva de serviço.
2. Para além da retribuição referida no número anterior, o Segundo Outorgante poderá também ter direito a comissões sobre as vendas dos veículos que efectuar, nos termos que forem fixados pela Primeira Outorgante para o conjunto dos vendedores/ comissionistas.

O Segundo Outorgante terá direito a gozar um mês de férias em cada ano, sem prejuízo do direito à retribuição fixa referida na cláusula anterior.

Qualquer das partes pode revogar o contrato com o aviso prévio de um (1) mês, prazo considerado por ambas as partes como suficiente nos termos dos artigos 1156° e 1172° alíneas c) e d) do Código Civil.


No omisso aplicar-se-ão as disposições legais reguladoras do contrato de prestação de serviços, designadamente as dos artigos 1154° e seguintes do Código Civil.
Lisboa, 01 de Abril de 1996.

2. O autor prestava à ré a sua actividade profissional de vendedor/comissionista de automóveis, atendendo os clientes e promovendo a venda de automóveis da marca Daihatsu e Ssangyong.
3. Fazendo-o no Stand que a ré possui em Lisboa, denominado "Garagem ...", sito na Rua ...., onde o autor se encontrava diariamente, de segunda a sexta feira, das 9h00m e as 19h00m (com uma hora e meia para almoço, das 13h00 às 14h30m) e aos Sábados, das 10h00 às 13h00.
4. Correspondendo esse horário ao período de tempo em que o Stand se encontrava aberto ao público, período esse fixado pela ré, sendo o autor a única pessoa que aí prestava actividade.
5. Quando o autor aí não comparecia avisava previamente o chefe de vendas ou o director comercial da ré, que aí tratavam de colocar outra pessoa, assegurando, assim, a abertura ao público do Stand, sendo que não era exigido ao autor que este apresentasse qualquer justificação de falta nem a ré procedia a qualquer desconto na retribuição aludida supra em 1., esclarecendo-se que, ao longo do tempo e desde 1 de Abril de 1996 tal situação ocorreu cerca de 3/4 vezes.
6. O autor prestava ainda a sua actividade em várias feiras e exposições organizadas pela ré, para promoção e venda de veículos automóveis, fixando a ré uma "escala de serviço" para os diversos vendedores, entre os quais o autor e convocando os mesmos a comparecerem.
7. Assim, o autor esteve na exposição realizada no Shopping de Cascais, no período de 23 a 29 de Junho de 1997, prestando a sua actividade:
- em 25.06.97, das 16.30h às 23h;
- em 26.06.97, das 10.00h às 16.30h;
- em 27.06.97, das 16.30h às 23h;
- em 28.06.97, das 10.00h às 16.30h;
- em 29.06.97 (Domingo), das 16.30h às 23h;
Esclarece-se que, com referência a esta exposição:
- a ré determinou que "o Stand aludido terá sempre a presença obrigatória de 1 Vendedor quando indicado na escala, salvo na hora da refeição onde os vendedores deverão alternar", sendo o período de Almoço/Jantar de 1 hora", conforme documento junto a fls. 17 dos autos;
- fixando um regime de turnos, um das 10h às 16.30h e outro das 16.30h às 23.00horas;
8. E esteve na exposição realizada no Centro Comercial Colombo, no período de 28 de Abril de 1998 a 10 de Junho de 1998, para promoção e venda de veículos da marca Ssangyong:
- em 28.04.98, das 10h às 17h;
- em 29.04.98, das 17h às 24h;
- em 30.04.98, das 10h às 17h;
- em 01.05.98, das 17h às 24h;
- em 02.05.98, das 10h às 17h;
- em 03.05.98, das 17h às 24h (domingo) ;
- em 05.05.98, das 10h. às 17h;
- em 06.05.98, das 17h às 24h;
- em 07.05.98, das 10h às 17h;
- em 08.05.98, das 17h às 24h;
- em 11.05.98 das 10h às 17h;
- em 12.05.98, das 17h às 24h;
- em 14.05.98 das 10h às 17h;
- em 15.05.98, das 17h às 24h;
- em 16.05.98 das 10h às 17h;
- em 17.05.98, das 17h. às 24h. (domingo);
- em 19.05.98 das 10h às 17h;
- em 20.05.98, das 17h às 24h;
- em 21.05.98 das 10h às 17h;
- em 22.05.98, das 17h às 24h;
- em 23.05.98, das 17h às 24h;
- em 24.05.98, das 10h. às 17h. (domingo) ;
- em 25.05.98, das 10h. às 17h.;
- em 26.05.98, das 17h às 24h;
- em 28.05.98, das 10h. às 17h.;
- em 29.05.98, das 17h às 24h;
- em 30.05.98, das 10h. às 17h.;
- em 01.06.98, das 10h. às 17h;
- em 02.06.98, das 17h às 24h;
- em 03.06.98, das 10h. às 17h;
- em 05.06.98, das 17h às 24h;
- em 06.06.98, das 17h às 24h;
- em 07.06.98, das 17 às 24h (domingo) ;
- em 08.06.98, das 17h às 24h;
- em 09.06.98, das 10h. às 17h;
- em 10.06.98, das 10h. às 17h;
Esclarece-se que, com referência a esta exposição a ré fixou um regime de turnos, um das 10h às 17h e outro das 17h às 24.00horas.
9. E esteve na exposição realizada no Centro Comercial Colombo, no período de 11 de Junho de 1998 a 12 de Julho de 1998, para promoção e venda de veículos da marca Daihatsu:
- em 11.06.98, das 17h às 24h;
- em 12.06.98, das 10h às 17h;
- em 13.06.98, das 10h às 17h;
- em 14.06.98, das 10h às 17h (domingo);
- em 16.06.98, das 17h às 24h;
- em 17.06.98, das 10h às 17h;
- em 18.06.98, das 17h às 24h;
- em 19.06.98, das 10h às 17h;
- em 21.06.98, das 10h às 17h (domingo);
- em 22.06.98, das 17h às 24h;
- em 23.06.98, das 10h às 17h;
- em 24.06.98, das 17h às 24h;
- em 25.06.98, das 10h às 17h;
- em 26.06.98, das 17h às 24h;
- em 27.06.98, das 10h às 17h;
- em 28.06.98, das 17h às 24h (domingo);
- em 30.06.98, das 10h às 17h;
- em 01.07.98, das 17h às 24h;
- em 02.07.98, das 10h às 17h;
- em 03.07.98, das 17h às 24h;
- em 04.07.98, das 17h às 24h;
- em 05.07.98, das 17h às 24h (domingo);
- em 06.07.98, das 10h às 17h;
- em 07.07.98, das 17h às 24h;
- em 08.07.98, das 10h às 17h;
- em 09.07.98, das 17h às 24h;
- em 10.07.98, das 10h às 17h;
- em 11.07.98, das 17h às 24h;
- em 12.07.98, das 10h às 17h (domingo);
Esclarece-se que, com referência a esta exposição a ré fixou um regime de turnos, um das 10h às 17h e outro das 17h às 24.00horas.
10. E esteve na exposição realizada, em local não apurado, no período de 28 de Novembro de 1998 a 6 de Dezembro de 1998, para promoção e venda de veículos da marca Daihatsu e Saangyong,;

- em 01.12.98, das 20h às 23h;
- em 02.12.98, das 15h. às 20h.;
- em 03.12.98, das 15h às 20h;
- em 04.12.98, das 20h às 23h;
- em 05.12.98, das 20h às 23h;
- em 06.12.98, das 15h às 20h. (domingo);

Esclarece-se que, com referência a esta exposição, a ré fixou um regime de turnos, um das 15h às 20h e outro das 20h às 23horas, apresentando-se os vendedores do 2° turno já com a refeição tomada.
11. E esteve na exposição realizada no Shopping de Palmeiras, no período de 22 de Março de 1999 a 28 de Março de 1999:
- em 22.03.99, das 19.30h às 23h;
- em 23.03.99 das 10h. às 19.30h;
- em 24.03.99, das 19.30h às 23h;
- em 26.03.99 das 10h. às 19.30h;
- em 27.03.99 das 10h. às 19.30h;
- em 28.03.99, das 19.30h às 23h (domingo);

Esclarece-se que, com referência a esta exposição, a ré fixou um regime de turnos, um das 10h às 19.30h e outro das 19.30h às 23horas, apresentando-se os vendedores do 2° turno já jantados.
12. E esteve na exposição realizada no 7° Salão Internacional do Automóvel, no período de 26 de Maio de 2000 a 4 de Junho de 2000:

- em 26.05.2000, das 17h às 20h;
- em 27.05.2000, das 14h às 20h;
- em 28.05.2000, das 19h às 24h (domingo) ;
- em 29.05.2000, das 17h às 24h;
- em 30.05.2000, das 17h às 24h;
- em 31.05.2000, das 17h às 24h;
- em 01.06.2000, das 17h às 24h;
- em 02.06.2000, das 17h às 24h;
- em 03.06.2000, das 14h às 20h;
- em 04.06.2000, das 14h às 20h. (domingo);

Esclarece-se que, com referência a esta exposição, a ré fixou um regime de turnos.
13. No exercício da sua actividade o autor utilizava os meios de trabalho fornecidos pela ré, nomeadamente telefones e faxes da empresa e do stand respectivo, bem como automóvel, sendo o último da marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula RU.
14. O autor tinha em sua posse as chaves do referido stand sito na Rua ...., em Lisboa, já que era o autor quem procedia à abertura e encerramento do stand todos os dias.
15. O autor recebia instruções em matéria de política comercial descontos, preços e outras matérias técnicas relacionadas com a venda de automóveis - do director comercial da ré, inicialmente, o Sr. BB e, a partir de Dezembro de 2001, o Sr. CC.
16. Tendo o Sr. BB emitido, em 20 de Junho de 1997, a "comunicação interna" constante do documento junto a fls. 17 dos autos, com esse teor.
17. A quantia de Esc. 73.500$ 00 supra aludida em 1. manteve inalterada ao longo do tempo.
18. O autor emitiu e entregou à ré as facturas/recibos cujas cópias foram juntas a fls. 62 a 83, que indicou serem referentes a "Prestação de Serviços", com o n° de contribuinte 501464590, indicando a retenção de 17% de IVA e de 20% de IRS, sobre cada um dos seguintes valores ilíquidos:
N° 0118, datada de 30/01/01, pelo valor de 438.072$00;
N° 0119, datada de 28/02/01, pelo valor de 441.000$00;
N° 0120, datada de 30/03/01, pelo valor de 280.500$00;
N° 0121, datada de 30/04/01, pelo valor de 146.500$00;
N° 0151, datada de 31/01/01, pelo valor de 196.956$00;
N° 0153, datada de 30/06/01, pelo valor de 119.263$00;
N° 0154, datada de 30/07/01, pelo valor de 218.376$00;
N° 0155, datada de 30/08/01, pelo valor de 73.500$00;
N° 0157, datada de 30/09/01, pelo valor de 149.368$00;
N° 0158, datada de 31/10/01, pelo valor de 210.160$00;
N° 0159, datada de 30/11/01, pelo valor de 290.156$00;
N° 0161, datada de 30/12/01, pelo valor de 213.153$00;
N° 0169, datada de 30/01/02, pelo valor de 710,79€;
N° 0202, datada de 27/03/02, pelo valor de 366,62€;
N° 0201, datada de 28/02/02, pelo valor de 1661,59€;
N° 0204, datada de 30/05/02, pelo valor de 491,32€;
N° 0203, datada de 30/04/02, pelo valor de 829, 67€;
N° 0209, datada de 30/07/02, pelo valor de 960,82€;
N° 0206, pelo valor de 724,94€;
N° 0214, datada de 30/09/02, pelo valor de 466,62€;
N° 0213, datada de 31/08/02, pelo valor de 922,73€;
N° 0215, datada de 30/10/02, pelo valor de 366,62€;
N° 0216, datada de 30/10/02, pelo valor de 228,44€;
N° 0219, pelo valor de 366,62€;
N° 0217, datada de 30/11/02, pelo valor de 733,22€;
N° 0220, datada de 31/01/03, pelo valor de 366,62€;
N° 0221, datada de 28/02/03, pelo valor de 456,52€;
N° 0222, datada de 30/03/03, pelo valor de 590,35€.
19. O autor apresentou no Ministério das Finanças as declarações de rendimentos cujas cópias forma juntas a fls. 23 a 26, relativas a rendimentos provenientes de "Trabalho Independente", relativas:
Ao ano de 1997 pelo rendimento de 2.801.414$00;
Ao ano de 1998 pelo rendimento de 5.358.477$00;
Ao ano de 1999 pelo rendimento de 3.640.024$00;
Ao ano de 2000 pelo rendimento de 3.064.965$00.

20. Nas quantias pagas pela ré ao autor aquela efectuava a retenção na fonte dos valores correspondentes IRS, conforme documentos de fls. 27 a 38.
21. Em 20 de Fevereiro de 2003 a ré emitiu e entregou ao autor a declaração que foi junta, em cópia, a fls. 39 dos autos, referindo que no ano fiscal de 2002 o autor auferiu rendimentos da "categoria B" no montante de 8830,02€, sendo a importância retida de 1766€.
22. No dia 27 de Março de 2003, a ré comunicou por escrito ao autor que revogava o "Contrato de Prestação de Serviços celebrado com V. Exa. no dia 01 de Novembro de 1995, revogação que produz efeitos a partir do dia 30 de Abril de 2003", conforme missiva junta, em cópia, a fls. 40.
22. O autor e a ré subscreveram o documento junto, em cópia, a fls. 41 e 42 dos autos, apondo no mesmo as respectivas assinaturas, documento que dataram de 1 de Novembro de 1995, com esse teor.
23. Na missiva supra aludida em 22. a ré pretendia reportar-se ao documento supra aludido em 1, reportando-se, por lapso, ao documento supra referido em 22.
24. O autor sempre gozou férias, nos termos aludidos na cláusula 5ª supra referida em 1., esclarecendo-se que a determinação do concreto período de tempo em que o autor gozava tais férias era feita, previamente, todos os anos, por acordo entre o autor e a ré.
25. A ré não instaurou ao autor qualquer processo disciplinar.»

3- DIREITO

3.1.
Conforme resulta da exposição lavrada na rubrica "Relatório", toda a controvérsia das partes se reconduz à questão de saber se o contrato aprazado entre ambas deve ser qualificado como contrato de trabalho subordinado - é a tese do Autor - ou como contrato de prestação de serviços - é o entendimento da Ré.
Essa qualificação é decisiva para concluir se a "revogação" do vínculo, operada pela Ré através do documento junto a fls. 40 dos autos, é ilícita e se, consequentemente, são devidos ao Autor os créditos retributivos e indemnizatórios por ele reclamados no petitório da acção.
Subscrevendo a tese do Autor, no que concerne à qualificação do contrato, as instâncias concederam-lhe parcial ganho de causa, condenando a Ré a pagar-lhe os créditos remuneratórios que consideraram em dívida, bem como a indemnização por antiguidade decorrente do seu, ali afirmado, despedimento ilícito.
Retomando a tese que sempre defendeu ao longo da acção, a Ré questiona o entendimento perfilhado, continuando a sustentar que o vínculo firmado pelas partes deve ser qualificado como contrato de prestação de serviços, com a inevitável consequência que daí decorre: a sua absolvição do pedido, uma vez que a "revogação" operada tem plena cobertura legal.
Como assim, o objecto da revista também se circunscreve à qualificação do contrato.
Todavia, a censura da recorrente assume uma configuração específica, conforme flúi do núcleo conclusivo recursório: ancorando-se na força probatória plena que atribui ao texto escrito do contrato, aduz que as instâncias não podiam dar como provada - mas fizeram-no - qualquer factualidade que contrariasse esse texto, sendo que este, em sua opinião, não consente qualquer dúvida sobre a vontade negocial expressa pelas partes: a de celebrar um contrato de prestação de serviços.
Por isso, a nossa atenção deve centrar-se, "prima facie", no acervo factual que vem dado como provado.
3.2.1.
Neste domínio probatório, refere a recorrente que o Acórdão da Relação fez "... uma errada aplicação da lei aos factos validamente provados, suportando-se em dois índices constantes do contrato, que não podem ser determinantes (pagamento da retribuição 14 vezes por ano e ferias de um mês em cada ano), bem como, erradamente, em factos que foram considerados provados por prova testemunhal que, no caso sub-judice, não era legalmente permitida".
Embora não identifique, como devia, a factualidade que considera ilegalmente dada como provada, não é difícil concluir que a recorrente se está a reportar aos factos constantes dos n.ºs 3 a 16 dos "Factos Assentes".
Como se vê, vem expressamente aduzida a violação da força probatória que decorre do texto contratual em apreço.
Enquanto tribunal de revista, incumbe ao S.T.J. fiscalizar a aplicação do direito aos factos e não controlar a matéria de facto fixada pelas instâncias.
Todavia, esta regra comporta as duas excepções plasmadas no art.º 722º n.º 2 do Cod. Proc. Civil: "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
Em consonância com o comando transcrito, também o art.º 729º n.º 2 daquele compêndio adjectivo estabelece que "A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º".
Esse "caso excepcional", que abarca as duas assinaladas excepções, corporiza uma violação das regras do direito probatório material: compreende-se, por isso, a sua sindicância pelo Supremo, uma vez que as mesmas se reconduzem à violação de normas de direito substantivo, sendo que essa violação constitui, afinal o fundamento específico do recurso de revista - art.º 721º n.º 2 do mesmo Código.
Reconhecida a sindicabilidade, no caso, da decisão factual das instâncias, é altura de enfrentar a censura produzida.
3.2.2.
A nossa análise deverá incidir, desde logo, sobre os argumentos que a recorrente convoca, a começar pelo tipo de prova admissível.
É de todo inegável que o documento,, onde se acha titulado o contrato dos autos, constitui um documento particular que, por não ter sido impugnado pelas partes, goza de força probatória plena, nos termos constantes do art.º 376º do Cod. Civil.
Com efeito, recuando ao art.º 374º n.º 1, para o qual remete aquele art.º 376º, ali se consigna que "A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (...)".
E "O documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento" (n.º 1 do citado art.º 376º).
Por outro lado, "Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos previstos para a prova por confissão" (n.º 2).
Finalmente, dispõe o art.º 394º n.º 1 do mesmo Código que "É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores".
Arrimando-se aos preceitos transcritos, sustenta a recorrente - como se disse - que está vedada a produção de qualquer prova, designadamente testemunhal, que possa contrariar eventualmente o texto do contrato ajuizado.
Vejamos.
A proibição da prova testemunhal, contra ou para além das declarações provadas por documento particular com força probatória plena, radica na consabida falibilidade daquele meio da prova e no consequente perigo da sua eventual prevalência sobre a prova documental já adquirida.
Não obstante, vem sendo entendido que a proibição enunciada no art.º 394º n.º 1 não deve assumir carácter absoluto, sob pena de vir a ser porventura comprometida, de modo intolerável, a justiça do caso concreto.
Vaz Serra defende a admissibilidade da prova testemunhal, desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar e, bem assim, quando exista um começo de prova por escrito, isto é, qualquer escrito proveniente daquele contra quem a acção é dirigida e que indicie a veracidade do facto alegado (B.M.J. 112/193 e R.L.J. 103º, pág. 13).
Mais expressivamente, sustenta Mota Pinto que "... constitui excepção à regra do art.º 394º e, por isso, deve ser permitida, a prova por testemunhas, no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado, quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental" (C.J., 1985, III, pág. 9).
No caso dos autos, pretende o Autor que o contrato foi executado em termos parcialmente divergentes do texto respectivo.
Mais em concreto - e designadamente - alega que esse modo de execução lhe impunha a observância de um horário de trabalho fixado pela Ré e a sua submissão a ordens que dela emanavam.
Importa reconhecer que esta versão contraria frontalmente o teor das cláusulas 1ª, 2ª e 3ª do contrato.
Sucede, porém, que o Autor juntou aos autos uma "comunicação interna" subscrita pelo Director Comercial da Ré - que confirmou em audiência a sua autoria - fixando o horário que os diversos "vendedores", entre eles o demandante, deviam cumprir no decurso de um determinado certame - doc. Fls. 17.
E também juntou diversas "Escalas de Serviço" para outros eventos onde a Ré se achava representada, na qual era imposta ao Autor a observância de um horário por turnos - docs. Fls. 18 a 21.
Estes documentos não podem deixar de ser entendidos como um suporte documental bastante para que, a partir dele, se pudesse complementar, mediante prova por testemunhas, a assinalada versão do Autor.
É dizer que essa versão já se arrimava em "... prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado".
Consequentemente, nada impedia que as instâncias aceitassem a produção de prova testemunhal sobre a matéria, alargando-a, inclusivamente, a outra factualidade também carreada ao petitório inicial.
3.2.3.
Ainda neste domínio probatório - e porque a recorrente tanto insiste na força inatacável do documento escrito - convém recordar que o citado art.º 376º também assinala que "... a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão" (n.º2).
No caso dos autos, é inegável que o texto contratual contém vários indicadores, assumidos pelas partes, que apontam para a existência de um contrato de prestação de serviços, a começar pela própria designação dada ao vínculo e prosseguindo com as cláusulas que anunciam a autonomia prestacional e a independência do Autor, bem como a faculdade de revogação do contrato, por qualquer das partes, com o pré-aviso de 30 dias.
Mas, a par disso, também existem cláusulas que, ao invés, se aproximam do vínculo laboral, como aquelas que estabelecem uma retribuição mensal fixa, paga 14 vezes por ano, e a atribuição de um subsídio alimentar por cada dia de trabalho efectivo e de férias.
Quer isto dizer que, no caso, a confissão global não se harmoniza, necessária e exclusivamente, com um ou outro dos modelos contratuais em confronto, sendo que a força probatória plena emergente da "confissão" pode ser contrariada por meio da prova do contrário, onde se mostre não ser verdadeiro o facto que dela foi objecto - art.º 347º do Código Civil.
3.2.4.
Tentámos analisar, até aqui, os argumentos da recorrente, todos eles reconduzíveis à eficácia das provas e ao correspondente âmbito de produção.
Mas não podemos ignorar que o objecto do pleito visa a qualificação jurídica do vínculo estabelecido.
O que está em causa, pois, é a interpretação do negócio jurídico celebrado, havendo que fixar o seu sentido e alcance, bem como os efeitos que visou produzir.
Neste contexto, caberá dizer que a eficácia probatória do documento contratual se circunscreve à materialidade das declarações nele contidas e já não também à sua exactidão (cfr. Acs. deste Supremo de 3/5/77 e de 6/3/80 in B.M.J. 267/125 e 295/369, respectivamente).
Por isso, essa eficácia probatória apenas evidencia a conformidade da vontade então declarada, deixando intocada a relação material subjacente.
O facto de estar provado que os outorgantes disseram o que consta de tal documento, não invalida a necessidade de alcançar o sentido último das suas declarações.
E, em sede de interpretação de contratos formais, não se questiona a legitimidade do recurso a elementos extrínsecos - cfr., por todos, o Ac. deste Supremo de 31/10/79 in B.M.J. 290/340.
Convém recordar que o contrato dos autos - qualquer que seja a respectiva qualificação - tem duas componentes: a componente estática (coincidente com a sua formalização) e a componente dinâmica e a componente dinâmica (coincidente com o seu desenvolvimento efectivo).
Sendo assim, nada poderá impedir que um dos contratantes possa invocar em juízo a desconformidade entre o clausulado - ou parte dele - do contrato, e os termos em que o mesmo veio a ser efectivamente executado, podendo daí resultar uma qualificação jurídica diversa daquela que os outorgantes lhe atribuíram.
Conforme se anota no Acórdão desta 4ª Secção do Supremo de 3/5/06, "...A força probatória do documento (contratual) poderá ... não se reflectir directamente na relação material subjacente, quando se constate, na prática, que a relação jurídica subsistente entre as partes tem sido desenvolvida em termos divergentes relativamente ao estabelecido contratualmente ou a qualquer declaração negocial por alguma delas emitida" (Ver. n.º 572/06 - Rel. Cons. Fernandes Cadilha).
Bem se compreende que assim seja: é que não estará em causa, na espécie, a incidência de prova sobre o conteúdo das declarações emitidas mas antes sobre o comportamento posterior dos contratantes, em ordem a saber que tipo contratual veio a ser por eles implementado.
Esta indagação é importante - quando não decisiva - em todos os contratos de execução continuada.
A este respeito, escreve Albino Mendes Baptista (in "jurisprudência do Trabalho Anotado", 3ª ed., pág. 56, nota 7):
"Tendo em conta a frequência com que nas relações de trabalho o acordado e o realmente executado entram em contradição, só pela execução efectiva é possível determinar, com alguma frequência, a vontade das partes, tanto mais que a relação emergente do contrato pode sofrer uma crise de identidade relativamente ao momento inicial da celebração".
E, neste contexto, cita Heinrich E. Harster:
"Para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva, não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva".
Este entendimento não poderá deixar de ser inteiramente acolhido nos negócios consensuais - como é o caso - em que releva sobretudo o conteúdo real, decorrente da prática das partes, reservando-se ao documento respectivo uma função subsidiariamente interpretativa.
3.2.5.
As considerações expostas estão - assim o cremos - em absoluta consonância com os critérios interpretativos legais (art.ºs 236º e segs. do Cod. Civil).
Na verdade:
- quando a declaratário desconhece a vontade real do declarante, a declaração negocial deve ser interpretada de acordo com o que faria um declaratário normal, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou susceptíveis de o serem;
- nos próprios negócios formais, apenas se exige (e nem sempre) que o sentido da declaração tenha "... um mínimo correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso" - art.º 238º;
- nos negócios onerosos, em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que "... conduza ao maior equilíbrio das prestações" - art.º 237º;
- na tarefa interpretativa, importa designadamente atender, "... aos termos do negócio, aos interesses nele compreendidos, ao seu mais razoável tratamento, ao objectivo do declarante, às negociações preliminares e aos usos" (Vaz Serra in R.S.J. 11º/120);
- nessa tarefa, haverá que relevar também (como aqui particularmente importa), os modos de conduta das partes posteriores do negócio formalizado (cfr. Rui Alarcão in B.M.J. 84/334).
Sendo assim, devemos concluir que toda a factualidade alegada pelas partes era, no caso, susceptível de relevar para a decisão do pleito, podendo sobre ela ser produzido - como foi - qualquer meio de prova.
3.3.
Perante a solução dada à questão anterior, a qualificação do contrato há-de ser feita à luz da factualidade dada como provada nos autos.
Essa tarefa não parece difícil pois, como já dissemos, a censura da recorrente não se dirige tanto à qualificação extraída da factualidade dada como provada mas, essencialmente, à forma como esse acervo factual foi recolhido.
Já cuidaram as instâncias de enunciar exaustivamente os critérios legais de diferenciação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços e, bem assim, os índices que importa coligir no caso de não se comprovar directamente uma situação de subordinação jurídica por banda do prestador.
Neste particular, cabe apenas recordar que a diferenciação fundamental entre os dois módulos contratuais se reporta ao resultado do trabalho prestado, como característica estruturante da prestação de serviços, em contraposição à actividade subordinada, que caracteriza o vínculo laboral.
Cabe ainda sublinhar que os índices atendíveis, tomados de per si, assumem uma patente relatividade, impondo-se que o juízo de aproximação a cada modelo se faça no contexto global do caso concreto.
E, no concreto destes autos, verifica-se que:
- o autor utilizava as instalações e o equipamento da Ré para a sua actividade e quando os desenvolvia fora dessas instalações - em feiras ou em exposições - fazia-o mediante expressa convocação da Ré - factos 3, 6 e 13;
- a Ré disponibilizava ao Autor um veículo automóvel, que este utilizava na sua actividade - facto 13;
- o Autor cumpria um horário de trabalho fixado pela Ré;
- de quem recebia ordens - já que esta o convoca para comparecer nas feiras e exposições, de harmonia com as escalas de serviço que ela organizava - facto 6 - assim como recebia instruções da Ré em matéria de política comercial - factos 15 e 16;
- tinha uma retribuição fixa, que lhe era paga 14 vezes por ano, e um subsídio de alimentação (cl.ª 4ª n.º 1);
- gozava todos os anos um mês de férias, cuja marcação era pontualmente aprazada entre as partes - facto 24.
Perante estes elementos, o assinalado juízo global não pode deixar de apontar para a existência de um vínculo de subordinação jurídica, é dizer, para a verificação de um contrato de trabalho.
Com efeito, não só se evidencia um certo grau de controlo da actividade exercida pelo Autor, como, sobretudo, se anota a sua efectiva inserção na organização funcional da Ré.
Neste contexto, não pode minimamente relevar o "nomem júris" atribuído pelas partes no texto do contrato nem, tão-pouco, alguns desvios que se anotam no clausulado - e na prática - relativamente ao modelo laboral, sobretudo na área tributária.
Improcede, destarte, a tese da recorrente.

4- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão impugnado.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2006
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis