Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2817
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: BURLA
BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES
CRIME DE EXECUÇÃO VINCULADA
CRIME DE RESULTADO
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
ENGANO
ERRO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO APARENTE
CONSUMPÇÃO
VIOLÊNCIA
AMEAÇA
ROUBO
CARTÃO MULTIBANCO
Nº do Documento: SJ20081105028173
Data do Acordão: 11/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - No plano da tipicidade, o crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do CP é um crime de execução vinculada, no sentido de que a lesão do património se produz através da intromissão nos sistemas e da utilização em certos termos de meios informáticos. E é um crime de resultado – embora de resultado parcial ou cortado –, exigindo que seja produzido o prejuízo patrimonial de alguém.
II - A tipicidade do meio de obtenção de enriquecimento ilegítimo (com o prejuízo patrimonial de alguém) consiste, como resulta da descrição do tipo, na interferência «no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático», na «utilização incorrecta ou incompleta de dados», na «utilização de dados sem autorização» ou na «intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento».
III - Pela amplitude da descrição, o tipo do art. 221.º, n.º 1, do CP parece constituir um plus relativamente ao modelo de protecção contra o acesso ilegítimo a um sistema ou rede informática previsto no art. 7.º da Lei 109/91, de 17-08 (Lei da Criminalidade Informática).
IV - A dimensão típica remete, pois, para a realização de actos e operações específicas de intromissão e interferência em programas ou utilização de dados nos quais está presente e aos quais está subjacente algum modo de engano, de fraude ou de artifício que tenham a finalidade de obter enriquecimento ilegítimo e através do qual se realiza esta específica intenção, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial.
V - Assim, há-de estar sempre presente um erro directo com finalidade determinada, um engano ou um artifício sobre dados ou aplicações informáticas – interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento.
VI - Daí o nomen (“burla informática”) introduzido com a Reforma de 1995, em adaptação da fonte da disposição, a Computerbetrug do art. 263a do Strafgesetzbuch alemão, novo tipo penal, surgido em 1986, que prescinde, no entanto, do engano e do correlativo erro em relação a uma pessoa.
VII - Na interpretação conjugada e também no primeiro módulo da interpretação de uma disposição penal (na identificação dos elementos do tipo, na descrição chegada à letra, por respeito para com os princípios da tipicidade e da legalidade), os nomina têm relevância pelas referências conceptuais na unidade do sistema para que apontam ou que pressupõem. Por isso, a burla informática, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla – art. 217.º do CP), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados.
VIII - As condutas típicas referidas no art. 221.º, n.º 1, do CP constituem, assim, na apreensão intrínseca e na projecção externa, modos de descrição de modelos formatados de prevenção da integridade dos sistemas contra interferências, erros determinados ou abusos de utilização que se aproximem da fraude ou engano, contrários ao sentimento de segurança e fiabilidade dos sistemas.
IX - O bem jurídico protegido é essencialmente o património: o crime de burla informática configura um crime contra o património, por comparação e delimitação relativamente aos bens jurídicos protegidos em outras incriminações, referidas à tutela de valores de natureza patrimonial ou de protecção da própria funcionalidade dos sistemas informáticos (cf. José de Faria Costa e Helena Moniz, Algumas reflexões sobre a criminalidade informática em Portugal, in BFDUC, Vol. LXXIII, 1997, págs. 323-324, e A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 328 e ss.). A inserção sistemática constitui, neste aspecto, um elemento relevante para a definição e delimitação do bem jurídico protegido.
X - A coordenação entre a natureza do bem jurídico protegido e a especificidade típica como crime de execução vinculada supõe que a produção do resultado tenha de ser determinada por procedimentos e acções que sejam tipicamente vinculados na descrição específica da norma que define os elementos materiais do crime. Importa, por isso, testar o caso também no plano da unidade ou pluralidade de infracções quando confluam elementos de outros ilícitos contra o património.
XI - A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no art. 30.º do CP a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
XII - O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal (há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime – pluralidade de acções – e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes – unidade de acção).
XIII - O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
XIV - Com efeito, ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
XV - A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segundo regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
XVI - Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cf., v.g., H. Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, 5.ª ed., pág. 788 e ss.).
XVII - A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
XVIII - O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério do bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cf. Ac. do STJ no Proc. n.º 1942/06 - 3.ª).
XIX - Não se integram no quadro de tipicidade específica do art. 221.º, n.º 1, do CP os factos provados que revelem que, na utilização de dados, não existiu qualquer erro, engano ou, nos limites da descrição típica, artifício pressuposto no contexto à própria utilização abusiva ou sem autorização, antes e diversamente que os dados (o número de código do cartão de débito) foram obtidos através de violência contra as pessoas (no caso, ameaça séria – utilização de uma faca – contra a integridade física da titular do cartão).
XX - Na situação vertente o que existiu efectivamente foi uma acção de violência contra a ofendida, constrangendo-a à entrega de um título e de elementos adjacentes que permitiam o acesso a coisa móvel – dinheiro –, que integra tipicamente um roubo (art. 210.º do CP), mais especificamente do que o constrangimento, por meio de violência, a uma disposição patrimonial (art. 223.º do CP).
XXI - A questão colocar-se-á, assim, no plano da tipicidade e da configuração da acção em concreto. No caso, existe uma conexão temporal e espacial tão estreita, próxima e cerrada de uma série de actos, que só se compreende em vinculação de significado de tal natureza num único facto, no sentido de um só tipo de ilicitude, fundamentando-se dogmaticamente na particular e concreta unidade de acção. Com efeito, a posterior utilização do cartão por meio do número de código nada acrescenta à resolução que conformou a obtenção dos referidos elementos: constitui apenas o acabamento, em unidade, da mesma acção empreendida, sem autonomia típica ou valorativa (cf. a decisão do Bundesgerichsthof de 17-08-2004, 5 StR 197/04).
XXII - Não se vê, nesta perspectiva, diferença valorativa entre a obtenção do cartão e dos dados através de violência, com a sequente e imediata utilização dos dados, e um eventual uso do título e dos dados pelo próprio titular sob ameaça grave ou coacção.
XXIII - Nestas circunstâncias há que concluir que estão integrados os elementos do crime de roubo, perdendo qualquer autonomia, ou estando mesmo tipicamente excluída, a integração do crime de burla informática.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. O Ministério Público acusouAA, solteiro, nascido a 17 de Maio de 1986, em Lisboa, filho de ... e de ..., residente na Rua ...., n.º 0, c/v dtª, em São João da Talha, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso real de:
- Seis (6) crimes de roubo, cinco (5) dos quais previstos e puníveis pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) e o outro previsto e punível pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº1 alínea a) e nº 2 alínea f), do Código Penal;
- Quatro (4) crimes de sequestro, previstos e puníveis pelo artigo158º, nº1, do Código Penal;
- Cinco (5) crimes de coacção grave, previstos e puníveis pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº 1 alínea a) do Código Penal;
- Um (1) crime de coacção, previsto e punível pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal;
- Quatro (4) crimes de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, nº2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e
- Um (1) crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 221º, nº 1, do Código Penal.

2. No decurso da audiência de julgamento o tribunal verificou uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, considerando tais factos susceptíveis de integrar a prática pelo arguidoAA de seis (6) crimes de roubo, três (3) dos quais previstos e puníveis pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), um (1) previsto e punível pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº1 alínea a) e nº 2 alínea f), todos do Código Penal, e dois (2) previstos e puníveis pelo artigo 203º, n.º 1, do mesmo Código Penal, alteração comunicada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, do Código de Processo Penal.
3. Discutida a causa, o arguido foi condenado pela prática em autoria material, e em concurso real:
- Por cada um dos crimes de roubo, três (3) dos quais previstos e puníveis pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), um (1) previsto e punível pelo artigo 210º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº1 alínea a) e nº 2 alínea f), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
- Por cada um dos 2 crimes de roubo previstos e puníveis pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
- Por cada um dos 4 crimes de sequestro previstos e puníveis pelo artigo158º, nº1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
- Por cada um dos 5 crimes de coacção grave previstos e puníveis pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
- Por um crime de coacção previsto e punível pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
- Por cada um dos 4 crimes de condução sem habilitação legal previsto e punível pelo artigo 3º, nº2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão.
- Por um crime de burla informática previsto e punível pelo artigo 221º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares, o arguido foi condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

4. Não se conformando, recorre para o Supremo Tribunal com os fundamentos constantes da motivação que apresentou e que termina com as seguintes conclusões:
1. As penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas pala medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos;
2. A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida;
Assim
3. O Acórdão condenatório […] foi proferido numa manifesta desproporção da pena aplicada ao arguido, considerando quer a pena aplicada e aos fins das penas;
4. Entende o recorrente, que face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena revela-se desequilibradamente doseada;
II - DA PENA
5. No caso presente o limite mínimo da pena corresponde ao concurso de 4 (quatro)
anos de prisão e o máximo 25 (vinte e cinco) anos de prisão ;
6.O recorrente foi condenado a uma pena de prisão efectiva de 9 anos de prisão que, face ao caso concreto, se considere desadequado;
7. Uma vez que, o Tribunal ao aplicar pena de prisão efectiva ao recorrente teve em consideração essencialmente o aspecto punitivo e não ponderou, salvo opinião contrária, o aspecto pedagógico que deve estar presente na aplicação de qualquer pena;
8.A pena aplicada deverá ser de molde a retribuir ao agente, proporcionalmente, o desvalor da sua acção, bem como deve ter […] um efeito dissuasor sobre a generalidade dos cidadãos para prevenir a prática de novos crimes;
9. De acordo com o número 1, parte final, do artigo 40º do Código Penal, a pena a aplicar visa a reintegração do agente na sociedade, logo, a aplicação da pena de 9 (nove) anos a quem está integrado social e familiarmente como resulta comprovado dos autos, certamente, contraria a ratio deste preceito legal e do verdadeiro fim das penas;
10. Por sua vez, o número 1 do artigo 71º do Código Penal estipula que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção devendo, conforme previsto no seu número 2, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente às aí enumeradas;
11. No caso concreto o recorrente AA aceita e reconhece toda a censura que se faz constar no Acórdão recorrido;
12. Não põe em causa, nem é essa a intenção deste recurso, a gravidade dos factos que cometeu;
13. Está pronto a pagar a dívida à sociedade, de acordo com os valores e bens jurídicos que se pretendem ver protegidos e acautelados;
14. Aceita humildemente toda a censura que mereceu o seu comportamento;
15. O que levou o recorrente a inconformar-se com o Acórdão ora recorrido foi o desajustamento da pena, […] desproporcionada face aos factos imputados e dados como provados;
16. O acórdão não teve em linha de conta na aplicação das penas concretas, no que concerne a totalidade dos crimes praticados o facto de o recorrente ser reincidente por 3 vezes “apenas” – com a devida gravidade – no crime de condução sem habilitação legal;
Ademais
17. Foram cometidos quando o arguido tinha l6 e l7 anos respectivamente ou sejam, distam sensivelmente 4 anos da data dos últimos crimes praticados;

18. Ainda que por maioria de razão, a aplicação das penas possa justificar penas mais pesadas para arguidos anteriormente condenados, do que os primários, certo é que há a ter em consideração a diminuição da incidência do registo criminal da pena, quando as infracções anteriores são menores;
19. O facto de o recorrente à data da prática dos factos ser jovem, tendo completado inclusivamente 2l anos poucos dias antes da prática dos ditos crimes,
Sem descurar,
20. Efectivamente o tempo que mediou a prática da totalidade dos crimes pelos quais veio a ser condenado, foram 5 dias;
21. O arguido e toxicodependente, embora essa situação também não tenha tido a relevância devida também na aplicação da medida da pena;
22. O arguido praticou única e exclusivamente por motivos de toxicodependência,
23. Estando inclusivamente por sua iniciativa a ser acompanhado pelo CAT, antes da prática dos factos
25. Toda esta situação não mereceu a devida atenção por parte do Tribunal quando proferiu o respectivo acórdão condenatório,
26. Confessou livre, integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, contribuindo desta forma para a descoberta da verdade;
27.Mostrou arrependimento;
28.Por outro lado a obrigação de permanência em habitação através do recurso à vigilância electrónica aquando a aplicação da medida de coação a que foi sujeito tem sido mais que suficiente para evitar que no futuro volte a ter comportamentos socialmente desviantes.
29. O recorrente manteve um comportamento adequado e anseia voltar a integrar o núcleo social e familiar composto pela sua companheira, a sua filha de cerca de 1 ano de idade conforme artigo 58º da matéria de facto assente.
30. Tal punição expressa em privação da liberdade do recorrente, traduz-se em consequências negativas e dolorosas laterais que afectam o seu agregado familiar.
31.Antes de ser aplicada da medida de coação de obrigação de permanência em habitação através do recurso à vigilância electrónica a que foi sujeito, efectivamente o recorrente encontrava-se desempregado;
III-Resumindo
32. A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto.
33. Na determinação da medida de pena o Tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente, designadamente as que a título exemplificativo vêm espelhadas nas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal e que, considerando a conduta do agente, devem ser consideradas e são aplicáveis ao caso concreto.
34. […] o acórdão recorrido deveria ter atendido mais à reinserção social versus desvantagem social, da colocação, no mais curto espaço de tempo possível, em liberdade do arguido.
35. Ou seja, é útil a sua libertação no mais curto espaço de tempo.
36. Assim, e considerando as atenuantes que acima se referem, não será descabido, nem resultará qualquer dano gravoso para a sociedade ou pelo menos prejudicial em demasia para a mesma, a aplicação da pena em medida um pouco superior ao mínimo da sua moldura penal correspondente, ou seja, cinco anos, afigurando-se adequado aos fins das penas e proporcional ao grau de ilicitude;
37. Em consequência desta fixação devera igualmente o recorrente, beneficiar da suspensão da execução de acordo com o referido artigo 50º do C.P.
38. Com a função de ressocialização do recorrente AA, a suspensão da execução da pena, enquanto medida de substituição, realiza, de modo determinante, um programa de politica criminal, conjugado com o juízo de prognose positiva favorável ao arguido, no sentido de lhe ser dada uma oportunidade, agora já como jovem adulto de adequar a sua personalidade aos valores sociais impostos pela ordem jurídica na vivência em sociedade;
39. Porém, a suspensão da execução da pena, não sendo simples, tendo em vista essa mesma ressocialização, a reeducação, a reintegração na sociedade, a suspensão da execução da pena deverá ser condicionada ao regime de prova, a que alude o art. 53º, do CP.
40. Sem os inconvenientes decorrentes do cumprimento de uma prisão efectiva;

42. Resultam vantagens para a sua reinserção social, no sentido de conformar a sua personalidade à ordem social, evitando que uma reacção penal severa possa comprometer definitivamente a sua socialização, na fase latente da formação da personalidade.
IV – Direito Violado

Artigos 40º, 50°, 53,70°, 71º, 72º e 73º, todos do Código Penal.

Princípio da Adequação e Proporcionalidade;

Termina pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que reduza a pena de prisão em que foi condenado para 5 (cinco) anos, beneficiando igualmente pela sua suspensão.
O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, pronunciando-se pela improcedência da recurso

3. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer.
Refere que que o recorrente foi condenado pelo acórdão recorrido pela prática de 5 (cinco) crimes de coacção grave e 1 (um) crime de coacção simples.
Contudo, entende que «da matéria de facto provada e da própria fundamentação apenas resulta que o arguido “... quis e conseguiu nalguns casos, impedir que os ofendidos RC, SL, NM, AC e FM apresentassem denúncia às autoridades policiais sobre o ocorrido, por forma a não ser perseguido criminalmente, tendo para o efeito recorrido a intimidação e a ameaça, inclusive de morte”».
Sendo assim, «os crimes praticados são apenas 5 (cinco) no seu conjunto (e não seis) e, em termos de qualificação jurídica» parece ao Exmº magistrado «que apenas nos casos das ofendidas RC e SL (ameaças de morte) se deve ir para a coacção grave».
«Por isso, mantendo-se o critério da 1ª instância o arguido dever[ia] ser condenado pela prática de 2 crimes de coacção grave na pena de 2 anos por cada um deles e como autor de três crimes de coacção na pena de 9 meses por cada um deles».
Relativamente à condenação pela prática de um crime de burla informática, por o recorrente, na sequência do roubo sobre a ofendida NM, se ter apoderado de dois cartões de débito e dos respectivos números de código que logrou que aquela lhe fornecesse para proceder a alguns levantamentos numa caixa ATM, o magistrado, reconhecendo «embora a existência de algumas divergências jurisprudenciais nesta matéria», entende que se verifica, «nomeadamente neste Supremo Tribunal, uma tendência evolutiva no sentido da tese da consumpção entre o crime de roubo e o crime de burla informática», v. g. no ACSTJ de 29.05.08 - Rec. n.º1313/08/5ª: «no caso de um roubo em que o agente do crime força a vítima a revelar o código secreto (PIN) do seu cartão de débito ou de crédito, para depois se apoderar dos proventos económicos que a utilização desse cartão obtém através do sistema bancário, em prejuízo da vítima, há uma consumpção de normas entre os crimes de roubo e os de burla informática, pois em ambos os casos o agente visa apoderar-se do património da vítima sem a sua autorização, embora no roubo se exija algo mais, o constrangimento através da violência ou da ameaça».
«Essa relação de consumpção parcial de normas, em que alguns casos de crimes de burla informática também são puníveis como roubos, não é perturbada pelo facto da burla informática visar proteger ainda outros bens jurídicos que não os patrimoniais, pois trata-se de uma protecção reflexa e secundária, não assumida pelo legislador, que até criou outros diplomas com esse fim explicito".
Por isso, em consonância com tal posição e face à matéria de facto dada como assente se defende a absolvição do arguido pela prática do crime de burla informática».
No que se refere à pena única e «face também às alterações propostas, o Exmº Magistrado considera que «há que ter em conta desde logo que, na sua determinação são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, e a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.ºs 1 e 2 do art. 77.°)».
«No caso, a moldura penal oscilava entre os 4 (quatro) anos de prisão - a pena mais elevada aplicada - e os 34 (trinta e quatro) anos e 3 (três) meses de prisão - soma de todas as penas parcelares aplicadas, sem poder ultrapassar o referido limite de 25 anos».
«Ponderando todos estes elementos e sem esquecer a gravidade das condutas nem as necessidades de prevenção geral (são crimes altamente reprováveis pela comunidade atento o alvoroço e alarme social que causam por atingirem sectores particularmente indefesos da população) e as próprias finalidades de reinserção, considera-se que o período diminuto em que ocorrem as infracções e a própria idade muito jovem do arguido não permitam ainda detectar-lhe uma tendência criminosa e, por isso, se entende que uma pena unitária que ronde os 7 (sete) anos e 6 (seis) meses se mostrará pertinente e adequada».
Em todo o caso – conclui - «se se achar que se justifica a redução da medida da pena ao arguido para outra medida não superior a 5 anos», «as circunstâncias já relevadas no acórdão da 1ª instância para efeitos da determinação da medida da pena e mesmo da escolha da pena em relação ao crime de detenção de arma» seriam suficientes para afastar no caso a possibilidade de um juízo de prognose favorável ao arguido.
Notificado, o recorrente nada disse.

4. Colhidos os vistos, o processo foi a conferência, cumprindo decidir.

5. O tribunal colectivo julgou provados os seguintes factos.
1. No dia 24 de Maio de 2007, cerca das 18H15, o arguido encontrava-se junto da estação da C.P. da Póvoa de Santa Iria, área desta comarca, quando avistou SL, que na ocasião entrava para o seu veículo automóvel, que se encontrava estacionado nas imediações da referida estação e de imediato decidiu fazer seus bens e objectos que ela levasse consigo;
2. Então, na execução desse desígnio, o arguido abeirou-se da porta do lado esquerdo do veículo, que abriu, e, ao mesmo tempo que encostava à face da ofendida SL a faca descrita e examinada a fls. 25, que aqui se dá por integralmente reproduzida, ordenou-lhe que passasse para o banco do passageiro, dizendo-lhe ainda que a matava, se gritasse;
3. Receando que o arguido lhe fizesse o mal que anunciava, a ofendida passou para o outro banco, enquanto o arguido se sentava no banco do condutor;
4. De seguida, o arguido colocou o veículo em marcha, apesar de não ser titular de carta de condução, e seguiu na direcção de Lisboa, levando a ofendida no seu interior contra a sua vontade;
5. Durante o percurso o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse o anel em ouro que a mesma trazia num dos dedos, bem como o telemóvel e o dinheiro que trouxesse na carteira;
6. Como o arguido permanecia com a faca na mão, agora com a lâmina encostada à sua perna, a ofendida entregou-lhe a quantia de 25 €, bem como o seu anel e o seu telemóvel, em valor não concretamente apurado, mas seguramente superior, no total, a 100 €;
7. Pediu-lhe ainda o arguido o seu cartão Multibanco, porém, como ela alegasse não possuir nenhum, o arguido ainda lhe disse que não o enganasse, pois se a revistasse e lhe encontrasse algum cartão, matava-a;
8. O arguido conduziu o veículo até Lisboa, mais propriamente até à Praça do Areeiro, local onde, depois de imobilizar o veículo, saiu do mesmo, levando consigo os referidos objectos e quantia monetária, dizendo antes à ofendida que aguardasse ali cerca de 10 minutos e que depois podia seguir a sua vida;
9. Disse-lhe ainda que se apresentasse queixa conta ele, matava-a;
10. Acreditando que o arguido lhe viesse a provocar o mal que lhe anunciara, já que a frase foi proferida com foros de seriedade, a ofendida não apresentou qualquer denúncia às autoridades, apenas vindo a fazê-lo no dia 29 de Maio de 2007, após a detenção do arguido (cfr. fls 61, corrigindo-se assim o lapso material do acórdão recorrido);
11. Posteriormente, ainda nesse mesmo dia, o arguido vendeu o anel e o telemóvel no Martim Moniz, em Lisboa, a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar e gastou o dinheiro obtido na aquisição de produtos estupefacientes, que consumiu;
12. No dia 25 de Maio de 2007, cerca das 12 horas, o arguido encontrava-se de novo junto da estação da C.P. da Póvoa de Santa Iria, área desta comarca, quando avistou RC, que na ocasião entrava para o seu veículo automóvel, de matrícula 00-00-BI, que se encontrava estacionado nas imediações da referida estação e de imediato decidiu fazer seus bens e objectos que ela levasse consigo;
13. Então, na execução desse desígnio, o arguido abeirou-se da porta do lado esquerdo do veículo, por onde a ofendida se preparava para entrar e, ao mesmo tempo que lhe encostava à barriga a faca descrita e examinada a fls. 25, ordenou-lhe que entrasse para o veículo e passasse para o banco do passageiro;
14. Assustada, a ofendida RC gritou, momento em que o arguido lhe ordenou que se calasse, ao mesmo tempo que pressionava a faca na sua barriga, provocando-lhe um pequeno corte;
15. Receando que o arguido a magoasse ainda mais, a ofendida entrou no veículo e passou para o banco do passageiro, enquanto aquele se sentava no banco do condutor;
16. De seguida, o arguido entrou também no veículo, que colocou em marcha e seguiu na direcção de Lisboa, levando a ofendida no seu interior contra a sua vontade;
17. Durante o trajecto, o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse todos os bens que tivesse consigo;
18. Receando que o arguido lhe fizesse algum mal, a ofendida entregou-lhe o seu telemóvel marca”Nokia”, no valor de 170 €, bem como a quantia de 10 €;
19. Pediu-lhe ainda o seu cartão Multibanco, porém, como ela alegasse não possuir nenhum, o arguido não insistiu;
20. O arguido conduziu o veículo até Lisboa, levando sempre no seu interior a ofendida, mais propriamente até à Alameda, local onde, depois de imobilizar o veículo, o arguido saiu do mesmo, levando consigo o referido telemóvel e quantia monetária, dizendo antes à ofendida que não contasse nada à polícia, caso contrário, matava-a;
21. Acreditando que o arguido lhe viesse a provocar o mal que lhe anunciara, já que a frase foi proferida com foros de seriedade, a ofendida não apresentou qualquer denúncia às autoridades, apenas vindo a fazê-lo no dia 4 de Junho de 2007, após a detenção do arguido;
22. Posteriormente, ainda nesse mesmo dia, o arguido vendeu o telemóvel no Martim Moniz, em Lisboa, a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar e gastou o dinheiro obtido na aquisição de produtos estupefacientes, que consumiu;
23. No dia 26 de Maio de 2007, cerca das 15H45, o arguido encontrava-se de novo unto da estação da C.P. da Póvoa de Santa Iria, área desta comarca, quando avistou NM, que na ocasião se preparava para entrar no seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-MC, que se encontrava estacionado nas imediações da referida estação e de imediato decidiu fazer seus bens e objectos que ela levasse consigo;
24. Então, na execução desse desígnio, o arguido abeirou-se da porta do lado esquerdo do veículo, por onde a ofendida se preparava para entrar e, ao mesmo tempo que lhe exibia a faca descrita e examinada a fls. 25, ordenou-lhe que entrasse para o veículo e passasse para o banco do passageiro;
25. Receando que o arguido lhe fizesse algum mal, a ofendida entrou no veículo e passou para o banco do passageiro, enquanto o arguido se sentava no banco do condutor;
26. De seguida, o arguido entrou também no veículo, que colocou em marcha e seguiu na direcção de Lisboa, levando a ofendida no seu interior contra a sua vontade;
27. Durante o trajecto, o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse todos os bens que tivesse consigo;
28. Receando que o arguido lhe fizesse algum mal, a ofendida entregou-lhe o seu telemóvel marca”Nokia”, no valor de 100 €;
29. Pediu-lhe ainda o seu cartão Multibanco, o que a ofendida fez, entregando-lhe os dois cartões de débito que possuía, de contas bancárias de que ela e o marido são titulares no B.P.I., respectivamente com o nº 4-70000000000000 e nº 1-9600000000001;
30. Cerca das 15H54, já na posse dos cartões e depois de ordenar à ofendida que lhe indicasse os respectivos números de código, o arguido imobilizou o veículo junto da caixa ATM existente na Av. ....., no Prior Velho, Loures;
31. De seguida, na posse dos códigos, e enquanto a ofendida permanecia no interior do veículo, o arguido dirigiu-se à referida caixa e, depois de introduzir os cartões e de digitar os códigos, efectuou dois levantamentos com cada um dos cartões, nos valores de 80 €, 150 €, 200 € e 200 €, respectivamente;
32. De seguida, o arguido entrou de novo no veículo, que conduziu até Lisboa, levando sempre no seu interior a ofendida, mais propriamente até à Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, local onde, depois de imobilizar o veículo, o arguido saiu do mesmo, levando consigo a referida quantia monetária e o telemóvel, dizendo antes à ofendida que não contasse nada à polícia, caso contrário, estava “desgraçada”;
33. Posteriormente, ainda nesse mesmo dia, o arguido vendeu o telemóvel no Martim Moniz, em Lisboa, a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar e gastou o dinheiro obtido na aquisição de produtos estupefacientes, que consumiu;
34. No dia 29 de Maio de 2007, cerca das 8H45, o arguido encontrava-se no parque de estacionamento existente junto da estação da C.P. de Alverca, área desta comarca, quando avistou VA, que na ocasião acabara de estacionar o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-IU, e de imediato decidiu fazer seus bens e objectos que ela levasse consigo;
35. Então, na execução desse desígnio, o arguido abeirou-se da porta do lado esquerdo do veículo, por onde a ofendida se preparava para sair, e depois de a abrir e empurrar a ofendida para o banco do passageiro, entrou também no interior do veículo;
36. De seguida, encostou-lhe a faca descrita e examinada a fls. 25 ao pescoço, ao mesmo tempo que lhe dizia para estar calada, pois só queria sair dali;
37. Assustada e receando que o arguido lhe fizesse algum mal, a ofendida VA ficou quieta e calada;
38. De seguida, o arguido entrou também no veículo, que colocou em marcha e saiu do parque de estacionamento, seguindo na direcção do terminal TIR de Alverca, levando a ofendida no seu interior contra a sua vontade;
39. A determinada altura o arguido teve necessidade de imobilizar o veículo num entroncamento ali existente, momento em que, aproveitando um momento de distracção do arguido, a ofendida abriu a porta do veículo e projectou-se para o exterior, fugindo de seguida do local;
40. Surpreendido com a atitude da ofendida e temendo que alguém ali acorresse, o arguido prosseguiu a marcha e abandonou o local, levando apenas consigo o veículo que tinha o valor de 7.500 €, bem como uns óculos de sol “Giorgio Armani”, no valor de cerca de 150 €;
41. De seguida o arguido conduziu o veículo até à Quinta da Piedade, área desta comarca;
42. Chegado à rua...., o arguido avistou os menores, AC e FM, que por ali caminhavam juntos, e que na ocasião traziam consigo, cada um deles, um telemóvel;
43. De imediato o arguido decidiu fazer seus os aludidos telemóveis;
44. Então, na execução desse desígnio, o arguido imobilizou o veículo e abeirou-se dos menores;
45. Ao chegar junto deles, colocou subitamente um braço à volta do pescoço da ofendida AC e ordenou a ambos que lhe entregassem os telemóveis;
46. Receando que o arguido lhes fizesse algum mal caso não cumprissem a ordem, os ofendidos ACe FM entregaram-lhe os respectivos telemóveis;
47. O telemóvel da AC, marca Motorola, tinha o valor de 256,11 € e o do FM, marca “Nokia”, tinha o valor de 287.01 €;
48. Na posse dos telemóveis, o arguido abandonou de seguida o local, mas, antes de o fazer, disse aos ofendidos que se apresentassem queixa às autoridades, lhes dava uma facada;
49. Logo depois, o arguido entrou de novo no veículo automóvel da ofendida VA, que colocou em marcha e seguiu na direcção de Lisboa;
50. Cerca das 10H50, quando chegou à Portela da Azóia, mais propriamente à rua da Escola, foi interceptado por um agente da G.N.R. que ali se encontrava em missão de fiscalização do trânsito, que lhe fez sinal de paragem, ao qual o arguido obedeceu;
51. Após revista, foi encontrada na posse do arguido uma bolsa, no interior da qual se encontravam os telemóveis dos ofendidos ACe FM e a faca, descrita e examinada a fls. 25;
52. O arguido sabia que os aludidos telemóveis, veículo automóvel, anel em ouro e quantias monetárias não lhe pertenciam e que ao apoderar-se dos mesmos, através da força física e com a utilização de uma faca, com a qual intimidou os ofendidos, agia contra a sua vontade e em seu prejuízo;
53. Agiu ainda o arguido com o propósito de privar da liberdade as ofendidas RC, SL, NM e VA, obrigando-as a permanecer no interior dos veículos contra a sua vontade, impedindo-as deste modo de prosseguir a sua vida normal;
54. Sabia ainda o arguido que não podia conduzir veículos automóveis na via pública por não ser titular de carta de condução ou documento equivalente que o habilitasse à condução e, mesmo assim, conduziu;
55. Quis ainda o arguido e conseguiu nalguns casos, impedir que os ofendidos RC, SL, NM, AC e FM apresentassem denúncia às autoridades policiais sobre o ocorrido, por forma a não ser perseguido criminalmente, tendo para o efeito recorrido a intimidação e a ameaça, inclusive de morte;
56. Ao utilizar os cartões de crédito da ofendida NM, digitando os respectivos números de código que obteve através de intimidação e com os quais se apoderou da quantia supra referida, quis o arguido e conseguiu, obter para si um enriquecimento que sabia não lhe ser devido, bem sabendo que com a sua conduta causava à ofendida um prejuízo patrimonial no valor dos levantamentos que efectuou;
57. Agiu sempre o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
58. O arguido encontra-se desempregado, tem de habilitações literárias o 7º ano, vive com a companheira e um filho de cerca de 1 ano de idade numa casa pela qual pagam a renda mensal de 250,00 euros;
59. A companheira do arguido aufere 500,00 euros mensais;
60. O arguido foi condenado:
- Por sentença proferida em 15 de Dezembro de 2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 6 de Junho de 2002, em concurso real com a prática de um crime de desobediência em 7 de Junho de 2002, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de 3,00 euros;
- Por sentença proferida em 9 de Fevereiro de 2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em 11 de Janeiro de 2005, na pena de 4 meses de prisão, substituídos por 120 dias de multa à taxa diária de 3,00 euros;
- Por sentença proferida em 2 de Maio de 2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em 28 de Abril de 2003, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, acrescido do dever de pagar 450,00 euros, em seis meses, aos Bombeiros Voluntários de Cacilhas;

6. Nas conclusões da motivação, o recorrente discuta apenas a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada, identificando-a, essencialmente, com a pena única fixada pelo concurso de crimes.
O recurso está, assim, delimitado à questão de pena do concurso, não autonomizando o recorrente qualquer outro aspecto específico sobre as penas parcelares pelos diversos crimes por que foi condenado, salvo a referência genérica da conclusão 2ª que, como tal, não respeita, nesta medida, as exigências do artigo 412º, nº 2 do CPP.

7. Há, porém, previamente e ex officio, como pressuposto da decisão não obstante não integrar o objecto de recurso, que decidir sobre a qualificação e integração dos factos nas categorias penais que lhes couber.
Questão, aliás, suscitada pelo magistrado do Ministério Público no Supremo Tribunal.
(i) O recorrente foi condenado pela prática de seis crimes de coacção (cinco crimes de coacção grave, p. nos artigos 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a), e um de coacção simples p. no artigo 154º, nº 1 do Código Penal.
Salienta o Exmº magistrado que da matéria de facto provada e da fundamentação resulta que o recorrente quis e conseguiu impedir que os ofendidas RC, SL, NM, AC e FM apresentassem denúncia às autoridades policiais sobre o ocorrido, recorrendo a intimidações e ameaças, inclusive de morte.
Perante os factos provados, e tal como salienta o Exmº Procurador-Geral, os crimes de coacção são apenas cinco, referidos à actuação contra liberdade de determinação dos cinco ofendidos referidos (SL– pontos 9 e 10 da matéria de facto; RC – pontos 20 e 21; NM – ponto 32; AC e FM – ponto 48).
E como também salienta, a intimidação através da ameaça de um crime grave só está provada relativamente às ofendidas RC e SL. Importa, pois, reordenar nestes termos a decisão, decidindo que o recorrente praticou três crimes de coacção simples e dois crimes de coacção grave.
Em consequência, fixando as penas no mesmo plano valorativo do acórdão recorrido, condena-se o recorrente por cada um dos dois crimes de coacção grave previstos e puníveis pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº 1 alínea a) do Código Penal (ofendidas RC e SL), na pena de 2 anos de prisão, e por cada um dos três crimes de coacção previstos e puníveis pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
(ii) A decisão recorrida condenou o recorrente, em concurso real, por um crime de roubo e por um crime de burla informática, p. pelo artigo 221º, nº 1, do Código Penal., por factos de que foi vítima NM – pontos 29-31 da matéria de facto.
O Exmº Procurador-Geral pronunciou-se a este respeito no sentido de considerar que se verifica consumpção entre os crimes de roubo e burla informática.
O crime de “burla informática” está previsto no artigo 221º, nº 1 do Código Penal, com os seguintes elementos de tipicidade, intenção específica e resultado: «Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento».
No plano da tipicidade, como se vê da descrição especificada e concretizada, é um crime de execução vinculada, no sentido de que a lesão do património se produz através da intromissão nos sistemas e da utilização em certos termos de meios informáticos. E é um crime de resultado – embora de resultado parcial ou cortado – exigindo que seja produzido um prejuízo patrimonial de alguém.
A tipicidade do meio de obtenção de enriquecimento ilegítimo (com o prejuízo patrimonial de alguém) consiste, como resulta da descrição do tipo, na interferência «no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático», na «utilização incorrecta ou incompleta de dados», em «utilização de dados sem autorização» ou na «intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento».
Dos vários modos vinculados de execução típica, importa, no caso, considerar a «utilização de dados sem autorização», uma vez que os restantes modos de execução descritos na norma não têm qualquer projecção aproximada perante os elementos factuais provados e a situação específica sub judice.
Mas, para situar o âmbito dos elementos da tipicidade que definem ao mesmo tempo os limites da incriminação e o modo vinculado de execução, a «utilização de dados sem autorização» tem de ser perspectivada em um modelo geral de conformação que permita, numa lógica intra-sistemática, assimilá-la funcional, material e valorativamente aos restantes modos vinculados de execução.
A perspectiva geral de enquadramento do tipo remete, especificamente, para a interferência e a intromissão ilegítimas, abusivas ou intencionalmente incorrectas em dados e/ou programas informáticos, com a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo.
Pela amplitude da descrição, o tipo do artigo 221º, nº 1, do Código Penal, parece constituir um plus relativamente ao modelo de protecção contra o acesso ilegítimo a um sistema ou rede informática, previsto no artigo 7º da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto (Lei da Criminalidade Informática).
A dimensão típica remete, pois, para a realização de actos e operações específicas de intromissão e interferência em programas ou utilização de dados nos quais está presente e aos quais está subjacente algum modo de engano, de fraude ou de artifício que tenha a finalidade, e através da qual se realiza a específica intenção, de obter enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial.
Há-de estar, pois, sempre presente um erro directo com finalidade determinada, um engano ou um artifício sobre dados ou aplicações informáticas – interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento.
Daí o nomen (“burla informática”) introduzido com a Reforma de 1995, em adaptação da fonte da disposição, a “Computerbetrug” do artigo 263a do “Strafgesetzbuch” alemão, novo tipo penal, surgido em 1986, que prescinde, no entanto, do engano e do correlativa erro em relação a uma pessoa.
Mas, prescindindo do erro ou engano em relação a uma pessoa, prevê, no entanto, actos com conteúdo material e final idênticos: manipulação dos sistemas informáticos, ou utilização sem autorização ou abusiva determinando a produção dolosa de prejuízo patrimonial. O tipo pretendeu abranger a utilização indevida de máquinas automáticas de pagamento (ATM), incluindo os casos de manipulação ou utilização indevida no sentido de utilização sem a vontade do titular.
Na base do artigo 263a do código penal alemão terá estado precisamente a utilização abusiva de ATMs e as dificuldades dos tipos penais tradicionais de conteúdo patrimonial, designadamente a burla, para proteger adequadamente o bem jurídico face a novas modalidades de ataque (cfr., v. g., José António Choclán Montalvo, “El Delito de Estafa”, ed. Bosch, 2000, p. 287 e segs., desig. p. 23-294).
Na interpretação conjugada e também no primeiro módulo da interpretação de uma disposição penal (a identificação dos elementos do tipo, na descrição chegada à letra, por respeito para com os princípios da tipicidade e da legalidade), os nomina têm relevância pelas referências conceptuais na unidade do sistema para que apontam ou que pressupõem.
A burla informática, por isso, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla – artigo 217º do Código Penal), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados.
As condutas típicas referidas no artigo 221º, nº 1 do Código Penal constituem, assim, na apreensão intrínseca e na projecção externa, modos de descrição de modelos formatados de prevenção da integridade dos sistemas contra interferências, erros determinados, ou abusos de utilização que se aproximem da fraude ou engano contrários ao sentimento de segurança e fiabilidade dos sistemas.
Este modelo típico contém, por outro lado, indicações materiais sobre o bem jurídico protegido.
O bem jurídico protegido é essencialmente o património; o crime de burla informática configura um crime contra o património, por comparação e delimitação com os bens jurídicos protegidos em outras incriminações, referidas à tutela de valores de natureza patrimonial ou de protecção da própria funcionalidade dos sistemas informáticos (cfr. José de Faria Costa e Helena Moniz, “Algumas reflexões sobre a criminalidade informática em Portugal”, in “Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, Vol. LXXIII, 1997, p. 323-324; A. M. Almeida Costa, “Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 328, segs.). A inserção sistemática constitui, neste aspecto, um elemento relevante para a definição e delimitação do bem jurídico protegido.
A coordenação entre a natureza do bem jurídico protegido e a especificidade típica como crime de execução vinculada supõe que a produção do resultado tenha de ser determinada por procedimentos e acções que sejam tipicamente vinculados na descrição específica da norma que define os elementos materiais da infracção.
Importa, por isso, testar o caso também no plano da unidade ou pluralidade de infracções quando confluam elementos de outras infracções contra o património.
A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. JESCHECK e THOMAS WEIGEND, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.).
A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode, pois, encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de proc. nº 1942/06-3ª).
No caso, os factos provados não se integram no quadro de tipicidade específica do artigo 221º, nº 1 do Código Penal, rigorosamente interpretado.
Com efeito na utilização de dados não existiu qualquer erro, engano ou, nos limites da descrição típica, artifício pressuposto no contexto à própria utilização abusiva ou sem autorização.
Antes e diversamente, os dados (o número de código do cartão de débito) foram obtidos através de violência contra as pessoas; o conhecimento dos dados pelo arguido não resultou de qualquer acção que se destinasse à intervenção, manipulação ou engano do sistema, ou por acto de indução própria, avulsa ou incidente para conhecimento de dados e intervenção abusiva, mas de uma ameaça séria (utilização de uma faca) contra a integridade física da titular do cartão.
A posição com possível e potencial relevo patrimonial, resultante do conhecimento dos dados, foi obtida sem qualquer interferência no sistema, e a própria obtenção dos dados anterior a qualquer intervenção, constitui já, por si, uma possibilidade de intervenção patrimonial que integrava um plano, e que assim criava desde logo o risco de utilização e de causar prejuízo patrimonial. Tal risco ou possibilidade (a situação de domínio sobre os dados) teve origem num facto que é, por seu lado, típico, porque constitui, mesmo em linguagem comum, uma extorsão, e em linguagem típica uma extorsão (artigo 223º) ou um roubo (artigo 210º do Código Penal), conforme os demais elementos de conformação.
Na verdade, o que existiu efectivamente foi uma acção de violência contra a ofendida, constrangendo-a à entrega de um título e de elementos adjacentes que permitiam o acesso a coisa móvel – dinheiro, que integra tipicamente um roubo (artigo 210º), mais especificamente do que o constrangimento, por meio de violência, a uma disposição patrimonial (artigo 223º).
A questão colocar-se-á, assim, no plano da tipicidade e da configuração da acção em concreto. No caso, existe uma conexão temporal e espacial tão estreita, próxima e cerrada de uma série de actos, que só se compreende em vinculação de significado de tal natureza num único facto, no sentido de um só tipo de ilicitude, fundamentando-se dogmaticamente na particular e concreta unidade de acção.
Com efeito, a posterior utilização do cartão por meio do número de código nada acrescenta à resolução que conformou a obtenção dos referidos elementos: constitui apenas o acabamento, em unidade, da mesma acção empreendida, sem autonomia típica ou valorativa (cfr. a decisão do “Bundesgerichsthof” de 17 de Agosto de 2004, 5 StR 197/04).
Nada acrescenta nem no plano da acção completa nem no plano das valorações e do bem jurídico, quer porque o artigo 221º, nº 1 protege, como se referiu, o património, quer porque a protecção e a prevenção de utilização dos sistemas informáticos não podem, em razoável equilíbrio de modelos de garantia, abranger a obtenção através de violência física contra as pessoas de dados susceptíveis de posterior utilização.
Não se vê, nesta perspectiva, diferença valorativa entre a obtenção do cartão e dos dados através de violência, com a sequente e imediata utilização dos dados, e um eventual uso do título e dos dados pelo próprio titular sob ameaça grave ou coacção.
Nestas circunstâncias, estão integrados os elementos do crime de roubo, perdendo qualquer autonomia, ou estando mesmo tipicamente excluída, a integração do crime de burla informática.

8. O recorrente discute a medida da pena única.
Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
No caso, os factos são, no essencial, da mesma ou de natureza próxima, ou estritamente consequenciais, em muito chegada proximidade temporal. A ilicitude é marcadamente revelada, no conjunto, pelas ofensas à liberdade que acompanharam os atentados à propriedade. A ilicitude deve, porém, ser considerada na medida da gravidade, elevada, que resulta da conjugação anti-valores sobre bens essenciais da pessoa – a liberdade física e a tranquilidade de estar e a propriedade de bens do quotidiano, sem grande valor, mas de utilidade relevante e cujo desapossamento por violência gera sentimentos fortes de insegurança.
Na avaliação do conjunto da ilicitude, a relevância dos referidos factos principais (sequestro e roubo) esbate a dimensão, estreitamente consequencial, da coacção para impedir a denúncia e da condução sem habilitação legal.
A personalidade do recorrente apresenta dificuldades em assumir valores fundamentais da vida em comunidade, que se manifesta no desrespeito, na escolha das vítimas e na densidade dos comportamentos. Os traços revelados aconselham a fixação da pena única em medida que, durante a execução, permita a recuperação para o respeito pelos valores afectados, mas com a razoabilidade da previsão do regresso à sociedade e à vida familiar como factor de reinserção.
Fixa-se, em consequência a pena única em sete anos de prisão.

9. Nestes termos:
I- Altera-se o acórdão, decidindo que o recorrente praticou dois crimes de coacção grave previstos e puníveis pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº 1 alínea a) do Código Penal (ofendidas RC e SL), condenando-o na pena de 2 anos de prisão por cada um, e três crimes de coacção previstos e puníveis pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal, condenando-o na pena de nove meses de prisão por cada um.
II- Absolve-se o recorrente pelo crime de burla informática.
III- No provimento parcial do recurso condena-se na pena única de sete anos de prisão.



Lisboa, 05 de Dezembro de 2008


Henriques Gaspar (relator)
Armindo Monteiro