Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2749/16.7T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: TRANSAÇÃO
NULIDADE
PODERES ESPECIAIS
FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO MANDANTE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / REPRESENTAÇÃO / REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA – DIREITO DAS COISAS / CONTRATOS EM ESPECIAL / TRANSACÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 44.º, 262.º, N.º 2, 283.º, N.º 2, 284.º, 290.º, N.º 4 E 1250.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 262, N.º 2, 268.º, 1248.º, N.º 2, 1249.º E 1250.º.
Sumário :
I. Em transação outorgada no âmbito de um processo judicial podem intervir não apenas as partes nessa ação, como ainda terceiros; o seu teor pode incidir não apenas sobre o objeto dessa ação, como abarcar também outros litígios.

II. Para que um advogado presente na audiência final, no âmbito da qual foi outorgada a transação, pudesse intervir em representação de outra pessoa era necessário que esta lhe concedesse poderes especiais para o efeito.

III. É pelo teor da procuração que se aferem os limites da intervenção do procurador, tanto na vertente subjetiva (quem é que por essa via se fez representar), como objetiva (quais os limites dos poderes que lhe foram atribuídos pelo mandante).

IV. Uma procuração em que um terceiro identificado “declara que constitui bastante procurador da sua representada” um advogado que estava presente na audiência final, concedendo-lhe os mais amplos poderes forenses, incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender” é insuficiente para legitimar as declarações que foram assumidas nessa transação pelo mesmo advogado, em representação pessoal do subscritor da procuração.

V. Essa insuficiência é manifesta em termos subjetivos, na medida em que a procuração foi emitida não em nome próprio, mas em nome de uma “representada” (alegadamente uma sociedade de que o mandante era administrador) que nem sequer foi identificada, mas também em termos objetivos, já que o seu texto não permitia descortinar os limites da representação, situação agravada pelo facto de o subscritor da procuração nem sequer ser parte direta na ação em causa.

VI. É nula a sentença que, nas aludidas circunstâncias, homologou a transação que, além do mais, se traduziu na assunção por parte do mencionado advogado, em representação do subscritor da referida procuração, da corresponsabilidade pelo pagamento do valor de participações sociais em duas sociedades que o outro outorgante da transação declarou vender ao mandante e a mais duas pessoas que se solidarizaram pelo pagamento do preço respetivo.

Decisão Texto Integral:
I - AA intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BB - Consultores Imobiliários, Lda, pedindo a condenação da R. na restituição da quantia de € 195.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

A R. contestou, impugnando a celebração do mútuo, defendendo que a presente ação só se justifica se enquadrada no contexto de outras duas que correm termos na Secção Cível e Criminal – J2 da Instância Central da Comarca da ….

O processo prosseguiu os seus termos, sendo designada para a audiência final o dia 13-2-17, pelas 9 h e 30 m.

No decurso da audiência final foi lavrado termo de transação envolvendo as partes e terceiros. Porém, um deles, CC, não se encontrava presente, tendo sido junta aos autos, já depois da homologação da transação na sua totalidade, uma procuração a favor do Exmº mandatário que também patrocinava o A.

Depois da homologação da transação e do encerramento da audiência final veio o A. AA, DD, CC, estes por si e na qualidade de legais representantes das sociedades denominadas EE SGPS, S.A., FF - Construções, S.A., GG, Lda, e HH, S.A., e ainda na qualidade de legais representantes da sociedade II - Imobiliária, S.A., em 1-3-17 requereram a declaração nulidade daquela transação e da sentença que a homologou, nos termos que constam de fls. 90 e ss.

A R. respondeu, defendendo o indeferimento do requerimento e a condenação dos requerentes da nulidade como litigantes de má-fé.

O requerimento de declaração de nulidade da transação referido em 7. foi indeferido pela 1ª instância.

Em 15-3-17, o A AA, DD, CC, estes por si e na qualidade de legais representantes das sociedades denominadas EE, SGPS, S.A., FF - Construções, S.A., GG, Lda, e HH, SA e, ainda, na qualidade de legais representantes da sociedade II-Imobiliária, S.A., interpuserem recurso de apelação da sentença homologatória da transação.

Interposto recurso de apelação do despacho da 1ª instância que indeferiu o requerimento de declaração de nulidade da transação, o mesmo foi rejeitado pela Relação com o argumento de que tendo sido interposto recurso de apelação da sentença homologatória da transação, era neste que deveria ser apreciada a nulidade da transação.

No âmbito do recurso de apelação da sentença homologatória a Relação revogou a sentença homologatória com fundamento em que o interessado CC não se encontrava presente nem estava devidamente representado aquando foi exarada e homologada a transação, de tal modo que se concluiu que “não se pode considerar que o referido CC tenha outorgado a transação, apesar de nela figurar como tal” e que, por isso, a “transação em apreço não devia ter sido homologada”.

Foi interposto recurso de revista por parte da R. BB – Consultores Imobiliários, Unipessoal, Ldª, e por JJ, concluindo no essencial que:

a) A conclusão de que há falta de mandato pressupunha que o mandato de facto não existia, ou seja que o advogado atuou sem que previamente estivesse autorizado pela parte a praticar atos em nome dela e este lhe tenha outorgado mandato por uma das formas do art. 35º do CPC, caso em que se mostra necessária a ratificação dos atos quando o mandato é conferido em data posterior àquela em que o ato foi praticado;

b) O interessado CC apenas invocou que o mandato foi conferido em nome de uma representada, que não identifica, e que foi apresentado nos autos após o encerramento da audiência; não invocou a sua falsidade ou que o mandato não existia ou que o tenha outorgado após o encerramento da audiência, às 12 h.

c) A afirmação de que a procuração tivesse sido outorgada, assinada, digitalizada e remetida aos autos entre as 12 h 00 m e as 12 h 3 m não foi considerada pelas partes, sendo inverosímil;

d) O requerimento que acompanhava a procuração visava demonstrar a existência do mandato, não sendo o ato através do qual o interessado conferia mandato ao advogado;

e) Assim, o mandatário que atuou em nome de CC estava autorizado a celebrar a transação em nome do representado, como o comprovou pela junção da procuração imediatamente após o encerramento da audiência, não se verificando, pois, falta de mandato desse interessado.


Houve contra-alegações.


Cumpre decidir.


II – Elementos a considerar:

1. Da ata da referida audiência consta, com interesse, o seguinte:

“…

PRESENTES

Autor: AA

Mandatários do Autor: Dr. KK e Dr. LL, advogado estagiário;

Testemunhas arroladas pelo Autor: DD, que se identificou através do CC 04…. e MM

Legal Representante da Ré: JJ

Mandatário da Ré: Dr. NN

…”.

2. Da mesma ata consta que, já no decurso da audiência final …

“Após, pelo MMº Juiz foi tentada a conciliação das partes (art. 604º do CPC), tendo os Ilustres mandatários presentes, após negociações, declarado que as partes chegaram a acordo, acordo que foi lido aos presentes, sendo que pelo autor, presente neste ato, foi dito que o mesmo não correspondia na íntegra ao seu propósito ou vontade.

Retomadas as negociações e concluídas as mesmas, pelos Ilustres Mandatários foi dito que as partes pretendem pôr termo ao litígio mediante a seguinte

TRANSAÇÃO

O A., a R. e o seu legal representante JJ, acordam na presente ação, bem como o A. e DD e CC, agindo em nome pessoal e na qualidade de legais representantes das sociedades EE, SGPS, S.A., FF - Construções II, S.A., GG, Ldª, e HH, S.A., todas sociedades comerciais constituídas segundo a lei portuguesa, com sede em …, onde estão registadas, contribuintes fiscais, respetivamente 510…7, 507…3, 507…1, 508…8 e 509…7, põem termo à presente ação e aos processos que correm termos no Tribunal Central da Guarda, sob os nºs 834/16.4T8GRD e 984/16.7T8GRD, o que fazem nos termos seguintes:

1. JJ declara ceder as ações de que é titular na sociedade EE, SGPS, e HH, SGPS, S.A., pelo valor global de € 700.000,00 sendo € 500.00,00 para as ações, prestações suplementares de capital, suprimentos e prestações acessórias da SGPS e € 200.000,00 para as ações da HH, S.A., aos Srs. DD, CC e AA que declaram adquiri-las em comum e em partes iguais;

2. O preço para a transmissão referida na cláusula anterior é de € 700.00,00 e será pago em 19 prestações, sendo uma inicial no valor de € 100.00,00, paga nos próximos 8 dias de calendário, contados a partir de hoje, por cheque emitido à ordem de JJ e enviado para o escritório do seu Ilustre Mandatário, o Sr. Dr. NN, com escritório na R. …, nº …, Piso 1, escritórios nº 5 e 6, Ed. …, 3000-… Coimbra e 17 prestações subsequentes no valor de € 33.500,00 cada uma, a pagar no dia 15 dos 17 meses imediatamente seguintes ao primeiro pagamento e 18ª no valor de € 30.500,00 a pagar no mesmo dia do mês imediatamente seguinte à 17ª prestação;

3. A transmissão das ações é imediata comprometendo-se o transmitente a assinar os documentos fiscais que eventualmente sejam necessários, o que deve ser feito até ao fim do corrente mês de Fevereiro;

4. A sociedade Natura, porque tem interesse que a SGPS de que são sócios os seus demais sócios, fique somente nas mãos dos três ora adquirentes, presta fiança aos adquirentes na aquisição das ações da SGPS, sendo que esta pelo mesmo motivo, presta fiança aos adquirentes na aquisição das ações da HH;

5. Com o presente termo de transação, a sociedade FF - Construções II, S.A., põe fim à ação que corre termos no Tribunal da … por desistência do pedido formulado nos autos, que correm termos sob o nº 984/16.7T8GRD, declarando o aí R. JJ que a aceita;

6. JJ declara desistir do pedido no processo que corre termos no Tribunal da … sob o nº 834/16.4T8GRD, declarando as sociedades EE, SGPS, S.A., FF Construções II, S.A., II Imobiliária, S.A., GG, Ldª, e HH, S.A., que aceitam a desistência;

7. Com ratificação de AA, a R. nesta ação, a sociedade BB, Ldª, melhor identificada nos autos, declara ceder à sociedade FF - Construções II, S.A. que, por sua vez, declara aceitar, a dívida que reconhece ter para com o ora A., no montante de € 195.000,00, montante que a sociedade adquirente da dívida pagará nos termos e condições que vier a fixar com o ora A.;

8. Quer a adquirente da dívida, quer o credor, exoneram a BB, Ldª, do pagamento da dívida, expressamente declarando não poder instaurar qualquer ação contra ela por tal dívida;

9. Os AA. e os RR. nas duas ações que correm termos na …, supra identificadas, declaram que estão feitas todas as contas entre eles, nada devendo uns aos outros seja a que título for, à exceção, obviamente, do supra mencionado nesta transação;

10. AA. e RR. nas ações da … obrigam-se a comunicar aos referidos processos este termo de transação;

11. Quer as sociedades, quer os adquirentes, quer a R. neste processo, quer o transmitente JJ, declaram que pela factualidade ocorrida até hoje, não intentarão uns contra os outros, quaisquer outras ações;

12. JJ prestou, enquanto administrador das sociedades supra referidas ou da sociedade OO, Lda, com o NIF 506…4, aval em empréstimos bancários que ainda andam em circulação, pelo que os adquirentes se comprometem a, na data dos vencimentos, retirar o aval nem que seja pelo pagamento dessas quantias, obrigando-se a pagar a JJ tudo aquilo que ele vier a pagar por via de tal incumprimento;

13. AA. e RR. nas ações cujos processos correm termos na …, supra identificados e o A. e R. neste processo, prescindem de procuradoria e custas de parte, sendo que as eventualmente em dívida a juízo serão pagas metade por JJ e outra metade pelas sociedades;

14. As custas ainda em dívida na presente ação serão suportadas em partes iguais por A. e R.”


3. De seguida consta o seguinte trecho:

“Lida a presente transação aos presentes (AA, JJ e DD), pelos mesmos foi dito confirmarem o seu teor uma vez que a mesma corresponde à sua vontade”.


4. De seguida foi proferida sentença homologatória com o seguinte teor:

“Considerando que a transação ora celebrada se mostra válida pelo seu objeto e pela qualidade dos intervenientes, homologo-a por sentença, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos (arts. 283º, nº 2, 284º e 290º, nº 4, todos do CPC).

Custas nos termos acordados.

Registe e notifique”


5. Da ata consta que que o encerramento da audiência ocorreu pelas 12h00.


6. No mesmo dia 13-2-17, pelo A. AA foi remetido aos autos, via CITIUS, com hora de entrada de 12h. 03m 31s, requerimento de junção aos autos de uma procuração que o acompanhava (fls. 55), com o seguinte teor:

“CC, portador do cartão de cidadão nº 07…0, válido até 13-9-12, contribuinte fiscal nº 17… ( …), declara que constitui bastante procurador da sua representada o Sr. Dr. KK, Advogado (…), a quem concede os mais amplos poderes forenses incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais, para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender.

Meda, 13 de Fevereiro der 2017”

Segue-se a assinatura de CC


III – Decidindo:

1. A questão principal que importa dirimir é se, na ocasião em que foi exarada e homologada a transação judicial, o interessado CC que nela figura como um dos outorgantes se encontrava devidamente representado pelo Sr. Dr. KK (que estava presente na audiência final na qualidade de mandatário do A. AA) através da procuração de fls. 55.

Não importa tanto para a apreciação do mérito da revista apreciar os efeitos que decorrem do facto de a referida procuração ter dado entrada formal nos autos, através da via CITIUS, cerca de 3 minutos depois da hora que figura na ata como a do encerramento da audiência final.

Tal facto levar-nos-ia para um plano diferente em torno da verificação do condicionalismo de que dependeria a ratificação da atuação do Sr. Dr. KK e, em concreto, apurar se, apesar de na precisa ocasião em que foi exarada a transação, não estar demonstrada nos autos a existência de poderes de representação, a junção posterior da referida procuração corresponderia à ratificação daquela intervenção, nos termos e para efeitos do art. 268º do CC.

A montante desta questão situa-se uma outra bem mais relevante, numa relação de prejudicialidade, tratando-se de saber se o teor da procuração demonstra ou não efetivamente a concessão de algum poder de representação ao Sr. Dr. KK por parte de CC.


2. Como consta dos elementos que foram alinhados, foi exarada nos autos uma transação que envolveu não apenas as partes na presente ação – o A. AA e a R. BB – Consultores Imobiliários, Unipessoal, Ldª, como ainda outros interessados que litigavam cruzadamente noutros processos ou que estavam relacionadas com alguma daquelas partes.

A situação não é comum, mas, como bem se exarou no acórdão recorrido, contrariando, aliás, argumentação que fora apresentada pelos apelantes, nada obsta a que numa determinada transação judicial intervenham outros sujeitos que não são partes na respetiva ação. Malgrado o que parece derivar dos preceitos de direito adjetivo, a transação efetuada no âmbito de um determinado processo judicial permite a intervenção de terceiros e pode mesmo abarcar matéria que não integra o objeto da ação em causa.

Com efeito, a transação constitui um contrato regulado nos termos dos arts. 1248º a 1250º do CC e, nessa medida, dentro do princípio da liberdade contratual que lhe é aplicável, não existe qualquer restrição à intervenção de outros interessados para além daqueles que formalmente litigam em determinado processo judicial. Aliás, nos termos do art. 1248º, nº 2, do CC, as concessões recíprocas em que se traduz a transação “podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.

Para o efeito conflui o facto de a transação poder ser lavrada em documento extrajudicial acoplado ao processo ou assumir a forma de termo no mesmo processo ou mesmo, como ocorreu no caso, integrar a ata de alguma diligência judicial, como a audiência final (art. 290º do CPC).

A necessidade de, através de transação, se obter uma composição global dos interesses em litígio exige, por vezes, que a mesma extravase o âmbito objetivo ou subjetivo da ação em que é exarada, passo que se pode mostrar-se necessário para alcançar a pacificação das relações e resolver globalmente os conflitos de interesses com pluralidade de sujeitos.

Ponto é que exista uma conexão objetiva ou subjetiva que justifique a ampliação dos efeitos que se obtêm através da homologação judicial da transação.


3. Como qualquer outro negócio jurídico, a transação lavrada em documento extrajudicial, por termo nos autos ou em ata de diligência judicial pode ser outorgada diretamente pelo interessado ou através de representante a quem sejam atribuídos os necessários poderes (arts. 262º e ss. do CC).

Nos casos em que a transação é realizada no âmbito de algum processo judicial, a forma de representação encontra nas normas de direito adjetivo regulação específica. A procuração forense em geral não confere ao mandatário judicial poderes para transigir, confessar ou desistir (art. 44º do CPC), os quais devem ser especificamente concretizados na procuração, nos termos do art. 45º, nº 2.

No caso concreto, CC não era parte no processo, de modo que a sua representação na audiência final na qual foi outorgada a transação obedecia exclusivamente às regras previstas nos arts. 258º e ss. do CC.

Nos termos do direito substantivo, sem embargo dos casos em que, pelo objeto da procuração, seja exigida escritura pública, a mesma deve constar de documento escrito (art. 1250º e 262º, nº 2, do CC).

Trata-se de uma formalidade ad substantiam cujos efeitos serão aqueles que resultarem do respetivo texto, nos termos gerais aplicáveis às declarações negociais. É pelo seu teor que se apurarão os termos da representação voluntária, designadamente no que concerne à identificação do subscritor, à definição da qualidade em que intervém e aos limites da atuação que é conferida ao procurador que na mesma seja identificado.

Por conseguinte, para se apreciar se no caso sub judice estavam verificadas ou não as condições para que pudesse ser exarado termo de transação em representação (além do mais) de CC, que não estava presente, de modo a vinculá-lo aos compromissos que nela foram assumidos, é relevante analisar os termos da procuração.


4. Pondo de lado o facto de no preciso momento em que foi exarado o termo de transação e em que foi proferida a sentença homologatória da mesma o Sr. Dr. KK não ter ainda em seu poder qualquer procuração subscrita por CC, o mesmo assumiu em sua representação, antes do encerramento da audiência final, pelas 12 h., o compromisso que consta do ponto 2. da transação.

A procuração deu entrada no processo pelas 12 h. 3 m. e 31 s. e tinha o seguinte teor:

CC, portador do cartão de cidadão nº 07…, válido até 13-9-12, contribuinte fiscal nº 17….6 ( …), declara que constitui bastante procurador da sua representada o Sr. Dr. KK, Advogado (…), a quem concede os mais amplos poderes forenses incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais, para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender.

Meda, 13 de Fevereiro der 2017”.

A leitura da procuração evidencia a absoluta falta de quaisquer poderes que tenham sido transmitidos ao Sr. Dr. KK para, em representação de CC, se comprometer de algum modo através da transação, quer na prevenção ou término de um litígio, quer na “constituição, modificação ou extinção de direitos”, nos termos do art. 1248º do CC.

Estando o mandatário limitado pelos poderes que lhe tenham sido endereçados através de procuração, nos termos do art. 258º do CC, constata-se que nenhuns poderes foram conferidos ao Sr. Dr. KK, antes ou depois de ter sido exarado e homologado o ato de transação, que o autorizassem a assumir qualquer vinculação suscetível de se repercutir na esfera de CC.

A referida procuração teria porventura a virtualidade de lhe atribuir poderes para assumir a representação judiciária de uma “representada” de CC (porventura uma sociedade de que era administrador), mas não dele próprio, não havendo a este respeito o menor rasto deixado pelos termos em que a procuração foi elaborada.

Mas mesmo naquela vertente da transmissão de poderes de representação de uma “representada” (o que nos remete, em princípio, para uma das sociedades de que o mesmo será administrador ou gerente) a procuração falharia igualmente, uma vez que tal entidade não foi minimamente identificada, elemento tanto mais importante quanto é certo que foram diversas as sociedades que figuram como outorgantes na mesma transação. Também nestoutra perspetiva a procuração revelar-se-ia insuscetível de sustentar qualquer intervenção do Sr. Dr. KK, na medida em que representasse CC na sua qualidade de administrador ou gerente de alguma das sociedades.

No caso concreto, estamos analisando apenas os efeitos da transação na esfera jurídica pessoal de CC e o condicionalismo em que a mesma foi judicialmente homologada. Ora, o único instrumento a que pode recorrer-se é à referida procuração, a qual, insista-se, não demonstra a concessão de qualquer poder ao Sr. Dr. KK para em nome daquele assumir qualquer compromisso ou vinculação.

Deste modo, para além de ser destituída de qualquer justificação formal a inserção do nome de CC no termo de transação, como se estivesse ou pudesse estar representado pelo Sr. Dr. KK, não existia qualquer possibilidade de proceder à homologação da transação, na parte em que ao mesmo dizia respeito.


5. Nos termos do artigo único do Dec. Lei nº 267/92, de 28-11:

1 - As procurações passadas a advogado para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o ato.

2 - As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de atos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes”.


No caso concreto, independentemente de a procuração não existir nos autos na altura em que foi exarada a transação, não houve sequer da parte do Exmº mandatário ou do Mº Juiz da 1ª instância uma certificação correta da existência de poderes para o ato conferidos ao Sr. Dr. KK por parte de CC.

Foi, assim, manifestamente precipitada a outorga da transação, ao menos na parte em que se poderia repercutir na esfera pessoal de CC, como o foi a sua homologação, numa ocasião em que se pedia ao Mº Juiz de 1ª instância, a verificação da sua validade, tendo em conta não apenas o objeto da transação, como a “qualidade das pessoas que nela intervieram”, nos termos do art. 290º, nº 3, do CPC.

Como elemento complementar que também interfere na validade da sentença homologatória, mesmo que porventura se pudesse entender que algum poder foi conferido ao Dr. KK por CC, não bastaria para a homologação da transação cujo teor implicava a assunção de obrigações, sendo manifestamente insuficiente para o efeito uma procuração em que, como ocorreu no caso, se concediam “poderes especiais, para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender.

Uma vez que CC não era parte na ação (cujo objeto estava delimitado pelo pedido e pela causa de pedir), nem em qualquer das demais ações referenciadas na transação (cujo objeto estaria delimitado nos mesmos termos), para que pudesse ser homologada uma transação que em sua representação fosse outorgada e da qual resultasse a assunção de obrigações, era necessário que na procuração se tivessem especificado os concretos poderes conferidos ao representante.


III – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo dos recorrentes.

Notifique.


Lisboa, 7-6-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo