Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4154/11.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / TRABALHO TEMPORÁRIO - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- GUILHERME DRAY, Anotação ao artigo 172.º do Código do Trabalho Anotado, 8.ª Edição, PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Almedina, 2009, pp. 452, 460.
- MARIA REGINA GOMES REDINHA, “A Relação Laboral Fragmentada – Estudo sobre o Trabalho Temporário”, Studia Iuridica, 12, Coimbra Editora, 1995, p. 183.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º4, 636.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT): - ARTIGO 72.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 140.º, N.º2, ALS. A) A G), 172.º ALS. A) E C), 175.º, 176.º, N.ºS1 E 2, 177.º, N.º 1. AL. B) E N.º 2, N.º4, 180.º, N.ºS 1 E 2, 181.º, N.ºS1 E 2, 396.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
Legislação Comunitária:
Sumário :

1 – O contrato de utilização de trabalho temporário, nos termos do artigo 177.º, n.º 1. al. b) e n.º 2 do Código do Trabalho deve conter o motivo justificativo do recurso àquela forma de trabalho com menção expressa dos factos que integram aquele motivo justificativo e que permitam o estabelecimento da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado no contrato;

2 – Não satisfaz as exigências decorrentes dos dispositivos legais citados no número anterior, a indicação no contrato, como motivo justificativo, do conteúdo de uma norma legal acrescido de referências a acumulações temporárias de actividade que não permitam estabelecer qualquer relação entre essas acumulações e a sujeição do contrato a termo indeterminado.

3 – A insuficiência da justificação inserta no contrato de utilização para o recurso ao trabalho temporário acarreta a nulidade do contrato, considerando-se, nos termos do n.º 5 do artigo 177.º do Código do Trabalho, que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou acção, com processo comum, contra: - BB, Ldª e CC – …, S.A, pedindo que seja decretada: 1. A nulidade do contrato de trabalho temporário; 2. A sua reintegração ao serviço da R. BB, nos termos de um contrato de trabalho sem termo.

Mais pediu, sem prejuízo de no caso de vir a ser decretada a nulidade do contrato de utilização, que seja reintegrada ao serviço da entidade utilizadora, a CC, nos termos do regime do contrato de trabalho sem termo.

Pediu ainda que: - A 1.ª R. seja condenada a pagar-lhe  € 1.610,40; - A R. BB seja condenada a pagar-lhe os valores relativos a retribuições salariais vencidas e vincendas acrescidas de juros; - A 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe o subsídio de turno que não lhe pagou.

Invoca como fundamento da sua pretensão, em síntese:

a) - Que celebrou com a 1.ª R. um contrato de trabalho temporário a termo incerto, vindo a prestar a sua actividade na 2.ª R. no aeroporto de Lisboa;

b) – Que o contrato foi celebrado com o fundamento da existência de picos de duração intermitentes e irregulares, nomeadamente na assistência a passageiros, no embarque e desembarque no aeroporto e que vigorou por dois anos, muito para além do permitido por lei;

c) Que tal contrato veio a cessar com comunicação que lhe foi feita da “cessação da causa justificativa que o motivou, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 345.º do Código do Trabalho”;

d) Que tal contrato é nulo e deve ser considerado como celebrado sem termo com a 1.ª R., ou caso se encontre, igualmente, ferido de nulidade o contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre o Utilizador e a R., a que alude o n.º 1 do artigo 180.º, do CT, o vínculo laboral existente seja entre a trabalhadora e o Utilizador, 2.ª R.

A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 3 de Julho de 2013, que integra o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto julgo a acção parcialmente procedente, por provada parcialmente e:

A - condeno a R. BB, Sociedade por quotas a pagar à A. a quantia de € 1.610,40 (mil seiscentos e dez euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros legais desde a data do vencimento de cada subsídio de turno devido.

B - Absolvo as RR. do demais peticionado.

C- Custas pela A. e pela 1.ª R. de acordo com o decaimento.

Registe e notifique».

Inconformada com esta decisão dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 10 de Abril de 2014, nos seguintes termos:

«Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso e consequentemente condena-‑se a 2ª Ré CC – …, S. A, a reintegrar a Autora ao seu serviço no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

Mais condena-se a 2ª Ré (CC, S. A) a pagar à Autora:

- Os salários vencidos desde 10.10.2011 e vincendos até à data do trânsito desta decisão, em valor a liquidar em incidente de liquidação, sendo que nos mesmos se devem deduzir:

- As importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;

- O subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período em causa, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

Tais salários serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento».

Irresignada com esta decisão, dela recorre de revista para este Supremo Tribunal a Ré - CC – …, S.A, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. É doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que o direito à segurança no emprego abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho.

2. Não obstante o direito dos trabalhadores à segurança no trabalho, é também lícito às entidades patronais, de acordo com o também constitucionalmente consagrado direito à gestão empresarial (art. 86.º C.R.P.) recorrer ao trabalho temporário, entendido este como uma modalidade flexível da utilização do factor trabalho.

3. Para evitar situações abusivas ou o recurso fraudulento à contratação temporária, o legislador identificou taxativamente as situações que, pela sua excepcionalidade e transitoriedade, admitem o recurso à contratação temporária, devendo ainda dos respectivos contratos constar os fundamentos (necessidades temporárias e excepcionais) que traduzem essa necessidade.

4. In casu, a Recorrente não violou as formalidades legalmente exigidas, nem recorreu à contratação abusiva ou fraudulenta.

5. A Recorrente não se limitou à mera remissão legal, para fundamentar o contrato, e a realidade trazida aos autos (e que veio a ser considerada provada) demonstrou que aos factos que justificaram a celebração do contrato de utilização de trabalho temporário corresponderam à realidade, e ao início e termo coincidiram com a celebração do contrato de trabalho temporário.

6. É conhecido e aceite pela Jurisprudência que o acréscimo temporário da actividade da empresa não impõe sempre o mesmo grau de concretização ou de explicitação dos factos que justificam o recurso à contratação a termo.

7. A actividade em causa, bem como a medida da possibilidade de cumprimento de tal requisito, que impõem um maior ou menor grau de exigência de concretização no contrato de utilização de trabalho temporário das razões que justificam o recurso a esta modalidade de contratação.

8. O que importará apurar é se os fundamentos constantes do contrato são reais, e se corresponderam a necessidades temporárias e excepcionais da entidade empregadora.

9. A Recorrente fez prova cabal de que os fundamentos descritos no contrato de trabalho temporário e no contrato de trabalho de utilização de trabalho temporário se verificaram efectivamente, e bem ainda, que atento o seu carácter incerto e não duradouro, justificaram, factual e legalmente, a contratação temporária.

10. A contratação da Recorrida correspondeu às expectativas que a ora Recorrente, ao tempo da contratação - 01.08.2009 - tinha relativamente à evolução e crescimento da sua exploração com o inerente e natural acréscimo das necessidades que se fazem sentir no âmbito da actividade de handling, leia-se assistência em escala, que fazem e determinaram necessidades específicas (cfr. Ponto 7 da Matéria de Facto Provada).

11. Em 1 de Janeiro de 2000, a actividade de handling foi liberalizada pelo Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de Julho, data a partir da qual a Recorrente deixou de deter a exclusividade do exercício da actividade de handling nos aeroportos nacionais (cfr. Ponto 8 da Matéria de Facto Provada).

12. A concorrência de mercado daí decorrente, bem como das companhias que fazem o handling dos seus próprios voos, veio dificultar a gestão dos recursos humanos afectos à actividade de handling que tem vindo cada vez mais a afectar a Recorrente, não podendo esta manter trabalhadores a tempo indeterminado sem conhecer exactamente quais as necessidades no futuro (cfr. Ponto 11 da Matéria de Facto Provada).

13. A actividade da Recorrente, para além da assistência aos aviões da Companhia de Bandeira Portuguesa, depende essencialmente do número de voos e companhias assistidas em função de contratos negociados, em regra, anual ou bianualmente e que têm repercussão nas necessidades que se fazem sentir no âmbito de handling, porquanto está em causa uma maior ou menor utilização do Aeroporto onde a Recorrida prestou os seus serviços, in casu o Aeroporto de Lisboa (cfr. Ponto 10 da Matéria de Facto Provada).

14. A actividade de handling é, por natureza, caracterizada por grande intermitência, variabilidade e imprevisibilidade operacionais, as quais são traduzidas, concretamente, pelo facto de existirem picos e intensidades operacionais muito diferentes ao longo do ano, do mês, da semana e do dia.

15. Além dos elementos de carácter económico conjuntural, de ocorrência de eventos ou fenómenos precisos, existem ainda outros três factores essenciais que condicionam a actividade do operador e que poderão estar na base da contratação de trabalho temporário, ou a termo certo, com fundamento no motivo indicado no contrato de utilização de trabalho temporário: a) a expectativa da empresa em termos de movimentos de aviões e passageiros no início da contratação, a evolução real posterior da actividade e a verificação da cessação dos motivos em que assentou a contratação; b) a irregularidade e intermitência diária da operação, e; c) a celebração de novos contratos com companhias assistidas, e respectivos movimentos, coincidentes com o período da contratação da Recorrida.

16. No caso dos autos, ao tempo da contratação da Recorrida, que teve início em 1.08.2009, a Recorrente, partindo dos movimentos de 2008 relativo aos meses de Agosto a Dezembro, verificou que os valores orçamentados e previstos para 2009 relativos aos meses homólogos apresentam valores significativamente mais elevados: com excepção do mês de Novembro (cujo orçamento é menos que o verificado no ano anterior), estavam projectados crescimentos superiores a 200 movimentos em cada mês (Factos 15 e 16 da Matéria de Facto Provada).

17. Face a esta expectativa de crescimento, seria, naquele momento, perfeita mente legítimo a opção de contratação de trabalho temporário, sendo certo que também relativamente a todo o ano de 2010, com excepção dos meses de Janeiro e Fevereiro, a expectativa da Recorrente, de acordo com o orçamentado para este ano face aos movimentos reais dos meses homólogos de 2009, era também de claro crescimento em Lisboa (Factos 15 e 16 da Matéria de Facto Provada).

18. Porém, em 2011 a Recorrente não só não registou quaisquer sinais de crescimento como, ao invés, registou sinais de estagnação nalguns meses, e de queda noutros meses.

19. A constatação da quebra de movimentos reais, por comparação ao que eram as expectativas para a exploração do ano de 2011, particularmente nos meses de Junho, Julho e Agosto desse ano, associada à cada vez maior diferença entre os valores expectáveis e os movimentos reais (a qual passou a ser muito maior do que o desvio matriz ou padrão de anos anteriores), aconselhava a Recorrente a fazer cessar o contrato de trabalho, sob pena de a mesma se tornar excedentária para as necessidades reais que se estavam a registar (Facto Provado 17).

20. Para além das imprevisibilidades operacionais, ficou provada a sazonalidade anual - marcada pelo Verão IATA que inicia no último domingo de Março e termina no último domingo de Outubro - os meses mais fortes do Verão têm, por natureza, intensidade superior (cfr. Facto 12 da Matéria de Facto Provada).

21. Por outro lado, mesmo conhecendo a Recorrente, nos termos referidos, o número de movimentos previstos, tal já não sucede com o número de passageiros transportados e assistidos, que é desconhecido pela Recorrente até muito perto da realização da assistência em escala a cada voo concreto (Facto 19 da Matéria de Facto Provada).

22. No período aqui em causa, e conforme resulta dos documentos juntos aos autos, verificou-‑se que quer durante o Verão, quer durante o Inverno, os picos diários de maior intensidade da actividade da empresa situavam-se entre as 6H00 e as 10H00 e entre as 12H00 e as 15H00 (Facto 14) e que a Recorrida exerce a sua actividade a tempo parcial (Facto 4) nos períodos diários coincidentes com os picos de actividade (Facto 20).

23. As tarefas desenvolvidas pela Recorrida são imprescindíveis a qualquer companhia que tenha no seu objecto a assistência a aviões, mas a quantidade de trabalho nesse sector pode variar, como de resto variou, em consequência do quadro fáctico dado por provado nos presentes autos.

24. Para além dos cenários de previsível crescimento para todo o período em que a Recorrida foi contratada, ao longo desse mesmo período concorreram ainda outros eventos extraordinários e verdadeiramente imprevisíveis que ainda dificultaram mais a já de si actividade de planeamento, como o vulcão Eyjafjoll na Islândia, que entrou em erupção em 21 de Março de 2010, e provocou o caos na aviação europeia, no Natal de 2010 devido à neve extrema que caiu por toda o Norte da Europa e que durante o mês de Dezembro fez cancelar vários voos diários no Aeroporto de Lisboa (cfr. Facto 24), a Cimeira da Nato que decorreu a 18 e 19 de Novembro de 2010 em Lisboa, e outras de menor dimensão como a X Cimeira Portugal-Brasil em Maio de 2010 levaram igualmente à dificuldade de previsão de uma operação e ou exploração (cfr. Facto 25).

25. Conforme resulta também dos Pontos 7 a 25 da Matéria de Facto Provada, a Recorrente não podia ter como garantida a consolidação dos acréscimos de actividade, não sendo por isso possível à mesma dimensionar o respectivo quadros de pessoal "efectivo" para os níveis de actividade que registar em determinado momento.

26. A decisão de contratar está relacionada com o cenário que se perspectiva vir a concretizar, e não nos factos que se vêem ou não a registar, porquanto estes apenas podem determinar a necessidade da efectivação do trabalhador a termo e/ou temporário ou, pelo contrário e como sucedeu, determinar a cessação do trabalhador a termo e/ou temporário.

27. A Recorrente precisou, em termos suficientes e claros, os motivos do recurso à contratação temporária, tendo em conta a possibilidade dessa concretização e o grau de cognoscibilidade do destinatário.

28. Não se podem confundir "funções permanentes" com "necessidades permanentes", pois mesmo sendo a função permanente, esta pode ter picos de actividade, o que significa que nem todos os trabalhadores necessários para a desempenharem devam ser contratados sem prazo.

29. Os motivos da contratação da Recorrida foram evidentes e claros, em especial tendo como padrão o elevado grau de imprevisibilidade de cálculo do volume de tráfego, e ainda a circunstância de a Recorrida estar a par de todas estas condicionantes que até são algumas do domínio público.

30. Através desta modalidade de contratação, a Recorrente não pretendeu eximir-se à celebração de um contrato de trabalho sem termo, mas tão só fazer face a necessidades temporárias e não duradouras com que se deparou.

31. A eventual mas não demonstrada adopção de alegado conceitos vagos e indeterminados não impediu a Recorrida - nem o intérprete - de apurar a realidade que esteve subjacente à contratação, nem a veracidade da verificação de tal realidade.

32. O contrato de utilização de trabalho temporário, nos termos em que se encontra redigido, não impediu a verificação e concretização dos objectivos que o legislador pretendeu atingir com o regime jurídico previsto no artigo 177.º do Código do Trabalho. 

33. Estando demonstrado nos autos que os motivos indicados no contrato de utilização de trabalho temporário não resultaram de qualquer intenção de violação da legislação laboral ou de violação dos direitos dos trabalhadores, neste caso da Recorrida, andou maio Tribunal a quo ao cominar com a nulidade o contrato de utilização do trabalho temporário.

34. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no n.º 1, alínea b) e do n.º 2, ambos do art. 177.º do Código do Trabalho.»

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso «revogando-se o Acórdão recorrido, reparando a Sentença de 1.ª Instância».

A autora respondeu ao recurso interposto, requerendo a ampliação do respectivo objecto, nos termos do artigo 636.º do Código de Processo Civil, o que foi deferido por despacho do relator de 9 de Setembro de 2014, e integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Como assinala Maria do Rosário Palma Ramalho, tem de existir perfeita coincidência entre os fundamentos invocados como justificação para a prestação de trabalho temporário (entre empresas) e os invocados no contrato individual de trabalho.

2. O motivo para a celebração do contrato entre as empresas (art. 175°) foi a existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala, nomeadamente na área de passageiros, placa, terminais de carga nos aeroportos.

3. Porém, o motivo invocado no contrato celebrado entre o utilizador e a trabalhadora foi o do art. 140°, n° 2: "actividade sazonal ou outra, cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades de natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo abastecimento de matéria-prima".

4. Para além de não ter qualquer lógica, o motivo invocado, atenta a natureza da actividade exercida nos aeroportos pela recorrida, a verdade é que não há coincidência entre este motivo invocado, e o invocado no contrato entre as empresas, o que torna ilegal o contrato.

5. Só há coincidência entre o motivo invocado no contrato entre empresas (picos intermitentes e irregulares ...) e o fundamento (não o motivo) do recurso ao trabalho temporário (picos ...).

6. O artigo 141°, n° 3 do C.T. preceitua que o motivo justificativo do termo deve ser feito com menção dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

7. A empresa fez a denúncia do contrato para 31 de Julho de 2011, data incompatível com os fundamentos da contratação (pois os meses de Julho e Agosto, aí sim, como consta das afirmações das empresas, há um acréscimo de tráfego).

8. A denúncia para 31 de Julho foi feita apenas e só para que o contrato não se prolongasse para além de 2 anos (prazo máximo do contrato a prazo, na interpretação incorrecta da empresa).

9. A categoria atribuída à recorrida, e as funções a esta cometidas (assistência a passageiros) nada tem a ver com a actividade laboral ou outra cujo ciclo apresente irregularidades por falta ou escassez de matéria-prima.

10. O fundamento invocado para o recurso ao trabalho temporário, e para o contrato a termo incerto, é um conceito abstrato, uma categoria, e não factos como a lei impõe.

11. E pelo que se constata na contestação, não faltariam dezenas e dezenas de factos, que na concepção da recorrente preenchiam aquele conceito.

12. Os factos dados como provados não podem pois ser tomados em consideração.

13. Além de que muitos desses factos contrariam totalmente o conceito invocado como motivo do contrato celebrado (actividade sazonal ou outra ...).

14. Os factos que preenchem o conceito de actividade sazonal estão previstos na al. e), do artigo 140.º e os factos que preenchem o conceito de acréscimo excepcional de actividade da empresa estão previstos na al. f), o que demonstra que não há coincidência entre os mesmos, como pretende sugerir a inclusão no contrato da trabalhadora destes dois conceitos, em contraposição ao contrato temporário, onde consta, aliás, um fundamento diferente (art. 175.°, al. b)).

15. A relação deveria ter conhecido o recurso interposto da invocada nulidade, uma vez que a não indicação no requerimento de recurso, da questão suscitada, de forma autónoma e separada não impediu (essa nulidade) que o tribunal de 1ª instância se pronunciasse sobre a mesma embora para a julgar improcedente.

16. Aliás a questão é de conhecimento oficioso.

17.foi violado o artigo 615°, al. d) do C.P.C.»

Termina pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho pronunciando-se pela improcedência do recurso e pelo não conhecimento da matéria que é objecto da ampliação do respectivo objecto.

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista:

a) − Saber se o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre as Rés se deve considerar nulo por falta de invocação do competente motivo;

b) – A nulidade por omissão de pronúncia da decisão da 1.ª instância face à ampliação do objecto do recurso requerida pela Autora.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. A A. celebrou com a Ré BB, empresa de trabalho temporário, em 1 de Agosto de 2009, o contrato de trabalho temporário n.º … (doc. junto a fls. 9 e se dá por integralmente reproduzido), através do qual se obrigou a prestar as funções inerentes à categoria profissional de técnico de tráfego com assistência em escala, e a actividade seria prestada pela A., perante o seguinte Utilizador: CC, SA, no Aeroporto de Lisboa.

2. Competia à A. a verificação e identificação de passageiros e bagagem (check-in), encaminhamento de passageiros de/para as aeronaves, efectuando o controlo de passageiros e respectivas bagagens de mão na porta de embarque e orientar os passageiros no desembarque.

3. No contrato referido em 1., o motivo do recurso ao trabalho temporário é o seguinte: e) art. 140.º nº 2 por remissão do artigo 175.º nº 1 do CT, actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-‑prima; a título de fundamento para a celebração do contrato de trabalho temporário, é apontada a existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala, nomeadamente na assistência a passageiros, no embarque e desembarque.

4. A A. auferia um vencimento base de € 439,00 mensais para 97.50 horas de trabalho mensal.

5. Do contrato de trabalho temporário, na cláusula relativa a retribuição, consta o valor de € 123,60/mês, correspondente a subsídio de turno, no entanto, sempre foi pago o valor de € 50,40, no que a este subsídio respeita.

6. O contrato, celebrado a termo incerto, teve início no dia 1 de Agosto de 2009, tendo cessado no dia 31 de Julho de 2011, na sequência de comunicação da caducidade do contrato, enviada pela R. à autora (doc. 10 e que se dá por integralmente reproduzido), com o fundamento na “cessação da causa justificativa que o motivou, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 345.º do Código do Trabalho”.

7. A contratação da A. correspondeu às expectativas que a R., ao tempo da contratação daquela, em 1/8/2009, tinha relativamente à evolução e crescimento da sua exploração com o inerente e natural acréscimo das necessidades que se fazem sentir no âmbito da actividade de handling.

8. A actividade de handling foi liberalizada em 1/1/2000, deixando a R. CC de deter a exclusividade do exercício da actividade de handling nos aeroportos nacionais.

9. Uma das empresas que passou a operar no mesmo ramo de actividade foi a Portway, constituída pela DD, SA. que se associou para esse efeito aos aeroportos de Frankfurt.

10. A actividade de Handling depende do número de voos (movimentos) e companhias assistidas em função dos contratos negociados, em regra anual ou bianualmente, sendo o quadro de pessoal da 2.ª R. dimensionado em função das necessidades de exploração directa, normais e previsíveis face aos contratos de assistência e handling que consegue angariar.

11. A concorrência de mercado, bem como de companhias que fazem o handling dos seus próprios voos, vieram dificultar a gestão dos recursos humanos afectos à actividade de handling não podendo a 2.ª R. manter trabalhadores a tempo indeterminado sem conhecer exactamente quais as necessidades do futuro.

12. A actividade anual da 2ª R. é marcada pelo Verão IATA que se inicia no último domingo de Março e termina no último domingo de Outubro, os meses mais fortes do ano, que têm, por natureza, intensidade superior de actividade, sendo o restante período do ano, o Inverno IATA.

13. Para planeamento das duas épocas referidas, as companhias de aviação clientes da 2ª R. dão informação duas vezes por ano sobre a planificação esperada de voos, com base na qual a 2.ª R. planifica a área operacional baseada nas expectativas dos clientes.

14. Quer durante o Verão quer durante o Inverno, os picos diários de maior intensidade da actividade da 2.ª R. situam-se entre as 6H00 e as 10H00 e entre as 12H00 e as 15H00.

15. Ao tempo da contratação da A., a 2.ª R., partindo dos movimentos de 2008 relativos aos meses de Agosto a Dezembro, verificou que os valores orçamentados e previstos para 2009 relativos aos meses homólogos apresentam valores significativamente mais elevados e estavam projectados crescimentos superiores a 200 movimentos em cada mês, à excepção do mês de Novembro.

16. Relativamente a todo o ano de 2010, com excepção dos meses de Janeiro e Fevereiro, a expectativa da 2.ª R., de acordo com o orçamentado para este ano face aos movimentos reais dos meses homólogos de 2009, era de crescimento de 5% em Lisboa, sendo os meses de maior incidência de crescimento nos meses de Maio, Junho, Setembro, Outubro e Novembro.

17. Relativamente ao ano de 2011 perspectivava-se um crescimento dos movimentos de aeronaves e de passageiros de 6% relativamente ao ano de 2010, todavia ao longo do decorrer do ano, a 2ª R. foi confrontada com os valores reais que não apresentavam sinais de crescimento, antes de estagnação e queda, consoante os meses, mormente em Junho, Julho e Agosto, que veio a significar um desvio para menos 5% entre a actividade orçamentada e a real.

18. As dificuldades previsionais resultantes da elevada concorrência existente no handling motivou o sobredimensionamento do quadro de pessoal e o despedimento colectivo promovido pela 2ª R. no aeroporto de Faro, com o encerramento posterior daquela escala.

19. Se em dado momento a 2ª R. sabe qual o número de aterragens e descolagens que serão efectuadas, tal não sucede com o número de passageiros e assistidos, o que só sabe muito perto da realização da assistência em escala a cada voo concreto.

20. A A. exerceu a actividade em períodos do dia coincidentes com os picos de actividade referidos em 14.

21. A EE Air celebrou um contrato de assistência com a 2ª R. e teve, em 2010, 50 movimentos; em 2011 registou apenas três movimentos, contra os 33 orçamentados.

22. A FF e a DD, clientes da 2ª R. que vinham a ter movimentos regulares e constantes, vieram a apresentar redução de movimentos no ano de 2011, como resulta dos quadros constantes de fls. 348 e 349 dos autos que aqui se dão por integralmente transcritos.

23 - Em Março de 2010, entrou em erupção o vulcão Eyjafjoll na Islândia, que afectou mais de cem mil voos na Europa no primeiro semestre de 2010, obrigando ao encerramento de todos os aeroportos nacionais durante 5 dias, e obrigando ao cancelamento de cerca de 100 voos da TAP.

24 - No Natal de 2010, a neve extrema que caiu por todo o norte da Europa durante o mês de Dezembro fez cancelar vários voos diários no aeroporto de Lisboa.

25 - A Cimeira da NATO, que decorreu em 18 e 19 de Novembro de 2010, em Lisboa, representou um pico nos movimentos no Aeroporto, que obrigou a 2.ª R. a um esforço acrescido para acorrer a esse evento.

26 - Os primeiros tempos de contratação correspondem a formação on-job.

27 - Muitas vezes as solicitações das companhias estrangeiras assistidas são efectuadas em cima da hora, com as quais a 2.ª R. é confrontada.

28 - Entre as duas RR, foi celebrado, no dia 27/3/2009, um contrato de utilização de trabalho temporário com o teor do documento de fls. 301 e ss. que aqui se dá por reproduzido.

29 - E no dia 26/1/2010, entre as RR foi celebrada uma Adenda ao contrato referido em 28, com o teor do documento de fis. 309 e ss. que aqui se dá por reproduzido.

30. E no dia 22/11/2012, entre as RR foi celebrada uma Segunda Adenda ao contrato referido em 28, com o teor do documento de fls. 317 e ss. que aqui se dá por reproduzido.»


III

1 - O regime do trabalho temporário encontra hoje assento, no que se refere aos seus aspectos essenciais, nos artigos 172.º e ss. do Código do Trabalho de 2009, diploma que mantém as linhas de caracterização do enquadramento desta figura que já vem do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro.

Continuam, hoje, a ter interesse para a caracterização das soluções jurídicas em vigor as considerações que se faziam no preâmbulo daquele diploma, nomeadamente quando ali se afirmava que «a especialidade que apresenta o trabalho temporário − contrato de trabalho “triangular” em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros e exerce, em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e de direcção próprios da entidade empregadora) − foge à pureza dos conceitos do direito do trabalho e não se reconduz ao regime do contrato a termo nem se confunde com o regime de empreitada».

O regime do trabalho temporário caracteriza-se pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho de temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direcção do utilizador, ou seja, do destinatário da prestação de trabalho.

Neste contexto, embora a relação de trabalho se estabeleça entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, que é a verdadeira entidade empregadora, a conformação da prestação de trabalho vai ser assumida, não pela entidade empregadora como no contrato de trabalho geral, mas sim pela empresa utilizadora que recebe a prestação de trabalho do trabalhador cedido.

Assim, apesar de a utilizadora receber e conformar a prestação de trabalho não tem o estatuto de entidade empregadora que continua a ser a empresa de trabalho temporário.

Como refere MARIA REGINA GOMES REDINHA, «o engenho doutrinal forjou, pragmaticamente, a única saída conciliatória e, conferindo a titularidade do vínculo jurídico-laboral à ETT, admitiu a partilha do conteúdo do estatuto de empregador pela ETT e pelo utilizador», «sem cair na redutora simplificação que seria a consideração da ETT como mero empregador de jure e a empresa utilizadora como empregadora de facto, a solução passa por recortar o conjunto de posições activas e passivas que constituem a esfera do empregador de modo a atribuir à ETT a quase totalidade das obrigações patronais e ao utilizador a quase totalidade das respectivas prerrogativas»[1].

Na síntese de GUILHERME DRAY[2], «o trabalho temporário caracteriza-se, assim, por dois aspectos: por um lado, pela dissociação entre o empregador (ETT) e a pessoa individual ou colectiva que beneficia efectivamente da actividade do trabalhador temporário (utilizador); por outro lado, pela existência de duas relações jurídicas distintas: uma relação de trabalho (contrato de trabalho) entre a ETT e o trabalhador e uma relação obrigacional de direito comum (contrato de prestação de serviço) entre a ETT e o utilizador, circunstância que confere natureza especial ao regime de trabalho temporário».

2 - A prestação de trabalho temporário tem, deste modo, por base dois contratos: o contrato de prestação de trabalho temporário, celebrado entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, disciplinado nos artigos 180.º e ss. do Código do Trabalho, e o contrato de utilização de trabalho temporário, que é celebrado entre a empresa prestadora de trabalho temporário e o utilizador e que é disciplinado nos artigos 175.º e ss. daquele código.

2.1 - O contrato de utilização de trabalho temporário é definido na alínea c) daquele artigo 172.º do Código do Trabalho como sendo o «contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários».

Resulta do disposto no artigo 175.º daquele Código que o contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos: «b) necessidade intermitente de mão de obra, determinada por flutuação da actividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador».

Por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «para efeitos do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excepcional de actividade da empresa o que tenha duração até 12 meses».

Por outro lado, resulta do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, que a «duração do contrato de utilização não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade do utilizador a que se refere o n.º 1».

Conforme refere GUILHERME DRAY «do ponto de vista substantivo, a lei tipifica no preceito sob anotação, os motivos que podem sustentar a celebração do CUTT, enunciando-os de forma taxativa e fazendo-os aproximar, no essencial, dos motivos justificativos da contratação a termo previstos no artigo 140.º» e prossegue aquele autor afirmando que «o recurso ao contrato a termo (artigo 140.º) e ao trabalho temporário (artigos 175.º e 180.º) apenas é admitido a título excepcional, segundo motivações objectivas taxativamente contempladas na lei e desde que respeitados determinados requisitos de forma e limites temporais. Assim o impõe o princípio constitucional da estabilidade do emprego»[3].

O artigo 176.º define as condições que legitimam a utilização de trabalho temporário, impondo no n.º 1 ao utilizador a «prova dos factos que justificam a celebração do contrato». Por força do disposto no n.º 2 deste artigo é nulo o contrato de utilização celebrado fora das situações a que se refere o n.º 1 do artigo 175.º.

 Por sua vez, estabelece o n.º 3 do mesmo artigo que na situação referida no n.º 2, «considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º».

Resulta do n.º 1 do artigo 177.º do Código do Trabalho que o contrato de utilização está sujeito a forma escrita, e, para além do mais, deve conter: «b) o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador».

Nos termos do n.º 2 deste mesmo artigo, «para efeitos da alínea b) do artigo anterior, a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado».

De acordo com o disposto no n.º 4 daquele artigo, «o contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou omitir a menção exigida pela alínea b) do n.º 1», e, de acordo com o disposto no n.º 5, «no caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato sem termo», sendo aplicável também o disposto no nº 6 do artigo 173.º

2.2 – A alínea a) do artigo 172.º do Código do Trabalho define contrato de trabalho temporário como sendo o «contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário».

Por força do disposto no n.º 1 do artigo 180.º do mesmo diploma, «o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização».

De acordo com o disposto no n.º 2 daquele artigo, «é nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º». Do mesmo modo, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, «caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 4 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º».

Nos termos do n.º 1 do 181.º «o contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter, para além do mais, os «motivos que justificam a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que os integram».

De acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º».

A natureza precária da relação de trabalho temporário e a necessidade de compatibilizar essa precariedade com a salvaguarda do direito à estabilidade no emprego está presente nos traços fundamentais do regime desta forma de prestação de trabalho e enforma todo o regime consagrado.

É neste contexto que se terão de compreender a taxatividade das situações em que é legítimo o recurso à utilização de trabalho temporário, como forma de delimitar com objectividade o recurso a esta forma de trabalho, evidenciando a excepcionalidade desta restrição ao referido princípio da estabilidade.

Mas é também esta preocupação que inspira as exigências relativas à forma que são impostas, quer ao contrato de utilização, quer ao contrato de trabalho propriamente dito, sobretudo na dimensão relativa à especificação dos motivos invocados como fundamento do recurso a esta forma de trabalho, nomeadamente, a exigência decorrente do n.º 2 do artigo 177.º do Código do Trabalho, de que tal indicação seja feita «pela menção expressa dos factos que o integram», menção que terá de ser complementada com o estabelecimento da relação «entre a justificação invocada e o termo estipulado».

Esta objectivação dos motivos permite a sindicância pelo trabalhador e, em caso de litígio, pelo tribunal, reconduzindo o sistema ao respeito pelo princípio da estabilidade no trabalho, consagrado no artigo 53.º da Lei Fundamental.


IV


1 - Na decisão recorrida considerou-se que o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre as Rés deveria ser considerado nulo por insuficiência do motivo justificativo indicado.

Nessa parte a decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Ora, a nosso ver, com respeito por opinião diversa, cumpre considerar que - efectivamente - o motivo justificativo de recurso a trabalho temporário inserido no “contrato de utilização de trabalho temporário de 27-3-2009” omite a menção exigida pela alínea b) do nº 1º artigo 177º do CT/2009, nomeadamente quando conjugada com o nº 2 dessa mesma norma.

A referência que ali é feita não contém menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador.

É que não se pode reputar como tal a simples menção da “existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala, nomeadamente na assistência de passageiros, placa, terminais e da carga dos Aeroportos, inclusive no âmbito do carregamento e descarregamento das aeronaves assistidas e na assistência a passageiros, no embarque e desembarque do aeroporto”.

Quais picos?

Quando se verificam?

É que não estamos a falar de factos notórios.

E recorde-se que só através da mencionada invocação expressa, concreta (evitando o recurso a expressões vagas e imprecisas ou às fórmulas constantes da lei) o utilizador pode - posteriormente - fazer a prova que lhe incumbe desses mesmos factos que justificam a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário.

Não o fazendo - isto é, não fazendo constar esses factos do acordo – não pode depois prová-los ou até fazer prova de factos que ali não constam para tentar motivar a contratação.

Aliás, o supra citado vício de motivação ainda é mais patente na Adenda referida em 29, onde se consignou:

“4 – Prazo e motivo justificativo de recurso a trabalho temporário

Os contratos de utilização de trabalho temporário que vierem a ser celebrados entre as partes e aos quais se aplicam as condições estipuladas no presente terão o fundamento que seja legalmente aplicável para cada caso, sempre no contexto da actividade de assistência em escala, nomeadamente na assistência na área de passageiros, placa, terminais e da carga e manutenção de equipamentos nos Aeroportos.

1.2 – A clª precedente entra em vigor, retroactivamente, a partir de 27 de Março de 2009” – fim de transcrição.

Nesta, ao contrário do determinado na lei, até se remete para “o fundamento que seja legalmente aplicável para cada caso” – fim de transcrição.

Com todo o respeito por opinião diversa, o ali consignado também não consubstancia quaisquer factos.

O que ali se diz é mais ou menos isto, quando for caso disso, procure-se na lei a norma que ali melhor se encaixar.

Não pode ser.

Resumindo, cumpre reputar nulo o contrato referido no ponto nº 28 da matéria apurada por omitir a menção exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 177º do CT/2007, tal como bem resulta do seu nº 4.

Há, assim, nos termos do n.º 5º desse mesmo preceito que considerar que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º»

2 – Está em causa saber se o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Ré BB, Ldª e e a recorrente CC – . .., S.A, - é nulo por violação do disposto nos artigos 175.º, n.º 1 e artigo 140.º, n.º 2 alínea e), 176.º, n.º 1 e 2 e 177, n.º 1, alínea b) e n.º 2 todos do Código do Trabalho, no que se refere à justificação invocada para a respectiva celebração, questão a que o recorrente limitou o objecto do recurso interposto.

Na verdade, ponderado o conteúdo das conclusões das alegações do recurso de revista em análise, não é suscitada pelo recorrente qualquer outra questão relativamente à decisão recorrida, o que releva nos termos do n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil.

Para além disso, não ocorre em relação àquela decisão qualquer situação que justifique a intervenção oficiosa deste Tribunal.

2.1 - Decorre da matéria de facto dada como provada que «entre as duas RR, foi celebrado, no dia 27/3/2009, um contrato de utilização de trabalho temporário com o teor do documento de fls. 301 e ss.» e que «no dia 26/1/2010, entre as RR foi celebrada uma Adenda ao contrato referido em 28, com o teor do documento de fls. 309 e ss.».

Resulta do contrato de utilização de utilização celebrado entre as Rés, ponto n.º 4, como «prazo e motivo justificativo de recurso a trabalho temporário» que «a celebração do presente contrato tem como motivo justificativo o disposto na al. e) do artigo 140.º do CT, ou seja, é motivada pela existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala, nomeadamente na assistência na área de Passageiros, Placa, Terminais de Carga nos Aeroportos, inclusive no âmbito do carregamento e descarregamento de aeronaves assistidas e na assistência a passageiros, no embarque e desembarque do aeroporto»; e no que se refere à duração do contrato especificou-se que «o presente contrato é celebrado a termo incerto e cessará logo que extinto o fundamento que lhe deu origem».

Esta cláusula n.º 4 do contrato de utilização foi objecto da alteração decorrente da adenda acordada entre as duas Rés, em 26 de Janeiro de 2010, mas cuja entrada em vigor foi convencionada, retroactivamente, para 27 de Março de 2009, ficando a mesma com o seguinte teor: «os contratos de utilização de trabalho temporário que vierem a ser celebrados entre as Partes e aos quais se aplicam as condições estipuladas no presente terão o fundamento que seja legalmente aplicável para cada caso, sempre no contexto da actividade de assistência em escala, nomeadamente na assistência na área de Passageiros, Placa, Terminais de Carga e Manutenção de Equipamentos nos Aeroportos».

Resulta ainda da matéria de facto dada como provada que «a contratação da A. correspondeu às expectativas que a R., ao tempo da contratação daquela, em 1/8/2009, tinha relativamente à evolução e crescimento da sua exploração com o inerente e natural acréscimo das necessidades que se fazem sentir no âmbito da actividade de handling».

Decorre também dessa matéria de facto que «a actividade de handling foi liberalizada em 1/1/2000, deixando a R. CC de deter a exclusividade do exercício da actividade de handling nos aeroportos nacionais»; que «uma das empresas que passou a operar no mesmo ramo de actividade foi a Portway, constituída pela DD, SA. que se associou para esse efeito aos aeroportos de Frankfurt».

Flui também da matéria de facto que «a actividade de Handling depende do número de voos (movimentos) e companhias assistidas em função dos contratos negociados, em regra anual ou bianualmente, sendo o quadro de pessoal da 2.ª R. dimensionado em função das necessidades de exploração directa, normais e previsíveis face aos contratos de assistência e handling que consegue angariar» e que «a concorrência de mercado, bem como de companhias que fazem o handling dos seus próprios voos, vieram dificultar a gestão dos recursos humanos afectos à actividade de handling não podendo a 2.ª R. manter trabalhadores a tempo indeterminado sem conhecer exactamente quais as necessidades do futuro».

Decorre ainda da matéria de facto dada como provada que «a actividade anual da 2ª R. é marcada pelo Verão IATA que se inicia no último domingo de Março e termina no último domingo de Outubro, os meses mais fortes do ano, que têm, por natureza, intensidade superior de actividade, sendo o restante período do ano, o Inverno IATA»; que «para planeamento das duas épocas referidas, as companhias de aviação clientes da 2ª R. dão informação duas vezes por ano sobre a planificação esperada de voos, com base na qual a 2.ª R. planifica a área operacional baseada nas expectativas dos clientes.»; que «quer durante o Verão quer durante o Inverno, os picos diários de maior intensidade da actividade da 2.ª R. situam-se entre as 6H00 e as 10H00 e entre as 12H00 e as 15H00» e que «a A. exerceu a actividade em períodos do dia coincidentes com os picos de actividade referidos em 14.»

2.2 - A prestação de trabalho da Autora para a ré CC – …, S.A iniciou-se a coberto da versão inicial do acordo de utilização acima referido, cumprindo indagar se a mesma respeita as exigências legalmente definidas no que se refere à justificação do recurso ao trabalho temporário e à subordinação dessa utilização a um prazo incerto.

Tal como acima se referiu, incumbe à utilizadora demonstrar a justificação para a utilização de trabalho temporário, sendo certo que a indicação do motivo justificativo deve ser feita «pela menção expressa dos factos que o integram», mas para além disso deve estabelecer-se «a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado».

Resulta da justificação aposta ao contrato que o motivo invocado é o da alínea e) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, «actividade sazonal ou outra cujo ciclo de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado», ou seja, «é motivada pela existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala».

A referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho é uma mera menção legal, não realizando só por si os objectivos subjacentes à justificação da utilização de trabalho temporário, uma vez que não integra factos que objectivem essa justificação, cumprindo analisar se a referência à «existência de picos de duração intermitentes e irregulares, próprios da actividade de assistência em escala» cumpre esse objectivo.

Independentemente do que sejam os picos próprios da actividade de assistência em escala, também se torna claro que essa referência não pode considerar-se como sendo uma base de objectivação da justificação do recurso a esta forma de trabalho.

Na verdade, ela não integra factos suficientes que permitam demonstrar em que consistem os referidos picos de actividade e, muito menos, permite relacionar tais picos de actividade, classificados como irregulares e intermitentes, com a sujeição do contrato a um termo incerto.

Na verdade, da matéria de facto dada como provada, nomeadamente facto 14, resulta a existência de picos de maior intensidade de actividade quer de Verão, quer de Inverno, situados em específicos períodos de tempo, sendo certo que esses períodos se repetem conforme os ciclos decorrentes do Verão IATA a que se refere o ponto n.º 12 da matéria de facto, pelo que não podem ser invocados como fundamento do recurso a trabalho temporário por tempo indeterminado.

O contrato não integra deste modo, no que se refere à motivação, um conjunto de factos que permitam objectivar as razões justificativas do recurso ao trabalho temporário a termo indeterminado.

Embora se possa aceitar que a actividade em causa tenha um «ciclo anual de produção» que apresenta irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado», na linha do conteúdo da alínea e) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, torna-se impossível interligar estes ciclos com a sujeição do contrato a termo indeterminado.

Na verdade, a contratação da Autora ocorre num período em que a Ré tinha expectativas de crescimento conforme resulta dos pontos n.ºs 7 e 15 da matéria de facto dada como provada, que não se vieram a concretizar, segundo resulta também da matéria de facto.

Deste modo, a objectivação do que sejam os picos de actividade mencionados no contrato só se encontra a partir da matéria de facto dada como provada, nada se podendo concretizar a partir das referências que constam do contrato, que, de acordo com as exigências legais, deveria ser feita com menção expressa de factos que integram o motivo, e, para além disso, deveriam permitir a articulação desses factos com a duração do contrato.

Deste modo o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre as Rés a coberto do qual a Autora passou a desempenhar as suas funções para a Ré CC – …, S.A., não cumpre as exigências legais no que se refere à justificação do recurso a esta forma de trabalho pelo que se mostra afectado de nulidade, nos termos do n.º 4 do artigo 177.º do Código do Trabalho.

As insuficiências constatadas relativamente ao contrato de utilização de trabalho temporário na sua versão inicial agravam-se face ao teor da cláusula em causa do contrato quadro decorrente da adenda a que se refere o ponto n.º 29 da matéria de facto dada como provada que se limita a remeter a justificação da utilização para os termos legalmente previstos.

Por força do disposto no n.º 5 do mesmo artigo, «considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo173.º do mesmo código».

A nulidade do contrato de utilização confere, pois, ao trabalhador o direito à constituição de uma relação de trabalho sem termo com o utilizador, ou em alternativa, a indemnização calculada nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho.

No caso dos autos, conforme resulta do pedido formulado, a Autora optou pela reintegração na Ré CC – …, S.A, na qualidade de utilizadora do seu trabalho, como foi decidido na decisão recorrida.

Impõe-se, pois, a negação da revista e a confirmação da decisão recorrida.

3 – Nas alegações que apresentou no presente recurso de revista, em resposta à motivação do recurso apresentada pela Ré CC, a Autora requereu a ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo 636.º do Código de Processo Civil, o que foi deferido por despacho do relator de 9 de Setembro de 2014.

Está em causa o decidido no acórdão do Tribunal da Relação quanto ao não conhecimento da nulidade que era imputada à decisão proferida na 1.ª instância pela Autora no recurso de apelação que interpôs daquela decisão.

Nas alegações de recurso a Autora, a fls. 645, fundamentou a ampliação, a título subsidiário, do objecto do recurso, referindo que em 15/03/2013 apresentou um requerimento para ser tomado em consideração, nos termos do artigo 72.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e que a sentença se não pronunciou sobre a questão suscitada, «cometendo uma nulidade de omissão de pronúncia».

Discorda da decisão proferida pelo Tribunal na linha da jurisprudência dominante, e conclui referindo que «se for legítimo concluir que não deve conhecer-se no recurso da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nem assim o Tribunal deveria deixar de pronunciar-se, pois foi suscitada nos autos, em 1.ª instância a questão de o contrato não ter sido denunciado com antecedência mínima de 30 dias, mas apenas com a antecedência de 29», pelo que, em seu entender, o contrato se teria renovado, por não ter sido denunciado tempestivamente», matéria que «é do conhecimento oficioso do Tribunal, e deve ser pois conhecida, pelo Supremo, se necessário».

A ampliação do objecto do recurso foi requerida, a título subsidiário, como expressamente resulta das alegações da recorrida, na parte em que motiva tal ampliação.

Tendo sido decida a improcedência da revista com os fundamentos acima referidos, tal decisão prejudica o conhecimento da ampliação, nos termos em que foi requerida, pelo que da mesma se não conhece.

Em face do exposto não se conhece da ampliação do objecto do recurso requerida pela Autora.


V

Nestes termos, acorda-se negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista pela Ré CC – …, S.A.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 19 de Novembro de 2014

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

__________________
[1] A Relação Laboral Fragmentada – Estudo sobre o Trabalho Temporário, Studia Iuridica, 12, Coimbra Editora, 1995, p. 183. 
[2]Anotação ao artigo 172.º do Código do Trabalho Anotado, 8.ª Edição, PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Almedina, 2009, p. 452.
[3] Obra citada, p.460.