Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2889/08.6TBCSC-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: UNIÃO DE CONTRATOS
AUTONOMIA PRIVADA
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
CONTRATOS JUNTOS
CONTRATO - PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
POSSE
MERA DETENÇÃO
COMPOSSE
DIREITO DE RETENÇÃO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / DIREITO DE RETENÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITOS REAIS / POSSE.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, p. 128.
- José Alberto Vieira, Parecer junto aos autos.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, p. 217.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Parecer junto aos autos.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.ºS 1 E 2, 238.º, 405.º, 410.º, N.ºS 1 E 3, 1180.º E SS., 1253.º, AL. C).
Sumário : I - O princípio da autonomia privada, decorrente do artigo 405º do Código Civil, permite que, num negócio complexo, as partes configurem efeitos jurídicos correspondentes a vários contratos típicos.

II - O contrato pelo qual uma das partes (L) se compromete, em nome próprio e com base num direito legal de preferência, a adquirir o direito de propriedade sobre determinado prédio urbano por conta da outra parte (S), com obrigação de transferir, por determinado valor acordado, a favor desta o referido direito, a qual, por seu turno, se obriga a administrar o prédio urbano em causa, é um contrato cruzado, atípico, que tem como tipo central de referência o mandato sem representação mas quantitativamente inclui dois núcleos contratuais de mandato sem representação: um mandato sem representação no qual a S é o dominus e os L os mandatários e um núcleo de mandato sem representação no qual estes são os domini e a S é mandatária.

III - A celebração, posterior, de dois contratos designados como de “promessa de compra e venda” – o primeiro em que os contraentes L se obrigam a comprar o prédio ao primitivo proprietário e o segundo em que se obrigam a vendê-lo ao segundo contraente S – não constitui um novo contrato autónomo em relação ao primeiro, antes é acessória deste, existindo entre ambos uma união (ou coligação) de contratos; esta verifica-se quando surgem conectados dois acordos negociais e o segundo depende da outorga do primeiro por existir um vínculo externo gerador dessa junção, sendo que a vontade das partes quis esse nexo funcional.

IV - Ainda que o contrato promessa seja com tradição, a aquisição do direito de propriedade pelos mandatários não importa ipso facto a aquisição da posse pelo mandante, já que este apenas não adquire um direito real, mas apenas de crédito. Assim, a par da transmissão da posse (em cumprimento do contrato), podem verificar-se uma comunhão na posse (em que ambos ficam compossuidores) ou mesmo de mera detenção da coisa pelo mandante.

V - Se os mandatários entregam ao mandante a chave dos imóveis para realização das obras, tal entrega, no âmbito do contrato atípico definido em II, não permite presumir que se trata de uma traditio, já que, sendo a realização das obras uma obrigação do mandante, aquele entrega mais não é do que um acto de colaboração para permitir o seu cumprimento.

VII - Do mesmo modo, se este se comprometeu a realizar as obras, as despesas e custos com a sua execução constituem uma obrigação própria e não um crédito, cuja existência era pressuposto de um pretenso direito de retenção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, Ldª, veio, na providência cautelar, requerida por BB, SA, contra CC e mulher, DD, a correr termos no 1o Juízo Cível de Cascais, deduzir embargos de terceiro, pedindo a restituição da respectiva posse sobre prédio, do qual é proprietária, objecto de diligência ali ordenada.

Contestou apenas a primeira embargada, alegando, em síntese, que, em 2004, CC e DD eram arrendatários de uma fracção do imóvel objecto destes autos, os quais, como os demais inquilinos, foram notificados pelos então proprietários da sua intenção de venda do dito prédio.

Nessa sequência, a embargada BB e os embargados CC e DD acordaram verbalmente que estes exerceriam o direito de preferência na aquisição do prédio e que o venderiam à sociedade embargada, quando esta quisesse, pelo mesmo preço, contra a entrega de € 100.000, a título de ganho no acto pelo qual lhe vendessem o imóvel. Mais se obrigou a embargada BB a entregar entretanto todos os meios necessários para os embargados CC e DD fazerem face aos encargos com a promessa de compra e venda e com a venda respectiva, assumindo também efectuar a gestão do imóvel e suportar todos os encargos enquanto os CC e DD fossem seus proprietários.

Em 22/12/2004, na sequência deste acordo, CC e DD celebraram com os então proprietários do imóvel um contrato promessa de compra e venda do prédio, na qualidade de promitentes - compradores e celebraram com a sociedade embargada um contrato promessa de compra e venda do mesmo prédio, na qualidade de promitentes vendedores, acordando-se em ambos o mesmo preço da compra e venda.

Ficou acordado e clausulado em sede de contrato promessa que a venda prometida pelos CC e DD seria celebrada, quando a embargada BB quisesse, a partir da data em que aqueles adquirissem a propriedade do imóvel e que a mesma poderia ser realizada no mesmo acto em que fosse celebrada a escritura pela qual os promitentes vendedores comprassem o imóvel e que, se assim não fosse, os promitentes vendedores se obrigavam a atribuir eficácia real à promessa de venda à aqui sociedade embargada ou a constituírem um registo provisório de aquisição do prédio a favor da promitente compradora, se e na medida em que esta o pretendesse.

Ficou acordado também que a marcação da escritura pública de compra e venda prometida incumbia à promitente compradora, que deveria, para o efeito, avisar os promitentes vendedores por carta remetida até ao dia 31/10/2005.

Em 3/03/2005 foi celebrada a escritura pública pela qual os embargados CC e DD adquiriram o imóvel, tendo a sociedade embargada entregue àqueles € 350.000 para pagamento do preço de tal aquisição e das despesas da compra e venda.

Realizada a escritura de compra e venda, a embargada recebeu das mãos dos CC e DD as chaves do edifício e dos apartamentos devolutos, também para que pudesse executar diversos trabalhos, designadamente os ordenados pela Câmara Municipal de Lisboa, trabalhos que vieram a ser iniciados em 7/03/2005, com subsequente continuação por determinação da embargada, que já pagou à empreiteira € 53.797,24.

A embargada pagou ainda diversas outras quantias, sendo que o fez, ao longo de um período de mais de dois anos, no âmbito ou em consequência do contrato promessa por si celebrado.

Entretanto, os embargados CC e DD declararam resolver, de forma ilícita, o contrato promessa que haviam celebrado com a BB, imputando a tal sociedade o seu incumprimento, em virtude de, como invocam, ter ocorrido incumprimento culposo atinente à ultrapassagem do prazo limite acordado para a celebração da escritura de compra e venda (31/10/2005), com a consequente resolução do contrato promessa por caducidade.

A ora embargada respondeu à declaração de resolução, salientando que a data aludida foi acordada para o efeito de comunicação da data em que a escritura seria celebrada e não como prazo limite para outorga de tal escritura, a qual poderia vir a ser celebrada em qualquer data determinada pela embargada, sem restrições temporais, pronunciando-a, por isso, ilícita.

Invocou, ainda, que, até 27/02/2007, havia sofrido prejuízos no valor de € 2.859.697,85, cujo pagamento pediu à contraparte, declarando também que estava a exercer o direito de retenção do imóvel.

Na madrugada de 23 para 24 de Fevereiro de 2007, a mando dos embargados CC e DD, foram arrombadas as portas e substituídas as fechaduras de portas dos apartamentos, sendo que então o valor do imóvel ascendia a € 2.500.000.

Conclui, pedindo a improcedência dos embargos.

A embargante replicou, pronunciando-se quanto ao invocado direito de retenção, impugnando a factualidade alegada pela embargada. Mantém as suas posições já expendidas e alega, no essencial, que a tutela do direito não protege simulações, reservas mentais ou negócios encobertos ou ocultos, sendo que a sociedade embargada, se tinha a seu favor quaisquer posições jurídicas e direitos, devia tê-los registado, por forma a dar-lhes publicidade e proteger-se através do registo.

Acrescenta que a embargada nunca teve qualquer posse, nem simples detenção, pelo que não lhe assiste qualquer direito de retenção e que a sociedade embargada, bem como o seu mandatário, ao deduzirem excepção, cuja falta de fundamento eles bem conheciam, omitindo deliberadamente factos por si conhecidos, litigam de má-fé, pelo que deverão ser condenados como litigantes de má-fé, no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença.

Conclui pela improcedência da excepção deduzida.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença que, considerando os embargos procedentes, determinou a entrega do aludido prédio à embargante.

Inconformada, veio a embargada BB interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 12/09/2013, revogou a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos e sem efeito a determinada entrega.

Agora, inconformada, veio a embargante AA recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1ª - A decisão recorrida não qualificou o contrato em apreço sendo requisito essencial e determinante para a correcta interpretação do direito a aplicar;

2ª - Porquanto não nos encontramos em face de um contrato promessa de compra e venda mas perante um contrato promessa atípico meramente executório que integra um duplo mandato cruzado sem representação e como tal dos seus efeitos nunca poderia resultar o direito de retenção invocado;

3ª - Porquanto não existe qualquer crédito que possa fundamentar o mesmo, nomeadamente respeitando os requisitos exigidos para que se verifique o direito de retenção.

4ª - Ao decidir deste modo o Acórdão recorrido aplicou mal o disposto no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil, face à factualidade dada como provada nas respostas aos quesitos 16º, 21º, 24º, 26º, 28º, 30º, 36º, 37º e 38º.

5ª - A decisão recorrida, violou o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, ao não fundamentar devidamente, como lhe competia, nomeadamente quanto à interpretação a dar à matéria provada no quesito 16º;

6ª - Havendo total ausência de fundamentação quanto à opção do tribunal a quo pela presunção da traditio resultante da entrega da chave, entendendo-a como simbólica, ignorando que as referidas chaves "(…) foram entregues por CC à embargada e à empreiteira EE, Ldª de modo a esta poder executar os trabalhos ordenados pela CML, factualidade de sentido inverso ao decidido.

7ª - Não tendo o cônjuge DD entregue ou autorizado a entrega de chaves do prédio à Embargada BB, imóvel que fazia parte do património comum do casal CC e DD, nunca poderia ter sido conferida a posse por falta de legitimidade por violação do disposto no artigo 1682º-A do Código Civil e, consequentemente, não se materializou a retenção.

8ª - Como também não pode haver retenção por não ter havido publicidade de quaisquer actos materiais praticados pela BB sobre o imóvel, exigíveis para uma posse pública, o que impediu a cognoscibilidade por parte de terceiros, violando o disposto nos artigos 1251º e 1262º do Código Civil.

9ª - A ausência por ocultação da invocada posse que consubstancia a retenção, decorreu de uma acção dolosa de omissão por parte da Embargada BB e dos Embargados CC e DD, violando os princípios da boa-fé.

10ª - A Embargada BB, ao peticionar a restituição de uma posse que não existiu ou que ela própria manteve deliberadamente oculta aos olhos de terceiros de boa-fé, nomeadamente da Embargante e inquilinos, invocando o direito de retenção, age com abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil.

11ª - A decisão assenta numa premissa de que a resolução contratual operada pelos Embargados CC e DD foi ilícita, sem contudo ponderar que os CC e DD e a BB, ambos Embargados na presente acção, não têm posições processuais que lhes possibilite o exercício do contraditório entre si, nem resulta da factualidade dada por provada qualquer fundamento que demonstre a ilicitude, o que importou na violação do disposto no artigo 3º e do artigo 607º, n.os 3 e 4, ambos do CPC.

12ª - Não permitindo em consequência que a Embargante, enquanto terceira de boa-fé e interessada, também possa sobre esta matéria exercer o contraditório.

13ª - O contraditório sobre a licitude ou ilicitude da resolução e a factualidade provada poderá importar em decisão diferente quanto à questão da retenção.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Acórdão proferido ser parcialmente revogado, concedendo provimento ao recurso, sendo proferido novo Acórdão que julgue procedentes os Embargos, determinando a entrega do prédio urbano sito na …, nº … a …, da freguesia de …, Concelho de Lisboa, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da referida freguesia, à Embargante, ora Recorrente.

Contra – alegou a BB, finalizando com as seguintes conclusões:

1ª - A Recorrida e os Embargados CC e DD celebraram um contrato de mandato sem representação e um contrato-promessa de compra e venda.

2ª - O contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Recorrida e os Embargados CC e DD é um acto de execução, secundário, na economia do contrato de mandato sem representação; o tipo contratual permanece o mesmo.

3ª - No caso em apreço, os Embargados CC e DD obrigaram-se perante a Recorrida a comprar o prédio identificado nos autos; a actividade a que ficaram adstritos é exclusivamente jurídica: exercer o direito de preferência sobre o prédio identificado nos autos, celebrando a compra e venda com o seu senhorio; a prática do negócio jurídico em causa (o contrato de compra e venda do prédio) visava a sua posterior transmissão à Recorrida.

4ª - Ou seja, os Embargados CC e DD não compravam para si, compravam para a Recorrida; por isso, vincularam-se a transmitir a esta o direito adquirido, em concreto através de um contrato-promessa de compra e venda.

5ª - Com a celebração do contrato-promessa, o mandante fica protegido não apenas pelo regime jurídico especifico do mandato, em particular do disposto no artigo 1181º, n.º 1 do Código Civil, mas também pelo regime jurídico do contrato-promessa.

6ª - A Recorrida é legítima possuidora do imóvel.

7ª - A tradição da coisa no âmbito da execução do contrato-promessa transmite a posse dela para o promitente-comprador; a tradição constitui um acto voluntário de cedência do corpus possessório em favor de um terceiro e, por isso, quem a faz perde a posse a favor do beneficiário da traditio (artigo 1267º, alínea b) do CC), que fica Investido nela (artigo 1263º, alínea b) do CC), não sendo necessário um elemento adicionai de animus.

8ª - Não obstante, mesmo num quadro interpretativo subjectivista, que apela ao animus, a tradição da coisa importa sempre a aquisição da posse pelo promitente-comprador quando este passa a aproveitar a coisa como proprietário, o que é o caso da Recorrida, evidenciado pelos factos provados.

9ª – A Recorrida goza de direito de retenção do imóvel relativamente ao valor do valor do aumento do imóvel, nos termos dos artigos 755º, alínea f) e 442º, ambos do CC, para garantia do ressarcimento do aumento do valor do imóvel.

10ª - Por entre a Recorrida e os Embargados CC e DD ter sido celebrado um contrato-promessa de compra e venda do prédio, os Embargados CC e DD terem efectuado a tradição da coisa para a Recorrida no âmbito da execução do contrato-promessa e os Embargados CC e DD terem impossibilitado a prestação prometida - a venda do prédio à Recorrida - causando o incumprimento definitivo do contrato-promessa, a Recorrida tem direito ao aumento do valor da coisa por esse incumprimento, nos termos do artigo 442º, n.º 2, 2ª parte do CC.

11ª - A Recorrida incorreu em gastos, no âmbito do acordo celebrado com os Embargados CC e DD, relacionados com o imóvel: preço da compra do imóvel efectuada pelos segundos Embargados - 350.000 €, 26.000 €, 3.578 €, 180,74 €; preço das obras efectuadas - 53.797,14 €, 20.000 €, 2.563,SO € e 3.218 €: e indemnizações por revogação de arrendamentos – S.OOO €: e 200.000 €, como resulta dos quesitos 9º, 14º, 15º, 27º, 35º, 37º, 38º, 39º, 42º, 43º, 44º, 69º, 70º.

12ª - A Recorrida não tem direito de retenção do prédio para garantia destes montantes porque estas despesas foram feitas em execução do mandato sem representação, no qual se incluíram os dois contratos-promessa, a traditio, e se incluiria a realização dos contratos de compra e venda definitivos, e da matéria de facto provada decorre claramente que estamos perante benfeitorias (v. nomeadamente alínea U e quesitos 16º 24º a 35º e que a Recorrida, possuidora de boa-fé que adquiriu a posse do prédio por tradição e realizou numerosas despesas por causa da coisa, tem direito de retenção sobre o Imóvel para garantir o ressarcimento destas despesas.

13ª - O direito de retenção pode garantir o crédito da Recorrida por benfeitorias, visto que o tipo legal do direito de retenção, mencionando as despesas feitas por causa da coisa, as abrange no seu teor literal. Tendo em conta que a Recorrida é possuidora do prédio, ela beneficia do direito de retenção geral (artigo 754º do Código Civil). E garante igualmente o crédito indemnizatório pela responsabilidade civil contratual, o qual nesta parte se reporta também a despesas feitas por causa da coisa, caindo assim, no âmbito literal do artigo 754º do CC.

14ª - Qualquer que seja o título jurídico do ressarcimento do montante gasto pela Recorrida com a conservação e reabilitação do prédio, tratando-se de despesas feitas por causa da coisa, e havendo posse a seu favor, o crédito indemnizatório goza do direito de retenção geral.

15ª - Assim, numa correcta interpretação do artigo 754º do CC, para além do que suportou com a realização das benfeitorias, a Recorrida tem direito de retenção para ressarcimento da indemnização dos arrendatários e do anterior empreiteiro contratado pelos Embargados CC e DD.

16ª - O seu crédito tem por fonte a responsabilidade civil pelo incumprimento do mandato (artigo 798º do Código Civil) e existe uma evidente causalidade entre o crédito da Recorrida e a coisa: as indemnizações aos arrendatários e ao anterior empreiteiro foram pagas em virtude de uma projectada aquisição da propriedade do prédio; e, por não ter adquirido a propriedade, terá de entregar o prédio.

17ª - Por último e em conclusão: a Recorrida é possuidora do imóvel de que a Embargante, ora Recorrente, é proprietária, e a sua posse, bem como do direito de retenção de que é titular, prevalecem sobre o direito da Recorrente.

18ª - A matéria das conclusões 11ª a 17ª era objecto da apelação, por ter sido alegada nas conclusões da alegação da Apelante, ora Recorrida.

19ª - Todavia, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, que apenas apreciou o direito de retenção resultante do incumprimento do contrato-promessa, assim incorrendo em omissão de pronúncia e na consequente nulidade.

20ª - Em consequência dessa omissão, deve o Tribunal aferir do direito da Recorrida de retenção do imóvel para garantia das referidas despesas.

21ª – Se se não admitir a invocação de omissão de pronúncia, a Recorrida requer, ao abrigo do disposto no artigo 636º do C.P.C., a ampliação do objeto do recurso, de modo a que se reconheça a Improcedência dos embargos de terceiro com fundamento ainda no direito da Recorrida de retenção do imóvel em garantia dos seus seguintes créditos: preço da compra do imóvel e despesas associadas efetuada pelos segundos Embargados - 350.000 €, 26.000 €, 3.578 €, 180,74 €; preço das obras efectuadas - 53.797,14 €, 20.000 €, 2.563,5O € e 3.218 €; e indemnizações por revogação de arrendamentos – 5.000 €: e 200.000 €, ao abrigo do disposto no artigo 754º do Código Civil.

22ª - Quanto à alegação de que não resulta dos factos provados a ilicitude da resolução operada pelos Embargados CC e DD, nem foi possível à Recorrente exercer o contraditório relativamente a esta questão, já a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância decidiu que a resolução não tinha fundamento e que os Embargados CC e DD incorreram em incumprimento definitivo do contrato-promessa; a Recorrente não impugnou essa decisão na apelação, sendo assim questão nova, de conhecimento vedado ao Tribunal ad quem, por força da natureza dos recursos no nosso sistema.

23ª - E além de também ser uma questão nova, não faltou à Recorrente a oportunidade de exercer o contraditório sobre essa questão em 1ª e em 2ª instância.

24ª - Acresce ser manifesto que a resolução foi ilícita, sendo um mero meio de os Embargados CC e DD apresentarem uma aparência virtuosa para violarem o contrato celebrado com a Recorrida e lucrarem chorudamente à custa desta.

Termos em que, negando provimento à revista, mas conhecendo da ampliação do objeto da revista invocada nesta alegação e julgando-a procedente, com as demais consequências legais, se fará a costumada JUSTIÇA!

Uma vez que, tanto a Recorrente quanto a Recorrida haviam invocado a nulidade do acórdão recorrido, por despacho do Conselheiro Relator, atento o disposto nos artigos 668º, n.º 3 e 670º, n.º 1 e n.º 5 do CPC, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação, para que os Srs. Desembargadores se pronunciassem quanto às arguidas nulidades.

O Tribunal da Relação, em conferência, considerou inexistir qualquer das arguidas nulidades (vide acórdão de fls. 1667).

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - Por escritura pública celebrada em 16/03/2007, no Cartório Notarial de …, em Lisboa, a embargante “AA” comprou e os requeridos CC e DD venderam, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio urbano sito na …, n.os … a …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na 9a Conservatória do Registo Predial sob o nº … da referida freguesia - cfr. documento de fls. 8 a 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A).

2º - A referida aquisição foi objecto de contrato promessa de compra e venda e do competente registo predial de aquisição, conforme ap. nº 56 de 3/02/2007, convertida em definitiva em 16/03/2007, pela ap. nº 15 de 16/3/2007 – cfr. documento de fls. 13 a 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B).

3º - No dia 10/07/2007, pelas 11 H, o prédio identificado em A) foi objecto de uma diligência ordenada nos autos de procedimento cautelar, a fim de ser efectuada a entrega judicial do mesmo a requerimento da embargada BB, SA (alínea C).

4º - A embargante é uma sociedade comercial que tem como objecto social a compra e venda e revenda de imóveis, dedicando-se a este ramo de comércio e, neste contexto, adquiriu o citado prédio - cfr. documentos de fls. 18 a 25 (cfr. alínea D).

5º - A embargante, a partir de 16/03/2007, passou a cobrar rendas e a negociar com alguns dos arrendatários indemnizações para a resolução contratual de arrendamentos (alínea E).

6º - Atendendo ao estado de grande degradação do prédio, procedeu ao emparedamento de janelas e portas a fim de evitar a invasão de pessoas estranhas ao mesmo, sem manifestação ou oposição de quem quer que fosse (alínea F).

7º - À data da escritura de compra e venda referida em A), não existia, na Conservatória do Registo Predial, qualquer inscrição a favor da embargada, BB, SA, sobre o prédio ai identificado - cfr. documento de fis. 39 a 41 (alínea G).

8º - A embargante não consta como parte nos autos de procedimento cautelar (alínea H).

9º - Nos autos de procedimento cautelar a que os presentes embargos são apensos, foi proferida decisão que determinou a restituição provisória à posse da requerente BB, SA, do prédio identificado na alínea A) (alínea I).

10º - A embargada BB é uma sociedade que se dedica à promoção imobiliária, à construção civil, à compra, venda e revenda de bens imobiliários, ao arrendamento e administração de imóveis, bem como à realização de todos os actos e contratos relacionados com aquelas actividades (alínea J).

11º - Em 2004, CC e DD eram arrendatários do apartamento correspondente ao 2º andar direito do prédio urbano sito em Lisboa, na …, nº … a …, freguesia de …, então descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Isabel sob o artigo …, não constituído em propriedade horizontal (alínea K).

12º - Actualmente, esse prédio encontra-se descrito na 9a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o mesmo nº … da freguesia de … (certidão do registo predial junta, dada por integramente reproduzida – esta transferência resulta da criação da 9a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com competência territorial sobre a freguesia de …, nos termos da Portaria 149/2005, de 8/02, conjugada com o aviso n° 9203/2005, de 21/10) (alínea L).

13º - Nesse ano de 2004, os então proprietários do prédio, FF e sua mulher, GG, decidiram vendê-lo, e notificaram os inquilinos do prédio para exercerem, querendo, o seu direito legal de preferência relativamente ao projecto de venda (alínea M).

14º - Em 22/12/2004, CC e DD celebraram com os então proprietários, FF e GG, um contrato promessa de compra e venda do aludido prédio (cfr. escrito cuja cópia constitui o doc. 2 junto com a contestação aos embargos - fls. 194 e 195 dos autos - aqui dado por integralmente reproduzido) (alínea N).

15º - Esse contrato promessa incorre em erros de escrita quanto ao número da descrição predial e à data da celebração (alínea O).

16º - Quanto à descrição predial, diz-se no contrato promessa que o número da descrição é …, mas essa indicação resulta de uma confusão entre o número da descrição predial e o antigo artigo matricial. Como se vê da cópia simples do livro das descrições prediais junta como documento 3 da contestação aos embargos e aqui dado por reproduzido, o nº … é o antigo artigo matricial e não o número da descrição predial. Mas o contrato promessa identifica correctamente a situação do imóvel e esse erro de escrita é inequívoco (alínea P).

17º - A data inscrita no contrato promessa como sendo a da sua celebração - 22/12/2005 - resultou de um outro manifesto erro de escrita. Com efeito, como se pode verificar pela cláusula 3a desse mesmo contrato, as partes acordaram que a compra e venda prometida seria celebrada até 31/05/2005 e a escritura da compra e venda prometida foi celebrada em 3/03/2005. Assim, a data correcta da celebração do contrato é 22/12/2004 (alínea Q).

18º - Por esse contrato promessa, os então proprietários prometeram vender o prédio a CC e DD, e estes prometeram comprá-lo, pelo preço de € 400.000 (alínea R).

19º - No acto da celebração do contrato promessa, CC e DD pagaram € 50.000 aos promitentes vendedores a título de sinal (cfr. cláusula 2a do contrato) (alínea S).

20º - Por esse mesmo contrato, CC e DD obrigaram-se, perante os promitentes vendedores, a efectuar todas as obras de restauro e conservação, embelezamento ou alteração, ou de qualquer outra natureza, que a Câmara Municipal de Lisboa, ou qualquer outra entidade oficial, os viesse a intimar, ou tivesse já intimado (vide cláusula 4/ do contrato promessa junto como doc. 2 - fls. 194 e 195) (alínea T).

21º - Por ofício de 26/04/2004, a Câmara Municipal de Lisboa tinha já intimado os então proprietários para executarem obras no edifício (cfr. cópia do oficio da Câmara Municipal de Lisboa junta como doc. 4 da contestação - fls. 198 a 200 dos autos - e aqui dada por reproduzida) (alínea U).

22º - Em 3/03/2005, foi celebrada a escritura pública pela qual FF e GG venderam a CC o prédio em causa, em recíproco cumprimento do contrato promessa que haviam celebrado (cfr. escrito cuja cópia foi junta como doc. 6 da contestação aos embargos - fls. 206 e seguintes dos autos - aqui dado por reproduzido) (alínea V).

23º - A embargante desconhece a empresa BB, SA, e não tem nem nunca teve quaisquer relações comerciais com a mesma - com referência à data da propositura dos presentes embargos (quesito 1o).

24º - Na data referida na alínea A), foram entregues à embargante, na qualidade de compradora, as chaves do imóvel (quesito 2o).

25º - A partir dessa data a embargante dispôs do imóvel à vista de toda a gente e sem oposição (quesito 3°).

26º - A embargante desconhece as relações comerciais ou outras havidas entre a sociedade BB, SA, e o anterior proprietário, CC - com referência à data da propositura dos presentes embargos (quesito 4o).

27º - Na sequência da notificação referida na alínea M), a embargada e CC e DD acordaram verbalmente que estes exerceriam o direito de preferência de aquisição do prédio e que o venderiam à embargada quando esta quisesse, pelo mesmo preço. Por sua vez, a embargada entregar-lhes-ia todos os meios necessários para fazerem face aos encargos com a promessa de compra e venda e com a compra e venda prometida e efectuaria a gestão do imóvel, nomeadamente a execução das obras no edifício, suportando todos os encargos, enquanto CC e DD fossem seus proprietários (quesito 5o).

28º - Nesse acordo verbal, ficou estipulado que CC e DD receberiam da embargada, a título de ganho, € 100.000 no acto pelo qual lhe vendessem o prédio. A embargada comprometeu-se também, perante CC e DD, a pagar à mãe do primeiro, que era arrendatária do 2º andar esquerdo do prédio, uma compensação de € 200.000 pela revogação do seu contrato de arrendamento (quesito 6o).

29º - Nesse mesmo dia 22/12/2004, CC e DD celebraram com a embargada um contrato promessa de compra e venda do mesmo prédio – cfr. escrito cuja cópia foi junta como doc. 5 da contestação aos embargos (fls. 201 205) e aqui se considera integralmente reproduzido [doravante contrato promessa] (quesito 7º).

30º - Assim, no acto de celebração do contrato promessa, a embargada pagou a CC e DD a quantia de € 50.000 a título de sinal (quesito 9º).

31º - A embargada entregou a CC e DD a quantia de € 350.000, e estes entregaram essa quantia aos vendedores, no acto da escritura, a título de pagamento do preço da compra e venda (quesito 14º).

32º - A embargada pagou as despesas da compra e venda, a saber: o IMT, no valor de € 26.000, os emolumentos da escritura pública e das respectivas cópias, no valor de € 3.578,45, e os emolumentos do registo predial e da respectiva certidão, no valor de € 180,74 - cfr. escritos juntos com a contestação aos embargos como doc. 7 a 9, cujo teor aqui se dá por reproduzido (quesito 15º).

33º - Nesse momento, as chaves do edifício e dos apartamentos devolutos, correspondentes ao 1º andar direito e ao 2º andar esquerdo, foram entregues por CC à embargada e à empreiteira EE, L.da de modo a esta poder executar os trabalhos ordenados pela C. M. de Lisboa (quesito 16º).

34º - A referida EE, L.da iniciou a execução das obras (quesito 18°).

35º - Com conhecimento de CC, a embargada encomendou à sociedade HH. Ldª, a elaboração de um projecto de pedido de informação prévia e licenciamento de arquitectura, para ser submetido à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa, tendo em vista a construção de um novo edifício no imóvel (quesito 19º).

36º - A embargada incumbiu o Engenheiro II, empregado da sociedade HH, L.da de exercer a função de director-técnico da obra para cuja execução a embargada contratou a aludida EE, L.da (quesito 20º).

37º - Em 14/03/2005, deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa, em requerimento subscrito por CC, a documentação necessária para a execução das obras no prédio e a obtenção de licença para ocupação de via pública, tendo este indicado como técnico responsável pela obra o referido Engenheiro II - cfr. comprovativo de recepção de processo junto como doc. 11 da contestação aos embargos, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 21º).

38º - O pedido de execução das obras foi deferido em 27/04/2005 - cfr. escrito junto como doc. 12 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 23º).

39º - Por ofício de 21/09/2005, a Câmara Municipal de Lisboa notificou CC e DD para executarem obras no edifício - cfr. escrito junto como doc. 13 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 24º).

40º - CC enviou essa notificação à embargada - cfr. escrito junto como doc. 14 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 25º).

41º - Por ofício de 17/02/2008, a Câmara Municipal de Lisboa notificou novamente CC e DD para executarem obras no prédio - cfr. escrito junto como doc. 15 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 26º).

42º - As obras determinadas pela entidade administrativa foram sendo executadas pela embargada BB através de uma empreiteira contratada por esta (quesito 27º).

43º - Em 14/11/2005, CC emitiu uma declaração dizendo o seguinte: "Eu (...) autorizo o Sr. JJ (...) a proceder ao levantamento da planta de localização requerida em 10/11/2005 na Câmara Municipal de Lisboa, Processo nº …/…, referente ao prédio sito na …, …/…, freguesia da … concelho de Lisboa" (quesito 28º).

44º - O referido JJ prestava serviços à embargada BB (quesito 29º).

45º - Em 5/01/2006, CC emitiu uma declaração dizendo o seguinte: "Eu (…), proprietário do prédio sito em Lisboa, na …, …/…/…./… (...) autorizo o Sr. KK (...) junto da Câmara Municipal de Lisboa a consultar e requerer cópias que entender como necessárias, referentes ao Processo nº …/…/… - Alteração /Legalização para restauração e bebidas; Processo nº … a que corresponde o Volume de Obra 7.812 - Reconstrução e Acrescento, tudo respeitante ao nº … do prédio acima identificado" (quesito 30º).

46º - O mencionado KK prestava serviços à referida EE, L.da (quesito 31º).

47º - Em 23/02/2007 estavam executados os trabalhos nos muros, incluindo a pintura, a interdição da utilização da cozinha do 2o andar direito e da escada metálica de acesso ao logradouro do 2o andar esquerdo, a demolição de arrecadações em risco de derrocada e a desmatação, limpeza e retirada de entulhos do logradouro (quesito 32º).

48º - A embargada BB pagou à referida EE, L.da um total de € 53.797,24 (quesito 33º).

49º - O anterior proprietário do prédio FF havia celebrado um contrato de empreitada de obras de construção no edifício com LL (quesito 35º).

50º - Em 23/02/2005, o anterior proprietário, CC e LL celebraram um acordo de revogação desse contrato de empreitada (quesito 36º).

51º - No acto da celebração desse acordo, CC pagou ao empreiteiro a quantia de € 20.000, a título de pagamento dos trabalhos já executados e de compensação pela revogação do contrato – cfr. escrito junto como doc. 99 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 37º).

52º - Nesse mesmo dia 23/02/2005, CC, o anterior proprietário do prédio e LL, que era inquilino do 1o andar direito do prédio, celebraram um acordo de revogação desse arrendamento, pelo qual CC pagou ao inquilino, a título de contrapartida pela revogação, a quantia de € 5.000 - cfr. escrito junto como doc. 100 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 38º).

53º - A embargada entregou a CC a quantia de € 25.000, que ele utilizou para pagar ao inquilino e empreiteiro a compensação acordada pela revogação do arrendamento, pela revogação da empreitada e preço dos trabalhos por este executados no prédio- cfr. escrito junto como doc. 101 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 39º).

54º - Em 14/03/2005, a embargada, CC e a sua mãe MM celebraram um acordo de revogação do contrato de arrendamento do 2o andar esquerdo do prédio - cfr. escrito junto por cópia como doc. 102 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 40º, considerado provado por acordo das partes - cfr. fls. 884).

55º - Na cláusula 3ª desse acordo, as partes declararam o seguinte:

56º - Neste acto, a inquilina, com o consentimento aqui expresso do senhorio (o embargado marido), compromete-se a entregar à promitente compradora (a sociedade embargada), as chaves da casa arrendada, e vincula-se a restituir-lhe a própria casa, livre, devoluta e desocupada de pessoas e bens, até ao dia 1/09/2005 (quesito 41º, considerado provado por acordo das partes - cfr. fls. 864).

57º - Por esse acordo, a sociedade embargada vinculou-se a pagar a MM a quantia de € 200.000, a título de contrapartida pela revogação do arrendamento (quesito 42º considerado provado por acordo das partes -cfr. fls., 884).

58º - No acto de celebração do acordo de revogação, a embargada pagou a MM a quantia de € 50.000, em 8/04/2005 pagou-lhe € 20.000, em 5/05/2005 pagou-lhe € 50.000, em 30/05/2005 pagou-lhe € 50.000 e em 2/03/2006 pagou-lhe os restantes € 30.000- cfr. escritos juntos como documentos 103 a 106 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 43º).

59º - Pagou-lhe integralmente € 200.000 acordados pela revogação do arrendamento (quesito 44º, considerado provado, nestes termos, por acordo das partes – cfr. fls. 864).

60º - O pagamento da última prestação da compensação acordada foi formalizado num documento também outorgado por CC, e nele as partes declararam o seguinte:

61º - A inquilina procede nesta data à entrega da casa arrendada devoluta com as respectivas chaves – cfr. cláusula 2 do doc. 106 da contestação (quesito 45º).

62º - Logo a partir da celebração da escritura pela qual CC e DD compraram o prédio, a embargada passou a emitir os recibos em nome de CC, e este a deslocar-se aos escritórios da embargada para recolher os recibos originais, ou a recebê-los da embargada noutro local, deixando os duplicados assinados em poder da embargada (quesito 47º°).

63º - Não obstante, do total das rendas referentes aos meses de Abril de 2005 a Janeiro de 2007 que receberam, ou seja, € 9.717,73, CC e DD só entregaram à embargada € 1.310,04, referentes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2005 (quesito 48º).

64º - A embargada incumbiu a sociedade de advogados NN, que é o escritório de advogados do grupo económico em que a embargada se integra, de aconselhamento e de patrocínio judiciário relativamente às relações com os restantes inquilinos do prédio e com a Câmara Municipal de Lisboa (quesito 50º).

65º - Durante o ano de 2005, os serviços desse escritório de advogados foram prestados no âmbito da avença entre a OO, SA, que encabeça o grupo de sociedades em que a embargada se integra (quesito 59º).

66º - Durante o ano de 2008, e até Fevereiro de 2007, os serviços desse escritório de advogados foram prestados no âmbito da avença da própria embargada (quesito 60º).

67º - Com conhecimento de CC, a embargada contratou os serviços da empresa PP, CRL para efectuar o levantamento topográfico e arquitectónico dos edifícios confinantes e pesquisar elementos gráficos (quesito 87º).

68º - CC emitiu uma declaração, para ser exibida a quem fosse necessário, dizendo o seguinte:

69º - “Eu (…), proprietário do prédio sito na …, nº …/… (…), mandei executar à Empresa PP, CRL, com sede na Avenida …, … - B em Lisboa, um levantamento topográfico daquela minha propriedade (...). Solicito a colaboração de todas as entidades públicas e privadas, por forma a rapidamente e com os menores incómodos possíveis seja executado o referido trabalho" – cfr. escrito, junto com a contestação, que consta de fls. 481 dos autos (quesito 68º).

70º - A embargada pagou à PP, CRL, por esses serviços, o valor total de € 2.563,50 - cfr. escritos juntos por cópias como documentos 199 e 200 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 69º).

71º - O preço dos serviços prestados pela HH, Ldª à embargada, anteriormente descritos, foi fixado em € 18.513, tendo a embargada pago, até à presente data, a quantia de € 3.218,60- cfr. escritos juntos como documentos 201 e 202 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 70º).

72º - Em 24/01/2007, o escritório de advogados da embargada recebeu da Drª QQ, advogada, por fax, uma carta, em que afirmou o seguinte:

"Serve a presente para informar que fui contactada pelo Exc.mo Senhor CC com o propósito de me confiar assuntos anteriormente cometidos aos Exc.mos Colegas, de cujos serviços havia prescindido” - cfr. escrito junto como doc. 203 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido (quesito 74º).

73º - Esse escritório de advogados respondeu a essa carta pela carta que foi junta como documento 204 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 75º).

74º - Posteriormente a 24/01/2007, esse escritório recebeu do Autor marido a carta datada de 18/01/2007 que foi junta como doc. 205 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 76º).

75º - Em 29/01/2007, a embargada recebeu da mesma Drª QQ a carta, datada de 25/01/2007, que foi junta como doc. 206 da contestação (fls. 491 e 492 dos autos), cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 77º).

76º - Por carta datada de 30/01/2007, a embargada pediu à Drª QQ a confirmação dos seus poderes para resolver o contrato e perguntou se a requerida mulher também resolvia o contrato promessa – cfr. escrito que foi junto como doc. 207 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 79º).

77º - Em 8/02/2007, a embargada recebeu a carta da Drª QQ, datada de 6 de Fevereiro, a que estava anexada a cópia de uma procuração emitida por CC e DD que lhe conferia poderes para resolver o contrato promessa e receber comunicações - cfr. escrito que foi junto como doc. 208 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 80º).

78º - Nessa carta, a Drª QQ declarou:

"A Srª Dª DD também resolve o contrato em questão, com os mesmos fundamentos" (quesito 81º).

79º - A embargada respondeu à declaração de resolução de CC e DD pela carta datada de 15/02/2007, em que declarou ilícita a resolução, expôs os fundamentos da ilicitude, invocou ter sofrido prejuízos no valor de € 2.859.697,85 e pediu ao CC e à DD o seu pagamento até 27/02/2007 - cfr. escrito junto como doc. 209 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 83º).

80º - Declarou, também, que estava a exercer o direito de retenção do imóvel (quesito 84º).

81º - Na madrugada de 23 para 24/02/2007, a mando de CC e DD, entraram ao serviço do edifício em apreço nos autos 4 seguranças da empresa RR - Companhia de Segurança, L.da (quesito 87º).

82º - Os seguranças colocaram-se nas portas do edifício e declararam que tinham ordens de CC e DD, na qualidade de donos do prédio, para impedir o acesso de quaisquer pessoas ao edifício, com excepção dos inquilinos da sobreloja e do 1º andar esquerdo, ambos com acesso pelo nº 46 (quesito 88º).

83º - Os mencionados seguranças tinham ordens para apenas deixar entrar no prédio os inquilinos com contrato válido - os da sobreloja e 1º andar esquerdo (quesito 89º).

84º - A embargada pediu a presença da PSP e 3 agentes dirigiram-se ao edifício e lavraram um auto da ocorrência - cfr. escrito junto como doc. 210 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (quesito 91º).

85º - Durante vários dias, 4 seguranças da RR continuam a vigiar o prédio a mando de CC e DD (quesito 92º).

86º - Nunca durante as negociações até à compra e até à apreensão do prédio a embargante ouviu falar da BB ou de qualquer conflito com esta (quesito 97º).

87º - Por isso se entendeu antes e depois da compra com todos os inquilinos no sentido de pôr fim às acções de despejo e de preferência que corriam e nessas negociações nunca nenhum dos intervenientes referiu ou fez constar a existência da BB, mormente o litígio com esta (quesito 98º).

88º - A embargante negociou com os inquilinos resoluções contratuais, tendo gasto em indemnizações € 342.500, acrescido de um contrato de arrendamento vitalício de duas fracções a favor da inquilina desalojada da sobreloja em que foi fixada uma renda simbólica (quesito 99º).

89º - A embargante recebeu as chaves do prédio e dos andares devolutos em 16/03/07 (quesito 100º).

90º - O prédio encontra-se degradado e praticamente inabitável (quesito 101º).

91º - Em 16/03/2007, foram retiradas as mobílias e demais pertences da inquilina, mãe do aludido CC e foram recebidas pela embargante as chaves do andar (quesito 102º).

Da prova documental dos autos:

92º - Os autos de procedimento cautelar, de que os presentes embargos são apensos, foram instaurados em 12/03/2007.

93º - A decisão desses autos, que determinou a restituição provisória à posse da ali requerente BB, SA do prédio identificado na alínea A), foi proferida em 11/05/2007 e cumprida em 10/07/2007.

Tendo em conta a alteração introduzida pela Relação ao quesito 93º, que anteriormente havia sido dado como não provado, acrescenta-se:

94º - No ano de 2007, o valor do imóvel em questão ascendia a, pelo menos, € 1.300.000.

3.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, salvo se outras houver que sejam de conhecimento oficioso, (artigos 684º, n.º 3, 690º, n.º 1 e 660º, n.º 2 CPC), as questões que importa apreciar são as seguintes:

1ª – Como se deve qualificar o acordo entre a BB, S. A, (doravante designada por BB) e CC e DD, (doravante referidos como os SS)?

2ª – Se existe o direito de retenção dos SS relativamente à BB com causa na obrigação de entrega do prédio de acordo com o regime do mandato ou se, pelo contrário, existe o direito de retenção da BB relativamente aos SS com causa no contrato-promessa de compra e venda com traditio.

4.

4.1.

Como se deve qualificar o acordo entre a BB e os SS?

A qualificação jurídica de um contrato passa pela interpretação do alcance e sentido que as partes quiseram dar às suas declarações negociais. Para isso, terá de proceder-se à sua interpretação, que consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações, sujeita às regras estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil.

Aí se afirma o primado da vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário: do disposto no n.º 2 do artigo 236º resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram.

Nos casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante, o artigo 236º consagra uma teoria objectivista da interpretação, mitigada por restrições de índole subjectivista: o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1) ou de o declaratário (n.º 2) conhecer a vontade real do declarante (n.º 2) ou prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.

No que se refere aos negócios formais, rege o artigo 238º do Código Civil, nos termos do qual não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei ou prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.

Em suma, “a qualificação de um contrato acordado pelas partes opera com base nos efeitos jurídicos convencionados por elas. A partir destes efeitos o intérprete pode verificar se o esquema contratual concreto corresponde a algum dos modelos ou tipos legais, caso em que se trata de um contrato típico, ou não, caso em que configurará um contrato atípico.

Para a qualificação de um contrato não interessa analisar a totalidade dos efeitos jurídicos a produzir por ele mas somente os efeitos jurídicos principais, aqueles que lhe fornecem a coloração como contrato de certo tipo[1]”.

“Atendendo às cláusulas acordadas pelas partes resulta que o contrato dos autos não é legalmente típico. Não existe um único tipo contratual que apresente com o contrato dos autos um grau de identidade que permita qualificá-lo como típico.

Antes de mais, surge um núcleo central acordado oralmente[2], ao que foi adicionado um núcleo qualificado pelas partes como contrato-promessa de compra e venda.

Este conjunto, que forma em si um único ente negocial, é atípico por não existir um tipo idêntico a esta conjunção de estruturas.

Por outro lado, o próprio núcleo central é atípico. Este núcleo não é um contrato de mandato sem representação. É antes um contrato com dois mandatos cruzados e com um fim de tipo parciário[3]”.

Senão vejamos:

Comprovam os factos que os SS, a par de outros, eram arrendatários de uma fracção do prédio urbano dos autos, cujos proprietários pretendiam vender na sua globalidade, dado que o prédio carecia de obras profundas, cuja execução a Câmara Municipal de Lisboa vinha reclamando.

Os SS podiam, por isso, preferir na aquisição desse prédio urbano. A BB tinha o dinheiro para o fazer.

Visando um aproveitamento de oportunidades com conjunção de esforços, os SS e a BB celebraram este contrato, o contrato em apreço, com cuja concretização ambos conseguiam obter proveitos. A BB podia obter, através dos SS, a propriedade do prédio, beneficiando do preço da preferência de € 400.000. Os SS conseguiam obter com o negócio a celebrar com a BB € 100.000. E, porque a mãe dos SS era uma das arrendatárias do mencionado prédio, auferia com a desocupação da fracção € 200.000, o que constituía uma indemnização considerável, atendendo ao preço do prédio urbano, cujo valor real era muito superior.

Em suma, com este negócio, os SS teriam uma garantia de lucro a médio prazo de € 300.000, enquanto a BB assumia o risco do lucro do desenvolvimento imobiliário do negócio, pelo que a um prazo mais alargado podia beneficiar de lucros mais avultados, sendo certo que à partida pôde beneficiar do preço de preferência, muito inferior ao valor real do prédio.

A BB e os SS acordaram, então, que estes exerceriam a preferência. A BB providenciaria ao financiamento e os SS procederiam, depois, à transferência do direito de propriedade sobre o prédio a favor da BB.

Este acordo, na sua simplicidade e desacompanhado do demais, configura-se como um mandato não representativo, um mandato sem poderes de representação, no sentido dos artigos 1180º e seguintes do Código Civil.

Com efeito, os SS ficaram obrigados a comprar em nome próprio e não da BB que não lhe concedeu poderes de representação. O que se explica pela circunstância da compra e venda ocorrer no âmbito do exercício de um direito de preferência legal que cabia exclusivamente aos SS, não pretendendo a BB inflacionar o preço do prédio para obter um ganho mais considerável, excluindo, desse modo, a eventual concorrência dos arrendatários preferentes.

Ficou entretanto acordado entre as partes no contrato a obrigação dos SS transferirem para a BB a propriedade do prédio, uma vez adquirido este direito pelo exercício da preferência.

No entanto, o negócio é mais complexo.

Como se referiu, naquele prédio, não eram os SS os únicos que podiam beneficiar do direito de preferência, pois havia várias fracções arrendadas a terceiros.

Assim, mesmo depois de adquirido o prédio pelos SS, não era aconselhável, na perspectiva da embargada, a transferência da propriedade destes para a BB, enquanto não fossem estabelecidos os acordos para a resolução dos contratos e desocupação das fracções arrendadas.

Também se torna claro que os anteriores proprietários se propuseram vender o prédio em causa, porque, dado o seu estado de degradação, a Câmara Municipal de Lisboa os tinha obrigado a realizar diversas obras, consideradas inadiáveis, para as quais se não encontravam preparados.

Assim, os SS, ao prometeram adquirir o imóvel aos anteriores proprietários, obrigaram-se perante estes a realizar as obras que a Câmara Municipal de Lisboa havia ordenado. E, ao tornarem-se titulares do direito de propriedade, passaram a estar vinculados perante a Câmara de Lisboa a efectuarem as obras. Deste modo, todo o risco da falta de realização das obras corria por sua conta, não só o risco de incumprimento da obrigação assumida perante os anteriores proprietários na pendência da promessa de compra e venda mas também, posteriormente, o risco contravencional, decorrente da eventual aplicação de contra - ordenações e ainda o risco decorrente de eventuais danos causados a terceiros pelo mau estado de conservação do prédio.

Uma vez que os SS iriam agir em nome próprio na aquisição do imóvel e que a transmissão à BB não estava prevista ser feita de imediato, seria necessário salvaguardar estes riscos.

Esta é a explicação da cláusula acordada, segundo a qual a BB se obrigava perante os SS a praticar os actos necessários à realização no imóvel de todas as obras exigidas pela Câmara Municipal e a administrar o imóvel.

Como tal, cruzado com a obrigação dos SS de adquirirem o direito de propriedade sobre o prédio urbano, em nome próprio, mas por conta da BB, com a obrigação de transferir a favor desta o referido direito, existe uma obrigação da BB perante os SS de administrar o prédio urbano em causa e de nele realizar as obras ordenadas ou a ordenar pela Câmara Municipal de Lisboa.

Assim, na configuração do negócio delineado, temos um contrato de mandato sem representação, em que ambas as partes são simultaneamente mandante e mandatário, havendo obrigações cruzadas na prática de actos jurídicos, sendo o conjunto do contrato no interesse comum de mandante e mandatário, o que é atípico, mas juridicamente suportado pelo princípio da autonomia privada e pela norma decorrente do artigo 405º do Código Civil.

Ou seja, tal como se considera no Parecer junto pela embargante, “qualitativamente, o contrato tem como tipo central de referência o mandato sem representação mas quantitativamente inclui dois núcleos contratuais de mandato sem representação: um mandato sem representação no qual a BB é o dominus e os SS os mandatários e um núcleo de mandato sem representação no qual os SS são os domini e a BB é mandatária[4]”.

4.2.

Da modificação do contrato.

Em 22 de Dezembro de 2004, foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda entre os anteriores proprietários do prédio urbano e os SS. Nesse mesmo dia, na sequência deste contrato, estes e a BB celebraram um outro contrato que denominaram de contrato-promessa, relativo à compra e venda do prédio urbano, figurando os SS como promitentes vendedores e a BB como promitente compradora. Este contrato foi celebrado por escrito mas sem que as assinaturas tenham sido reconhecidas notarialmente.

Apesar da aparência que resulta da forma do contrato celebrado entre os SS e a BB e das palavras nele usadas, estaremos perante típico um contrato-promessa ou antes perante um contrato atípico?

De acordo com a definição prevista no artigo 410º, n.º 1 do Código Civil, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar novo contrato. Estamos assim perante um contrato preliminar de outro contrato que, por sua vez, se designa de contrato definitivo.

O contrato-promessa pode assim qualificar-se como um contrato preliminar que tem por objecto a celebração de um outro contrato, o contrato definitivo. Constitui, no entanto, uma convenção autónoma deste, uma vez que se caracteriza normalmente por ter eficácia meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha eficácia real[5].

O contrato-promessa de compra e venda de imóvel tem como efeitos principais a constituição sinalagmática da obrigação de celebração de um contrato que transmita o direito de propriedade sobre o imóvel, devendo esse contrato ser um contrato de compra e venda.

No entanto, no presente caso, este contrato não constitui as referidas obrigações, porquanto, quer os SS, quer a BB, já estavam obrigacionalmente vinculados a celebrar um contrato que provocasse a transmissão do direito de propriedade da esfera jurídica dos SS para a esfera jurídica da BB.

A causa da constituição não foi o denominado contrato-promessa de compra e venda, mas antes o contrato de mandato atípico que celebraram, na parte em que respeita à obrigação dos SS comprarem o imóvel por conta da BB, como muito bem se considera em ambos os Pareceres juntos aos autos[6].

Este contrato constitui na esfera jurídica dos SS e da BB a obrigação de praticar um contrato que operasse a transmissão do direito de propriedade sobre o prédio urbano da esfera jurídica dos SS para a esfera jurídica da BB.

Como tal, no que respeita à obrigação de celebrar o contrato de compra e venda, o denominado contrato-promessa nada traz de novo à relação dos SS com a BB.

Um contrato que as partes denominam de contrato-promessa de compra e venda mas que não constitui qualquer obrigação de celebrar o contrato de compra e venda não é um típico contrato-promessa de compra e venda.

No entanto, enquanto a maioria das cláusulas deste contrato já decorreriam do contrato tal como celebrado oralmente, pois são, todas elas, típicas do regime do contrato de mandato sem representação, este denominado contrato-promessa contém algumas cláusulas, designadamente as cláusulas 2ª, n.º 2, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 9ª e 12ª, que importam uma alteração ao contrato que oralmente haviam celebrado, como a sua análise claramente demonstra.

Assim, e a partir de 22/10/2004, o contrato atípico de mandato sem representação foi modificado por força das cláusulas supra mencionadas do denominado contrato-promessa de compra e venda, junto a fls. 201 a 205 dos autos.

Deste modo, o contrato entre os SS e a BB, que nasceu como um contrato atípico de tipo múltiplo, constituído por dois mandatos sem representação cruzados, passou a ter cláusulas adicionais, sem que, no entanto, a natureza do contrato haja sido modificada.

Assim, foi celebrado um primeiro contrato (o mandato atípico), tendo a celebração do segundo contrato (o denominado contrato-promessa) sido acessório em relação ao primeiro, operando a sua modificação mas não constituindo um novo contrato autónomo em relação ao primeiro.

5.

Se existe o direito de retenção dos SS relativamente à BB com causa na obrigação de entrega do prédio de acordo com o regime do mandato ou se, pelo contrário, existe o direito de retenção da BB relativamente aos SS com causa no contrato-promessa de compra e venda com traditio.

A resposta a esta questão pressupõe a análise do âmbito e dos requisitos ou pressupostos de aplicação do direito de retenção.

“Em primeiro lugar, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido. Vale dizer que o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei e não só do contrato-promessa previsto no artigo 410, n.º 3 do Código Civil. O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que não obteve a tradição da coisa não goza do direito de retenção.

Em segundo lugar, o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real[7]”.

In casu, ficou demonstrado que os SS e a BB celebraram um contrato atípico, um contrato cruzado de mandato sem representação.

“O mandato sem representação para compra de um imóvel tem como efeito a constituição na esfera jurídica do mandatário da obrigação de adquirir o imóvel e de o transmitir ao mandante.

Adquirido o direito de propriedade pelo mandatário, este fica titular do direito de propriedade, com todo o seu conteúdo e regime, sem excepção.

No que respeita ao direito de propriedade do mandatário sobre o imóvel, e no que respeita à sua titularidade, nada há de diferente entre um mandatário proprietário e um proprietário não mandatário.

As diferenças não se verificam ao nível do direito real de propriedade, mas do direito de crédito do mandante e correspondente obrigação do mandatário[8]”.

E continua o ilustre Professor:

“Após ter adquirido o imóvel, o mandatário encontra-se numa situação semelhante a quem celebrou um contrato-promessa de compra e venda como promitente vendedor. Ou seja, é proprietário formal e substancialmente, podendo praticar (no sentido de ter o poder) sobre o imóvel todos os actos inerentes à sua qualidade de proprietário.

No entanto, nas relações internas entre o mandante e o mandatário, existem alguns poderes inerentes ao direito de propriedade que, caso o mandatário os exerça, provocam uma violação da obrigação deste perante o mandante. Mas sendo exercidas com base no direito de propriedade, e uma vez que o contrato de mandato apenas vincula as suas partes, os actos do mandatário são juridicamente eficazes no plano externo, embora importem a violação da obrigação no plano interno”.

Daqui resulta que, tendo os SS adquirido o direito de propriedade sobre o prédio urbano, tornaram-se proprietários do mesmo, e tornaram-se possuidores do mesmo, com posse de propriedade plena, embora onerada por alguns arrendamentos em vigor.

Por sua vez, a BB não se tornou proprietária do prédio urbano, nem sequer se tornou titular de um direito real de aquisição do imóvel, mas apenas credora do direito a ser-lhe transmitido o imóvel tal como contratado. Quanto à posse da BB, a celebração do contrato atípico conjugado com a aquisição do direito de propriedade pelos SS, não atribuiu à BB posse do prédio por referência a qualquer direito real, de qualquer natureza.

Mas terá a BB adquirido a posse sobre o prédio por efeito da traditio?

Embora da conjugação deste contrato de mandato atípico com a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel não resulte uma posse real da BB, esta poderia eventualmente resultar da traditio a seu favor.

E terá resultado?

Para responder à questão, importará ter em consideração que a traditio só pode ser aferida casuisticamente. Só face às circunstâncias concretas é possível saber se uma parte recebeu a coisa e passou a agir face a esta como proprietário, ou como titular de outro direito real. Nem o contrato de mandato, nem o contrato-promessa de compra e venda são, só por si, hábeis para provocar a traditio. Como tal o contrato atípico dos autos também não é hábil para o fazer.

É, porém, possível suceder que, antes de mandante e mandatário celebrarem o contrato de transferência do direito de propriedade em execução do mandato, procedam à traditio do imóvel.

Como tal, é possível que, mantendo-se o mandatário como proprietário do imóvel, a posse seja transmitida para o mandante. Neste caso, o mandatário seria proprietário mas não possuidor e o mandante seria não proprietário mas possuidor

É também possível verificar-se uma comunhão de posse. Neste caso, mantendo-se o mandatário proprietário do imóvel, comunica a posse ao mandante, ficando ambos compossuidores.

É ainda possível verificar-se uma situação de detenção da coisa pelo mandante. Ou seja, uma situação na qual o mandatário seja proprietário e possuidor e na qual o mandante não seja proprietário nem possuidor, sendo mero detentor.

Tendo em conta os princípios enunciados, importa, por esta razão, aferir se, face aos factos provados, houve traditio, ou comunicação da posse ou atribuição de detenção à BB.

A traditio consiste numa passagem da coisa da esfera de domínio de uma pessoa para outra pessoa, deixando a coisa de estar sob o domínio da primeira e passando a estar sob o domínio da segunda, domínio este que corresponde ao corpus possessório referente a determinado direito.

O modo como a passagem se efectua de um sujeito para outro pode variar, podendo ser efectiva ou simbólica, tal como pode variar o tipo de domínio a que a traditio se refere.

Para que a traditio se verifique é necessário que se prove que (I) alguém tinha o domínio material de uma coisa e que (II) essa pessoa deixou voluntariamente de ter domínio material da coisa e que (III) outra pessoa passou a ter o domínio material da coisa, (IV) tendo-se verificado a transferência em resultado da entrega voluntária da coisa pelo primeiro ao segundo.

Partindo do pressuposto que os SS e a BB não haviam celebrado senão um contrato-promessa de compra e venda, considerou o acórdão recorrido que, tendo a BB recebido as chaves do edifício e apartamentos devolutos, obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, gozando, consequentemente, do direito de retenção.

Salvo o devido respeito, ao contrário do decidido, entendemos que os factos provados permitem concluir que os SS nunca deixaram de ser possuidores da coisa.

Tanto quanto ficou provado, à data da celebração do contrato com a embargante AA, os SS tinham as chaves do imóvel, pois entregaram-lhe as chaves do prédio.

Por outro lado, todos os actos jurídicos formais foram praticados pelos SS, nomeadamente recibos de rendas, comunicações com a Câmara Municipal de Lisboa, acordos de revogação de contratos, seja de arrendamento, seja de empreitada.

Poder-se-á, porém, argumentar que, na data da celebração do denominado contrato-promessa, as chaves do edifício e dos apartamentos devolutos, correspondentes ao 1º andar direito e 2º andar esquerdo, foram entregues pelo CC à BB e à empreiteira EE, de modo a esta poder executar os trabalhos ordenados pela Câmara de Lisboa, impondo-se a questão de saber se esta entrega não corresponde a uma traditio simbólica.

A situação é complexa.

Estes factos não se podem considerar isoladamente.

Note-se que, no caso da entrega das chaves pelos SS à BB e ao seu empreiteiro, ficou provado que tal sucedeu de modo a que o empreiteiro pudesse realizar as obras ordenadas pela Câmara Municipal de Lisboa. O fim da entrega das chaves consistiu, pois, na realização das obras ordenadas pela Câmara.

Como atrás se referiu, a BB estava obrigada perante os SS a realizar essas obras e, pela natureza das coisas, não as poderia realizar sem acesso ao imóvel.

Como se considera no Parecer junto pela embargante[9], “se, no caso presente, se estivesse perante um típico contrato-promessa de compra e venda, na qual o promitente-vendedor entregasse as chaves do imóvel ao promitente-comprador para este ir avançando com a realização de obras antes da celebração do contrato de compra e venda, poder-se-ia presumir judicialmente que se tratava de uma traditio. Sendo uma presunção, só não se concluiria neste sentido se outros factos tivessem ficado provados que elidissem a presunção.

Mas num típico contrato-promessa de compra e venda o promitente-comprador não fica obrigado perante o promitente-vendedor a realizar obras no imóvel. E, caso fique, a entrega do imóvel para esse efeito não pode ser qualificada como uma traditio, mas antes como um acto de colaboração do credor para permitir ao devedor o cumprimento da sua obrigação”.

É esta, em nosso entender, a situação que se verifica nos autos. Estando a BB obrigada perante os SS a fazer realizar no imóvel as obras ordenadas pela Câmara Municipal de Lisboa, a entrega das chaves, para serem realizadas as obras no imóvel, não é mais do que um acto de colaboração do credor SS para permitir ao devedor (BB) cumprir a obrigação a que estava adstrito, pelo que a entrega das chaves à BB não importa perda do domínio material sobre a coisa.

A sua posição relativamente ao imóvel, durante o tempo que estas obras demoraram a ser realizadas deve ser qualificada como uma detenção, nos termos do artigo 1253º, alínea c) do Código Civil.

Ou seja, a BB nunca foi possuidora do imóvel, nem mesmo compossuidora. Foi mera detentora ou. Se assim se preferir, possuidora em nome dos SS.

A situação pode parecer estranha, uma vez que as partes haviam acordado que o direito de propriedade sobre o imóvel seria transferido para a BB mas a estranheza da situação é mero reflexo da atipicidade do contrato.

Com efeito, tal como os factos comprovam, as partes não quiseram transferir a propriedade desde logo para a BB. Foi antes vontade das partes manter a propriedade da coisa na esfera jurídica dos SS, evitando qualquer ligação entre a BB e o imóvel, precavendo o exercício do direito de preferência de qualquer dos arrendatários do prédio que ainda se mantinham.

Nos presentes autos, não se está tanto perante uma situação na qual os SS não quiseram proceder à traditio a favor da BB, mas está-se, antes, perante uma situação na qual a BB não quis receber o imóvel através da traditio, pois tal implicaria que os SS deixariam de ter o domínio material do imóvel e teria de ser a BB a assumir esse domínio.

Quando em 23 de Fevereiro de 2007, entraram os vigilantes da empresa de segurança no prédio, a BB já não tinha domínio material sobre a coisa, estando já terminadas as obras ordenadas pela Câmara Municipal de Lisboa.

Ficou também provado que, em 16 de Março de 2007, os SS entregaram as chaves à embargante AA, como proprietária do imóvel o que significa que ou havia outro conjunto de chaves que os SS mantiveram sempre na sua posse ou a BB devolveu as chaves aos SS em data anterior.

O certo é que não ficou provado que deixaram de ter as chaves do imóvel como não ficou provado como é que tinham as chaves no dia 16 de Março de 2007.

Assim, não ficou provado que os SS tenham deixado de dominar materialmente a coisa, o que impede a traditio.

E, tal como resulta do contrato, a BB nenhum crédito tinha sobre os SS pela realização das obras ordenadas pela Câmara Municipal de Lisboa, pois assumiu todas as despesas e custos com estas obras.

Excluindo todos os actos praticados pela BB respeitantes à realização das obras ordenadas pela Câmara, importa salientar, no entanto, os seguintes factos de que a BB se serve, considerando-os hábeis para importar a traditio do imóvel a seu favor.

Ficou, com efeito, provado que os SS entregaram à BB € 1.310,04 referentes às rendas recebidas nos meses de Abril, Maio e Junho de 2005, não tendo entregado quaisquer outras rendas à BB.

Mais se provou que, com conhecimento de CC, a BB encomendou à “TT”, a elaboração de um projecto de pedido de informação prévia e licenciamento de arquitectura, para ser submetida à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa, tendo em vista a construção de um novo edifício no imóvel.

Ao contrário do defendido pela BB, estes factos, considerados cada um de per si ou em conjunto, não nos parece que importem a traditio.

O primeiro facto, desacompanhado de qualquer explicação pela qual foram entregues apenas três rendas e não as rendas seguintes, não permite saber a sua razão. Não é, como tal, possível retirar desse facto a traditio do imóvel.

O segundo facto nunca indiciaria uma traditio. É normal que um promitente adquirente de um imóvel contrate técnicos ou serviços para obras que pretenda vir a realizar depois de o adquirir. Este acto não importa qualquer domínio sobre o imóvel. Aliás qualquer pessoa pode contratar um gabinete de arquitectura para elaborar um pedido de informação prévia.

Deste acto apenas se confirma que a BB esperava adquirir a propriedade do imóvel, o que resultava já do negócio celebrado entre as partes.

Por último, não sendo a BB possuidora do imóvel e tendo acordado com os SS que assumia por sua conta todas as despesas com as obras e com a gestão do imóvel não tem direito a ser compensada por estas despesas a título de benfeitorias.

Na verdade, no presente caso, foi acordado que todas estas despesas corriam pela BB, pelo que esta não é titular de qualquer direito de crédito nesta matéria. Não há, pois, direito de retenção (artigo 754º do Código Civil) neste caso, por inexistência de posse e inexistência de crédito. E também não há lugar a direito de retenção por qualquer indemnização a que a BB tenha direito da parte dos SS, uma vez que, nos presentes autos, aquela não tem um crédito sobre estes com causa em despesas efectuadas com a coisa, nem tem um crédito que tenha como causa danos causados pela coisa. A BB terá, eventualmente, um crédito sobre os SS com causa em responsabilidade civil contratual por violação do contrato celebrado.

Como tal, esse crédito, a existir, não tem como causa despesas com a coisa, mas danos contratuais e os danos não foram causados pela coisa mas pelos SS.

Como tal, não é aplicável ao caso sub judice o direito de retenção.

6.

Sumariando:

I - O princípio da autonomia privada, decorrente do artigo 405º do Código Civil, permite que, num negócio complexo, as partes configurem efeitos jurídicos correspondentes a vários contratos típicos.

II - O contrato pelo qual uma das partes (L) se compromete, em nome próprio e com base num direito legal de preferência, a adquirir o direito de propriedade sobre determinado prédio urbano por conta da outra parte (S), com obrigação de transferir, por determinado valor acordado, a favor desta o referido direito, a qual, por seu turno, se obriga a administrar o prédio urbano em causa, é um contrato cruzado, atípico, que tem como tipo central de referência o mandato sem representação mas quantitativamente inclui dois núcleos contratuais de mandato sem representação: um mandato sem representação no qual a S é o dominus e os L os mandatários e um núcleo de mandato sem representação no qual estes são os domini e a S é mandatária.

III - A celebração, posterior, de dois contratos designados como de “promessa de compra e venda” – o primeiro em que os contraentes L se obrigam a comprar o prédio ao primitivo proprietário e o segundo em que se obrigam a vendê-lo ao segundo contraente S – não constitui um novo contrato autónomo em relação ao primeiro, antes é acessória deste, existindo entre ambos uma união (ou coligação) de contratos; esta verifica-se quando surgem conectados dois acordos negociais e o segundo depende da outorga do primeiro por existir um vínculo externo gerador dessa junção, sendo que a vontade das partes quis esse nexo funcional.

IV - Ainda que o contrato promessa seja com tradição, a aquisição do direito de propriedade pelos mandatários não importa ipso facto a aquisição da posse pelo mandante, já que este apenas não adquire um direito real, mas apenas de crédito. Assim, a par da transmissão da posse (em cumprimento do contrato), podem verificar-se uma comunhão na posse (em que ambos ficam compossuidores) ou mesmo de mera detenção da coisa pelo mandante.

V - Se os mandatários entregam ao mandante a chave dos imóveis para realização das obras, tal entrega, no âmbito do contrato atípico definido em II, não permite presumir que se trata de uma traditio, já que, sendo a realização das obras uma obrigação do mandante, aquele entrega mais não é do que um acto de colaboração para permitir o seu cumprimento.

VI - Do mesmo modo, se este se comprometeu a realizar as obras, as despesas e custos com a sua execução constituem uma obrigação própria e não um crédito, cuja existência era pressuposto de um pretenso direito de retenção.

7.

Pelo exposto, concedendo a revista, revoga-se o acórdão recorrido e, em consequência, repristinando-se a sentença, decide-se julgar procedentes os embargos, determinando-se a entrega do prédio urbano sito na … n.º … a …, da freguesia de … Concelho de Lisboa, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da referida freguesia à AA, ora recorrente.

Custas pela recorrida BB.

Lisboa, 26 de Junho de 2014

Manuel F. Granja da Fonseca

António Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira


[1] Prof. José Alberto Vieira, Parecer junto aos autos, fls. 13.
[2] Vide respostas aos quesitos 5º e 6º.
[3] Vide Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, Parecer junto aos autos, fls. 18.
[4] Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, página 20.
[5] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, página 217.
[6] Vide Parecer do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos a fls. 26 e Parecer do Prof. José Alberto Vieira, página
[7] Prof. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, página 128.
[8] Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, Parecer citado, páginas 30/31.
[9]Fls. 35-36.