Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4021/18.9T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
ADVOGADO
VALOR DA CAUSA
TAXA DE JUSTIÇA
MANDATO FORENSE
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PERDA DE CHANCE
FALTA GRAVE E INDESCULPÁVEL
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ILICITUDE
TERCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. A indicação do valor da causa em contravenção às normas legais que definem os critérios da fixação do valor não determina a responsabilização desse advogado pelo excesso de taxa de justiça que se venha a verificar porquanto o valor da causa é fixado por terceiro – o juiz.

II. Para além do que a violação dos deveres do advogado, em particular quando nos encontramos no domínio da sua autonomia técnica, só é geradora de responsabilidade nos casos de especial censurabilidade ou erro indesculpável.

III. O que não se afigura ser o caso dos autos em que se indica 4.000.000 € como valor da acção de anulação da partilha de 18 imóveis com o valor patrimonial tributário de 147.165,60 e a que foi atribuído o valor de 176.994,73 €, com fundamento em erro, abuso de direito por manifesto desequilíbrio e usura, dado alegadamente ser o valor de mercado desses imóveis.

IV. Poderá considerar-se que os mandatários forenses devem, em particular nas acções de valor superior a 275.000 €, informar os respectivos mandantes dos montantes prováveis da taxa de justiça que venha a ser devida, sendo a inexactidão ou omissão dessa informação, porque ilícita, susceptível de gerar responsabilidade.

V. No entanto, para que possa ocorrer essa responsabilidade, importa que o lesado alegue e prove – o que no caso não ocorre - que se tivesse sido prestada essa informação de forma correcta não teria intentado a acção.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA



ENTRE

AA


(aqui patrocinada por ..., adv.)

Autora





CONTRA

BB


(aqui patrocinado por CC, adv.)

1º Réu


E

COMPANHIA DE SEGUROS MAFRE – SEGUROS GERAIS, SA


(aqui patrocinada por ..., adv.)

2ª Ré



I – Relatório


A Autora intentou ação declarativa de condenação contra os Réu pedindo que os mesmos sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente e com a ressalva da 2ª Ré apenas ser responsável até ao limite de € 150.000,00, a quantia total de € 172.165,60, acrescida de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a citação até integral pagamento, correspondendo € 147.165,60 ao valor da indemnização por danos patrimoniais e € 25.000,00 ao valor da indemnização por danos não patrimoniais causados em virtude da atuação do 1ºRéu, Advogado, na condução de processos judiciais.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que tendo contratado o 1º Réu como Advogado, o mesmo imputou à ação para anulação de escritura de partilhas n.º 2509/15.... um valor muito elevado, sem a ter informado quer do valor atribuído quer das consequências desse valor no montante da taxa de justiça, vendo-se a mesma sujeita à obrigação de pagar um muito elevado valor de taxa de justiça e custas de parte; para além de, no processo n.º 2913/11...., não ter feito o pagamento de taxa de justiça inviabilizando o conhecimento de reclamação e não ter oportunamente comunicado à Autora a nota de custas de parte, dando azo ao pagamento de juros moratórios; estando por via dessas dívidas a ser executada, o que, para além dos prejuízos patrimoniais, lhe agravou o seu estado depressivo. Sendo que a 2ª Ré segurou a responsabilidade civil do 1º Réu até ao montante de € 150.000,00.

O 1º Réu deduziu contestação na qual alega que o valor da ação n.º 2509/15.... era do conhecimento da Autora e os valores dos bens em causa foi indicado pela mesma, não pretendendo a Autora receber do ex-marido apenas o valor patrimonial tributário dos bens objeto da escritura de partilhas cuja anulação era pretendida e, em relação ao processo n.º 2913/11...., ter sido a anterior Advogada que foi  notificada da tramitação,  por lapso  do  Tribunal  da Relação,  pugnando pela improcedência da ação.

A 2ª Ré, deduziu contestação na qual impugna a generalidade da factualidade alegada, bem como invoca que o sinistro alegado não está abrangido pelo contrato de seguro por responsabilidade civil de Advogado aqui em causa dado que a 1ª reclamação correu com a sua citação nos autos.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

Inconformada apelou a Autora tendo a Relação, depois de alterar a matéria de facto e considerando ocorrer, no processo 2509/15, conduta ilícita e culposa do 1º Réu (não observar as disposições legais e não actuar zelosamente ao indicar arbitrariamente o valor da acção) que levou a que a Autora a ser devedora de um montante muito superior ao que seria devido segundo o critério legal, causando-lhe um dano patrimonial correspondente à quele excesso que deverá ser ressarcido enquanto ´perda de chance’, e igualmente uma afectação psicológica da Autora merecedora, pela sua gravidade, da tutela do direito, bem como procedente a excepção invocada pela 2ª Ré, julgado parcialmente a apelação e condenado o 1º Réu a pagar à Autora a quantia de 93.168,00 € (90.168,00 € a título de dano patrimonial e 3.000,00 € a título de dano não patrimonial) e juros desde a citação, mantendo no mais a sentença apelada.

Agora irresignado veio o 1ª Réu interpor recurso de revista concluindo, em síntese, por erro na apreciação da prova pela Relação e fixação da matéria de facto e erro de julgamento por não ocorrido o apontado cumprimento defeituoso do mandato forense na indicação do valor da causa nem verificado nexo de causalidade entre aquele e o imputado dano ou qualquer ‘perda de chance’ e não verificada (ou nula) a exclusão da situação da cobertura do seguro de responsabilidade civil.

Houve contra-alegações onde se propugnou pela manutenção do decidido.

II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (artigo 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639º do CPC).


O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.           


-*-


Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, desde logo ressalta que não tendo sido assacada ao Recorrente qualquer responsabilidade relativamente à sua actuação no processo n.º 2913/11...., surge como descabida a sua conclusão quinta, quando tautologicamente afirma não poder ser responsabilizado conforme já se encontra reconhecido por decisão transitada em julgado.

Por conseguinte são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

- do erro na apreciação da matéria de facto;

- da verificação dos pressupostos da responsabilidade do 1º Réu relativamente à sua actuação no processo n.º 2509/15....;

- da cobertura do seguro.

III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

Factos provados:           

1. A Ordem dos Advogados, enquanto tomador de seguro, celebrou com a Ré Mapfre Seguros Gerais, SA por intermédio da Corretora AON Portugal - Corretores SA, um Seguro de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados titulado pela apólice n.° ..., com data de início a 1 de janeiro de 2014 e termo em 31 de dezembro de 2017, garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de indemnizações "pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados", Prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo do segurado, cujo valor ascendia à quantia de € 5.000,00 por sinistro.

2. Nos termos previstos na cláusula 4.a das Condições Especiais da apólice n.° ..., sob a epígrafe "DELIMITAÇÃO TEMPORAL"), "É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto (...)" e, nos termos previstos na cláusula 7.a das condições especiais da apólice ...58, sob a epígrafe "ÂMBITO TEMPORAL", "O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade" e, "Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora", estabelecendo a cláusula 10.a das Condições Particulares do contrato ("CX310 - CONDIÇÕES PARTICULARES DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL'), que o "PERÍODO DE COBERTURA" da apólice será: "Temporário por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2016 e termo às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2017" e estabelecendo o artigo 1.°, n.° 6 das Condições Especiais ("CX315 - CONDIÇÃO ESPECIAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL"), entende-se por "Período de Seguro", "o período compreendido entre a data de início e a de vencimento da presente apólice especificadas nas Condições Particulares, ou entre a data de início e a de rescisão, resolução ou extinção efetiva do contrato de seguro, se forem anteriores à de vencimento".

3. A Autora AA contactou o Réu BB, Advogado, para junto deste se aconselhar sobre a viabilidade ou não de ser intentada contra o seu ex-marido uma acção judicial, visando a anulação de uma escritura de partilhas que subscreveu juntamente com o seu ex-cônjuge, DD, num Cartório de ....

4. Após ter ponderado e estudado a situação e reunido inúmeras vezes com a Autora e seu actual marido no seu escritório, o Réu BB aceitou o respectivo mandato forense daquela, o qual tinha como desiderato obter a anulação da escritura de partilhas.

5. Quando a Autora contactou com o Réu, acerca da instauração da acção de anulação da escritura de partilha, subsequente ao divórcio, assinada em ..., ficou claro que o valor constante das verbas que compõem o anexo da escritura era apenas o seu valor patrimonial fiscal.

6. Aceite o mandato, em 13 de outubro de 2015, o Réu BB intentou e subscreveu a respetiva ação de condenação, a qual correu os seus trâmites pela Instância Central ... Secção Cível desta Comarca sob o n.° 2509/15.....

7. O Réu BB, nesse articulado, descreveu as verbas partilhadas (consubstanciadas em 18 prédios rústicos e urbanos) ínsitas na escritura de partilhas, constando desta que o valor total dos bens descritos nas mencionadas verbas é de € 176.994,73, valores correspondentes aos valores patrimoniais das respetivas matrizes.

8. A Autora e o Réu BB não abordaram o tema do valor que deveria ser dado à acção nem quais os valores das custas que teria de suportar em caso de improcedência da acção no valor que lhe foi dado, tendo o Réu dado à acção n.° 2509/15.... o valor de € 4.000.000,00 e remetido previamente à Autora a petição inicial para leitura, nos termos da qual, transcritas as verbas e respectivos valores constantes da escritura de partilhas, cuja anulação era pretendida, se lia:

"(...) art.° 3.°

Da referida escritura consta que a A. e o R. são proprietários em comum, de vários bens imóveis, constantes das verbas Um a verba dezoito, as quais no seu conjunto, tem um valor de 4.000.000,00 (quatro milhões de euros)

(...)

18.°

Basta anotar-se que a verba n.° 1 (...) já nos tempos de partilha valia mais de 1.000.000,00 (um milhão de euros), valor esse que nesta data é bastante superior;

19.°

Por outro lado, cumpre salientar que, a verba dois, (...) tem um valor superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), na data da partilha e actualmente um valor bem superior".

9. O Réu BB terminou a sua petição formulando o pedido de anulação da escritura de partilhas em causa e, de forma cumulativa, a condenação do ex-cônjuge da Autora no pagamento do valor de € 48.605,39 a título de tornas não pagas, acrescido de juros vencidos e vincendos o que totalizava, à data do início da instância, a quantia de € 56.609,77.

10. A acção de anulabilidade da escritura de partilhas e subsequente condenação em pagamento de tornas e juros referida em 5. foi julgada totalmente improcedente por decisão transitada em julgado em 6 de Janeiro de 2017 e a Autora viu-se confrontada, numa primeira fase, com a necessidade de pagamento da quantia de € 47.266,00, já efectuada, a título de custas da sua responsabilidade incluindo o remanescente, após ter sido notificada para o efeito e, numa segunda fase, com a situação decorrente de lhe serem imputadas responsabilidades, no âmbito das custas de parte.

11. 0 Réu BB apenas deu conhecimento à Autora das custas de parte da acção que perdeu, quatro meses volvidos sobre a notificação que recebeu do Tribunal, e porque esta encontrou esse documento no seu escritório, dentro do dossier do seu processo, que, a seu pedido, ele lhe tinha dado para consulta.

12. Mandatado pela Autora para propor um recurso extraordinário de revisão no âmbito do processo n.° 2913/11...., o R. BB interpô-lo junto do Tribunal da Relação de Évora;

13. Para ser ressarcido das custas de parte, o ex-cônjuge da Autora, DD, promoveu o processo executivo que corre os seus trâmites pelo Juízo de Execução ... sob o n° 2355/17.... no valor de € 100.939,00, valor esse que integra as custas de parte de € 94.452,00 do processo n.° 2509/15.... acrescido da verba de custas de € 5.487,60 do processo n.° 2913/11...., acrescido esse valor do pagamento de juros de 4% ao ano até integral pagamento dos valores pedidos, tendo sido penhorada parte da reforma da Autora no valor de € 592,04 mensais.

14. A Autora, com esta situação, viu agravada a sua situação depressiva que já existia anteriormente a esta situação, tendo-se aposentado por incapacidade aos 54 anos, da actividade de professora de português.

15.  Todas estas situações, bem como o litígio que mantém há anos com o seu ex-cônjuge, têm causado manifesta ansiedade e aumentado a intensidade da depressão da Autora e, neste momento, se ter que servir do apoio monetário do seu actual cônjuge.

16.  A Ré Mapfre Seguros Gerais, SA foi citada nos autos em 13 de dezembro de 2018, data em que teve conhecimento da pretensão da Autora.


Factos não provados:

a) Foi indeferida uma reclamação sobre a pretensa caducidade da parte contrária em exigir o pagamento dessas custas, por ser o mesmo pagamento pedido fora de tempo, segundo a contagem dos dias feita pelo Réu BB (artigo 18° da petição inicial).

b) O recurso de revisão referido em 12. foi rejeitado pela Veneranda Relação de Évora, o Réu BB, embora tenha reclamado da não admissão do recurso, viu a mesma ser rejeitada, por não ter sido paga a taxa de justiça devida (parte do artigo 22° da petição inicial).

c) Transitado em julgado o processo n.° 2913/11.... e tendo, enquanto mandatário, o Réu BB recebido por parte da Ilustre Mandatária da parte contrária a respetiva nota de custas de parte, nada disse à Autora.

d) Também por esta omissão, a Autora está sendo executada ainda pelo valor de € 5.487,60 dos dois últimos casos referidos, decorrente não só de falta de informação à Autora da notificação recebida, como também da total inviabilidade de ver as suas pretensões apreciadas em sede de Reclamação, não por uma questão substancial mas tão só pela circunstância do Réu BB não ter pago a taxa de justiça, nem ter disso previamente informado a Autora que, se soubesse, não deixaria de liquidar esse valor.

e) Questionada a Autora acerca do valor comercial dos prédios rústicos e urbanos, que comprou o acervo patrimonial do casal, a Autora indicou que, o valor total de tais bens, superava o montante de € 4.000.000,00.

f) O que a Autora pretendia receber do seu ex-marido, caso conseguisse anular a escritura de partilha era o seu direito à meação dos prédios rústicos e urbanos ou o seu valor equivalente, o que não correspondia ao valor patrimonial fiscal das referidas 18 verbas, rústicas e urbanas.

IV – O direito


Do erro na apreciação da matéria de facto           

Tanto quanto se depreende das conclusões de recurso, interpretadas em conjugação com o corpo das respetivas alegações, o Recorrente imputa ao tribunal da Relação a violação de normas de direito probatório material, por considerar que a “recorrida, em sede de audiência de julgamento, confessa ter recepcionado, previamente à sua submissão, a parte da petição inicial donde constavam os valores atribuídos aos bens descritos e parte do acervo comum do ex-casal.” e que o tribunal da Relação não podia ter julgado procedente a impugnação da matéria de facto quanto os pontos 6 e 12 dados como provados.

Para melhor compreensão do que está em causa, passa-se a transcrever o teor dos pontos 6 e 12 com a redação dada pela 1.ª instância:

6) A Autora e o Réu BB não abordaram o tema de valor que deveria ser dado à ação nem quais os valores das custas que teria de suportar em caso de improcedência da ação no valor que lhe foi dado, tendo o Réu dado à ação n.º 2509/15.... o valor de € 4.000.000,00, somatório do valor das verbas descritas na petição inicial e que faziam parte da escritura de partilhas cuja anulação era pretendida, tendo o Réu remetido previamente à Autora a petição inicial onde constavam os valores dos bens para leitura, não tendo a mesma ficado ciente de que tal valor implicava um pagamento elevado de custas em caso de improcedência da ação (artigo 10º da petição inicial-parte).

12) Quando a Autora contactou com o Réu, acerca da instauração da ação de anulação da escritura de partilha, subsequente ao divórcio, assinada em ..., ficou claro que o valor constante das verbas que compõem o anexo da escritura era apenas o seu valor patrimonial fiscal (artigo 3º da contestação do Réu).

O tribunal da Relação, conhecendo da impugnação da matéria de facto, determinou a alteração do facto n.º 6 provado, mantendo, na íntegra a redação do facto n.º 12 provado (atuais factos n.ºs 8 e 5)

Ora, como facilmente se alcança pela leitura do atual ponto 8 provado (anterior ponto 6 provado), o tribunal da Relação manteve inalterado o facto então impugnado, na parte em que do mesmo resulta que o réu, ora recorrente, remeteu, previamente, à autora a petição inicial para leitura, tendo dado como provado o que daquela petição inicial resultava, nomeadamente, os valores atribuídos aos bens objeto de partilha.

É, assim, claro que o segmento fáctico atinente à receção prévia da petição inicial para leitura, abrangida pela invocada confissão, não foi colocado em crise pelo tribunal da Relação, não resultando, a nosso ver, qualquer violação de normas de direito probatório material.

Já nos que diz respeito ao atual facto n.º 5 (anterior facto n.º 12), cumpre tão-só mencionar que do mesmo não resulta qualquer referência ao envio da petição inicial por parte do réu à autora, dizendo apenas respeito às reuniões ocorridas entre a autora e o réu em momento anterior à elaboração e envio da petição inicial.

Por fim, quanto à ponderação dos demais meios de prova, mormente a prova testemunhal, cumpre apenas assinalar que não compete ao STJ sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto quando está em causa prova sujeita à livre apreciação do julgador, como é o caso dos autos (cfr. art. 674.º, n.º 3, do CPC).

Assim, a nosso ver, não assiste qualquer razão ao recorrente.


Da verificação dos pressupostos da responsabilidade do 1º Réu

A Relação considerou que houve incumprimento do mandato forense do 1º Réu para com a Autora ao não observar as disposições legais relativamente ao valor da causa e não actuar zelosamente ao indicar arbitrariamente como valor da acção o montante de 4.000.000 €, dessa forma dando azo a que a Autora viesse a ser devedora de um montante de custas muito superior ao que seria devido segundo o critério legal, causando-lhe um dano patrimonial correspondente à quele excesso que deveria ser ressarcido enquanto ´perda de chance’.

Está, assim, em causa, averiguar se Recorrente não procedeu em conformidade com o que era, atentas as circunstâncias, expectável e exigível, face às normas que regem o exercício da profissão de advogado.

No caso que nos ocupa, no que especificamente diz respeito à temática do valor da causa, temos por certo que não está em causa, a perda de qualquer chance processual; está, sim, em causa a indicação de um valor que a autora entende não ser o correto em face das normas legais em vigor e que determinou a existência de um valor de custas muito avultado.

Entendeu o tribunal da Relação que “a indicação arbitrária daquele valor é, como deriva do que viemos de expor, um ato que infringe o disposto no n.º 1 do art.º 301.º do CPC”.

Ora, salvo melhor saber, consideramos que, independentemente do acerto ou do desacerto de tal indicação face ao objeto do respetivo processo, é ao juiz que “compete fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” – art. 306.º, n.º 1, do CPC.

Se assim é, sendo um ato da competência de um terceiro, in casu, do juiz da causa, não se vê como possível a imputação ao recorrente da prática de um qualquer ato ilícito.

Por outro lado, e sem prejuízo do que ficou dito, sempre cumpre acrescentar que a autonomia técnica do advogado determina, a nosso ver, que apenas erros indesculpáveis ou especialmente censuráveis possam determinar a sua responsabilização.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 14-04-2015 (proc. n.º 203/11....): “a quebra dos deveres profissionais do advogado, enquanto facto gerador de responsabilidade civil contratual para com o cliente, terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar, falta de diligência que deve ser passível de censura na medida em que constitua um erro profissional indesculpável.” e ainda o acórdão do STJ, de 24-03-2017 (proc. n.º 389/14....), onde se deixou escrito que “não se deve considerar que o advogado incorre em falta do dever de diligência profissional nas situações em que ele assume, no exercício do seu múnus, opções de natureza jurídica, processual ou substantiva, que se inserem no âmbito da sua autonomia técnica em conformidade com os interesses do mandante que representa.”.

No caso que nos ocupa, concorde-se ou não com a posição jurídica assumida pelo 1.º réu (que mais do que o valor patrimonial tributário ou atribuído na escritura de partilha cuja anulação se pretendia, e em função dos fundamentos invocados – incapacidade, desproporção e usura – o que estava em causa era a propriedade dos bens do património do casal e o seu valor de mercado) parece-nos que a mesma se inscreve na margem de autonomia técnica de que aquele beneficia, não se nos afigurando, outrossim, que tal erro (a existir) assuma a natureza de erro indesculpável ou especialmente censurável.

Assim concluindo não constituir incumprimento contratual a indicação do valor da causa levada a acabo pelo Recorrente.

Poderia, contudo, equacionar-se a eventual violação do dever de informação do advogado quanto às custas prováveis do processo (em particular nas acções de valor superior a 275.000 € em que a aplicação das tabelas legais pode levar a elevadíssimos montantes de taxa de justiça) já que, a nosso ver, o advogado tem o dever de alertar os clientes para as possíveis consequências do valor da causa fixada ao nível do valor das custas a pagar a final (cf. artigos 762º do CCiv e 97º e 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados).

No entanto, analisada a petição inicial e a factualidade provada, resulta que a autora não alegou, como lhe competia, que se tivesse tido conhecimento do valor provável de custas não teria intentado a referida ação de anulação da partilha, razão pela qual sempre falharia o pressuposto necessário do nexo causal, essencial para a afirmação da responsabilidade civil do advogado.

Donde se conclui não estarem verificados os pressupostos da responsabilização do 1º Réu, nessa parte procedendo o recurso, com a consequente revogação do acórdão recorrido.


Da cobertura do seguro

E a conclusão que se acaba de retirar resulta de todo prejudicada qualquer problemática referente à responsabilidade da Ré seguradora.

V – Decisão

Termos em que se concede a revista, revogando o acórdão recorrido e repristinando, na parte ainda não transitada, a sentença de 1ª instância.

Custas, aqui e nas instâncias, pela Autora.


Lisboa, 06JUL2023


Rijo Ferreira (relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista