Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3822
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
REQUISITOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200611020038227
Data do Acordão: 11/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE.
Sumário : 1. Para que haja incumprimento definitivo, torna-se necessário saber se há ou não inadimplemento, isto é, saber se há desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato.
2. Para justificar a resolução do contrato, a mora tem primeiro que ser convertida em incumprimento definitivo, pela interpelação admonitória a que se refere o art. 80.8.º 1 do CC.
3. E essa interpelação admonitória tem que conter três elementos:
. "a intimação para o cumprimento ;
. a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
. admonição ou a cominação (declaração admonitória ou intimidativa) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.
4. A indemnização por defeitos da obra não pode ser formulada em consequência da resolução do contrato, que apenas consente "indemnização nos termos gerais", como refere o art. 1223.º.
5. A indemnização com a eliminação dos defeitos só pode ser peticionada antes da resolução do contrato e depois de o dono da obra ter pedido a sua eliminação ao empreiteiro; se este se recusar a eliminá-los, o dono da obra tem ainda de o convencer em tribunal da sua existência, permitindo-lhe que ele próprio os elimine; só se este os não eliminar, é que pode o dono da obra, em sede de execução, recorrer a terceiro para os eliminar à custa do empreiteiro que, então, terá que suportar a correspondente custo ou indemnização.
Decisão Texto Integral: Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

Empresa-A, Lda

Intentou contra

Empresa-B, Lda

Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária,

Pedindo (1)

. A condenação da R. a pagar-lhe a importância de 19.764.463$00 (2) e juros de mora à taxa de 10% sobre a quantia de 18.081.072$00 desde 19.5.98 até à presente data e, sobre aquela primeira importância, juros vincendos até efectivo pagamento;

. a condenação da R. a pagar-lhe os montantes que se apurarem em execução de sentença por deficiências na execução da obra.

Alega que outorgou verbalmente com a R. um contrato de empreitada para instalar um novo laboratório "que cumprisse todas as exigências técnicas, que lhe permitissem a acreditação junto do IPQ", para o que entrou em contacto com a ré, empresa especialista nessa área, à qual solicitou parecer sobre as possibilidades de adaptação de um edifício, sito no ..., em Oeiras.

Que o preço global da empreitada proposto pela R. foi de 49.873.900$00 mais IVA, montante que depois sofreu alterações para o montante global de 69.665.228$00, tendo-lhe sido adjudicada a empreitada em 4.3.97 que ela se comprometeu a ultimar em 80/90 a 110 dias, o que não cumpriu apesar de sucessivos prolongamentos do prazo.

Depois de lhe ter concedido um último prazo razoável, a A. resolveu o contrato, pedindo agora, os gastos que teve que suportar pelas obras não realizadas pela R., para eliminação dos defeitos da obra, bem como dos gastos suplementares que lhe advieram pelo facto de ter que retardar a mudança do laboratório para essas novas instalações; sofreu anda prejuízos em alguns aparelhos por se deteriorarem por terem estado sujeitos ao pó, prejuízo que liquidará oportunamente, existindo também a possibilidade de vir a sofrer outros prejuízos, como a falta de acreditação pelo IPQ.

Por fim, refere que já pagou à R. a quantia de 73.488.766$00.

Contestou a R. por excepção e por impugnação, deduzindo ainda reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia 55.137.497$00 e juros de mora desde a citação até integral pagamento e ainda o que se liquidar em execução de sentença relativamente aos danos não patrimoniais que sofreu na sua imagem.

O pedido reconvencional deriva de trabalhos realizados, referentes ao orçamento inicial e a trabalhos a mais, e não pagos, que descrimina, bem como dos honorários do estudo inicial encomendado pela A.

A A. respondeu, impugnando os factos referentes à reconvenção.

Efectuado o julgamento, foi a acção julgada improcedente e a R. absolvida do pedido; parcialmente procedente a reconvenção e a A. condenada a pagar à R. a quantia de 11.399.778$00 (incluído o IVA) e juros de mora (sobre as quantias das facturas n.ºs 2030 e 2035 desde 11.5.99, à taxa de 7% até ao dia 18.2.2003 e a partir dessa data, 12% até 30.9.2004 e a partir de 1.10.04, à taxa resultante da aplicação da Portaria n.º 597/2005, de 19.7.05; o restante valor com juros desde a data da decisão à taxa referida em último lugar; foi ainda a r. condenada como litigante de má fé a R. na multa de 30 UC e no pagamento de 1.800€ à A.

A A. interpôs recurso de apelação e a R. recurso subordinado, negando-se provimento ao recurso da R., confirmando-se a sentença quanto ao pedido reconvencional; concedeu-se, por seu turno, parcial provimento ao recurso da A., condenando a R. a pagar-lhe 50.000$00 de despesas com a marcação da inauguração; 385.567$00 da limpeza das instalações, bem como na quantia que se liquidar em execução de sentença dos custos com a conclusão dos trabalhos e para correcção das deficiências que refere.

Novamente inconformadas, A. e R. interpõem recurso de revista, terminando com as seguintes

Conclusões

Da A.:

1. A resolução do contrato tem, a menos que seja feita prova de que a vontade das partes foi diversa, efeitos retroactivos.

2. Nos contratos de execução continuada, só são excluídas do âmbito dos efeitos da resolução as prestações não efectuadas.

3. As quantias que fossem devidas pela A. à Ré, por força do contrato de empreitada, quando da sua resolução, estão abrangidas pelos efeitos desta, nos termos dos arts. 434.° n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

4. Ainda que assim não se entenda, a admissão pela Ré, na contestação, de que o valor a que ascende a soma das quantias devidas pela A. por força da empreitada é de Esc. 67.470.191.000$00, constitui confissão judicial, nos termos dos arts. 355.° n.os 1 e 2 e 356.° n.º 1 do Código Civil.

5. Essa confissão tem força probatória plena contra a Ré, nos termos do art. 358.° n.º 1 do Código Civil.

Termina, pedindo se negue provimento ao recurso da A. no que toca ao pedido reconvencional, concedendo-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se a A. do pedido reconvencional.

Da R.

1. O douto acórdão recorrido faz incorrecta subsunção da matéria de facto provada nos autos às normas dos artigos 801°, 802°, n. 1, 808.º e 432.º, 1 todas do Código Civil, concluindo erradamente pela licitude da resolução do contrato de empreitada levada a efeito pela Autora, ora Recorrida, com o que incorre na violação das supra citadas disposições legais.

2. Ainda que assim não se entendesse - o que não se aceita -, a existir um eventual incumprimento da Ré do contrato de empreitada dos autos, tal incumprimento seria parcial e de escassa importância atendendo ao interesse da Autora, ora Recorrida, com a consequente impossibilidade de a Autora proceder licitamente à resolução do mesmo contrato, em conformidade com o disposto no n. 2 do art ° 802 ° do Código Civil.

3. Ao decidir pela licitude da resolução do contrato dos autos efectuada pela Autora, a douta decisão recorrida violou as disposições legais do n. 2 do arte 802° e do n. 1 do arte 431°, ambas do Código Civil.

4. No contrato de empreitada celebrado entre as partes não foi fixado um prazo para a execução da obra, tendo sido apresentadas estimativas, quer quanto ao prazo para a conclusão da obra, quer quanto aos custos da obra, sendo que dos factos provados nos autos decorre que a A. não demonstrou que tivesse sido estabelecido um prazo certo para a conclusão da obra por parte da R. e não demonstrou que tivesse ocorrido mora da R. na conclusão da obra, recaindo sobre a A. o ónus da prova de tais factos, nos termos do disposto nos artes 804°, n. 2, 805°, n. 1 e 342°, n. 1, todos do Código Civil.

5. Ainda que se admitisse - o que não se aceita-, ter existido mora da Ré na conclusão da obra, a A. não fixou à Ré qualquer prazo final para a conclusão da obra, não tendo, assim, a A. actuado em conformidade com o disposto no art. 808°, n. 1 do Código Civil.

6. Desse modo, a resolução do contrato dos autos por parte da Autora foi ilícita, por violar as disposições legais dos art.ºs 432°, n. 1, 808° e 802°, n. 2, todos do Código Civil.

7. A ilicitude da conduta da A. ao proceder à resolução do contrato dos autos determina a improcedência da condenação da R. no pagamento da quantias peticionadas pela Autora e acolhidas na douta decisão recorrida, por inexistir responsabilidade da R. e, assim, inexistir qualquer obrigação de indemnização que impenda sobre esta, e tal resolução e assim inexistir qualquer obrigação de indemnização que impenda sobre esta, quer ainda porque a A. nunca exigiu da R. a correcção de quaisquer deficiências da obra.

8. O douto acórdão recorrido faz incorrecta aplicação dos critérios fixados no art. 236° do Código Civil às sucessivas declarações da Autora e Ré contidas nas diversas missivas entre ambas trocadas, pois que de tais comunicações não resulta a fixação de sucessivos prazos à Ré para a conclusão da obra com relevância para os efeitos previstos no artigo 808 ° do Código Civil.

9. A matéria de facto provada nos autos não permite, em conformidade com o disposto no art. 236° do Código Civil, a interpretação daquelas declarações que foi acolhida no acórdão recorrido, nem tal interpretação sufragada pelo Tribunal Recorrido corresponde a ilações que desenvolvimento lógico dos factos dados como consequente competência deste Supremo Tribunal nesta medida, a decisão recorrida.

10. Nos termos do art.º 360° do Código Civil, a R. ora Recorrente pode aproveitar parcialmente da confissão da A., na parte referente à dívida do montante de honorários acrescidos de IVA, porque demonstrou a inexactidão do alegado facto extintivo daquela obrigação, a saber, a inexactidão da declaração da A., ora Recorrida, referente ao pagamento daquela dívida de honorários.

11. Confessada a dívida de honorários à R., ora Recorrente, e não devendo ser aceite, por inexactidão do mesmo revelada pelos autos, o alegado facto extintivo dessa obrigação - pagamento -, incumbia à A., na sua qualidade de devedora, provar que efectuara o pagamento da quantia devida à R. a título de honorários, em conformidade com o disposto nos art.s 762°, n. 1 e 342°, n. 2 do Código Civil, prova que a A. não logrou efectuar.

12. O douto acórdão recorrido, ao decidir em sentido diverso do exposto faz incorrecta aplicação das normas dos arts 360°, 762°, n.1 e 342°, n. 2, todos do Código Civil, aos factos provados nos autos.

13. Subsidiariamente, para o caso de o Tribunal vir a entender que não procede a supra invocada inexactidão do facto do pagamento tal como alegado pela A., com indivisibilidade da confissão desta, a ora pretende, nessa hipótese, aproveitar-se da plena de uma tal confissão indivisível da A. a consequente Recorrente não força probatória

14. Nesta hipótese, a alegação pela A. nestes autos de que os honorários peticionados pela R. eram devidos, valerá não como confissão desse facto, mas como mera admissão, reconhecimento, do facto, o que, de resto, é compaginável com a admissão resultante do disposto na alínea J) dos factos assentes, com a consequência de a R., ora Recorrente, ser desonerada de efectuar a prova de tal facto, incumbindo então à A., na sua qualidade de devedora de tais honorários, a prova do seu pagamento e suportar o ónus daí decorrente, em conformidade com o disposto nos artigos 762°, n, 1, 342°, n. 2 e 361°, todos do Código Civil.

15. Termos em que, também com esta fundamentação, subsidiariamente invocada, sempre deveria a A. ser condenada a pagar à R. a quantia por esta peticionada a título de honorários, no montante de 6.750.000$OO, acrescidos do IVA devido, a qual acresce às quantias que a A. foi já condenada a pagar à R. pela douta sentença recorrida.

16. Ao decidir em sentido diverso, a douta decisão recorrida infringiu o disposto nos artºs 762°, n. 1, 342°, n. 2 e 361°, todos do Código Civil.

Termina pedindo se conceda a revista, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que a mesma foi desfavorável à ora Recorrente.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Matéria de facto provada com interesse para o objecto do recurso:

6. .............

"Se se iniciar a obra no dia 17 de Março,(3) consideramos serem necessários 90 a 110 dias de execução dos trabalhos, sendo sempre função da disponibilidade do mercado em relação a materiais e a prazo de entrega das estações de tratamento de ar." - al. F);

7. A autora adjudicou verbalmente à ré a execução da obra antes referida, que se iniciou na data ali prevista. - al. G);

............

9. Em Julho de 1997, a autora solicitou à ré informação sobre o andamento das obras. - al. I);

10. A ré respondeu através do doe. junto com a PI sob o n.º 8, com data de 21.8.1997, com o seguinte teor:

..........

"4. Plano de trabalhos

"Todos os trabalhos constantes do n/ Mapa de Quantidades, datado de Março/97 foram programados para conclusão até 30 de Setembro de 1997 com tolerância de 8 dias úteis.

"Nesta data consideramos dever manter alguma expectativa prudente na garantia do exacto cumprimento da data de 30/09/97, dado que:

..........

11. A autora aceitou o teor dessa "Informação", conforme doe. n.º 9 junto com a PI, dirigido à ré, com data de 22.1.1998, onde referiu:

" O prazo sucessivamente adiado, de conclusão das obras nas futuras instalações ... começa a pôr em risco o encerramento do Projecto Pedip e coloca-nos grandes problemas no relacionamento com os Serviços de Acreditação do IPQ.

"Em conformidade e conforme reiteradamente solicitado vimos pedir-vos que diligenciem no sentido de concluírem a curto prazo as referidas obras e nos facultem o seu plano de execução para que possamos providenciar o melhor esquema de mudança de equipamento e arranque de funcionamento ...

"P.S.: Contamos fazer-vos a liquidação do HPLC no próximo dia 27/01." - al. L);

12. A ré respondeu através da carta com data de 28.1.1998, junta como doc. n.º 10 da PI, onde referiu:

" .. temos norteado a nossa actividade dentro do espírito e da letra da alínea 1.6 expressa no Memorando de 22.02.97 que é do vosso conhecimento.

"Por força da pouca folga que temos nos valores da obra, acusamos a responsabilidade de, até 31.12.97 não termos conseguido evitar a estagnação da obra durante 29 dias úteis, pelo facto de termos necessidade de trabalhar com empreiteiros que apresentam custos fixos muito baixos, a fim de garantir a manutenção dos custos dentro do admissível. Esta circunstância tem-nos obrigado a enormes esforços para encontrar empreiteiros disponíveis para trabalhar na V/ obra, em vez de se sentirem seduzidos pelos benefícios que a Expo 98 e a Ponte Vasco da Gama apresentam ..

"Acresce que temos trabalhado sempre com pequenas tranches financeiras, o que obriga a uma significativa e permanente procura de equilíbrio ..

"A partir de meados de Novembro começámos a sentir dificuldades acrescidas na gestão dos meios financeiros que V. Exas colocam ao nl dispor, para pagamentos da VI obra, já que os mesmos foram insuficientes relativamente ao montante a liquidar aos diferentes fornecedores.,

"Pelo trabalho produzido em 31.Setembro.97, sabem V. Exas que dos 52.127.930$00+IVA, inicialmente previstos para o custo da obra, a Empresa-B passou a ter responsabilidades para com fornecedores com o nível de 82.720.637$00 (já com IVA incluído) ..

"Dado o adiantado da hora a que estamos a responder, não nos é possível indicar com exactidão qual o valor que consta na VI Conta Corrente com saldo credor a n/ favor. Todavia, admitimos que o valor ronde os 26.000.000$00, face ás indicações que recebemos a 31.12.97 ...

" .. decidimos a 19.1.98 solicitar à Banca uma operação de curto prazo para fazer face a este volume de encargos .. imprevisto que ocorreu incidentalmente, visto estarmos seguros do Empresa-A, em Novembro e Dezembro, libertar os suficientes meios financeiros ..

"No concernente ao estado da obra ... admitimos, claramente, que, se tudo se desenvolver com a normalidade pretendida, os equipamentos de laboratório poderão ser instalados nos seus locais definitivos a partir de 11 de Fevereiro, podendo o laboratório entrar em funcionamento até fins de Fevereiro ... " - al. M;

12. A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta com a PI com o n.º 11, com data de 20.2.1998, com o seguinte teor:

"Na sequência do VI fax de 28 de Janeiro, e após contactos telefónicos com a Eng.ª AA, definimos como data possível de início de funcionamento do laboratório nas novas instalações a primeira semana de Março.

"Como devem calcular a necessidade de não interromper e perturbar os nossos serviços exige coordenação de várias entidades envolvidas na mudança de equipamentos laboratoriais e de suporte administrativo.

"Verificámos com apreensão crescente que mais uma vez todos os prazos referidos no fax acima mencionado têm vindo a ser ultrapassados.

"Dentro da honestidade e da lisura de procedimentos que sempre pautou o nosso relacionamento, vimos informar-vos que está prevista a transferência total dos nossos serviços para o ... no dia 6 de Março, pelo que existem contactos e encargos já assumidos com várias entidades.

"Alijamos quaisquer responsabilidades pelos prejuízos decorrentes de uma eventual impossibilidade de concretização da mudança na data referida." - al. N);

13. A ré respondeu através de carta de 23.2.1998, junta como doe. 12 da PI, onde afirma o seguinte:

"1 - ... não está ainda instalado o monta cargas .. obtivemos a informação de que só na P semana de Março o poderão fazer .. só depois de instalada a plataforma será possível concluir os remates de construção civil, reboco e pintura de paredes referentes à coluna de movimentação da plataforma. Também a montagem das divisórias e colocação do chão da mezanine estão dependentes da instalação do monta cargas ..

"2 - No que se refere à instalação do mobiliário, foi-nos dado a conhecer que, de acordo com V. Exas, efectuará a mudança de bancadas usadas das VI actuais instalações para o .... durante a próxima semana e que fará a instalação das restantes novas bancadas na primeira semana de Março ...

"Foi-nos também adiantado pelo Sr. BB que só lhe será possível terminar a instalação da rede eléctrica das bancadas quando a instalação das mesmas estiver concluída ..

"3 - No que respeita aos tectos falsos, montagem de divisórias e acabamentos (exceptuando o que está dependente do referido no ponto 1) e que depende directamente da Empresa-B mantemos o conceito do início da 2ª semana de Março ...

"Com as datas que nos foram indicadas como possíveis (no final da última semana) pelo Sr. BB, a informação (que igualmente nos foi transmitida pelo Sr. BB) sobre o técnico dos elevadores e o plano de trabalhos que a Macrisan estabeleceu com V. Exas, não será possível à Empresa-B dar a obra por concluída antes do dia 6 de Março, já que, só depois dessa data devemos ter presentes na obra os aplicadores de chão, pintura e rebocos finais .. " - al. O);

14. No dia 16.3.1998, a autora remeteu à ré, que o recebeu, o fax junto sob o n.º 1 com a contestação, com data de 17.3.1998, com o seguinte teor:

"Face à incapacidade de V. Exas para a conclusão da empreitada em epígrafe, mesmo depois de ter sido fixado prazo mais do que razoável para o efeito, vemo-nos forçados a rescindir o contrato e a assumirmos directamente a direcção dos trabalhos, a executar pelos vossos subempreiteiros ou, se estes o não fizerem, por terceiros que contrataremos.

"Realizaremos amanhã, 17.3.98, às 15.00 horas, uma vistoria às instalações para fixação do estado das mesmas, bem como dos equipamentos instalados, e desde já convidamos V. Exas a fazerem-se representar neste acto ...

"A atitude que agora nos vemos forçados a tomar não prejudica o nosso direito à integral indemnização dos grandes prejuízos que nos causaram ... " - al. P);

...........

104. No dia 27.2.1997, a ré deu conhecimento à autora de um "Memorando", com a Previsão de Custos, junta a fls. 71 (doc. n.º 6 da PI), do seguinte teor:

"Âmbito dos trabalhos propostos

"1 - HONORÁRIOS DA Empresa-B:

"1.1- Estudo Prévio das necessidades e inventariação de meios

"1.2- Anteprojecto com execução das telas finais

"1. 2- Execução de especificações de materiais para Execução das Obras

"1.3- Execução dos Mapas de Quantidades de trabalho a efectuar

"1.4- Execução de (três) estimativas orçamentais do custo da Obra

"1.5- Serviço de Coordenação e Acompanhamento da Obra

"1.6- Serviço de "Procurement" em nome do Lab. Empresa-A, designada mente, na procura de Empreiteiros, Sub-Empreiteiros, Instaladores e Fornecedores de materiais, Equipamentos e Serviços, cujas tabelas de preços se situem dentro da estimativa orçamental seleccionada.

"1. 7- Lançamento de Consultas e Empreitadas/Sub-empreitadas

"1.8- Serviço de Verificação, Fiscalização e Medição da Obra

"1.9- Verificação e determinação de trabalhos a mais ou a menos; Controlo de imprevistos.

"1.10- Controlo de custos de molde a que a execução da obra não apresente desvios (dos 49.873.900$00) para além do tecnicamente justificável.

"Honorários: 6.750.000$00+IVA

"NOTA: .... a Empresa-B não debitará o custo dos projectos de especialidade para execução das empreitadas de Águas, Esgotos, Gases, Alumínios, Tectos Falsos, Tratamento e Filtração de Ar, caso nos venha a ser entregue todo o trabalho.

"2 - Empreitadas Previstas:

"Total da Estimativa 53.210.900$00+IVA

"3 - Assim, o total de custos provisionais das obras, infra-estruturas, equipamentos, honorários, é de 59.960.900$00+IVA (6.750.000$00+53.210.900$00), considerando que os trabalhos serão concluídos de molde a que o laboratório entre em funcionamento até ao início do IV Trimestre de 1997.

"4 - Embora se hajam feito previsões das empreitadas, é de admitir a ocorrência de algumas alterações durante a execução da obra, já que não dispomos da totalidade da informação relativa à construção.

"Por isso, há que ser prudente face às surpresas que possam aparecer. Por outro lado, há que reconhecer que o volume de trabalho é muito grande e o tempo é muito curto face à urgência que o Cliente parece demonstrar." - doc. n.º 6 da P.I.;

105. O último pagamento feito pela autora ocorreu no dia 28.1.1998, - doc. n.º 3 da réplica.

O direito

Quer as conclusões da A. quer as da R. prendem-se com a validade ou invalidade da resolução do contrato feita por aquela: a A. defende que da resolução do contrato derivam efeitos diferentes dos tidos em conta no acórdão recorrido e a R. defende que a resolução do contrato não tem fundamento legal.

Por isso, a primeira questão a discutir é a de saber se a resolução do contrato levada a efeito pela A. tem ou não fundamento.

Concluiu o acórdão sob recurso que da matéria de facto resulta que "a autora resolveu o contrato com fundamento legal para tanto, por se dever considerar que a R. não cumpriu, em devido tempo, a obrigação que assumiu".

No entanto, desta conclusão resulta, antes, uma situação de mora que não de incumprimento definitivo.

Para que haja incumprimento definitivo, torna-se necessário saber se há ou não inadimplemento, isto é, saber se há desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato.

Conforme ensina Batista Machado, (4)"quer o art. 793.º, 2, quer o art. 802.º, 2, quer ainda o art. 808.º, inculcam a ideia de que é o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o feito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução".

Mas o interesse do credor deve aferir-se por um critério objectivo, como, aliás, resulta do disposto no art. 808.º, 2 do CC.

E a gravidade da inexecução mede-se pela extensão da inexecução, a qual pode ser "total ou parcial, definitiva ou temporária, podendo ainda a inexecução parcial ser mais ou menos extensa, quantitativa ou qualitativamente, e a inexecução temporária ser também maior ou menor, conforme for maior ou menor o atraso no cumprimento. Do mesmo modo pode a execução defeituosa ser mais ou menos defeituosa" (5) .

Ora, no caso dos autos, vem demonstrado que a obra estava praticamente acabada, tanto que permitiu que a A. lá instalasse o laboratório.

Havia defeitos, é certo, e o prazo indicativo que a R. propôs - 80/90 a 110 dias - já tinha sido ultrapassado.

Contudo, segundo o referido critério objectivo, a inexecução da obra não era de tal forma que permitisse a resolução do contrato.

Havia era mora.

Mas a mora não dá direito à resolução, (6) a menos que seja convertida em incumprimento definitivo com a interpelação admonitória a que se refere o art. 808º, 1 do CC, nos dois casos aí previstos:

. se o credor perder o interesse (7) que tinha na prestação ou

. se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

Com fundamento no "incumprimento ou situação de inadimplência" (8) do devedor, assiste ao credor esse direito potestativo, impondo-se-lhe, (9) para obter o efeito referido nesse artigo - considerar-se "para todos os efeitos não cumprida a obrigação"- notificar o devedor, declarando a resolução do contrato e exigir a indemnização que tenha sofrido ou exigir a indemnização integral pelo não cumprimento, prontificando-se a fazer a sua prestação. (10)

E essa interpelação admonitória tem que conter três elementos:

a) "a intimação para o cumprimento ;
b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimidativa." (11)
Poderá admitir-se que a A. comunicou à R. que a obra teria que estar pronta em 6.3.98.

Porém, dos autos não deriva que lhe tenha sido feita a admonição ou cominação que a lei exige.

De facto, depois dos vários prazos a que a R. se vinculou, sem ter ultimado a obra, verifica-se que a A. comunicou à R. que estava prevista a transferência total dos serviços para a .... no dia 6.3.98, existindo contactos e encargos já assumidos com várias entidades, terminado, por comunicar à R. que alijaria "qualquer responsabilidade pelos prejuízos de uma eventual impossibilidade de concretização da mudança na data referida".

E resolveu o contrato após a R. lhe ter comunicado que "...não será possível à Empresa-B dar a obra por concluída antes do dia 6 de Março, já que depois dessa data devemos ter presentes na obra os aplicadores de chão, pintura e rebocadores finais".

Ora, esta comunicação da R. nem revela impossibilidade de cumprimento do contrato nem recusa de o cumprir.

Revela, antes, atraso no cumprimento, caracterizador de uma situação de mora.

Por isso, a A. deveria ter-lhe comunicado que, se não cumprisse no prazo concedido, deixaria de ter interesse no contrato, transformando a mora em incumprimento definitivo, podendo, então, resolver o contrato.

Não tendo percorrido tal caminho, tem de concluir-se, como se fez na sentença da 1.ª instância, que a resolução do contrato não tem fundamento legal.

E assim sendo, também carece de fundamento o pedido indemnizatório baseado na resolução do contrato.

Para além disso, a indemnização derivada dos alegados defeitos da obra também nunca poderiam advir da resolução do contrato porque com esta apenas se pode exigir "indemnização nos termos gerais" (12) ou seja "prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra...." (13)

Como se disse, o pedido de eliminação dos alegados defeitos da obra teria que ser exigido do empreiteiro previamente à resolução do contrato, o qual teria que os eliminar, não se tornando necessária nova construção nem se mostrando desproporcionados. (14)

Se, por seu turno, o empreiteiro os não eliminasse, então a A teria que recorrer a Tribunal para o convencer da sua existência e permitir-lhe ser ele a eliminá-los, só então, lhe sendo lícito recorrer a terceiros, em fase de execução de sentença, (15) pois, como diz Rodrigues Bastos, (16) " é pressuposto da execução para prestação de facto,..., a existência de um título executivo,..., que reconheça estar o devedor obrigado a realizar a prestação." (17)

Não pode, pois, proceder o pedido de indemnização derivado dos alegados defeitos da obra nem do facto de a obra não ter sido acabada, porque foi a A. quem impediu, com a resolução, que o empreiteiro a terminasse, conforme fora acordado entre as partes e para o fim a que se destinava.

Está, neste caso, a indemnização peticionada pela A. votada ao fracasso, ao que acrescem os fundamentos já aduzidos na sentença da 1.ª instância, a fls. 1433 a 1439, para os quais se remete e com os quais se concorda.

Recuso da R.

Considerada ilícita a resolução do contrato, ficam prejudicadas as primeiras 9 conclusões.

Nas restantes conclusões, pretende a R. que lhe seja paga também a quantia de 6.750.000$00 com IVA referente à dívida de honorários, com o fundamento de que essa dívida foi confessada pela A., tendo a R. demonstrado o "alegado facto extintivo daquela obrigação, a saber, a inexactidão da declaração da A., ......, referente ao pagamento daquela dívida".

As instâncias decidiram, e bem, que, sendo indivisível a confissão (18) , a R. tem que aceitar o facto confessado pela A. na sua globalidade, pois, se é verdade que confessa no art. 78.º da réplica que aceitou "este novo orçamente da R." também não é menos verdade que afirma que lhe pagou os respectivos montantes.

A R. comunicou à A., em 21.8.97, que o custo real da obra nessa data era de

"Honorários: custo real: (6.750.000$00) - ... )

"Obras+Equip.: custo real (52.792.930$00) ...

"Total: custo real (59.542.930$00) - facturado em 1996 (25.537.500$00) - a facturar em 1997 (34.005.430$00) - receita recebida - crédito - (5.000.000$00) - saldo a receber - débito - (29.005.430$00).

Ou seja, o total de 59.542.930$00 (6.750$00+52.792.930$00).

Se é verdade que a A. não contesta esses montantes, admitindo, portanto, aquele montante de honorários, também é certo que afirma que pagou tais quantias.

Vindo demonstrado que pagou à R. a quantia de 73.488.766$00 e constituindo o montante dos honorários a primeira parcela do débito mencionado, para que se concluísse que a A. confessava o débito dos 6.750.000$00, teria a R. que demonstrar que aquela não efectuara esse pagamento.

Veja-se também o argumento contido na decisão recorrida: quando a R. menciona o valor dos honorários - n.º 4 da matéria de facto - refere também que, no caso de a obra lhe ser entregue, "será tido em conta o volume de trabalhos já executados Ce liquidados) efectuando-se um ajustamento adequado, no valor final da empreitada".

Facto que "sugere que o valor dos honorários seria pago à cabeça, admitindo-se um ajustamento no final da empreitada".

É certo também o que se afirma nas decisões das instâncias: para que a R. demonstrasse que a A. não tinha pago os honorários teria sido indispensável que tivesse "alegado e provado quais os trabalhos efectivamente executados e o seu custo", para verificar se a parcela dos honorários não havia sido paga, o que não fez.

Portanto, na aludida confissão, a A. admite que os honorários eram devidos mas, ao mesmo tempo, diz que os pagou.

E, como ensinam P.L. e A. Varela, (19) "não seria justo, ...., que a parte contrária pudesse sacar em seu proveito a presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses".

"Outra é a situação(20), se a parte contrária ao confitente, aceitando embora a presunção de veracidade que cobre a confissão, chama a si o encargo de demonstrar que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante".

E, como vimos, da matéria de facto não resulta provado que, contrariamente ao afirmado pela A., esta não tenha pago o valor dos referidos horários, ónus de prova que competia à R.

Decisão

Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista da R., revogando-se o acórdão recorrido, julgando-se a acção improcedente por não provada, como se refere na sentença da 1.ª instância, absolvendo-se a R. do pedido; na parte restante, confirma-se a decidido.

Custas da revista da A. por esta e da revista da R. por esta e por aquela na proporção do vencimento.

Lisboa, 2 de Novembro de 2006

Custódio Montes (Relator)
Mota Miranda
Alberto Sobrinho
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(1) Muito embora a A. tenha alegado que teve "danos de imagem", no valor de 4.000.000$00, não formula tal pedido.
(2) Este pedido reporta-se à verbas mencionada nos arts. 112 a 130 da P.I.
(3) 1997.
(4) Pressupostos da Resolução por incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 134.
(5) A., Ob. e loc. cits.
(6) Constituindo apenas o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor - art. 804º, 1, do CC.
(7) Mas a perda de interesse é apreciada objectivamente, não valendo casos de "escassa importância" para não sujeitar o devedor ao "capricho ou até ao arbítrio do credor"- B. Machado, Dos pressupostos da Resolução por Incumprimento,
Obra Dispersa, Vol. I, pá. 162.
(8) B. Machado, Ob. Cit. pág. 130 e 131.
(9) A. , Ob. e Loc. Cits. O efeito desse poder não opera automaticamente.
(10) A., Ob. e Loc. Cits.
(11) B. Machado, Ob. Cit., pág. 164 e 165.
(12) Art. 1223.º do CC.
(13) Ac. STJ de 29.09.93, dgsi.pt doc. n.º 082586.
(14) Art. 1221º do CC:
1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.
2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.
(15) P. L. e A. Varela, CC Anot., Vol. II, 4ª Ed., pág. 896; e Ac. do STJ de 14.3.95 e abundante doutrina e jurisprudência aí citadas - BMJ 445, pág. 473.
(16) Notas ao CC, Vol. IV, pág. 8.
(17) E é também neste contexto que se faz alusão ao art. 828º do CC no Ac. do STJ de 18.10.94, CJ STJ Ano II, tomo III, pág. 97, citado na douta sentença apelada, referindo-se que o dono da obra tem direito "à execução específica", se os defeitos não forem eliminados pelo empreiteiro, mas o dono da obra nunca pode, antes de seguir este caminho, reparar os defeitos - nesse Ac. diz-se a "A., ..., seguiu outro caminho; reparou as avarias. Fez mal."
(18) Art. 360.º do CC: "se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão".
(19) CC Anot., vol. I, 2.ª ed., pág. 297.
(20) Continuam os mesmo mestres.