Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4583/06.3TTL.SB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE OBEDIÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, os quais valem também quanto aos comportamentos exemplificativamente indicados no n.º 3 do art. 396.º do CT.

II - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

III - Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o art. 396.º, n.º 2 do CT.

IV - Cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa do despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar, sendo esses os únicos que podem ser invocados na acção de impugnação do despedimento, pelo que tais factos são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento.

V - A factualidade provada de que a R ordenou ao A. (mecânico de automóveis) que procedesse à substituição das pastilhas dos travões de um autocarro, serviço que este não fez , por ter ficado a aguardar que um outro trabalhador (limpador/reparador), a quem a R. tinha ordenado que, previamente, procedesse à retirada das rodas, o que este veio a recusar fazer, não é suficiente para afirmar a existência da infracção disciplinar correspondente à violação do dever de obediência por parte do A., uma vez que não se provou que a R., posteriormente à recusa daquele trabalhador, tenha ordenado ao A. que fosse ele a efectuar, pessoalmente, também a retirada das rodas desse autocarro a fim de, em seguida, proceder à substituição das pastilhas dos travões.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I – O autor AA instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a ré Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA, alegando, em síntese:
Foi admitido ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, em 4 de Setembro de 1979.
Tinha a categoria profissional de mecânico de automóveis.
Manteve-se ao serviço da ré, ininterruptamente, até 2 de Novembro de 2006, data em que, na sequência da instauração de processo disciplinar pela ré, lhe foi comunicada a aplicação de sanção de despedimento.
Todavia, não praticou qualquer infracção disciplinar, muito menos que justificasse a aplicação de tal sanção.
Concluiu pedindo:
a) A declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da ré a reintegrá-lo e a colocá-lo no seu posto de trabalho, com todos os seus direitos, nomeadamente a antiguidade e a categoria;
b) A condenação da ré a pagar-lhe todas as retribuições e outras prestações que deixou de receber em resultado do despedimento, desde a data deste até à sua efectiva reintegração;
c) A condenação da ré a pagar-lhe os juros de mora sobre todas as importâncias em dívida, desde o seu vencimento até integral pagamento.

A R. contestou, alegando, em resumo:
Em 12 de Junho de 2006, pelas 09,00 horas, quando o A. se encontrava no desempenho das suas funções de “mecânico de automóveis” na Estação da Musgueira, recebeu ordem do seu superior hierárquico para proceder à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.° 94.
O A., porém, não efectuou esse serviço e, até às 12h25, hora de saída para o almoço, limitou-se a esperar que alguém fosse retirar as rodas do autocarro.
Em virtude deste comportamento do A., o seu superior hierárquico, pelas 15,00 horas, teve de destacar outro mecânico para efectuar o trabalho que havia sido distribuído ao A..
A atitude do A. traduz uma manifesta desobediência a ordens legítimas do seu superior hierárquico o que constitui conduta grave e culposa, conduta que é agravada pelo facto de ter estado, durante toda a manhã, sem realizar qualquer tarefa e ter sido necessário deslocar outro mecânico, da parte da tarde, para proceder à substituição das pastilhas de travão do referido autocarro.
Com tal conduta, o autor causou prejuízos acrescidos à ré, na medida em que o trabalho teve de ser efectuado por outro mecânico, o qual, por seu turno, teve de deixar as tarefas que desempenhava.
Ao agir desse modo, o A. manifestou total desprezo pelos interesses da ré e pela estrutura em que se insere, revelando não ter perfil para o exercício de uma função em que o sentido de respeito pelas ordens legítimas dos seus superiores hierárquicos e em que a consciência do cumprimento dos seus deveres é fundamental para a boa imagem e defesa dos interesses da ré e do serviço público que presta.
A gravidade de tal comportamento torna imediata e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.
Vem sendo prática disciplinar da ré a de aplicar a sanção de despedimento com justa causa em todas as situações da mesma natureza, não merecendo, por isso, qualquer reparo a sanção de despedimento com justa causa que aplicou ao A..
Tendo sido deferida a providência cautelar de suspensão do despedimento instaurada pelo autor, este encontra-se a receber todas as retribuições e demais prestações desde a data do despedimento.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença, cuja parte decisória foi do seguinte teor:
“Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente e, em consequência:
a. declara-se ilícito o despedimento do autor;
b. condena-se a ré a reintegrar o autor;
c. condena-se a ré a pagar ao autor a importância das retribuições (incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal) que deixou de auferir desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor e que é actualmente de 4% ao ano”.

Dela apelou a R., tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença.

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II – Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões:
1ª. Pelos fundamentos constantes do douto acórdão em recurso, outra decisão deveria ter sido tomada, uma vez que o comportamento do recorrido não é merecedor de uma sanção conservatória que mantenha a relação laboral, mas sim da aplicação da sanção de despedimento com justa causa. Com efeito,
2ª. O recorrido, no âmbito das suas funções de Mecânico de Automóveis, não deu cumprimento a uma ordem legítima que lhe havia sido transmitida pelo seu superior hierárquico, Mestre H..., que às 09,00 horas, do dia 12.06.2006, lhe ordenou que procedesse à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro nº. 94, o que o recorrido não fez.
3ª. Para efectivar a substituição das pastilhas de travão do autocarro, era necessário tirar e recolocar as rodas do autocarro.
4ª. Não obstante o recorrido haver colocado o autocarro na oficina, até às 12,25 horas desse dia 12.06.2006 não efectuou o serviço que lhe foi ordenado pelo seu superior hierárquico, Mestre H....
5ª. O trabalho que o recorrido se recusou a efectuar e que lhe foi determinado pelo seu superior hierárquico, foi feito por outro trabalhador com a mesma categoria profissional do recorrido, o Mecânico de Automóveis, J...N....
6ª. O recorrido ao ficar numa atitude de inércia durante cerca de três horas e meia, não deu cumprimento a uma ordem legítima que lhe havia sido transmitida pelo seu superior hierárquico, assumindo uma atitude ilegítima e culposa.
7ª. Não demonstrou o recorrido que não pudesse executar o trabalho que lhe foi determinado, tanto mais que a execução dessa tarefa integrava o leque das funções integradoras da sua categoria profissional, já que a desmontagem e montagem das rodas é uma função afim e funcionalmente ligada à função de Mecânico de Automóveis, como o diz de forma clara o acórdão em recurso.
8ª. O recorrido, com a sua conduta, de não retirar as rodas do autocarro, assumiu uma atitude de perfeita inércia, violadora dos mais elementares deveres laborais, quando tinha a obrigação e o dever de proceder de outro modo.
9ª. Assumiu o recorrido uma atitude de “birra decorrente de uma clara teimosia”, como muito bem diz o acórdão da Relação.
10ª. Ao contrário do entendimento do acordão proferido, mesmo tendo o recorrido 27 anos de serviço, a sua postura, a sua inércia, a sua desobediência a uma ordem legítima, numa atitude de birra e teimosia, revela um comportamento que não é merecedor da aplicação de uma sanção disciplinar menos grave.
11ª. Era exigido ao recorrido um comportamento mais adequado e consentâneo com os seus deveres, uma vez que o trabalho que lhe foi distribuído e que de forma ostensiva não efectuou, estava incluído no leque das suas funções de Mecânico de Automóveis, sendo que esse serviço acabou por ser efectuado por outro colega com a mesma categoria profissional do recorrido.
12ª. Sabia o recorrido que não podia executar a substituição das pastilhas de travão sem tirar e recolocar as rodas do autocarro e que esse trabalho que lhe foi ordenado e que ele não fez integrava o leque das suas funções de Mecânico de Automóveis.
13ª. O comportamento e a atitude do recorrido, desobedecendo a uma ordem legítima e não efectuar o trabalho que lhe foi distribuído, ficando numa atitude de perfeita inércia durante três horas e meia, é grave e culposo.
14ª. Não sendo a sua conduta merecedora de outra sanção disciplinar, que não seja a sanção mais grave de despedimento com justa causa, isto por muito antiga que fosse a relação laboral até aí existente.
15ª. Pelos factos praticados pelo recorrido, perante o seu superior hierárquico e demais trabalhadores, se a recorrente não despedisse o recorrido, além de perder a face acabaria também por perder o respeito e autoridade disciplinar sobre o recorrido e demais trabalhadores.
16ª. Ficando aberto o caminho a todas as situações de desobediência a ordens legítimas de superiores hierárquicos, como o caso do recorrido, jamais podendo a recorrente, por factos desta gravidade e natureza, despedir o recorrido ou qualquer outro trabalhador.

17ª. Sendo certo que a recorrente, e conforme resulta provado, sempre teve uma prática disciplinar uniforme, de aplicar a sanção mais gravosa em todos os casos de desobediência a ordens legítimas.
18ª. O recorrido teve um comportamento merecedor de forte censura disciplinar, ao recusar de forma ostensiva dar cumprimento a uma ordem do seu superior hierárquico, ficando durante três horas e meia completamente inactivo, tendo o trabalho que lhe foi distribuído e que recusou fazer sido feito pelo Mecânico de Automóveis, J...N..., após as 12,25 horas.
19ª. Tem plena aplicação à conduta do recorrido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.04.2003 (www.dgsi.pt), mencionado no acórdão objecto do presente recurso. De facto,
20ª. Há, de forma inequívoca, uma impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho entre as partes, uma vez que se verifica uma situação de absoluta quebra de confiança entre a recorrente e o recorrido, que face ao seu comportamento, cria no espírito da recorrente dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta do recorrido, deixando de existir qualquer condição para a continuação da relação laboral.
21ª. Assim sendo, o acórdão em recurso merece censura, já que em face dos seus fundamentos, errou na aplicação do disposto nos artºs. 121º., alínea d), 151º. nº. 2 e 396º., nºs. 1, 2 e 3 alínea a) do Código do Trabalho e definição de funções de Mecânico de automóveis constante do AE que regula as relações laborais entre o recorrido e a recorrente, publicado no BTE, 1ª. Série, nº. 16, de 29.04.1982, devendo o mesmo ser revogado.
22ª. Já que, pelos factos apurados pelo Tribunal de 1ª. Instância, que não foram postos em causa e pelos fundamentos do acórdão objecto do presente recurso, deveria ter sido entendido que a conduta do recorrido, sendo culposa e violadora de um dever laboral, é de tal modo grave que não é exigível a manutenção da relação laboral, sendo o seu despedimento lícito, não se justificando a aplicação de uma sanção conservatória da relação laboral.

Pede a revogação, em conformidade, do acórdão recorrido.

O A. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

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III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias entenderam que não se verificou justa causa no despedimento do A., motivo por que julgaram a acção procedente, com a condenação da R., nos termos acima referidos.

Na revista, a R. continua a defender a verificação dessa justa causa, pelos motivos que sintetizou nas suas conclusões, razão por que pede a sua absolvição do pedido.

Sabido que o objecto dos recursos é definido, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas suas conclusões (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção vigente à data da propositura da acção – 15.12.2006 – a aplicável), está em causa, no essencial, saber se houve ou não justa causa do despedimento, com as inerentes consequências.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm, por não haver fundamento legal para os alterar:

1. O autor foi admitido ao serviço da ré, vinculado por contrato de trabalho sem termo, em 4 de Setembro de 1979;
2. O autor intentou acção judicial contra a ré relativamente à qual foi proferida a sentença de fls. 72 a 83 dos autos, datada de 29/06/2006, na qual a ré foi condenada «a pagar ao A.: a) a quantia de € 607,24; b) juros de mora sobre cada uma das parcelas que compõem o montante mencionado em a) (...)»;
3. O autor foi sócio do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa desde 01/10/1979 até 3 de Setembro de 2006, tendo passado, a partir de 4 de Setembro de 2006, a ser sócio do STRUP- Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, que sucedeu àquele em todos os bens, direitos e obrigações;
4. O autor é membro da subcomissão de trabalhadores do estabelecimento da ré constituído pela estação da Musgueira;
5. O autor desempenhava as funções de mecânico de automóveis na estação da Musgueira;
6. No dia 12 de Junho de 2006, pelas 9 horas, quando o autor se encontrava no exercício das suas funções, o Mestre H..., seu superior hierárquico, ordenou-lhe que procedesse à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.º 94;
7. O autor colocou o autocarro na oficina;
8. Não obstante, até às 12.25 horas não efectuou o serviço que lhe foi distribuído;
9. Após ter colocado o carro na oficina o autor pediu ao Mestre H... que incumbissem um limpador -reparador de tirar as rodas do autocarro;
10. O Mestre H... falou com M...S..., Limpador-Reparador para retirar as rodas;
11. O que esse não fez;
12. Posteriormente, M...S... dirigiu-se ao gabinete do Eng.° C..., superior hierárquico do Mestre H...;
13. Ao qual foram chamados o Mestre H... e o Mestre A...G...;

14. Até 12 de Junho de 2006 era habitual os trabalhadores classificados com a categoria de Limpador-Reparador tirar e recolocar as rodas dos autocarros, nomeadamente quando essa operação era necessária para que os mecânicos possam nos mesmos executar outras tarefas;
15. Para executar a substituição das pastilhas de travão era necessário tirar e recolocar as rodas dos autocarros;
16. O Mestre H... destacou o mecânico n.º 7859, J...N..., para efectuar a substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.º 94;
17. O que este fez, após as 12.25 horas;
18. O autor manteve-se ao serviço da ré, ininterruptamente, até 2 de Novembro de 2006, data em que, na sequência de instauração de processo disciplinar pela ré, lhe foi comunicada por esta a aplicação da sanção de despedimento, conforme decisão de fls. 182 a 186 dos autos, com o seguinte conteúdo:
«AA, Mecânico Auto, n.º de chapa 7826 e de ordem 131 741 vem acusado nos termos da nota de culpa, de fls. 19 e 20, que lhe foi deduzida no processo disciplinar n.º D-236/2006, de ter praticado os seguintes factos:
1. «O arguido desempenha as suas funções, de mecânico auto, na Estação da Musgueira, que consistem, no essencial, na montagem, desmontagem, reparação de órgãos dos veículos auto e outros trabalhos relacionados com a mecânica.
2. No dia 12/06/2006, pelas 09h00m, quando se encontrava no desempenho das suas funções, na referida estação, foi-lhe dada uma ordem pelo seu superior hierárquico, Mestre H..., no sentido de proceder à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.° 94.
3. O arguido, não obstante ter colocado o referido autocarro na oficina, não efectuou o serviço que lhe foi distribuído, sendo que até às 12h25m, hora de saída para o almoço, limitou-se a esperar que alguém fosse retirar as rodas do autocarro.
4. Em virtude do arguido não ter efectuado o referido serviço, o Mestre que lhe deu as ordens, teve de destacar o mecânico n.º 7859 - J...N... para efectuar esse trabalho, o que aconteceu cerca das 15h00m.
5.A conduta do arguido, consubstanciada no facto de não ter procedido à substituição das pastilhas do travão das rodas traseiras do autocarro n.º 94, traduz uma manifesta desobediência a ordens legítimas do seu superior hierárquico.
6. E o arguido, com tal conduta, causou prejuízos acrescidos para a Empresa, na medida em que o trabalho teve de ser efectuado por outro mecânico, que por isso, teve de deixar de realizar outras tarefas, durante o tempo em que esteve a fazer esse serviço.
(...) Dão-se como provados os factos constantes na nota de culpa (...)»,
19. No âmbito de tal processo disciplinar o autor foi ouvido em declarações a 26 de Junho de 2006;
20. ... e H... M...A... a 28 de Junho de 2006;
21. O autor foi notificado da nota de culpa em 18 de Julho de 2006;
22. A qual respondeu conforme resposta de fls. 136 e ss. dos autos segundo a qual «(...)não lhe foi ordenado que retirasse as rodas do autocarro (...)»;
23. A Comissão de Trabalhadores emitiu o parecer de fls. 63 dos autos nos termos da qual «conclui-se assim (...) que não foi dada qualquer ordem hierárquica ao mecânico António Alberto, para que, extravasando o âmbito das suas funções, retirasse as rodas do autocarro (...) pelo que nos pronunciamos pelo arquivamento do processo»;
24. Vem sendo prática da ré aplicar sanção de despedimento com justa causa em casos de desobediência.

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IV – Conhecendo:
Como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, ao caso dos autos é aplicável o regime do Código do Trabalho de 2003 (CT), aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08, dado que os factos invocados a suportar a invocação da justa causa ocorreram durante a sua vigência (1) .

As instâncias fizeram amplas e pertinentes considerações gerais sobre a figura da justa causa de despedimento, nomeadamente sobre a sua noção, requisitos e critérios de avaliação, o que nos dispensa de mais alargadas referências e nos permite um enquadramento sintético da mesma, que passamos a fazer.
Assim:
Segundo o disposto no art. 396º, n.º 1 do CT, “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral constitui justa causa de despedimento”.
Daí que, tal como era defendido no anterior regime, perante idêntica norma (2) , se continue a entender que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de 2 requisitos:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- que esse comportamento torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
E como tem sido uniformemente defendido nesta Secção Social, esses requisitos gerais valem também quanto aos comportamentos exemplificativamente indicados no n.º 3 desse art.º 396º como infracções com virtualidade para integrarem justa causa de despedimento, entre os quais e com interesse para o caso, se conta o previsto na sua alínea a), do seguinte teor: “Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores”.
E como também tem sido entendido, existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Nas palavras de Monteiro Fernandes (3) , “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou como refere noutro passo, “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória” (4) .
É de ter ainda presente que, na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familiae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o n.º 2 do art.º 396º.
E é de lembrar também que, não obstante não haver, no CT, norma idêntica à da parte final do nº 4 do art.º 12º da revogada LCCT – segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa (5) – entendemos que é de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios basicamente idênticos que regem os termos do processo disciplinar e a dita acção de impugnação, no CT, e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil.
Lembremos, designadamente, que cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar (art.ºs 411º, n.º 1 e 415º, n.ºs 2 e 3 do CT) e que, nos termos do n.º 3 do seu art.º 435º, “na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.
Neste quadro, pode afirmar-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e, como tal, a provar por ele empregador (art.º 342º, n.º 2 do CC) (6) .
Refira-se, a terminar a abordagem desta questão, que as asserções acima expostas se harmonizam inteiramente com o grande princípio norteador neste domínio, segundo o qual, em regra, existe uma correspondência entre o ónus alegatório e o ónus probatório, sendo, por isso, que, como regra, a parte que retira vantagem da alegação de um determinado facto, por efeito da sua subsunção a norma jurídica que lhe atribui um efeito favorável, é quem tem de o alegar e provar (Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 199-200).

Como já dissemos, as instâncias julgaram procedente a acção, por terem entendido que não se verificava a justa causa de despedimento, tendo este sido ilícito.

Na parte que aqui interessa, fizeram-no com as fundamentações que, a seguir, se transcrevem:
A sentença:
«Provou-se que no dia 12 de Junho de 2006, pelas 9 horas, quando o autor se encontrava no exercício das suas funções, o Mestre H..., seu superior hierárquico, ordenou-lhe que procedesse à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.º 94. O autor colocou o autocarro na oficina mas não obstante, até às 12.25 horas não efectuou o serviço que lhe foi distribuído.
Para executar a substituição das pastilhas de travão era necessário tirar e recolocar as rodas dos autocarros e, após ter colocado o carro na oficina, o autor pediu ao Mestre H... que incumbissem um limpador-reparador de tirar as rodas do autocarro.
O Mestre H... falou com M...S..., Limpador-Reparador para retirar as rodas, o que esse não fez.
Até 12 de Junho de 2006 era habitual(7) , os trabalhadores classificados com a categoria de Limpador -Reparador tirar e recolocar as rodas dos autocarros, nomeadamente quando essa operação era necessária para que os mecânicos possam nos mesmos executar outras tarefas.
O Mestre H... destacou o mecânico n.°7859, J...N..., para efectuar a substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.°94, o que este fez, após as 12.25 horas.
À relação jurídico-laboral é aplicável o AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos publicado no BTE n.°16, 1.ª série, de 29 de Abril de 1982 nos termos do qual o limpador-reparador «é o trabalhador que procede à lavagem e limpeza interior e exterior das viaturas, à lavagem de peças e órgãos (...) e monta e desmonta pneus e faz pequenas reparações».
Do exposto não [é] possível concluir pela direcção de vontade de o autor desobedecer a uma ordem legítima da ré: o autor colocou o autocarro na oficina e pediu que um Limpador-Reparador tirasse e recolocasse as rodas do veículo, operação necessária à ordenada substituição das pastilhas de travão, estando compreendidas nas suas funções tal montagem e desmontagem, o que era habitual até aí ser feito.
Prática que afasta o entendimento de que a ordem dada ao ora autor para retirar os pneus se encontrava implícita na mudança das pastilhas de travão: não só porque tal ordem nem sequer consta da nota de culpa ou decisão de despedimento como além do mais o superior hierárquico do autor veio a determinar que um limpador- reparador fizesse tal operação, o que não ocorreu por factos que não são imputador ao autor.
Pelo que o despedimento é ilícito » (Fim de transcrição).
Por seu turno, o acórdão recorrido fundamentou assim a sua decisão:
«Verifica-se, pois, que o autor, ao agir daquele modo, ou seja, ao quedar-se numa atitude de pura e simples inércia, durante cerca de três horas e meia, à espera que um seu colega “limpador-reparador” retirasse as rodas do autocarro para, depois, executar a tarefa de que havia sido incumbido pelo seu superior hierárquico – sendo certo que se não demonstrou que, ele próprio, o não pudesse fazer, até porque a execução desse trabalho não deixava de integrar o leque de funções integradoras da sua categoria profissional – não deu cumprimento a uma ordem legítima que lhe havia sido transmitida por um seu superior hierárquico, assumindo, dessa forma, uma atitude de desobediência ilegítima e culposa – porquanto podia e tinha capacidade para agir de outro modo – violadora de um dever que se lhe impunha enquanto trabalhador ao serviço da ré, recorrente.
A questão que se coloca, agora, é a de saber se essa conduta culposa e violadora de dever laboral assumida pelo recorrido se apresenta de tal modo grave que torne impossível – no sentido de não ser exigível para a ora recorrente – a manutenção da relação de trabalho que, desde Setembro de 1979, existia entre ambos.
A resposta a esta questão não pode deixar de ser em sentido negativo.
Na verdade, não podemos esquecer que o recorrido, era, ao tempo da infracção, um trabalhador com cerca de 27 anos de antiguidade ao serviço da recorrente, sem que se demonstrasse ter tido algum passado disciplinar.
Por outro lado, embora tal não justifique a atitude de perfeita inércia, durante cerca de três horas e meia, assumida pelo recorrido, face a uma ordem legítima emitida por um seu superior hierárquico, o que é certo é que havia uma prática habitual no seio da empresa, de que eram os trabalhadores com a categoria profissional de “limpador-reparador” que procediam à retirada das rodas dos autocarros de forma que os mecânicos pudessem executar as tarefas que tivesse de efectuar e que implicassem a retirada das mesmas. Daí que o recorrido tivesse pedido ao seu superior hierárquico que incumbisse um “limpador-reparador” da retirada das rodas do autocarro em que deveria substituir as pastilhas de travão e aquele tivesse falado com o “limpador-reparador” M...S... para efectuar esse trabalho prévio.
O que se não compreende é que o recorrido, perante a atitude de não retirada das rodas do autocarro por parte do seu colega M...S..., tenha, ele próprio, assumido uma atitude de perfeita inércia – qual birra decorrente de uma clara teimosia – violadora, também ela, de deveres laborais, ao invés de proceder de um outro modo mais consentâneo com o cumprimento de tais deveres, sendo certo que podia e devia tê-lo feito.
Contudo, este comportamento, não se apresenta dotado de uma gravidade tal que, por si só, torne inexigível para a ré, recorrente, a manutenção da relação laboral que entre ela e o autor, recorrido, existia há já tantos anos. Tratava-se de um comportamento, decerto, merecedor de censura disciplinar por parte da ré/apelante.
Só que a censura adequada para o comportamento assumido pelo autor/apelado em tais circunstâncias, seria alcançada com a aplicação de uma sanção conservatória da relação laboral existente entre ambos, sendo irrelevante ter-se demonstrado que a ré tenha por prática a aplicação da sanção de despedimento em casos de desobediência.
Cada caso é um caso e no ora em apreço, não se apresentava justificada a aplicação de uma tal sanção disciplinar tão gravosa, pelas razões que tivemos a oportunidade de expor.
Não ocorre, pois, no caso vertente, justa causa para o despedimento do autor/apelado, motivo pelo qual nos não merece censura a sentença recorrida ao haver decidido desse modo» (Fim de transcrição).

Dessas transcrições afigura-se que o juízo das instâncias, convergindo embora no sentido de não se verificar a justa causa de despedimento, divergiu no fundamento ou razão desse juízo.
A sentença, embora não o afirmando expressamente, situou essa razão, ao que nos parece, na não demonstração de infracção disciplinar, por não se poder concluir pela ocorrência – sequer em termos objectivos ou, pelo menos, subjectivos, isto é, em sede de culpa lato sensu – de uma desobediência a uma ordem legítima, por parte do A..
Já o acórdão recorrido, dando como verificada a prática pelo A. de uma infracção disciplinar laboral, por violação do dever de obediência, fez assentar o entendimento de não demonstração dessa justa causa na circunstância de a infracção cometida não ser de molde a ditar a impossibilidade, prática e imediata, de manutenção do vínculo laboral.

Reanalisada a questão, entendemos que a factualidade assente, que se mostra, em aspectos decisivos, fragmentária e com hiatos na sua articulação, não permite concluir pelo cometimento pelo A. da infracção disciplinar que lhe foi imputada, sendo que, como vimos acima, cabia à R. o ónus de alegar e provar os factos integradores da justa causa de despedimento.
Dir-se-á também que, em qualquer caso, e, no essencial, pelas razões elencadas pelo acórdão recorrido, sempre seria de dar como não verificada essa justa causa, por a infracção disciplinar não ser de molde a ditar essa impossibilidade de manutenção da relação laboral.
O que vale por dizer, como passamos a explicar, que sempre teríamos de concluir pela ilicitude do despedimento e pela manutenção do segmento decisório das instâncias, que não vem impugnado, autonomamente (a R. insurge-se contra ele, unicamente por entender que se verifica justa causa de despedimento).

Vejamos:
Da matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que foi mantida no acórdão recorrido, resulta, em síntese, e com interesse, o seguinte:
Em 12 de Junho de 2006, pelas 9 horas, quando o A. se encontrava no exercício das suas funções de mecânico de automóveis, o Mestre H..., seu superior hierárquico, ordenou-lhe que procedesse à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras de um autocarro da R..
Após ter colocado o carro na oficina, o A. pediu ao Mestre H... que incumbissem um limpador-reparador de tirar as rodas do autocarro, sendo que, até essa data, era habitual os trabalhadores classificados com a categoria de Limpador-Reparador tirarem e recolocarem as rodas dos autocarros, nomeadamente quando essa operação era necessária para que os mecânicos pudessem executar outras tarefas, como acontecia com a substituição das pastilhas de travão.
O Mestre H... falou com M...S..., Limpador-Reparador, para retirar as rodas, o que este não fez.
Não vêm apurados, porém, os termos e razões dessa não retirada das rodas pelo M...S..., bem como das respectivas circunstâncias envolventes (incluindo as de tempo), nomeadamente se houve uma recusa expressa e imediata do M...S... em executar essa tarefa ou se a omissão deste revestiu outros contornos e, bem assim, qual foi a atitude ou posicionamento assumidos pela R., nomeadamente através do Mestre H... ou outro superior hierárquico do A., em relação a este, na sequência da concreta atitude que o M...S... tenha assumido.
Nomeadamente, não vem apurado – nem, aliás, a nota de culpa e a decisão final de despedimento o referem – que a R. tenha comunicado ou ordenado ao A. que este, contra o que era a prática habitual na empresa, devia proceder pessoalmente à retirada das rodas, a fim de, em seguida, proceder à substituição das pastilhas dos travões e, posteriormente, à recolocação das rodas.
A esse respeito, nada vem apurado, de relevante.
Apenas vem demonstrado que, posteriormente, o M...S... se dirigiu ao gabinete do Eng.º C..., superior hierárquico do Mestre H..., ao qual foram chamados os Mestre H... e o Mestre A...G...; que, até às 12h25, o A. não efectuou o serviço que lhe foi distribuído; que o Mestre H... destacou um outro mecânico, J...N..., para efectuar a substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro, o que este fez, após as 12.25 horas.
Ora, essa factualidade é insuficiente para se poder dizer, como era necessário, que, após o contacto feito pelo Mestre H... ao M...S..., a R., através daquele ou de outro seu responsável ou superior hierárquico do A., ordenou a este que tirasse as rodas do autocarro e efectuasse a substituição das pastilhas dos travões (e recolocasse, depois, as rodas).
Os factos provados não consentem tal conclusão.
Na verdade, deles retira-se apenas, com interesse, que o serviço distribuído ao A.foi o de efectuar tal substituição das pastilhas, não se tendo demonstrado que, após a abordagem ao M...S..., lhe tivesse sido comunicado que devia ser ele a retirar as rodas do autocarro e a fazer a substituição.
Ou seja, a factualidade provada não permite concluir que o A. tenha recusado cumprir a ordem no sentido de fazer essa substituição, desobedecendo à mesma, independentemente da questão de saber se, no quadro da sua categoria profissional de mecânico de automóveis, segundo a definição do aludido AE, lhe cabia ou não retirar e recolocar as rodas do autocarro, aspecto que não é o que aqui releva.
No quadro apontado, e perante a insuficiência de factos que temos como relevantes para o efeito, a simples objectividade de, até às 12h25, o A. não ter efectuado a substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro, não integra ou revela a prática de infracção disciplinar por desobediência à ordem de substituição das pastilhas de travão, que se provou ter-lhe sido dada, ou a outro título (v.g. por eventual violação de dever de zelo ou diligência na execução das funções ou tarefas de que fora incumbido).
Sendo que, como já dissemos, cabia à R. o respectivo ónus de alegação e de prova.
Neste quadro, e na linha da sentença, não se verifica a justa causa de despedimento.

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Mas mesmo que se entendesse, como fez o acórdão recorrido, que o A. tinha cometido infracção disciplinar, por desobediência ilegítima a essa ordem, ainda assim era de entender, como fez esse aresto, que não havia justa causa de despedimento, por a infracção não ditar, no caso, a impossibilidade, prática e imediata, de manutenção do vínculo laboral que ligava as partes.
Na verdade, há que ponderar, como aí se salientou, a verificação, na hipótese em apreço, de circunstâncias que sempre reduziriam a gravidade e a culpa da actuação do A., em termos de tornar excessiva a sanção do despedimento.
Lembremos, desde logo, que, na data dos factos, era habitual, na R., os trabalhadores com a categoria profissional de “limpadores-reparadores” tirarem e recolocarem as rodas dos autocarros, nomeadamente quando essa operação era necessária para que os mecânicos pudessem executar nos mesmos outras tarefas, como acontecia com a substituição das pastilhas de travão, prática essa que, aliás, a própria R. começou por respeitar, tendo o Mestre H... falado com o M...S..., Limpador-Reparador, para retirar as rodas, o que este não fez.
Sendo que nada se apurou sobre as razões por que, perante o não cumprimento dessa tarefa pelo M...S..., a R., pelos vistos, inflectiu na sua posição, vindo a destacar um outro mecânico, que não o A., para efectuar a substituição das referidas pastilhas, e efectuar a prévia retirada das rodas e a posterior recolocação das mesmas.
Nesse quadro, também nós entendemos que não podia ser elevado o juízo de censura ético-jurídica, em que se traduz a culpa, a fazer à actuação omissiva do A., traduzida em não ter realizado a substituição das pastilhas dos travões.
Acresce que o A. trabalhava para a R. há quase 27 anos, não constando que tivesse antecedentes disciplinares na empresa.
Tais dados sempre haveriam que reflectir-se favoravelmente ao A., desaconselhando a aplicação da sanção mais gravosa, do despedimento, e justificando a aplicação de uma outra sanção, não expulsiva.
Portanto, também por estas razões, e ainda que se considerasse que a conduta do A. integrava infracção disciplinar por desobediência, não se verificava a justa causa de despedimento.

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V – Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo da R..

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) - Vejam-se os art.ºs 3º, n.º 1, 8º, n.º 1 e 9º, c) da referida Lei.
(2) - A constante do art.º 9º, n.º 1 da denominada LCCT, aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27.02.
(3) - In “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 557.
(4) - Ob. cit., pág. 575.
(5) - Preceituava esse n.º 4: “Na acção de impugnação judicial de despedimento, a entidade empregador apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10º, competindo-lhe a prova dos mesmos (o sublinhado é nosso).
(6) - Veja-se, neste sentido, entre vários outros acórdãos desta Secção, o de 16.11.2005, na Revista n.º 255/05.
(7) - “Art. 12. ° da LCT e 1.° do Código de Trabalho. Os usos constituem verdadeira fonte de direito, quer como elemento de integração das estipulações individuais quer como integrador do conteúdo do contrato de trabalho, ainda que não prevaleçam sobre disposição contratual expressa ou sobre normas imperativas – neste sentido, cf. Ac. STJ de 05/07/2007, Cons. Mário Pereira, www.dgsi.pt”.