Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SOUSA GRANDÃO | ||
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE DIREITO CONTRATO DE TRABALHO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PRINCIPIO DA UNIDADE AGRAVO EM SEGUNDA INSTÂNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
| Nº do Documento: | SJ20061206025724 | ||
| Data do Acordão: | 12/06/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I - O poder correctivo do art. 646.º,n.º 4, do CPC só abarca as respostas de conteúdo afirmativo ou restritivo, e não as de conteúdo negativo. II - Não demonstra a existência de um contrato de trabalho, por inexistir o necessário acordo de vontades com vista à sua celebração, estar provado que a autora apenas foi inscrita pela ré como sua trabalhadora - passando a ré a pagar os correspondentes descontos à Segurança Social, a enviar o mapa do pessoal da empresa ao IDICT e a processar e emitir recibos de vencimento da autora, pelo salário mínimo nacional -, com a única finalidade de, desse modo, a autora poder beneficiar da correspondente assistência médica e social prestada pela Segurança Social, cujas regalias a mesma já havia perdido há cerca de 28 anos, quando abandonou definitivamente a sua actividade profissional. III - De acordo com o princípio da unidade ou da absorção, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei permite que o recorrente invoque, em simultâneo, a violação da lei substantiva e a violação da lei adjectiva, por forma a que no mesmo acórdão seja interposto um único recurso (art. 722.º, n.º 1, do CPC). IV - Porém, para que tal seja admissível, é necessário que a censura dirigida ao segmento decisório processual consinta, ela própria e autonomamente, o correspondente recurso nos termos do art.º 754.º, n.º 2, do CPC. V - O comando legal restritivo à admissibilidade do recurso de agravo, previsto naquele normativo legal, pressupõe que o acórdão do Tribunal da Relação tenha incidido sobre decisão da 1.ª instância (agravo continuado). VI - Daí que essa regra não seja aplicável à arguição de nulidades assacadas à decisão da 1.ª instância, pois em tal caso existe apenas a decisão do Tribunal da Relação sobre o vício aduzido. VII - Apreciada na 1.ª instância e no acórdão recorrido a conduta das partes como eventuais litigantes de má fé - tendo umas das partes sido condenada como litigante de má fé -, não é legalmente possível no recurso de revista voltar a apreciar essa matéria. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1. AA intentou, no Tribunal de Trabalho de ...., acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “BB – Construtora, Ld.ª”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante, devidamente quantificado, das retribuições mensais vencidas durante o período em que vigorou o contrato de trabalho celebrado entre as partes, sendo que a demandada nunca lhe pagou qualquer quantia a esse título, bem como os respectivos juros moratórios. A Ré impugna a celebração do invocado vínculo laboral e, porque entende nada dever à Autora, conclui pela necessária improcedência da acção. 1.2. Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a proferir sentença em que, subscrevendo por inteiro a tese da Ré, julgou a acção totalmente improcedente. Mais condenou a Autora, como litigante de má fé, em multa (6 UC’s) e em indemnização (€ 2.684,15) a favor da Ré. O Tribunal da Relação do Porto, sob apelação da Autora, confirmou integral e remissivamente a sentença da 1ª instância. 1.3. Continuando irresignada, a Autora pede a presente revista, cujas alegações remata com o seguinte núcleo conclusivo: 1- No Ponto 30 da decisão relativa à matéria de facto decidiu-se: “E, por isso, e todas as relações familiares existentes entre a A. e demais sócios da R. (marido e filhos), foi acordado entre o sócio-gerente e a A. que a R. a “enfolharia” como se fosse sua empregada e, como tal, a inscreveria na segurança social, passando a pagar a esta entidade os descontos correspondentes ao salário mínimo nacional, com a única intenção e finalidade do, desse modo, a A. poder beneficiar da correspondente assistência médica e social, o que se verificou até meados de 1999, data em que, devido aos desentendimentos entre A. e marido, a R. pôs termo aos descontos para a segurança social em nome daquela e à menção da mesma no mapa de pessoal enviado ao IDICT”; 2- a única testemunha que se referiu a esta matéria, como se refere na fundamentação do despacho, foi a testemunha CC, que declarou que o sócio-gerente da R. lhe disse que inscrevesse a A. como trabalhadora da R., a fim de beneficiar das prestações da Segurança Social; 3- nenhuma outra testemunha se pronunciou sobre a matéria, nem de tal dá conta a Sr.ª Juíza, e o sócio-gerente da R. também não foi ouvido sobre essa matéria, pois que só o foi sobre o alegado nos n.ºs 4º a 12º da P.I.; 4- deste modo, e com o âmbito e amplitude constantes do citado n.º 30, não podia ter sido dada como provada tal matéria, sendo patente a insuficiência e falta de motivação para uma resposta com tal amplitude; 5- a sentença retoma, e reproduz a fls. 9, exactamente o constante desse n.º 30; 6- assim, é distinta a matéria que a decisão recorrida considerou e deu como provada com base e por remissão para o depoimento da referida testemunha, dado que esta se limitou a referir conforme o já exposto em 2-; 7- tudo o mais que a Sr.ª Juíza consignou como tendo sido dito pela testemunha não tem qualquer suporte nem fundamento e constitui um exercício de convicção não sustentado em qualquer facto nem em qualquer depoimento; 8- consequentemente, quer a decisão sobre a referida matéria de facto, quer a sentença, são nulas – art.º 668º n.ºs 1 e als. B) e C) do C.P.C.; 9- por força do art.º 712º n.º 1 e segs. do C.P.C., deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, pois que do processo constam elementos – síntese do depoimento do CC – que impõem uma decisão diferente; 10- assim, o referido Ponto n.º 30 deve integrar apenas a seguinte resposta: “o sócio-gerente da R. deu instruções do gabinete de contabilidade, encarregado da contabilidade da R., para inscrever a A. como trabalhadora da R., a fim de beneficiar das prestações da Segurança Social”; 11- na parte do despacho relativa à matéria de facto não provada, consignou-se como não se tendo provado “… que a A., em Janeiro de 1981, tivesse sido admitida ao serviço da R. para trabalhar sob as suas ordens direcção e fiscalização e mediante retribuição, constituída por vencimento igual ao salário mínimo nacional, férias anuais pagas, subsídio de férias e de Natal iguais, cada, ao vencimento mensal”; 12- saber se a A. foi admitida ao serviço da R. para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, constitui matéria de direito; 13- de onde decorre que a resposta ou conclusões a extrair sobre esta questão hão-de resultar da subsunção dos factos ao direito; 14- como tal, a referida resposta deve ser tida como não escrita – art.º 646º n.º 4 do C.P.C. – sendo que a sentença se suportou nessa resposta negativa, o que torna nulas ambas as decisões – art.º 668º n.º 1 al. D) do C.P.C.; 15- por outro lado, a matéria de facto dada como provada nos Pontos n.ºs 2 a 14 da decisão respectiva integra um conjunto de factos a partir dos quais tem necessariamente de concluir-se pela existência da relação subordinada de trabalho entre a A. e a R.; ao decidir em contrário, a sentença fez incorrecta aplicação dos factos ao direito, devendo ser revogada; 16- sendo o sócio-gerente da R. casado com a A. e vivendo ambos na casa de habitação, que era simultaneamente a sede social da R., compreende-se, por razões de subordinação económica e conjugal da A., que esta não tivesse reclamado os salários há mais tempo; 17- a coincidência entre a sede social da R. e habitação do casal não pode ser invocada para confundir e desvalorizar as funções desempenhadas pela A. à R.; 18- o entendimento contrário levaria a que não se considerasse existir relação laboral sempre que houvesse salários em atraso ou um dos cônjuges trabalhasse em empresa de que o outro cônjuge fosse sócio-gerente; 19- afirma-se na sentença (fls. 13) que “é legítimo presumir, até pela data em que a R. fez cessar os descontos em nome da A. para a segurança social, que se não fossem os desentendimentos do casal e a consequente acção de divórcio, a presente acção não seria intentada”; 20- esta presunção é abusiva, porque a matéria de facto dada como provada apenas ilustra a efectivação de tais descontos e nada diz acerca da sua cessação e, muito menos, da data da cessação; 21- a presunção é ainda despropositada, porque a matéria, dada como provada, sobre as relações do casal – Pontos n.ºs 15 a 35 – não está demonstrado ter relação com o objecto da acção; 22- no que respeita à litigância de má fé, a sentença tratou desigualmente as partes, pois condenou a A. – e não o deveria ter feito – e não condenou a R. – como se impunha; 23- a A. alegou matéria (art.s 2, 3, 4, 5, 12, 13 e 14) que integra factos pessoais da R., que esta impugnou logo no art.º 1º da contestação e que o despacho sobre a matéria de facto deu como provada – Pontos n.ºs 2 a 8, 10 a 13; 24- ao negar esses factos do seu conhecimento pessoal, a R. propôs-se alterar a verdade dos factos e omitiu matérias de interesse relevante para a decisão da causa, reputando de “falso e pura invenção” o articulado do A., incorrendo, por isso, na previsão do art.º 456º n.ºs 1 e 2 do C.P.C., impondo-se a sua condenação como litigante de má-fé; 25- tendo em atenção os fundamentos em que se alicerçou a condenação da A. como litigante de má fé, essa condenação tem necessariamente de sucumbir face ao que se referiu sobre o Ponto n.º 30 da matéria de facto; 26- o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença da 1ª instância, incorre nos mesmos vícios, pelo que deve ser declarado nulo e/ou revogado; 27- esse acórdão é ainda nulo porque não se pronunciou sobre a suscitada questão da condenação da A. como litigante de má fé. 1.4. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência integral do recurso. 1.5. No mesmo sentido se pronunciou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, cujo Douto Parecer não mereceu resposta das partes. 1.6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 2 - Os Factos «Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1.- A R. exerce a actividade de compra e venda de bens imobiliários. 2.- Em Janeiro de 1981, a A. foi inscrita como trabalhadora da R. com a categoria de "Escriturária". 3. - E desde essa data até meados de 1999, a R. todos os meses processava e emitia os recibos de vencimento da A, fazendo-o pelos valores do salário mínimo nacional. 4. - Recibos e valores estes que, com referência aos anos de 1997, 1998 e 1999 são os seguintes: 1997: Janeiro a Dezembro, subsídio de férias e de Natal, esc. 56.700$00, cada; 1998: Janeiro a Dezembro, subsídio de férias e de Natal, esc. 58.900$00, cada; 1999: Janeiro a Julho, esc. 61.300$00, cada; 5. - Nos quais a R. fez as deduções legais da taxa devida à Segurança Social, cuja entrega, conjuntamente com a contribuição devida pela entidade patronal, efectuou à Segurança Social. 6. - A R. procedeu à entrega à Segurança Social dos descontos (taxa social única) devida pela A. e das contribuições a cargo da entidade patronal. 7. - Também enviou, anualmente, ao IDICT, os mapas do Quadro de Pessoal, mapas esses dos quais consta a A., a sua categoria profissional de escriturária e a indicação da retribuição mensal. 8. - E considerou e incluiu como despesas ou custos do exercício da sua actividade nos elementos e documentos contabilísticos que apresentou na Repartição de Finanças para processamento e cálculo dos impostos devidos ao Estado (IRC e imposto que o antecedeu). 9. - O marido da A.,DD, é o sócio-gerente da R. 10. - O dito marido da A. e a A. faziam constar tais valores anualmente na declaração de rendimentos que, conjuntamente apresentavam na Repartição de Finanças. 11. - A R. não tinha, nem tem, instalações sociais próprias, servindo-se para tanto da casa de habitação da A. e marido, sita à Rua ....., n° 0000, Oliveira de Azeméis; 12. - Aí recebendo correspondência e realizando o sócio-gerente da R. alguns contactos, reuniões de negócios e outros encontros profissionais com clientes e pessoas com quem, no âmbito dos seus negócios se relacionava. 13. - A A. recebia correspondência destinada à R. assinando os respectivos registos, quando era o caso, recebia clientes e pessoas que demandavam o sócio-gerente da R., atendia chamadas telefónicas destinadas à R. e ao seu sócio gerente, e conjuntamente com este preparava e servia refeições de negócios e de cortesia do mesmo com clientes da R. e outras pessoas; 14. - A R. nunca pagou à A. qualquer retribuição, nem designadamente as retribuições constantes dos recibos que processava e declarava pelo modo descrito à Segurança Social, à Inspecção do Trabalho e às Finanças. 15. - A R. tem actualmente como sócios o ainda marido da A., DD, com uma quota de 6.000.000$00 no seu capital social de 10.000.000$00, e EE e FF, filhos daqueles, cada um com duas quotas de 1.000.000$00 cada uma no mesmo capital, tendo a A. aquando da constituição da mesma em 1981, sido igualmente titular de uma quota de 1.000.000$00. 16. - A A. e o referido DD contraíram casamento entre si em 6/9/70, sem convenção antenupcial, casamento esse que viria a dissolver-se por divórcio decretado por sentença de 20 de Novembro de 1984, transitada em julgado em 30/11/1984. 17. - E em 20 de Fevereiro de 1987 voltaram a contrair casamento entre si, com convenção antenupcial. 18. - Tiveram dois filhos: EE, nascido em 30/09/72, e FF, nascido em 15/11/73. 19. - Instalaram o seu lar numa ampla moradia na Rua ...., nº 00, em Oliveira de Azeméis. 20. - Desde o início da sua relação conjugal até cerca do ano de 1993 a A. sempre se ocupou dos cuidados e asseio da casa, do marido e dos filhos, preparando-lhes também as refeições e o vestuário, na qualidade de esposa e mãe. 21. - O marido, por seu lado, sempre se dedicou, anteriormente, à indústria do fabrico de calçado e recentemente à administração da R., de cuja actividade retira os proveitos necessários ao sustento da casa e da família. 22. - Presentemente, está pendente entre a A. e o marido (sócio gerente da R.) uma Acção Ordinária de Divórcio Litigioso, que corre os seus termos sob o n.º 0000, no 3° Juízo Cível desta Comarca de Oliveira de Azeméis, proposta pelo marido contra a aqui A. e que esta contestou com dedução de reconvenção, mediante a qual pediu igualmente ao Tribunal que decretasse o divórcio e, além disso, uma indemnização de 50.000 contos por danos não patrimoniais. 23. - Na sentença proferida nessa acção em 30/12/2002, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos: - Desde há mais de 3 anos a esta parte e mesmo há já cerca de 6 anos, o autor e a ré fazem, ininterruptamente, vidas pessoais, familiares e sociais completamente independentes e separadas um do outro. - Desde então, embora vivendo na mesma moradia, nunca mais o autor e a ré mantiveram qualquer relação entre si, nem fizeram qualquer vida em comum, esporádica ou duradoura, nunca mais dormiram juntos, como nunca mais saíram juntos, nem nunca mais trataram em comum qualquer assunto das suas vidas, mantendo-se totalmente indiferentes um ao outro e desinteressados entre si. - inclusivamente, desde aquele e mais tempo, sempre tem sido o autor a cuidar da arrumação do quarto onde dorme e de mandar lavar e cuidar das suas roupas por terceiros. E foi decretado o divórcio entre os cônjuges, declarando-se igual a culpa de ambos e improcedente o pedido de indemnização formulado pelo cônjuge-mulher. 24. - Tal sentença foi confirmada pela Relação do Porto por acórdão proferido em 9 de Outubro de 2003, do qual foi pela aqui A. interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. 25. - A residência da A. e do marido, que serve igualmente de sede da R., é um prédio composto de casa e habitação de 3 andares, jardim e quintal, com a área coberta de 96 m2 e descoberta e 1.936 m2, sita na Rua... (antigamente lugar da ...), freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, a confrontar do norte com... , sul com Travessa da Rua do ..., nascente com estrada Nacional e poente com herdeiros de ..., inscrito na matriz urbana respectiva sob o art. 61 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n° 01855/120399. 26. - Esse prédio foi propriedade do casal da A. e marido até 1/03/85. 27. - Nessa data foi adjudicado ao marido na partilha subsequente ao seu primeiro divórcio, o qual, posteriormente, em 14/9/2001, o vendeu à ora R. 28. - A A. foi professora de educação visual na Escola Industrial de Ovar até há cerca de 28 anos, altura em que abandonou definitivamente essa actividade para se dedicar única e exclusivamente à família, pelo modo e nas condições referidas em 20. 29. - Desde então a A. nunca mais exerceu qualquer actividade profissional, remunerada ou sem remuneração, por conta de outrém, e deixou de fazer descontos para qualquer organismo da segurança social, deixando igualmente de beneficiar de assistência social de qualquer entidade da Segurança Social. 30. - E, por isso, dadas as relações familiares existentes entre a A. e demais sócios da R.(marido e filhos) foi acordado entre o sócio-gerente e a A. que a R. a "enfolharia" como se fosse sua empregada e, como tal, a inscreveria na segurança social, passando a pagar a esta entidade os descontos correspondentes ao salário mínimo nacional, com a única intenção e finalidade de, desse modo, a A. poder beneficiar da correspondente assistência médica e social prestada pela segurança social, o que se verificou até meados de 1999, data em que devido aos desentendimentos entre a A. e o marido, a R. pôs termo aos descontos para a segurança social em nome daquela e à menção da mesma no mapa de pessoal enviado ao IDICT. 31. Com excepção dos factos mencionados em 13., a A. não prestou à R. qualquer outro serviço, nem esta lho ordenou. 32. A R. nunca teve, nem tem, escritório ou telefone privativos e também não tem qualquer empregado. 33. - A escrita e o serviço de escritório relativos à actividade da R. sempre foram e continuam a ser exclusivamente organizados, mediante remuneração, por dois gabinetes de contabilidade independentes, situados nesta cidade e pertencentes a terceiras pessoas, sendo um deles até há cerca de 12 anos e o outro daí para cá. 34. - Para esses gabinetes sempre foram e continuam a ser encaminhados todos os documentos e toda a escrita relativos à actividade da R. 35. - Actividade da R. limita-se e sempre se limitou, em média, a dois ou três negócios de venda de lotes de terreno em cada ano e para o desempenho dessa actividade é suficiente o desempenho do seu gerente, o marido da A. e a assessoria dos gabinetes de contabilidade referidos.» 3 – DIREITO 3.1. Tendo em conta o núcleo conclusivo recursório, verifica-se que o objecto da revista pressupõe a análise das seguintes questões: 1ª – alteração da decisão relativa à matéria de facto; 2ª – nulidades decisórias; 3ª – prova, ou não, do contrato de trabalho invocado pela Autora; 4ª – litigância de má fé. 3.2.1. No âmbito da censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto, começa a recorrente por defender a alteração da factualidade contida no Ponto n.º 30 da sobredita decisão, invocando, para o efeito, a prova testemunhal que incidiu sobre a matéria e que, segundo diz, não suporta a resposta produzida. A recorrente é mesmo expressa em dizer “… que do processo constam elementos – síntese do depoimento da testemunha CC – que implicam uma decisão diferente”. Cabe dizer, desde já que a reclamada alteração é de todo inviável. O S.T.J., funcionando estruturalmente como tribunal de revista, só aprecia, em princípio, matéria de direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente, aos factos fixados nas instâncias, o regime jurídico que repute adequado – art.ºs 26º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (L.O.F.T.J.), 87º n.º 2 do C.P.T. e 721º e 722º do C.P.C. (a este último diploma pertencem os demais preceitos a citar, sem menção de origem). Em sede de “decisão de facto”, a intervenção do Supremo é meramente residual, confinando-se aos apertados limites definidos nos art.ºs 722º n.º 2 e 729º n.º 3, cujas previsões se circunscrevem respectivamente, às violações do direito probatório material e às irregularidades – ou insuficiências – do acervo factual, que impeçam a aplicação do regime jurídico adequado. Ao invés, a alteração pretendida pela recorrente arrima-se no art.º 712º n.º 1 al. A), em cujo domínio a decisão das instâncias é soberana e definitiva. Acresce que já é coligível, no caso, o comando do n.º 6 daquele art.º 712º - que se aplica aos processos ajuizados após 20/11/99 (art.ºs 8º n.º 2 e 9º do D.L. n.º 375-A/99) – o qual veda o recurso para o Supremo das decisões previstas nos números anteriores. 3.2.2. Prosseguindo a censura à decisão sobre a matéria de facto, pretende a recorrente que se há-de ter como não escrita – por “constituir matéria de direito” – a menção, feita no correspondente despacho, de que não ficou provada a seguinte alegação: “Que a A., em Janeiro de 1981, tivesse sido admitida ao serviço da R. para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição constituída por vencimento igual ao salário mínimo nacional, férias anuais pagas, subsídio de férias e de Natal iguais, cada, ao vencimento mensal”. Quando o art.º 646º - que cuida da intervenção e competência do Tribunal Colectivo na discussão e julgamento da causa – estabelece, no seu n.º 4, os limites da validade e atendibilidade das respostas proferidas nesse domínio, está a reflectir sobre questões que integram matéria de direito, na justa medida em que essas respostas podem constituir uma ofensa de normas jurídicas probatórias. Por isso, tem-se entendido que o Supremo é competente para distinguir a matéria de facto da de direito e, consequentemente, determinar se determinada resposta deve, ou não, ser eliminada. Contudo, se a resposta das instâncias a determinada matéria já é negativa – como aqui acontece – o “non liquet” probatório que daí decorre tem o alcance de significar duas coisas: que essa matéria não se provou o que também se não provou o contrário. Por outro lado, a eventual eliminação de uma resposta, por conter matéria de natureza jurídica, possui virtualidade idêntica: não se prova a matéria que integrava a resposta, do mesmo passo que não se prova o contrário dela. É dizer que o poder correctivo do art.º 646º n.º 4 só abarca as respostas de conteúdo afirmativo ou restritivo. Neste contexto, a questão suscitada torna-se de todo irrelevante, certo que as instâncias só podiam fundamentar a solução jurídica na factualidade provada e, naturalmente, nos mecanismos decorrentes da repartição do ónus probatório. 3.3.1. Das aduzidas irregularidades na apreciação e decisão da matéria de facto, extrai a recorrente uma outra conclusão: a de que essa decisão, tal como a sentença subsequente, são nulas por violação do disposto no art.º 668º n.º 1 als. B), C) e D). Temos dificuldade em perceber a tese da recorrente. É que estamos perante fases adjectivas distintas, com tratamento igualmente diverso. As irregularidades da decisão factual – quando sindicáveis pelo Supremo – conduzem à alteração das respostas tidas por inquinadas e/0u à anulação, normalmente parcial do julgamento e termos ulteriores – art.s 722º n.º 2 e 729º n.º 3. O mesmo acontece quando essa sindicância é exercida pela Relação sobre a sentença da 1ª instância – art.º 712º n.ºs 1, 2 e 4. Em qualquer dos casos, porém, não estamos perante nenhuma “nulidade” e, muito menos, perante uma “nulidade” que seja susceptível de se transmitir à sentença ou acórdão subsequentes. Quando estas decisões são alteradas ou anuladas, nos termos expostos, são-no por via das irregularidades factuais previamente detectadas, e não porque elas contenham, intrinsecamente, algum dos vícios em que se materializam as nulidades decisórias. É que as nulidades plasmadas no artigo 668º constituem vícios intrínsecos das decisões de mérito, que em nada se confundem com os vícios que inquinam a decisão factual. 3.3.2. Ainda no âmbito das nulidades – mas restringindo a censura, desta feita, ao Acórdão da Relação – salienta a recorrente que se omitiu pronúncia sobre a sua impugnada condenação como litigante de má fé – art.º 668º n.º 1 al. D). Também este reparo é infundado. A referida condenação integra um dos segmentos decisórios da sentença apelada. E o aludido Acórdão – já o dissemos – confirmou remissivamente essa sentença, logo, todos os segmentos decisórios que a integram, remetendo para a “… acertada fundamentação de facto e de direito” nela aduzida. Tanto a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acs. De 9/3/99, n.º 152/99, D.R. II Série, de 5/8/99 e de 23/1/97, n.º 56/97, D.R. II Série, de 18/3/97) quanto ao do S.T.J. (cfr. Acs. De 7/10/2004 – Proc. N.º 2472/03 – e de 2/12/2004 – Proc. N.º 1284/04) vêm entendendo que o art.º 713º n.º 5, ao permitir que a decisão proferida em recurso remeta para a fundamentação da decisão impugnada, não implica qualquer desadequação constitucional: por um lado, não se dispensa a fundamentação da decisão do recurso e, por outro, só se consente a forma “sumária” de julgamento quando existe confirmação integral do julgado, quer quanto à decisão quer quanto aos fundamentos, além da necessária unanimidade do Colectivo de Juízes. Neste contexto, jamais se produzirá omissão de pronúncia quanto à questão, ou questões, a que se reporte a remissão operada. 3.4. A questão fulcral suscitada na acção consistia em saber se, como pretende a Autora, as partes haviam aprazado entre si um vínculo de natureza laboral. Como facto constitutivo do seu arrogado direito, cabia à demandante provar a celebração desse vínculo – art.º 342º n.º1 do Código Civil. Na verdade, é ao trabalhador que cumpre fazer a prova de que exerce – ou exerceu – a sua actividade a favor de outra pessoa, sob a autoridade e direcção, para assim demonstrar que se encontra – ou esteve – vinculada a essa entidade por um contrato de trabalho subordinado (cfr., entre outros, o recente Acórdão deste Tribunal de 22 de Novembro último, proferido na Revista n.º 1542/06). Na óptica da recorrente, a matéria vertida nos Pontos 2 a 14 da decisão factual comprova a celebração desse vínculo. Examinando a avocada factualidade, verifica-se que ela evidencia: - a inscrição da A. como empregadora da R., com a categoria do “Escriturária”; - o processamento e emissão de recibos de vencimento da A., pelo salário mínimo nacional; - a efectivação dos descontos devidos à segurança Social e o envio, anual, do mapa de pessoal da empresa ao IDICT, onde a A. estava incluída; - a consideração desses rendimentos e das correspondentes despesas para efeitos fiscais; - a discriminação da actividade pretensamente exercida pela A.: recepção de correspondência e de clientes, atendimento telefónico e confecção de refeições de negócios ou de cortesia. Se estes factos, tomados isoladamente, podiam constituir um forte indício do vínculo laboral, o certo é que a matéria contida nos Pontos 29 e 30 tem a decisiva virtualidade de os neutralizar por completo. Com efeito, ficou a saber-se que, afinal, a A. apenas foi “enfolhada” como trabalhadora da R. – que passou a fazer os correspondentes descontos à Segurança Social – “… com a única finalidade e intenção de, desse modo, a A. poder beneficiar da correspondente assistência médica e social prestada pela Segurança Social”, cujas regalias a mesma já havia perdido há cerca de 28 anos, quando abandonou definitivamente a sua actividade de professora na Escola Industrial de Ovar. É dizer que quedou improvada, desde logo, a existência do necessário acordo de vontades com vista à celebração do invocado contrato. Bem ao invés, provou-se que as partes só pretenderam criar a aparência de um vínculo laboral, por forma a que a A. pudesse aceder às prestações da Segurança Social, sendo que essa aparência era favorecida pelas características da empresa – sociedade familiar – e pelas relações entre o sócio-gerente da R. e a A. – marido e mulher, ao tempo. Perante a factualidade descrita, torna-se de todo evidente que outra não poderia ser a decisão das instâncias no que concerne à vinculação laboral afirmada pela A.. Já sem o relevo necessário para o desfecho da causa, diz ainda a 1ª instância ser “… legítimo presumir, até pela data em que a R. fez cessar os descontos, em nome da A., para a segurança social, que, se não fossem os desentendimentos do casal e a consequente acção de divórcio, a presente acção não seria intentada”. A recorrente considera abusiva esta presunção, já porque a factualidade provada nada diz sobre a data da cessação dos descontos, já por não se achar demonstrada qualquer relação entre o objecto da acção e as desavenças conjugais. Porém, o Ponto 30 da decisão factual identifica a data em que cessaram os referidos descontos, enquanto o Ponto 23 evidencia a coincidência temporal entre os desentendimentos dos cônjuges e a apontada cessação. Acresce – e aqui decisivamente – que não cabe ao Supremo sindicar as presunções extraídas pelas instâncias: como essas presunções integram um “julgamento de facto”, a sua cognoscibilidade está completamente à margem dos poderes que ao Supremo são conferidos em matéria de julgamento de revista. 3.5. Ao ajuizar a respectiva contestação, a Ré pediu que a Autora fosse condenada como litigante de má fé. A sentença da 1ª instância acolheu essa pretensão, condenando a Autora na multa respectiva e, igualmente, em indemnização a favor da própria demandada. Embora não haja pronúncia específica sobre a conduta da Ré, a simples atribuição, a seu favor, da sobredita indemnização evidencia que a 1ª instância considerou adequada a sua conduta processual. Ao confirmar remissivamente a sentença apelada, o Tribunal da Relação também confirmou – já o dissemos – o segmento decisório ora em análise. Queremos significar que a questão da litigância de má fé, relativamente a qualquer das partes, já mereceu a oportuna apreciação das duas instâncias. Retomando a tese que já veiculara na apelação, insiste agora a Autora em que deve o Tribunal isentá-la da assinalada condenação e, em contrapartida, considerar verificada a má fé da Ré, operando a respectiva condenação. Vejamos. No domínio da má fé, o recurso próprio será, naturalmente e em princípio, o recurso de agravo, tanto quanto é certo que só pode estar em causa a violação de lei adjectiva – art.ºs 691º, 733º e 740º n.º 2 al. A). Porém, sempre que o recurso de revista seja o próprio – como aqui acontece – a lei permite que o recorrente invoque, em simultâneo, a violação da lei substantiva e a violação da lei adjectiva, por forma a que do mesmo Acórdão seja interposto um único recurso – art.º 722º n.º 1. Mas, para isso e de acordo com o mesmo preceito, torna-se imperioso que a censura dirigida ao segmento decisório processual consinta, ela própria e autonomamente, o correspondente recurso, nos termos do art.º 754º n.º 2. Trata-se do chamado princípio da unidade ou da absorção, por via do qual o recurso de revista avoca para o seu objecto o conhecimento de questões próprias do agravo. Nos termos do n.º 1 do falado art.º 754º, “cabe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de justiça do Acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação”. Por outro lado, expressa o seu n.º 2 que “Não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação, pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme”. A lei consente ainda uma outra excepção à regra da proibição do 2º grau de recurso no domínio do agravo (a que vem expressa no n.º 3 do mesmo art.º 754º): mas, em tudo o que releva para o caso dos autos, basta-se com a inverificação da primeira excepção (inexistência de contradição entre Acórdãos). Ora, o concreto dos autos consubstancia uma censura da recorrente ao segmento do Acórdão da Relação confirmativo da sentença apelada em matéria de má fé. E, no desenvolvimento dessa censura, não se invoca sequer a existência daquela necessária contradição. É certo que, no domínio da litigância de má fé, a lei (art.º 456º n.º 3) também expressa uma outra excepção à regra geral da admissibilidade dos recursos – conexionada, desta feita, com o valor da causa e da sucumbência –: porém, essa excepção só é válida para o 1º grau de recurso quando, no caso, estamos já perante um 2º grau. É dizer, em suma, que a lei não permite, na presente revista, a apreciação da matéria atinente à conduta das partes como eventuais litigantes de má fé. O que acaba de ser dito é inteiramente válido para todas as questões de natureza adjectiva e, consequentemente, também para as nulidades decisórias. Perguntar-se-á, então, por que motivo se debruçou o presente Acórdão sobre as nulidade s que a recorrente já assacara à decisão da 1ª instância e sobre as quais incidiu também a pronúncia da Relação. A resposta é simples. O Comando restritivo do n.º 2 do art.º 754º pressupõe que o Acórdão da Relação tenha incidido “… sobre decisão da 1ª instância”. Por isso, a sua previsão supõe a necessária existência de duas decisões sobre a mesma matéria: estamos no domínio dos chamados “agravos continuados”. Mas essa situação não é a que corresponde à arguição de nulidades assacadas à sentença da 1ª instância: neste caso, existe uma única decisão – a da Relação – sobre o vício aduzido, certo que a decisão censurada não pode conter pronúncia sobre uma questão que decorre dos próprios termos em que ela se acha estruturada. 3.6. Improcedendo, como se vê, todas as questões suscitadas pela recorrente, devemos concluir que nenhum reparo merece o Acórdão impugnado. 4- DECISÃO Em face do exposto, acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão da Relação.Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.Lisboa, 6/12/06 Sousa Gandão (relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis |