Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
497/12.6TTVRL.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR / ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, p. 561.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.OS 1 E 2, 762.º, N.º2,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 607.º, N.º4.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 126.º, N.º1, ALÍNEA F),128.º, ALÍNEAS C), E) E G), 351.º, N.ºS 1, 2 E 3, 387.º, N.OS 1, 3 E 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
Sumário :
1. O n.º 62 da matéria de facto dada como provada, ao consignar que, «[n]os últimos cinco anos anteriores à cessação da relação laboral, o Autor prestou, em média, duas horas diárias de trabalho suplementar à Ré», na justa medida em que não se apurou qual o horário de trabalho ajustado, nem quais os dias de descanso fixados, não se acha factualmente sustentada, daí que, tratando-se de asserção de patente conteúdo conclusivo e reportando-se ao thema decidendum, não podia continuar a figurar no elenco da matéria de facto provada.

2. Provando-se que o trabalhador, que exercia as funções de chefe de mesa, (i) não respeitou as regras de indumentária em vigor no hotel e que, instado várias vezes para respeitar essas regras, optou por uma posição de repúdio directo contra essa ordem e (ii) que cobrou valores diversos dos consumidos, em dias sucessivos e a vários clientes, violou, culposamente e de forma grave, os deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador atinentes à execução do trabalho e de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam confiadas.

3. Neste contexto, este comportamento tornou, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, verificando--se, assim, justa causa para o despedimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 5 de Novembro de 2012, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, que foi, entretanto, extinto, AA instaurou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do artigo 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, contra BB, Lda., declarando a oposição ao despedimento promovido, em 31 de Outubro de 2012, pela empregadora e requerendo que fosse declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, sendo que, frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes, a empregadora foi notificada com vista à apresentação do articulado motivador do despedimento e à junção do procedimento disciplinar, o que satisfez, tendo sustentado a existência de justa causa para o despedimento operado.

O trabalhador veio contestar/reconvir pedindo que fosse declarada a ilicitude do despedimento e a condenação da empregadora nas importâncias que discriminou.

A empregadora respondeu, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Admitido liminarmente o pedido reconvencional e proferido o despacho saneador, foi consignada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

Após julgamento, exarou-se sentença que declarou ilícito o despedimento e condenou a empregadora a pagar ao trabalhador: i) as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzidas das importâncias que o trabalhador tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido, devendo, neste caso, a empregadora entregar essa quantia à Segurança Social; ii) € 14.403,48, a título de indemnização em substituição da reintegração; (iii) € 71.181, respeitantes a trabalho suplementar; (iv) € 2.496,62, atinentes a férias não gozadas e (v) € 1.500, relativos a danos não patrimoniais, sendo a empregadora absolvida do mais peticionado.

2. Irresignada, a empregadora apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida «na parte em que declarou o despedimento ilícito e condenou a aqui empregadora a pagar ao aqui trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, deduzida dos montantes que este eventualmente tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do subsídio de desemprego eventualmente auferido, bem como no pagamento das quantias de € 14.403,48, a título de indemnização, € 2.496,62, a título de férias não gozadas, € 1.500, a título de danos não patrimoniais e se substitui pelo presente acórdão, e em consequência: 1. Se declara o despedimento lícito; 2. Se absolve a sociedade BB, Lda., dos pedidos supra indicados; 3. Se anula o julgamento e actos posteriores, relativamente aos pedidos relacionados com o “trabalho suplementar” e se ordena a sua repetição para apuramento da matéria constante dos artigos 98.º a 100.º da contestação do aqui trabalhador e ainda da relacionada com o seu horário de trabalho, devendo o Mmo. Juiz a quo melhor concretizar a matéria de facto constante do n.º 62 da matéria de facto (quesito 64) e, a final, proferir sentença, em conformidade, apenas e no que respeita ao pedido de pagamento de trabalho suplementar.»

É contra o assim deliberado que o trabalhador agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever:

               «A)   O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, aqui recorrido, viola os artigos 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e) e d), e 387.º, n.os 3 e 4, do Código do Trabalho, por permitir um despedimento sem justa causa, alterando os factos, fundamentos e valoração da nota de culpa, o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que proíbe os despedimentos sem justa causa, assim como o artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que eliminou erradamente um facto dado como provado. Estão assim verificados os fundamentos da revista previstos no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil [por lapso manifesto, a sequência das conclusões passa da alínea A) para a alínea C)].
                 C)   Analisando a nota de culpa, o que concluímos com facilidade é que o Recorrente foi despedido por ter causado um prejuízo sério à Recorrida com vista a prejudicá-la e engrandecer-se pessoalmente. Mais concluímos que a questão da desobediência quanto às mangas arregaçadas é meramente acessória e sem influência nessa decisão. De tal forma, que surge de forma até um pouco desgarrada no final da nota de culpa, precisamente após a decisão de despedimento estar tomada com base em outros factos.
                 D)   Nos termos dos números 3 e 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho, o empregador apenas pode invocar judicialmente factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador e é sobre os fundamentos invocados para o despedimento, e não outros, que deve o tribunal pronunciar-se.
                  E)   São esses factos e fundamentos e a valoração que deles é feita que estão sujeitos à apreciação do tribunal, que deve apenas confirmar se a mesma constitui ou não justa causa de despedimento. Não pode por isso o tribunal corrigir a decisão da nota de culpa, acrescentando-lhe outros factos, outros fundamentos ou valorando-os de forma distinta, dando a alguns mais importância do que a própria entidade empregadora.
                 F)    Perante o que consta da nota de culpa e os factos dados como provados e como não provados, parece-nos evidente que não existe qualquer justa causa de despedimento: porque se percebe que não existe qualquer lesão de um interesse patrimonial sério da Recorrida e porque o sucedido não teve subjacente qualquer ânimo do Recorrente em prejudicar a Recorrida ou em beneficiar-se a si próprio. É assim claro que os factos e fundamentos que suportaram o despedimento do Recorrente não justificam tal decisão, pelo que o mesmo é ilícito.
                 G)   As mangas arregaçadas, apresentadas como algo acessório na nota de culpa, não podem por si justificar a licitude do despedimento, desde logo porque tal facto não fundamentou na realidade o despedimento, funcionando apenas como circunstância agravante dos factos que levaram ao despedimento.
                  H)   Ao justificar a licitude do despedimento com base neste conjunto de factos verdadeiramente acessórios, o acórdão recorrido viola o artigo 387.º, n.os 3 e 4, do Código do Trabalho, na medida em que não se limita à apreciação dos factos, fundamentos e valoração da nota de culpa, antes vindo, sem desrespeito, dar uma mãozinha a uma decisão insuficiente por parte da Recorrida.
                   I)   Essa tentação solidária foi de tal ordem, que o acórdão recorrido aditou um fundamento à nota de culpa: a violação do artigo 351.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho. Embora a nota de culpa seja omissa quanto a esse aspeto, o acórdão recorrido dá novo fundamento ao despedimento, entendendo que o Recorrente mostrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto, ignorando até o Ponto 53 que, contrariamente, deixa como assente que o Recorrente serviu a Recorrida de forma competente, diligente e interessada.
                   J)   É consabido que o processo disciplinar está sujeito a um princípio de proporcionalidade, significando que a existência de um ilícito disciplinar não resulta automaticamente numa decisão de despedimento, como se o despedir ou não despedir fossem os únicos desfechos possíveis. Antes, existe um processo valorativo e casuística que deve conduzir à aplicação da sanção mais adequada, reservando-se a de despedimento, como última razão, para aqueles casos de tal forma graves e sérios que impossibilitam a continuidade do trabalhador na empresa.
                 K)   Como primeiro argumento para fundamentar a justa causa, o acórdão recorrido apresenta a desobediência às regras de etiqueta, não obstante ter sido advertido mais do que uma vez. Classifica tal desobediência como uma afronta, que não se tolera a uma pessoa com as responsabilidades de chefe de mesa.
                  L)   Não se aceita que o acórdão trate aquela desobediência como uma afronta quando decidiu que não devia ser dado como provado que o Recorrente tinha animosidade para com a administração da Recorrida e que iniciou um estado de afronta à nova administração. Se o próprio Tribunal da Relação do Porto, analisando a prova produzida, não viu animosidade nem afronta da parte do Recorrente para com a Recorrida, como pode depois considerar que a desobediência era feita como afronta?
          M)   Também não se aceita que o acórdão não tenha uma perspetiva minimamente crítica quanto às regras sobre as ditas mangas arregaçadas. Apesar de se ter dado como provado que o Recorrente teria desobedecido a indicações da Recorrida quanto às mangas da camisa, tal facto não pode deixar de ser analisado criticamente por dois motivos: primeiro, a inexistência de um regulamento interno na empresa ou código de indumentária que expressamente regulasse esta matéria; segundo, a existência de um certo grau de autonomia técnica no desempenho das funções de chefe de mesa.
                  N)   Finalmente, não se pode aceitar a mera desobediência a uma qualquer orientação como uma situação justificativa de despedimento. Repare-se que em causa está o uso de mangas arregaçadas no período de verão e não propriamente a apresentação do Recorrente sem farda ou com a farda suja. A gravidade e as consequências de tal suposta infração, não havendo qualquer atitude de afronta nem norma expressa, são muito reduzidas ou inexistentes, suportando a nossa ver, em primeira instância pelo menos, não mais do que uma repreensão.
                 O)   Como segundo argumento para fundamentar a justa causa, o acórdão recorrido apresenta o desinteresse total pelo cumprimento das obrigações do Recorrente. Esta conclusão, além de ilegal é contraditória com a matéria de facto dada como provada, designadamente no Ponto 53.
              P)    Retirar desta matéria de facto o desinteresse total pelo cumprimento das suas obrigações é fazer o que nem a Recorrida fez na sua nota de culpa. Uma vez mais, os erros da faturação e das mangas arregaçadas devem ser vistas de foram crítica. O acórdão recorrido é muito lesto a apontar o dedo ao Recorrente, mas ignora as condições de trabalho em que tal sucedeu: no período de verão, em que o calor na sala do restaurante é maior, em que os clientes são em maior número e durante mais horas e em que o trabalho é feito em jornadas longas, com feriados, fins-de-semana e horas suplementares não remuneradas e não compensadas por folgas (Pontos 54 a 62).
                  Q)   Como argumento final para fundamentar a justa causa, o acórdão recorrido vem dizer não haver circunstâncias atenuantes da conduta do Recorrente, assumindo assim que se ignorou tudo quanto acima explicámos. Os anos de trabalho diligente, competente e zeloso, a angariação de cliente [sic], as circunstâncias de prestação de trabalho.
                  R)   Apresentados e contrariados os argumentos do Tribunal da Relação do Porto, não hesitamos em defender estarmos perante um despedimento ilícito e da maior injustiça. O acórdão é por isso ilegal, em violação do artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e) e d), do Código do Trabalho.
                  S)    O Tribunal da Relação do Porto interpretou e aplicou o artigo 351.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho no sentido de que a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, independentemente da sua gravidade, reiteração e consequências, é justa causa de despedimento, o que viola o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa que proíbe o despedimento sem justa causa, na medida em que abre a porta a despedimentos por motivos pequenos ou sem relevância, i.e., sem justa causa, bastando que haja uma desobediência a uma ordem dada pelo responsável hierárquico, sem qualquer análise crítica.
         T)   Entendeu o Tribunal da Relação do Porto que deve o julgamento ser repetido para apuramento da matéria alegada a artigos 98.º a 100.º do articulado do Recorrente, assim como para se apurar qual o horário de trabalho do Recorrente. Não vemos que haja qualquer necessidade de tal repetição, sendo os elementos constantes dos autos suficientes para a decisão tomada pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real.
           U)   Veio a Recorrida alegar que o trabalho suplementar prestado o teria sido sem o seu acordo, pelo que não deveria ser remunerado em respeito pelo artigo 268.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
            V)   O que essa norma obriga é que haja acordo quanto à prestação do trabalho suplementar ou que na sua falta, o mesmo fosse realizado com o seu conhecimento e sem a sua oposição. Ora, em momento algum a Recorrida se opôs à realização do trabalho suplementar, antes beneficiando dele em proveito próprio. É por isso incompreensível que venha agora alegar que o trabalho suplementar teria sido prestado ao longo de anos com a sua oposição, como se os trabalhadores o fizessem como ato de voluntariado.
                 W)   Quanto à prova de que tal trabalho tenha sido prestada, cremos que a mesma foi produzida de forma clara e inquestionável, em resultado dos depoimentos de atuais e antigos trabalhadores, indicados quer pelo Recorrente quer pela Recorrida. Nisso acerta o acórdão recorrido quando diz que a prova nesse sentido foi abundante.
                  X)   Contudo, o acórdão recorrido vem impedir uma decisão quanto ao trabalho suplementar ao eliminar o Ponto 62, por considerá-lo conclusivo. Salvo o devido respeito, assim não entendemos: o Recorrente alegou no seu articulado tudo quanto tinha que alegar, concluindo que em média, desconsiderando o trabalho prestado em feriados, domingos e sábados, trabalhou, pelo menos, duas horas por dia de trabalho normal.
                  Y)   Face à abundante prova produzida, o Tribunal de Trabalho de Vila Real entendeu dar tal facto como provado. Facto e não conclusão, pelo que não se aceita a posição do acórdão recorrido, que quanto a isso pode e deve ser sindicada nesta sede, por violação da lei de processo.»

Termina defendendo que deve «ser revista a decisão recorrida, revogando-a na totalidade e confirmando-se a sentença proferida em primeira instância».

A empregadora contra-alegou, mas a respectiva contra-alegação, dada a sua extemporaneidade, foi mandada desentranhar dos autos.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que devia ser negada a revista e mantida a deliberação recorrida, tendo asseverado que «[a] apreciação que a decisão recorrida fez da consequência dos comportamentos do trabalhador na prevalência daquela relação contratual parece-nos equilibrada e fundamentada, uma vez que considerou a relevância dos mesmos em função do cargo de chefia que o A. exercia, quer no que se reporta ao desrespeito reiterado do A. pelas exigências da entidade empregadora relativamente ao vestuário, quer do A. quer dos seus colegas e subordinados, quer relativamente ao desinteresse que o A. demonstrou relativamente à correta facturação do serviço que tivesse sido prestado no restaurante», e tendo, ainda, entendido que é de manter a eliminação do n.º 62 da matéria de facto, porquanto «não ficou provado qual o horário de trabalho do A. e dependendo a existência de prestação de trabalho suplementar, por definição, da prestação de trabalho para além daquele que se continha no horário estabelecido, não pode o tribunal determinar qual o número de horas que o trabalhador prestou para além do horário e se a entidade patronal, devendo remunerá-las e como, o não fez», parecer que, notificado às partes, não determinou qualquer resposta.   

3. No caso, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se a proposição acolhida no n.º 62 da matéria de facto não é uma mera conclusão, sendo um facto em si mesmo a considerar [conclusões A), na parte atinente, e T) a Y) da alegação do recurso de revista];
               Se o despedimento do trabalhador foi ilícito, por não ocorrer justa causa para aplicar tal sanção disciplinar [conclusões A), na parte atinente, e C) a S) da alegação do recurso de revista].

Anote-se, em sede de delimitação do âmbito do recurso, que o trabalhador invoca que o aresto recorrido «viola os artigos 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e) e d), e 387.º, n.os 3 e 4, do Código do Trabalho, por permitir um despedimento sem justa causa, alterando os factos, fundamentos e valoração da nota de culpa, o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que proíbe os despedimentos sem justa causa, assim como o artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que eliminou erradamente um facto dado como provado», mostrando-se objectivamente excluída das conclusões formuladas na alegação de recurso a invocação da ofensa dos poderes da Relação conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, no que respeita à deliberada anulação do julgamento e sua repetição para apuramento da matéria constante dos artigos 98.º a 100.º da contestação e do horário de trabalho, o que bem se compreende, uma vez que daquelas deliberações da Relação não cabe recurso para este Supremo Tribunal (artigo 662.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                               II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) O Autor tem a categoria profissional de chefe de mesa, exercendo as suas funções no Hotel ..., propriedade da Ré, que igualmente explora, tendo sido admitido ao trabalho da Ré em 01.08.2002;
2) A Ré instaurou, em 20.08.2012, procedimento disciplinar ao Autor, antecedido da realização de inquérito prévio;
3) A Ré procedeu à emissão de nota de culpa, comunicada ao Autor em 17.09.2012, na qual a Ré manifestou a sua intenção de proceder ao despedimento do Autor;
4) O Autor respondeu, no prazo legal, tendo deduzido por escrito os elementos que entendeu necessários à sua defesa, ao apuramento da verdade e arrolou testemunhas;
5) No decurso do inquérito, foram ouvidas as testemunhas: CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ;
6) Foram integrados no processo cópia do contrato de trabalho, todos os documentos anexos à nota de culpa, último recibo de vencimento do trabalhador, certidão de registo comercial da Ré, documento comprovativo de gozo de período de férias pelo Autor, extracto de conferência de documentos elaborado pela contabilidade da Ré;
7) Inexiste na empresa comissão de trabalhadores e o Autor não é associado de qualquer associação sindical;
8) Por decisão datada de 31.10.2012, a Ré decidiu sancionar o Autor com a pena disciplinar de despedimento por justa causa, sem direito a qualquer indemnização ou compensação;
9) Desde Fevereiro de 2012, que os responsáveis da Ré começaram a suspeitar que o volume de bens alimentares saídos da cozinha do restaurante do hotel não se reflectia na correspondente receita em caixa;
10) A partir de meados de Julho de 2012, a Ré reforçou a vigilância sobre o método de controlo em vigor na empresa, nos termos do qual os pedidos à cozinha que eram feitos mediante requisições escritas, em duplicado, sendo o pedido original entregue na cozinha e por esta passaram a ser posteriormente entregues à administração do hotel, ficando o duplicado em posse do funcionário, onde são anotados pedidos subsequentes, bebidas e sobremesas e posteriormente entregues à administração, para desse modo fazer o cruzamento com o respectivo talão de pagamento pelo cliente, permitindo assim averiguar eventuais divergências, tudo acompanhado por supervisão de responsáveis da empresa em cada momento;
11) No dia 19.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou um risoto conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 8;
12) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor cobrou meio medalhão de carne por € 14, quando deveria ter cobrado um completo por € 23,50, conforme talão de caixa n.º …;
13) Nesse dia, ainda, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou um café, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 1;
14) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou um risoto, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 8;
15) No dia 20.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor, por confronto com o talão de caixa n.º …, facturou o consumo de medalhões por posta, sendo [que] o preço da posta é inferior ao dos medalhões, provocando assim um prejuízo ao cliente, e levando a alteração na gestão de stock;
16) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou seis sobremesas conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 18;
17) No dia 21.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma água, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 1,25;
18) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor cobrou meio medalhão de carne no valor de € 14, conforme talão de caixa n.º .., quando o cliente consumiu um medalhão completo, vendido ao preço de € 23,50;
19) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma salada mista, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 4;
20) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou diversos produtos, sendo que a despesa era de € 323, tendo sido cobrados apenas € 240, conforme talão de caixa n.º …;
21) No dia 22.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas colas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 3,70;
22) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma água, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 1,25;
23) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma água e vinho que não [foi] possível identificar, conforme talão de caixa n.º …, no valor apurado quanto à água de € 1,25;
24) No dia 23.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas entradas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 9,80;
25) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma entrada, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 4,90;
26) No dia 24.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma carbonara, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 8;
27) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou meio medalhão, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 14;
28) Ainda nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa de jantar especial n.º …, o Autor deveria ter cobrado € 247,49 e não € 223,49, uma vez que jantaram 10 pessoas e foram facturadas apenas 9;
29) No dia 26.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor cobrou a um cliente uma açorda de camarão (vendida ao preço de € 12), quando, na realidade, o cliente consumiu um arroz de pato (vendido ao preço de € 17), conforme talão de caixa n.º 107;
30) No dia 28.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas entradas (€ 4,90 unidade) e uma sobremesa (€ 4,90 unidade), conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 14,70;
31) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas águas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 2,50;
32) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma garrafa de vinho, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 6;
33) No dia 30.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, verificou-‑se ter sido pedido e consumido pelo cliente uma dose de camarão tigre (vendido ao preço de € 42) tendo, no entanto, o Autor facturado uma dose de açorda de camarão (vendida ao preço de € 18);
34) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma garrafa de vinho tinto, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 6;
35) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma sopa (€ 2,50) e um bitoque (€ 7,98), conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 10,48;
36) No dia 31.07.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas entradas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 9,80;
37) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou um prato de polvo, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 13,50;
38) No mesmo dia 01.08.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma carbonara, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 8;
39) No dia 02.08.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou um sumo, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 1;
40) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º .., o Autor não cobrou um carioca de limão, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 1;
41) Ainda nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, foi servido à mesa uma Carme Rosé, e o Autor cobrou um Mateus Rosé, conforme talão de caixa n.º …, com prejuízo para a Ré de € 0,90;
42) Também nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º 8795, o Autor não cobrou um whisky novo, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 4,50;
43) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas águas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 2,50;
44) Igualmente nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou duas águas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 2,50;
45) Nesse mesmo dia, com referência ao talão de mesa n.º …, foi servido um Carme Rosé, no valor de € 7, que o Autor cobrou depois no talão de caixa em «diversos», por € 10;
46) Ainda nesse dia, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou cinco entradas, conforme talão de caixa n.º …, no valor global de € 24,50;
47) No dia 06.08.2012, com referência ao talão de mesa n.º …, o Autor não cobrou uma dose de cabrito, conforme talão de caixa n.º …, no valor de € 13,50;
48) Do recibo de vencimento consta como retribuição base mensal a quantia de € 848,31, que o Autor recebia por cheque;
49) Para além da quantia que constava do recibo de vencimento do Autor, este recebia da Ré mensalmente e em dinheiro, a quantia de € 400;
50) Quantia esta acordada entre Ré e o Autor e sobre a qual todos os meses o Autor assinava um recibo de quitação;
51) A instauração do processo disciplinar e a forma como foi conduzido causaram ao Autor incómodo e sofrimento;
52) E afectou a sua vida pessoal e profissional;
53) O Autor serviu durante mais de uma década a Ré de forma competente, diligente e interessada, sendo um dos responsáveis pelo sucesso do estabelecimento e pela angariação de numerosos clientes;
54) O despedimento do Autor foi conhecido por clientes habituais e por concorrentes da Ré, facto que lesou a imagem do Autor como pessoa e profissional e prejudicou a sua carreira;
55) O Autor trabalhou 8 horas diárias em todos os 15 feriados obrigatórios anuais, nos últimos cinco anos anteriores à cessação do contrato de trabalho;
56) Sem que tivesse sido remunerado por esse trabalho e/ou compensado com dias de folga;
57) O Autor trabalhou oito horas diárias em todos os domingos do ano, com excepção dos 4 domingos de férias, nos últimos cinco anos anteriores à cessação do contrato de trabalho;
58) Sem que tivesse sido remunerado por esse trabalho e/ou compensado com dias de folga;
59) O Autor trabalhou seis horas diárias em todos os sábados do ano, com excepção dos quatro sábados de férias, nos últimos cinco anos anteriores à cessação do contrato de trabalho;
60) Sem que tivesse sido remunerado por esse trabalho e/ou compensado com dias de folga;
61) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
62) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
63) Da nota de culpa remetida ao aqui trabalhador consta o seguinte [facto aditado pelo Tribunal da Relação]:
                   «[…] Há cerca de 3 meses a esta parte que os responsáveis da empresa começaram a suspeitar que o volume de bens alimentares saídos da cozinha do restaurante do hotel não se reflectia na correspondente receita em caixa. Nessa sequência, a partir de meados de Julho de 2012, foi reforçada a vigilância sobre o método do controlo em vigor, nos termos da qual, os pedidos à cozinha passaram a ser efectuados mediante requisições escritas, em duplicado, sendo que o pedido original é entregue à cozinha e por esta posteriormente entregue à administração do hotel, ficando o duplicado em posse do funcionário, onde são anotados pedidos subsequentes, bebidas e sobremesas e posteriormente entregues à administração, para desse modo fazer o cruzamento com o respectivo talão de pagamento pelo cliente, permitindo assim averiguar eventuais divergências, tudo acompanhado por supervisão de responsáveis da empresa em cada momento. Nos dias a seguir d[i]scriminados, verificou-se que o arguido em dias sucessivos e fazendo disso regra, após servir as mesas, aquando da cobrança igualmente a seu cargo, cobrou a vários clientes um valor inferior ao efectivamente devido, sem para tal estar autorizado, utilizando para o efeito vários modos de actuar, seja por omissão de produtos consumidos pelos clientes na factura, ou por troca na factura emitida do produto efectivamente consumido por outro mais barato, ou por registo de um número inferior de clientes, levou a que a empresa não tenha recebido o valor dos bens e serviços efectivamente vendidos. Por observação directa de responsáveis da arguente, constatou-se que estas práticas eram levadas a cabo com clientes por quem o arguido mantinha uma aparente proximidade. Com efeito, no dia 18/07/2012 — ao talão de requisição à cozinha n.º .., correspondendo a uma despesa de € 14,00, verificou-se terem sido cobrados ao cliente a quantia de € 12,00 conforme talão de caixa n.º 92, provocando um prejuízo de € 2,00. No dia 19/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar um risoto conforme talão de caixa n.º 620, provocando um prejuízo de € 8,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se ter sido cobrado meio medalhão de carne por € 14,00, quando deveria ter sido cobrado um completo por € 23,50, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 9,50. Ao talão de mesa n.º …, verificou faltar cobrar um café, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 1,00. Ao talão de mesa n.º .., verificou-se cobrar um risoto, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 8,00. No dia 20/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se por confronto com o talão de caixa n.º …, ter sido facturado o consumo de medalhões, por posta, sendo o preço igual, levando no entanto a alteração na gestão do stock. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se não terem sido cobradas 6 sobremesas conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo à empresa de € 18,00. No dia 21/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma água, conforme talão de caixa n.º 638, assim provocando um prejuízo de € 1,25. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se ter sido cobrado meio medalhão de carne no valor de € 14,00 conforme talão de caixa n.º …, quando o cliente consumiu um medalhão completo, vendido ao preço de € 23,50, assim provocando um prejuízo à empresa de € 9,50. Ao talão de mesa n.º 8678, verificou-‑se faltar cobrar uma salada mista, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 4,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar diversos produtos, sendo que a despesa era de € 323,60, tendo sido cobrados apenas € 240,00, conforme talão de caixa n.º 97, assim provocando um prejuízo de € 83,60. No dia 22/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar 2 colas (€ 1,85 unidade) conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 3,70. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma água, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 1,25. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar despesa de uma água e vinho que não possível identificar, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo apurado apenas quanto à água de € 1,25. No dia 23/07/2012 — ao talão de mesa n.º .., verificou-se faltar cobrar duas entradas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 9,80. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma entrada, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 4,90. No dia 24/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma carbonara, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 8,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar meio medalhão, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 14,00. Ao talão de mesa de jantar especial n.º …, verificou-se que deveria ter sido cobrado € 247,49 e não € 223,49, uma vez que jantaram 10 pessoas e foram facturadas apenas 9, havendo assim um prejuízo da empresa de € 24,00. No dia 26/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se que foi cobrado ao cliente uma açorda de camarão (vendida ao preço de € 12,00) quando na realidade o cliente consumiu um arroz de pato (vendido ao preço de € 17,00), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo ao cliente de € 5,00. No dia 27/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-‑se faltar cobrar uma água, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 1,25. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas entradas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 9,80. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma coca/cola (vendida ao preço de € 1,85), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 1,85. No dia 28/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas entradas (€ 4,90 unidade) e uma sobremesa (€ 4,90 unidade), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo à empresa no valor de € 14,70. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas águas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo no valor de € 2,50. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma garrafa de vinho, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo à empresa no valor de € 6,00. No dia 30/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se ter sido pedido e consumido pelo cliente uma dose de camarão tigre (vendido ao preço de € 42,00) tendo no entanto sido facturado uma dose de açorda de camarão (vendida ao preço de € 18,00), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 24,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma garrafa de vinho tinto, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo à empresa no valor de € 6,00. Ao talão de mesa n.º .., verificou-se faltar uma sopa (€ 2,50) e um bitoque (€ 7,98), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 10,48. No dia 31/07/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas entradas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 9,80. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar um prato de polvo, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 13,50. No dia 01/08/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma carbonara, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 8,00. No dia 02/08/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar um sumo, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 1,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar 2 cariocas de limão, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 2,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma dose de carne, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 7,00. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar um whisky novo, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 4,50. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas águas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 2,50. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar duas águas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 2,50. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar um compal (€ 1,75) e um descafeinado (€ 1,00), conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 2,75. Ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar cinco entradas, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 24,50. No dia 03/08/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma carbonara, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 8,00. No dia 06/08/2012 — ao talão de mesa n.º …, verificou-se faltar cobrar uma dose de cabrito, conforme talão de caixa n.º …, assim provocando um prejuízo de € 13,50. É convicção da arguente que o modo de actuar, tinha como fito o engrandecimento pessoal e estatuto social do arguido perante os terceiros beneficiários, sem que estes o tenham pedido e portanto de livre iniciativa deste, traduzindo-se num favorecimento a terceiros com o património da entidade patronal e à revelia desta. O arguido detém um cargo de chefia importante na empresa, tendo-se depositado neste uma confiança absoluta durante anos e que o arguido traiu. Os factos são muito graves pois traduzem um modo de subtracção de património da empresa e foi querido e conseguido pelo arguido, provocando um prejuízo importante à empresa e foram praticados com dolo directo» […] «Para além do supra exposto, o arguido desde há bastante tempo que apresenta comportamento indisciplinado, nomeadamente ao nível da apresentação, surgindo permanentemente a prestar serviço com mangas de camisa arregaçadas, sendo obrigatório estar com as mangas correctamente vestidas e botões apertados nos punhos. Tendo sido por várias vezes repreendido, verificou-se que o arguido nunca respeitou as ordens, levando a que, com o seu exemplo outros funcionários se apresentassem pontualmente nos mesmos modos, só alterados por intervenção permanente da supervisão.»
64) O Autor tinha ainda por costume e hábito não respeitar as regras de etiqueta e indumentária em vigor no hotel que impõem a apresentação em sala em mangas de camisa baixadas e punhos apertados — facto aditado pelo Tribunal da Relação;
65) Levando a que outros trabalhadores da Ré fizessem o mesmo — facto aditado pelo Tribunal da Relação;
66) O Autor foi instado por diversas vezes pela Direcção do Hotel para respeitar essas regras, o que não fez, tendo optado por uma posição de repúdio directo contra essa ordem — facto aditado pelo Tribunal da Relação.

O recorrente alega que o acórdão recorrido viola «o artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que eliminou erradamente um facto dado como provado», acrescentando que «o acórdão recorrido vem impedir uma decisão quanto ao trabalho suplementar ao eliminar o Ponto 62, por considerá-lo conclusivo», e que «alegou no seu articulado tudo quanto tinha que alegar, concluindo que em média, desconsiderando o trabalho prestado em feriados, domingos e sábados, trabalhou, pelo menos, duas horas por dia de trabalho normal», o que configura facto e não conclusão, «pelo que não se aceita a posição do acórdão recorrido, que quanto a isso pode e deve ser sindicada nesta sede, por violação da lei de processo».

A questão de saber se o n.º 62 do acervo de facto é conclusivo, versa, afinal, sobre matéria de direito, logo não está subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal, sendo que o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil reza que «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

No n.º 62 da matéria de facto tida como provada pela 1.ª instância constava que «[n]os últimos cinco anos anteriores à cessação da relação laboral, o Autor prestou, em média, duas horas diárias de trabalho suplementar à Ré», tendo o Tribunal da Relação do Porto entendido que se tratava de matéria conclusiva.

A este propósito, o aresto recorrido explicitou a fundamentação seguinte:

                    «[…] a matéria constante do n.º 62 é matéria conclusiva e como tal não pode constar da factualidade assente. Expliquemos.
                      O trabalho suplementar está relacionado com o horário de trabalho [artigo 2.º do DL n.º 421/83 de 02.12, em vigor na data da celebração do contrato de trabalho].
          Reclamando o aqui trabalhador o pagamento de trabalho suplementar, a ele compete alegar e provar qual o horário de trabalho que acordou com a sua empregadora, neste se incluindo as interrupções para o almoço e jantar, se for caso disso [artigo 200.º, n.º 1 do CT/2009] e as concretas horas e dias que trabalhou para além desse horário.
                 Ora, o aqui trabalhador, apesar de ter alegado que trabalhou todos os feriados e domingos, e ainda aos sábados, e pelo menos duas horas em “período normal”, não alegou qual o seu horário de trabalho, e quais os dias de descanso/folga acordados com a empregadora ou por esta determinado aquando da sua contratação [a testemunha FF referiu ao tribunal que era o aqui trabalhador que estipulava o horário dele e dos seus funcionários, que o horário seria das 10H30 às 15H e das 18H às 22H mas não lhe foi perguntado qual o intervalo de descanso dentro desse horário; a testemunha KK disse que o horário seria das 10H30 às 15H30 e das 18H30 às 22H30 e também não indicou o intervalo de descanso, dizendo apenas que havia intervalo de almoço e de jantar, que o dia de descanso era à 2.ª feira e ao domingo trabalhava meio dia, esclarecendo ainda que havia um registo de entrada e saída que era feito pelo aqui trabalhador; a testemunha GG disse que trabalhavam 8 horas por dia dividido em dois turnos e que fechavam à 2.ª feira, sendo o horário do aqui trabalhador de 3.ª feira a domingo]. E na matéria de facto dada como assente sob o n.º 62 não se pode falar em “trabalho suplementar” sem que se apure qual o horário de trabalho do aqui trabalhador, até porque, e segundo o depoimento de algumas das testemunhas o horário estava dividido por dois períodos do dia, importando saber, em concreto, se as horas “suplementares” respeitam ao primeiro, ao segundo período ou a ambos. Acresce dizer que o trabalho ao domingo e ao sábado só poderá ser considerado “trabalho suplementar” se os dias de descanso do aqui trabalhador coincidissem com estes dias [sem esquecermos que cada restaurante tem um horário próprio de funcionamento, existindo alguns que não fecham ao público, ou seja, que trabalham todos os dias da semana].
                     Assim, e ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4 e n.º 5 do NCPC se declara não escrito o n.º 62 da matéria de facto assim se eliminando o mesmo por conter tão só uma conclusão.»

Ora, a questionada proposição, ao consignar que, «[n]os últimos cinco anos anteriores à cessação da relação laboral, o Autor prestou, em média, duas horas diárias de trabalho suplementar à Ré», na justa medida em que não se apurou qual o horário de trabalho ajustado, nem quais os dias de descanso fixados, não se encontra factualmente sustentada, pelo que, tratando-se de asserção de natureza conclusiva e respeitando ao thema decidendum, não podia continuar a figurar no elenco da matéria de facto provada, tal como se deliberou no acórdão recorrido.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões A), na parte atinente, e T) a Y) da alegação do recurso de revista, termos em que será com base no acervo factual supra enunciado que há-de ser resolvida a questão nuclear suscitada no recurso.

2. O trabalhador invoca que o acórdão recorrido «viola os artigos 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e) e d), e 387.º, n.os 3 e 4, do Código do Trabalho, por permitir um despedimento sem justa causa, alterando os factos, fundamentos e valoração da nota de culpa» e, bem assim, «o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que proíbe os despedimentos sem justa causa», pois «é sobre os fundamentos invocados para o despedimento, e não outros, que deve o tribunal pronunciar-se», não podendo «o tribunal corrigir a decisão da nota de culpa, acrescentando-lhe outros factos, outros fundamentos ou valorando-os de forma distinta, dando a alguns mais importância do que a própria entidade empregadora», sendo que, face ao «que consta da nota de culpa e os factos dados como provados e como não provados, […] não existe qualquer justa causa de despedimento».

Mais aduz que «[a]s mangas arregaçadas, apresentadas como algo acessório na nota de culpa, não podem por si justificar a licitude do despedimento, desde logo porque tal facto não fundamentou na realidade o despedimento, funcionando apenas como circunstância agravante dos factos que levaram ao despedimento», aditando que não aceita que o acórdão recorrido trate essa desobediência às regras de etiqueta «como uma afronta quando decidiu que não devia ser dado como provado que o Recorrente tinha animosidade para com a administração da Recorrida e que iniciou um estado de afronta à nova administração», nem que «não tenha uma perspetiva minimamente crítica quanto às regras sobre as ditas mangas arregaçadas», atendendo, «primeiro, [à] inexistência de um regulamento interno na empresa ou código de indumentária que expressamente regulasse esta matéria, segundo, [à] existência de um certo grau de autonomia técnica no desempenho das funções de chefe de mesa».

O recorrente alega, ainda, que o acórdão recorrido aditou um fundamento à nota de culpa, «a violação do artigo 351.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho», e que «dá novo fundamento ao despedimento, entendendo que o Recorrente mostrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto, ignorando até o Ponto 53 que, contrariamente, deixa como assente que o Recorrente serviu a Recorrida de forma competente, diligente e interessada», propugnando que «não se pode aceitar a mera desobediência a uma qualquer orientação como uma situação justificativa de despedimento», que fundamentar a justa causa em desinteresse pelo cumprimento das suas obrigações, «além de ilegal é contraditóri[o] com a matéria de facto dada como provada, designadamente no Ponto 53» e que não se podem ignorar os anos de trabalho diligente, competente e zeloso, a angariação de clientes e as circunstâncias de prestação de trabalho, como atenuantes da conduta do recorrente.

A sentença do tribunal de primeira instância decidiu que os comportamentos imputados ao trabalhador «só por si não assumem, […], sem mais, gravidade bastante para legitimar uma decisão de despedimento com justa causa».

Diversamente, o acórdão recorrido entendeu que «as relações de trabalho não podem perdurar quando as descritas condutas do trabalhador — desobediência ilegítima a ordem de superior hierárquico e repetido desinteresse pelo cumprimento das funções com zelo e diligência — constituem, objectivamente, motivo de quebra de confiança por parte da empregadora», tendo declarado o despedimento lícito.

2.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

No plano infraconstitucional, estando em causa um despedimento efectuado em 31 de Outubro de 2012, há que atender à disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador contida no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor a partir de 17 de Fevereiro de 2009, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De acordo com o n.º 1 do artigo 351.º constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 2 do artigo 351.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume clara natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 128.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea g)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no n.º 1 do artigo 126.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Tal como determina o n.º 3 do artigo 351.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento, sendo que «o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador» (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 387.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho), havendo que aditar, face ao alegado pelo recorrente, que não tem aplicação o disposto no n.º 4 do artigo 387.º, já que não se configuram motivos formais para decretar a ilicitude do despedimento.

2.2. O comportamento infraccional imputado ao trabalhador cinge-se, como dão nota os autos e os factos provados, a duas situações autónomas: (i) a primeira refere-se ao incumprimento reiterado do trabalhador quanto às exigências da entidade  empregadora relativamente à indumentária a usar em serviço; (ii) a segunda prende-‑se com a circunstância de o trabalhador, entre os dias 19 de Julho de 2012 e 6 de Agosto de 2012, «em dias sucessivos e fazendo disso regra, após servir as mesas, aquando da cobrança igualmente a seu cargo, cobrou a vários clientes um valor inferior ao efectivamente devido, sem para tal estar autorizado, utilizando para o efeito vários modos de actuar, seja por omissão de produtos consumidos pelos clientes na factura, ou por troca na factura emitida do produto efectivamente consumido por outro mais barato, ou por registo de um número inferior de clientes».

No respeitante ao primeiro dos comportamentos imputados ao trabalhador, resultou provado que detinha «a categoria profissional de chefe de mesa, exercendo as suas funções no Hotel ..., propriedade da Ré», tendo o mesmo «por costume e hábito não respeitar as regras de etiqueta e indumentária em vigor no hotel que impõem a apresentação em sala em mangas de camisa baixadas e punhos apertados», «[l]evando a que outros trabalhadores da Ré fizessem o mesmo», e que «foi instado por diversas vezes pela Direcção do Hotel para respeitar essas regras, o que não fez, tendo optado por uma posição de repúdio directo contra essa ordem» [factos provados 1) e 64) a 66)].

A conduta descrita assume relevância disciplinar autónoma, na justa medida em que ofende, principal e predominantemente, o dever de cumprir as ordens e as instruções do empregador pertinentes à execução do trabalho, sendo que as regras de etiqueta e indumentária em causa, que impunham a apresentação do trabalhador na sala de restaurante «em mangas de camisa baixadas e punhos apertados», não se mostram contrárias aos direitos e garantias do trabalhador.

E não se pretenda que tal comportamento «não fundamentou na realidade o despedimento, funcionando apenas como circunstância agravante dos factos que levaram ao despedimento», porquanto o mesmo figura na nota de culpa em termos autónomos e «para além» da imputada cobrança de valores inferiores ao devido, não existindo qualquer nexo factual entre essas duas situações, que são distintas entre si.

Acresce que a circunstância do aresto recorrido entender que «não devia ser dado como provado que o Recorrente tinha animosidade para com a administração da Recorrida e que iniciou um estado de afronta à nova administração», não dirime a acolhida relevância disciplinar, já que se provou que o trabalhador foi instado, por diversas vezes pela Direcção do Hotel, para respeitar as regras de indumentária em vigor, o que não fez, «tendo optado por uma posição de repúdio directo contra essa ordem», sendo que, no apontado contexto, não colhe a circunstância de não existir «regulamento interno na empresa ou código de indumentária que expressamente regulasse esta matéria», nem a proclamada «existência de um certo grau de autonomia técnica no desempenho das funções de chefe de mesa».

No tocante ao comportamento assumido pelo trabalhador quanto à cobrança aos clientes de valores diversos dos efectivamente consumidos no restaurante, é de acolher idêntica caracterização — a da sua indiscutível relevância disciplinar.

Destacam-se, neste plano de consideração, os factos provados 9) a 47), que  evidenciam que, «[d]esde Fevereiro de 2012, […] os responsáveis da Ré começaram a suspeitar que o volume de bens alimentares saídos da cozinha do restaurante do hotel não se reflectia na correspondente receita em caixa», sendo que, «[a] partir de meados de Julho de 2012, a Ré reforçou a vigilância sobre o método de controlo em vigor na empresa, nos termos do qual os pedidos à cozinha que eram feitos mediante requisições escritas, em duplicado, sendo o pedido original entregue na cozinha e por esta passaram a ser posteriormente entregues à administração do hotel, ficando o duplicado em posse do funcionário, onde são anotados pedidos subsequentes, bebidas e sobremesas e posteriormente entregues à administração, para desse modo fazer o cruzamento com o respectivo talão de pagamento pelo cliente, permitindo assim averiguar eventuais divergências, tudo acompanhado por supervisão de responsáveis da empresa em cada momento», tendo ficado demonstrado que, entre 19 de Julho de 2012 e 6 de Agosto de 2012, o trabalhador cobrou valores diversos dos efectivamente consumidos no restaurante, a vários clientes e em dias sucessivos.

Mostra-se, assim, provada a violação, pelo trabalhador, do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º, sendo que a alínea d) do n.º 2 do artigo 351.º acolhe como justa causa de despedimento, o desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que o trabalhador está afecto.

Refira-se que tal conclusão não é contraditória com o teor do facto provado 53), porque este respeita ao conceito em que o trabalhador era tido na empresa ré, enquanto aquela resulta da concreta valoração jurídica dos factos provados 9) a 47).

E não se diga, como propugna o recorrente, que o tribunal recorrido corrigiu «a decisão da nota de culpa, acrescentando-lhe outros factos, outros fundamentos ou valorando-os de forma distinta»; na verdade, o tribunal, na apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, só pode servir-se dos factos e fundamentos constantes da nota de culpa e da decisão de despedimento, mas não se encontra adstrito à qualificação jurídica desses factos e fundamentos operada pelas partes, sendo livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito.

Ora, o circunstancialismo tido em consideração, foi o apurado na matéria de facto provada e esta teve como base a factualidade imputada na nota de culpa [facto provado 63)], objecto de reafirmação no articulado motivador do despedimento.

Tal como salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «quer o empregador no processo disciplinar e na contestação, quer o tribunal nas instâncias contiveram-se nos factos constitutivos das infracções tal como foi determinado logo na nota de culpa. […] Sendo certo que as indicações contidas no art. 351.º do C.T. não são taxativas e que o princípio do “nullum crimen sine lege” não pode ser [transposto] para o procedimento disciplinar laboral; integrar-se um determinado comportamento do trabalhador, que se admite ser culposo e que está descrito na factualidade assente, na violação de um ou de outro dos princípios descritos e/ou referidos no n.º 2 da citada norma, não releva para o juízo que se há-de fazer de saber se tal comportamento pode integrar o conceito de justa causa, juízo esse que é sempre casuístico. A ponderação será assim a de saber se aqueles factos praticados pelo trabalhador integram ou não o conceito de justa causa na medida em que sejam ou não culposos e sejam ou não graves na perspectiva da relevância que tenham na resolução ou manutenção daquele contrato.»

2.3. Afirmada a relevância disciplinar dos comportamentos imputados ao trabalhador, a apreciação da sua gravidade, para efeito de ponderação da justa causa de despedimento, há-de aferir-se em função do circunstancialismo que os rodeia.

Milita a favor do autor, neste âmbito, a sua antiguidade e, também, o facto de ter servido «durante mais de uma década a Ré de forma competente, diligente e interessada, sendo um dos responsáveis pelo sucesso do estabelecimento e pela angariação de numerosos clientes» [facto provado 53)].

Todavia, não se afigura serem esses factos suficientes para neutralizar ou diminuir a gravidade dos comportamentos assumidos pelo autor, em ordem a impor à ré a manutenção do vínculo laboral, porquanto, conforme é salientado no acórdão recorrido, «o bom comportamento do apelado ao longo dos anos que trabalhou para a sua entidade patronal — a aqui apelante — não “apaga” a inexigibilidade da manutenção da relação laboral, na medida em que a continuidade do contrato de trabalho representa, em termos objectivos, uma “insuportável e injusta imposição ao empregador” [Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, página 561]. Na verdade, as relações de trabalho não podem perdurar quando as descritas condutas do trabalhador — desobediência ilegítima a ordem de superior hierárquico e repetido desinteresse pelo cumprimento das funções com zelo e diligência — constituem, objectivamente, motivo de quebra de confiança por parte da empregadora».

Impressiona, neste domínio, a demonstrada posição de repúdio directo, por parte do trabalhador, contra as ordens reiteradas da empregadora no sentido da sua apresentação, na sala do restaurante, «em mangas de camisa baixadas e punhos apertados», «[l]evando a que outros trabalhadores da Ré fizessem o mesmo», bem como o carácter persistente da provada adulteração da facturação que foi elaborada pelo trabalhador, no breve período entre 19 de Julho de 2012 e 6 de Agosto de 2012.

Em derradeiro termo, é tempo de enfrentar o que se nos afigura essencial, in casu. O comportamento do trabalhador tem de ser analisado na perspectiva da sua projecção sobre o vínculo laboral, em atenção às funções por ele desempenhadas e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes. E, neste conspecto, há que reconhecer que o sobredito comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, teve necessariamente como consequência a perda de confiança no trabalhador, a quem estavam confiadas funções de chefia, estatuto que lhe impunha uma especial postura de zelo e diligência, e que, uma vez frustrada, é susceptível de criar na empregadora fortes dúvidas acerca da idoneidade futura do seu comportamento, acrescendo que, também do ponto de vista objectivo, revela uma completa desadequação da conduta do trabalhador no respeito pelos interesses da entidade empregadora.

Neste contexto, impõe-se concluir que o trabalhador, com o comportamento adoptado, violou, culposamente e de forma grave, os deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho e de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam confiadas, previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c) e e), e que esse comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, tornou, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento efectivado.

Configurando-se justa causa de despedimento, não ocorre a pretensa ofensa ao preceituado nos artigos 351.º, n.os 1 e 2, alíneas a), e) e d), e 387.º, n.os 3 e 4, do Código do Trabalho de 2009, e no artigo 53.º da Constituição, pelo que improcedem as conclusões A), na parte atinente, e C) a S) da alegação do recurso de revista.

                                              III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo do recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                              Lisboa, 14 de Janeiro de 2015
 
Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha