Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
39/03.4GCLRS-A.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
PENA CUMPRIDA
RELATÓRIO SOCIAL
SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
NULIDADE DA SENTENÇA
NON BIS IN IDEM
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADO O ACORDÃO RECORRIDO
Sumário :
I - A modificação legislativa introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, ao art. 78.º do CP foi no sentido de incluir no cúmulo de penas as que se mostram cumpridas, que serão descontadas na pena única. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado.
II - Diferentemente, devem ser excluídas as penas prescritas ou extintas, já que, se elas entrassem no concurso, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar.
III - Essas penas foram apagadas da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução. A renúncia é, nesses casos, definitiva.
IV - Donde, recuperar essas penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo da renúncia e condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, em frontal violação do princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP.
V - A falta de relatório social actualizado não constitui, de per se, uma nulidade.
VI - Enferma de nulidade a decisão que não enumerar os factos relevantes para a determinação da pena do cúmulo, nomeadamente, os atinentes à personalidade do arguido.
VII- A sentença referente a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deverá ser elaborada, como qualquer outra sentença, nos termos do art. 374.º do CPP, pois a lei não prevê nenhum desvio a esse regime geral.
VIII - A punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (art. 472.º, n.º 1, do CPP) destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o art. 77.º, n.º 1, do CP.
IX - Assim, o julgamento do concurso de crime constitui um novo julgamento destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, pois agora se aprecia a globalidade da conduta do agente. Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer em termos de factualidade.
X - Por isso, a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também da descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial.
XI - Ainda que se aceite sucinta essa referência, uma vez que os factos já constam desenvolvidamente das respectivas sentenças condenatórias, a mesma não deixa de ser essencial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas.
XII - A sentença do concurso constitui uma decisão autónoma, e por isso ela tem de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes ou qualquer outro leitor, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir.
XIII - Enferma de nulidade a sentença que omite completamente a referência aos factos, incluindo-se apenas a indicação das disposições legais infringidas e das penas aplicadas – arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, foi condenada, por acórdão da 1ª Vara Mista de Loures de 2.4.2009, em cúmulo das penas aplicadas nestes autos com as que sofrera em outros processos (adiante discriminados), na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão e 240 dias de multa, à taxa de 5,00 €.
Desta decisão interpôs a arguida recurso para este Supremo Tribunal, concluindo da seguinte forma:

1 - A arguida foi condenada, pela prática em autoria e co-autoria material de vários crimes de burla e falsificação de documentos, p. e p. pelas disposições aplicáveis do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de seis anos e seis meses de prisão efectiva.
2 - O mesmo artigo 71° do CP manda atender às circunstâncias que deponham a favor do agente, nomeadamente as suas condições pessoais e a sua situação económica. Nos termos deste artigo, como já vimos acima, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios: a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
3 - Dispõe o art.° 78° n.° 1 do Código Penal: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena”.
4 - Daqui decorre, portanto, que as penas efectivas que tenham sido cumpridas devem ser necessariamente tidas em conta no futuro cúmulo jurídico.
5 - Na nossa modesta opinião, o disposto no citado n.° 1 do art.° 78° do Código Penal – 2ª parte – aplica-se a penas efectivas. Àquela pena já cumprida que depois vai ser descontada no cumprimento da pena única aplicada no concurso de crimes. 6 - Consequentemente, se a pena se extinguiu pelo decurso do prazo da suspensão então ela já não deve integrar o cúmulo jurídico a operar, até porque se o fosse, apenas serviria para inflacionar a pena única.
7 - O Supremo Tribunal de Justiça, recentemente, no Processo n.° 2490/08, que correu termos na Secção, considerou o seguinte:
“A modificação legislativa (Lei n.° 59/2007) foi no sentido de incluir no cúmulo as penas já cumpridas, cujo cumprimento será descontado na pena única, mas não as penas já prescritas ou extintas. Estas não entram no concurso de penas, pois, de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”. Consequentemente, impende sobre o Tribunal, aquando do conhecimento superveniente do concurso de penas, averiguar se elas estão prescritas ou extintas. No caso de terem sido declaradas extintas, elas não poderiam ser englobadas na pena única determinada no acórdão recorrido.”
8 - É precisamente o que se verifica na pena assinalada no douto Acórdão como ponto nº 2 e que corresponde ao Processo Comum Colectivo n.° 16563/00.8 TDLSB, que correu os seus termos na 6ª Vara Criminal de Lisboa. O Acórdão faz a menção expressa de que esta pena já se encontra declarada extinta, pelo que nunca deveria ter sido integrada no Cúmulo Jurídico.
9 - Por outro lado, coloca-se esta mesma questão mas em relação à pena parcelar assinalada com o ponto n.° 6, pois com a entrada em vigor da nova lei (59/2007), o período de suspensão não pode ultrapassar o tempo da prisão aplicada.
10 - A decisão transitou em julgado no dia 19 de Maio de 2005 – pena de prisão de três anos, cujo tempo de suspensão se fixou em cinco anos.
11 - Mas, com a aplicação da lei mais favorável, este tempo de suspensão dever-se-ia fixar em três anos, o que, a acontecer, faria com que a pena já devesse ter sido declarada extinta, não integrando o presente cúmulo jurídico.
12 - O relatório social dos presentes autos data de Setembro de 2007.
13 - Todos os factos relativos às condições pessoais da arguida são imprecisos ou encontram-se desactualizados.
14 - Cabe ao Tribunal a quo solicitar relatório social actualizado a fim de proferir Acórdão devidamente fundamentado quanto às condições pessoais da arguida.
15 - Não o solicitando, como sucedeu no caso dos presentes autos, incorre na nulidade – omissão de pronúncia – prevista no art.° 379° c) do CPP.
16 - Os factos de todos os processos que integram o presente cúmulo jurídico, situam-se entre Outubro de 1997 e Janeiro de 2003 – cinco anos e quatro meses.
17 - Mas este período, apesar de ter alguma dimensão, só teve o seu auge no ano 2000, data em que a arguida emitiu cheques com mais regularidade.
18 - O facto com maior relevo que a arguida pretende aqui demonstrar é que o último cheque, por si emitido, data de Janeiro de 2003, há portanto 6 anos e 4 meses.
19 - Ao longo deste dilatado período não mais voltou a arguida a praticar qualquer ilícito, tendo a vida de uma cidadã perfeitamente inserida e socialmente responsável.
20 - E não se pense que a arguida ao ver a sua pena única suspensa na sua execução iria sair desta situação impune, pois já cumpriu um ano de prisão no Estabelecimento Prisional de Tires, tendo sido libertada, face a um quadro atenuativo muito forte, em sede de reabertura de audiência.
21 - Existem, em nosso entender, diversos factores para a aplicação do art.° 50° do Código Penal: (1) a confissão integral e sem reservas em quase todos os processos, (2) o arrependimento, (3) o bom comportamento e ocupação laboral quando esteve detida no Estabelecimento Prisional, (4) a motivação da toxicodependência (5) e o longo tempo decorrido sobre a prática dos factos.
22 - Os crimes praticados são de baixa/média gravidade.
23 - O art. 50° n.° 1 estabelece que quando seja aplicada uma pena de prisão não superior cinco anos poderá o tribunal suspender a execução da pena de prisão. Além deste pressuposto formal, é necessário atender à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que este foi cometido (pressupostos materiais cumulativos), tendo o tribunal que concluir que a simples censura do facto e a ameaça a prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim
Personalidade do Agente e suas condições de vida
A arguida tem trinta e sete anos de idade.
Tem um filho de tenra idade – quatro anos – e provém de uma família carente, mas devidamente estruturada
Encontra-se grávida do seu segundo filho.
Beneficia de um forte apoio familiar.
Vive em união de facto que lhe dá estabilidade, conforme ficou provado no douto Acórdão;
Conduta anterior e posterior ao crime
A arguida foi consumidora de droga, motivação única e exclusiva da prática dos seus crimes.
Em liberdade tem tido uma postura isenta de reparos e não comete qualquer ilícito há mais de seis anos.
Confessou os factos na maior parte dos seus processos.
Demonstrou arrependimento sincero.
Teve um comportamento exemplar no interior do Estabelecimento Prisional, local onde realizou um esforço notável no sentido de se recuperar, tendo hábitos regulares de trabalho.
Está totalmente recuperada do consumo de estupefacientes.
24 - Com sinceridade, parece-nos difícil encontrar, num processo desta natureza, um quadro atenuativo tão forte, como o que esta arguida apresenta, não se compreendendo a condenação em pena efectiva.
25 - Atento o louvável percurso da arguida no interior do Estabelecimento Prisional, numa primeira fase, bem como a perspectiva de um futuro responsável e estruturado, agora que está em liberdade, será de ver a execução da sua pena de prisão suspensa, mas sob a condição de manutenção do tratamento a toxicodependência que continua a realizar em liberdade, durante todo período da suspensão, com um controlo efectivo por parte do Tribunal, solicitando este todas as informações que julgue necessárias para esse efectivo controlo.

A sra. Procuradora da República respondeu, nos seguintes termos:

1 - Concordamos com a posição da recorrente quanto à não inclusão no cúmulo jurídico das penas prescritas ou extintas.
2 - Na verdade, a eliminação da expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta” que constava da versão anterior lai da referida norma penal e a sua substituição pela expressão “sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”, introduzida por aquela Lei, significa que o Legislador decidiu incluir no cúmulo jurídico unicamente as penas já cumpridas, cujo cumprimento será descontado na pena única, mas não as penas já prescritas ou extintas.
E donde decorre, segundo cremos, que as penas efectivas que tenham sido cumpridas devem ser necessariamente tidas em conta no futuro cúmulo jurídico, não o devendo ser as que tenham sido declaradas extintas ou prescritas.
Porque, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2008, proferido no Processo nº 2490/08 – 3ª Secção, “…Estas não entram no concurso de penas, pois, doutra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram ‘apagadas’…”.
Cremos, até, que a este argumento outros três se poderão acrescentar.
Desde logo a constatação de que, cumpridas ou extintas que estejam as penas que sejam incluídas no cúmulo jurídico, em sede de liquidação da pena haverá a necessidade de como que “desfazer” (ao menos virtual ou mentalmente) o cúmulo efectuado para da pena única retirar as que tenham já sido cumpridas ou declaradas extintas e, assim, apurar a pena única efectiva que resta cumprir.
Ou seja: de um lado incluem-se tais penas no cúmulo jurídico para depois, por outro lado, as mesmas serem retiradas do cômputo da pena única efectiva a atingir.
O que, convenhamos, não parece fazer qualquer sentido, até por se traduzir em trabalho absolutamente inútil.
Depois por, no caso das penas já declaradas prescritas, ter sido o próprio Estado a abdicar do seu “jus puniendi”, não fazendo qualquer sentido que essa “abdicação” seja como que “substituída” na actividade processual do Julgador em que verdadeiramente se traduz a respectiva inclusão no cúmulo jurídico a efectuar.
Finalmente, porque a inclusão dessas penas (prescritas ou extintas), ao fazer aumentar os limites mínimo e máximo em que o Julgador se deve movimentar para atingir a pena única efectiva a aplicar, poderá fazer com que se venha a ultrapassar o limite da pena exigido para a suspensão da respectiva execução.
3 - Concordamos igualmente com os pontos 9 a 11 da motivação.
4 - Contudo, discordamos da não inclusão da pena no cúmulo jurídico aplicado no P. 11264/97.5JDLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa, uma vez que à data da audiência de cúmulo tal pena não estava declarada extinta.
5 - A não inclusão das penas aplicadas no P. 16563/00.8TDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, no cúmulo jurídico efectuado nestes autos leva necessariamente a um limite mínimo e máximo inferior da pena em que o julgador se deve movimentar para atingir a pena única efectiva a aplicar.
6 - Assim, reformulado o cúmulo jurídico e ao ser aplicada uma pena de 5 anos de prisão à arguida entendemos que a mesma deve ser suspensa na sua execução por se verificarem os pressupostos consignado no art° 50º do C. Penal.
São termos em que, revogando o Acórdão ora em recurso e ordenando a sua substituição por outro que não inclua no cúmulo jurídico as penas aplicadas no Processo 16563/00.8TDLS6 da 6ª Vara Criminal de Lisboa e aplicando à arguida uma pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução, por se verificarem os pressupostos do artº 50º do C. Penal, se fará como sempre JUSTICA!

Os autos foram remetidos, porventura por lapso, à Relação de Lisboa, na qual o sr. Relator, por decisão sumária, declarou esse Tribunal incompetente, nos termos do art. 432º, nº 1, c) do Código de Processo Penal (CPP).
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer quanto à matéria do recurso:

II.1 – Quanto à inclusão de penas extintas no cúmulo jurídico efectuado:
1.1.- Partilhando do entendimento sufragado pela Senhora Procuradora da República e bem assim defendido pela recorrente, crê-se que as penas parcelares impostas no Proc.º n.º 16563/00.8TDLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, resolvidas na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e declarada extinta, não deviam ter sido integradas no cúmulo jurídico.
E isto porque se é certo que, por via da alteração introduzida ao art.º 78º, n.º 1 do C. Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deve a pena extinta pelo cumprimento integrar o cúmulo e descontar-se no cumprimento da pena conjunta aplicada ao concurso de crimes, já nos parece que outro tanto não sucederá com as penas extintas por razões diversas do cumprimento [v.g. por decurso do tempo de suspensão (art.º 57º, n.º 1 do C. Penal), por perdão genérico que apague a pena no seu todo (art.º 128º, n.º 3 do C.P.)] ou com as prescritas, sob pena de tal poder constituir factor injusto de dilação da pena única, tendo em conta o agravamento que determina, se não do limite mínimo pelo menos do limite máximo da respectiva moldura abstracta do cúmulo, âmbito em que o julgador há-de movimentar-se em sede de determinação da pena conjunta (art.º 77º, n.º 2 do C. Penal).
Efeito que, no caso aqui em apreciação, revelar-se-ia tanto ou mais perverso quanto é certo que a aplicação da alteração introduzida ao art.º 78º do C. Penal pela Lei n.º 49/2007, de 4.09 encontra-se justificada pela circunstância desse regime jurídico resultar mais favorável à arguida!
Daí entender-se que, assistindo nesta parte razão à recorrente, deverão ser expurgadas do cúmulo as penas parcelares por que foi condenada no Proc.º n.º 16563/00.8TDLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa. Depois…
1.2.- Com respeito às penas parcelares impostas à arguida no Proc.º n.º 11264/97.5JDLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa (resolvidas na pena conjunta de 3 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por 5 anos sob condição de, no prazo de 1 ano, a arguida pagar as indemnizações civis em que restou condenada):
Não deixando de ser verdade que com a alteração advinda da entrada em vigor da Lei n.º 49/2007 de 04.09 (regime jurídico que, por em concreto resultar mais favorável à arguida, há-de aplicar-se-lhe – art.º 2º, n.º 4 do C. Penal –) o período de suspensão não poderá ora exceder o tempo de prisão aplicada (o que tem como consequência que, no caso vertente, o período de suspensão de 5 anos sempre terá de reduzir-se a 3 anos, medida da pena privativa da liberdade objecto de substituição por aquela outra de carácter não detentivo) e representando-se igualmente certo que à data da realização do cúmulo ainda não fora declarada extinta a aludida pena de 3 anos de prisão, imposta à arguida naquele Proc.º n.º 11264/97.JDLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão de 05.11.2004, transitada em julgado em 25.11.2004, crê-se que, podendo a mesma pena encontrar-se extinta pelo decurso do tempo de suspensão (ora reduzido a 3 anos por força de lei expressa) nos termos do art.º 57º, n.º 1 do C. Penal, impunha-se ao tribunal recorrido averiguar se assim acontecia, de facto.
Ora, não tendo tal acontecido, quer parecer-nos que, deixando o tribunal recorrido de pronunciar-se sobre questão que lhe incumbia conhecer, incorreu na nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379º do C.P.P., a suprir pelo mesmo tribunal que, mediante prévia recolha da pertinente informação com respeito à extinção da pena (conjunta) imposta no referenciado Proc.º n.º 11264/97.5JDLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa, deverá proceder à reformulação do douto aresto impugnado.
Situação que, a verificar-se, determinará que outro tanto suceda relativamente à pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, imposta à arguida no Proc.º n.º 884/99 da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 07.10.2005, transitado em julgado em 26.10.2006.
Porém, a ter-se como inverificada a dita nulidade, entende-se então que as penas parcelares impostas à arguida e aqui recorrente AA no Proc.º n.º 11264/97.5JDLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa e bem assim as demais (salvo as aplicadas no Proc.º n.º 16563/00.8TDLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa) haviam que integrar o cúmulo uma vez que à data da prolação da decisão impugnada ainda não tinham sido declaradas extintas.
Finalmente, e a considerar-se que se encontram reunidas as condições para este Supremo Tribunal decidir de fundo da 2ª questão suscitada pela recorrente, dir-se-á…
II.2 – Quanto à medida judicial da pena conjunta e pretendida suspensão desta na correspondente execução:
2.1.- Ao invés do considerado pela recorrente, afigura-se-nos que os elementos constantes dos autos resultam suficientes para aferir das suas condições pessoais, de onde que, a nosso ver, nesta parte o douto aresto sob impugnação não padece da nulidade arguida.
E tanto assim é que os aspectos que a recorrente considera relevantes para o fim em vista foram objecto de cuidada ponderação pelo tribunal recorrido. É o que com meridiana nitidez flui do alegado pela recorrente no ponto 37º da sua motivação e o discorrido pelo tribunal a fls. 975 e 976 da fundamentação.
Partindo pois deste pressuposto, crê-se igualmente que, excluindo-se do cúmulo as penas impostas à arguida no mencionado Processo n.º 16563/00.8TDLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, a pena conjunta a aplicar bem poderá situar-se nos 5 anos de prisão e ser declarada suspensa na correspondente execução por igual período, embora condicionada a regime de prova (art.ºs 50º e 53º do C. Penal).
2.2.- E isto porque [não postergando o grau de ilicitude dos factos (reiteradamente praticados pela arguida ao longo de 6 anos e configurativos de crimes de falsificação, furto, burla e receptação), a intensidade da sua culpa e a indiscutível exigibilidade de que se revestem as necessidades de prevenção geral e especial (tendo em conta as sucessivas condenações sofridas) e sem perder ainda de vista as fragilidades pessoais da mesma arguida (decorrentes do hábito que durante anos manteve de consumir estupefacientes, associado à ausência de competências académicas necessárias a permitirem-lhe angariar ocupação profissional adequada a vencer a situação de precariedade económica com que se debate o seu agregado familiar)] de ponderar impõe-se, ao que se entende, que se é certo que os ilícitos em causa foram consumados entre Outubro de 1997 e Janeiro de 2003 (logo, há quase 7 anos) e quando a arguida era dependente do consumo de drogas, (vício que abandonou em 2004), não menos verdade é que, contando a arguida actualmente 38 anos de idade e sendo mãe de dois filhos menores, não só está integrada sob o ponto de vista social como conta com o apoio e a estabilidade que o seu companheiro lhe proporciona e o acompanhamento que goza junto dos seus familiares.
Daí que, sopesando tudo isto e bem assim a moldura abstracta do cúmulo (3 anos a 24 anos e 7 meses de prisão), se conceda que, por via de uma mais acentuada compressão que se imprima à pena conjunta, possa esta vir a situar-se nos 5 anos de prisão e bem assim declarar-se suspensa na respectiva execução.
2.3.- Efectivamente, não descurando o quadro circunstancial que exterior aos tipos legais ficou atrás anotado, crê-se que no caso da recorrente (que, como visto, mantendo-se desde 2004 abstinente do consumo de produtos tóxicos, encontra-se integrada socialmente, não havendo notícia de algo que sob o ponto de vista jurídico-criminal pese em seu desfavor desde Janeiro 2003) existem ainda assim razões para acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para satisfazer as finalidades da punição de forma adequada e suficiente, o que vale dizer para suspender na respectiva execução a pena que venha a ser-lhe imposta.
Suspensão esta que, a nosso ver, considerando as fragilidades pessoais da arguida, sempre deverá ser condicionada a regime de prova, assente num exigente plano de readaptação social (art.º 53º do C. Penal).

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do CPP, a arguida nada disse.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

São estas as questões colocadas no recurso:
a) Inclusão na pena única de penas parcelares extintas;
b) Nulidade da decisão por falta de relatório social actualizado;
c) Medida da pena e sua suspensão.
Para sobre elas tomarmos posição, importa conhecer a matéria de facto e a fundamentação de direito da decisão recorrida, que de seguida se transcrevem:

I – Relatório
1 – Nos presentes autos, por acórdão de 1.10.2007 e factos de Novembro de 2002 a 8.1.2003 foi a arguida AA condenada pela prática de dois crimes qualificados de falsificação, de um crime agravado de burla e de um crime de furto, respectivamente, p. e p. pelos art°s. 256°, n°. 3, 218°, n° 2, al. a) e 203° CP, nas penas de 1 ano, 2 anos, 3 anos e 4 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi aplicada à arguida a pena única de 4 anos de prisão.
A decisão em apreço transitou em julgado.
2 – Nos autos de processo comum colectivo n°. 16563/00.8TDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 5.11.2004 e factos de 28 a 30.5.2000, foi a dita AA condenada pela prática de dois crimes qualificados de falsificação de documento e dois crimes de burla, respectivamente, p. e p. pelos art°s. 256°, n°. 3 CP e 217°, n°. l CP nas penas parcelares de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um daqueles e de 1 ano de prisão por cada um destes.
Em cúmulo das penas parcelares aplicadas foi fixada a pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, a qual, entretanto, foi declarada extinta.
A decisão transitou em julgado em 25.11.2004.
3 – No processo comum singular n°. 383/99.3GCLRS, do 4° Juízo Criminal de Loures, por sentença de 3.11.2005 e factos de Abril/Junho de 1999, foi a arguida AA condenada pela prática de um crime de burla p. e p. pelo art°. 217°, n°. l CP na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 4.
A decisão transitou em julgado em 21.11.2005.
4 – Nos autos de processo comum singular n°. 846/00.0TASNT, do 1° Juízo Criminal de Sintra, por sentença de 21.2.2007 e factos de 15.8.2000, foi a dita AA condenada pela prática de um crime qualificado de falsificação de documento e de um crime de burla, respectivamente, p. e p. pelos arts. 256º, n° 3 e 217° CP nas penas de 1 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo das ditas penas foi encontrada a pena única de 15 meses de prisão.
A decisão transitou em julgado.
Posteriormente as referidas penas foram cumuladas com as do processo indicado em 6) tendo a pena única fixada sido de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução veio a ser suspensa por igual período, mediante regime de prova.
5 – No processo comum singular n°. 16862/00.9TDLSB, da 1ª secção, do 5° Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 20.12.2004 e factos de 6.4.2000, foi a arguida AA condenada pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo art°. 11°, n°. 1, al. b) DL 454/91 de 28.12 na pena de 45 dias de multa, à razão diária de € 5.
A decisão transitou em julgado em 2.11.2007.
6 – Nos autos de processo comum colectivo n°. 11264/97.5JDLSB, da 5ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 20.4.2005 e factos de Setembro/Outubro de 1997, foi a arguida AA condenada pela prática de um crime de furto p. e p. pelo art° 203°, n°. 1 CP na pena de 6 meses de prisão, pela prática de treze crimes de burla p. e p. pelo art°. 217°, n°. 1 CP na pena de 1 ano de prisão por cada um deles, pela prática de catorze crimes qualificados de falsificação de documento p. e p. pelo art . 256, n°. 3 CP na pena de 1 ano de prisão por cada um de treze deles e 8 meses de prisão pelo sobrante.
Em cúmulo de penas foi fixada a pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por 5 anos, com a condição de, no prazo de 1 ano, a arguida pagar as indemnizações civis em que foi condenada.
A decisão transitou em julgado em 19.5.2005.
7 – No processo comum colectivo n°. 884/99.3JDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 7.10.2005 e factos de 1997 e 1998, foi a arguida AA condenada pela prática de um crime continuado de receptação, de um crime qualificado continuado de falsificação de documento e de um crime continuado de burla, respectivamente, p. e p. pelos art°s. 30°, 231°, n°. 1, 256°, n°.3 e 217°, n°. 1 CP nas penas de 10 meses, 2 anos e 2 anos de prisão.
Em cúmulo foi fixada a pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período.
A decisão transitou em julgado em 26.10.2006.
II – Fundamentação
Do exposto resulta que a arguida praticou os ilícitos referidos de 1) a 7) antes do trânsito em julgado da condenação pela prática de qualquer deles.
Neste contexto afigura-se-nos ser de proceder ao cúmulo jurídico das penas referidas por se encontrarem entre si em relação de concurso.
Assim, de acordo com os art°s. 78°, n°s. l e 2 e 77°, n°. l CP, cumpre fixar para os processos referidos de 1) a 7) uma pena única, a qual se determina pela consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente e tem como limite abstracto máximo o da soma das penas aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, caso se trate de pena de prisão, ou 900 dias, tratando-se de pena de multa, sendo que o limite mínimo abstracto é o da pena mais elevada concretamente aplicada aos crimes em concurso, de harmonia com o art°. 77°, n°. 2 CP.
Por outro lado, para a determinação da pena única levar-se-á em atenção as penas principais aplicadas, independentemente do modo como foi determinada a respectiva execução, sendo ainda que se considerarão as penas singulares encontradas para cada um dos crimes em concurso e não as resultantes dos cúmulos parcelares em que tenham sido anteriormente integradas.
Ademais, de acordo com o art°. 77°, n°. 3 CP a diferente natureza das penas em concurso mantém-se na pena única resultante da cumulação de penas.
Deste modo temos que, nos autos, a pena única de prisão a determinar tem como limite abstracto teórico máximo 28 anos e 10 meses de prisão e de mínimo 3 anos de prisão.
Por seu turno, a pena de multa a englobar tem como limite mínimo 220 dias e máximo 265 dias.
Assim, atendendo aos limites abstractos máximos estabelecidos por lei, consideram-se reconduzidos a estes os limites abstractos mais elevados a considerar no caso presente.
Neste contexto, tendo em atenção os factos que resultam do teor das sentenças e acórdãos condenatórias cujos crimes se encontram em apreciação neste momento e o teor do CRC da arguida ponderar-se-ão, em concreto, as seguintes circunstâncias, com vista à determinação da pena única:
1 - O período de cerca de seis anos em que foram praticados todos os ilícitos em concurso, a sua natureza diversificada e número, sinal de uma generalizada indiferença aos valores do direito e de dificuldade de orientação segundo normas socialmente aceitáveis.
2 – A idade da arguida, que nasceu a 14.7.1971, e o facto de os crimes por si cometidos encontrarem causa na sua precariedade económica, toxicodependência e fragilidade emocional.
3 - A circunstância de à data da prática dos factos a arguida ser primária e o facto de, quando privada de liberdade, ter revelado adaptação e integração institucional e iniciado um percurso de reestruturação pessoal.
4 - O apoio e estabilidade que lhe é prestado pelo companheiro e o acompanhamento de que goza por parte dos familiares, sinal de integração familiar, sem ignorar contudo o fraco nível de estruturação da sua família de origem.
5 – A circunstância de ter um filho menor e de estar grávida de outro, certamente vectores de esforço na adequação das suas condutas a parâmetros socialmente aceitáveis, para o que concorre também a abstinência de consumos de tóxicos desde 2004.
6 – A precariedade económica do agregado familiar da arguida e a circunstância de se encontrar desempregada, sem meios próprios de subsistência, não tendo qualquer formação profissional ou qualificação académica, indicadores de vulnerabilidade e permeabilidade à retoma do percurso delituoso anterior, que parcialmente teve a mesma origem.
7 – A imaturidade e fragilidade reveladas pelo percurso da arguida e a propensão que manifestou à transgressão criminal, que denotam dificuldades ao nível da auto-estima e da assunção de um modo de vida responsável
8 – O tempo volvido sobre os acontecimentos e o sentimento de insegurança e impunidade que crimes de natureza análoga trazem à comunidade, não esquecendo a sua frequência e habitualidade em contextos sócio-económicos e culturais idênticos aos da arguida, os proventos obtidos, nem a elaboração das condutas por ela executadas.
Tudo visto e ponderado entende-se ser de aplicar à arguida a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão e 240 dias de multa, à taxa diária de € 5.

Analisemos então as questões colocadas pela recorrente.

A) Inclusão na pena do concurso de penas extintas

Estabelece o nº 1 do art. 78º do Código Penal (CP), na versão actualmente vigente, resultante da Lei nº 59/2007, de 4-9, o seguinte:

Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Anteriormente àquela Lei, o mesmo preceito dispunha assim:

Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior.

Do confronto das duas redacções sobressai a eliminação da expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta” pela Lei nº 59/2007, substituída pela de: “sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
A modificação legislativa foi incontestavelmente no sentido de incluir no cúmulo as penas cumpridas, que serão descontadas na pena única, como expressamente se dispõe no texto legal. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado.
Mas a situação é diferente quanto às penas prescritas ou extintas. Embora a letra da lei aparentemente consinta a inclusão, essas penas devem ser excluídas. É que, se elas entrassem no concurso, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar.
Ora, essas penas foram “apagadas” da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução. A renúncia é definitiva.
Recuperar essas penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo dessa renúncia. Seria, afinal, nem mais nem menos, condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, seria violar frontalmente o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29º, nº 5 da Constituição.
Consequentemente, há que erradicar da pena conjunta as penas extintas (ou prescritas) que entraram no concurso.
É o caso da pena aplicada no proc. nº 16563/00.8TDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa. No próprio acórdão recorrido se reconhece que a pena já tinha sido declarada extinta aquando da sua prolação. Esta pena deverá, pois ser excluída do concurso.
Mas já o mesmo não deverá suceder quanto à pena aplicada no proc. nº 11264/97.5JDLSB, da 5ª Vara Criminal de Lisboa, posteriormente englobada na pena conjunta decretada pelo 1º Juízo Criminal de Sintra, a qual foi declarada suspensa na sua execução, por sentença de 28.1.2008 (fls. 766-770).
Não estando extinta, essa pena deverá entrar no concurso.

B) Nulidade da decisão por falta de relatório social

Considera a recorrente que todos os dados pessoais a ela referentes constantes dos autos se encontram desactualizados, pelo que, não tendo o Tribunal requisitado um novo relatório social, incorreu na nulidade do art. 379º, nº 1, c) do CPP.
Compulsando os autos, constata-se que existe um relatório social, datado de 12.9.2007, mas ele encontra-se manifestamente desactualizado, pois foi realizado quando a recorrente ainda se encontrava na situação de reclusa.
Porém, a falta de relatório social actualizado não constitui, de per se, uma nulidade. Nulidade haverá se a decisão não enumerar os factos relevantes para a determinação da pena do cúmulo, nomeadamente quanto à personalidade da arguida.
Examinando a decisão recorrida, verifica-se que ela é efectivamente omissa quanto a factos referentes à condição pessoal da recorrente, tornando-se necessário que o Tribunal proceda, pela forma que considerar mais adequada, à recolha de elementos actualizados sobre essa matéria, de forma a inclui-los na decisão (art. 340º, nº 1 do CPP), sendo certo que a recorrente se encontra em liberdade desde 28.1.2008 (fls. 753), há mais de dois anos, portanto, e nada se sabe sobre a sua situação desde então, nem quanto aos aspectos familiar, social e laboral, nem quanto à sua atitude perante as drogas, aspecto fundamental para avaliar o grau de ressocialização, já que a toxicodependência foi apontada na decisão condenatória como o principal factor criminógeno.
A descrição dos factos atinentes à personalidade da arguida é um dos alicerces legais da determinação da pena do cúmulo, pois que esta resulta da ponderação em conjunto dos factos e da personalidade do agente – art. 77º, nº 1 do CP.
Mas o acórdão é também totalmente omisso quanto aos factos imputados à arguida nos diversos processos.
Há que recordar que a sentença referente a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deverá ser elaborada, como qualquer outra sentença, nos termos do art. 374º do CPP, pois a lei não prevê nenhum desvio a esse regime geral.
É preciso também frisar que a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (art. 472º, nº 1 do CPP), destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o já citado art. 77º, nº 1 do CP.
Assim, o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, pois agora se aprecia a globalidade da conduta do agente.
Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer em termos de factualidade.
Por isso, a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial.
Aceita-se que essa referência seja sucinta, uma vez que os factos já constam desenvolvidamente das respectivas sentenças condenatórias, mas tal referência sintética não deixa de ser essencial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas.
A sentença do concurso constitui uma decisão autónoma, e por isso ela tem de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes ou qualquer outro leitor, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir.
E que não cumpre se, como acontece no caso dos autos, se omite completamente a referência aos factos, incluindo-se apenas a indicação das disposições legais infringidas e das penas aplicadas.
Em conclusão, a decisão não cumpre o estipulado no nº 2 do art. 374º, sendo por isso nula, por força do art. 379, nº 1, a), ambos do CPP.
Prejudicadas ficam as restantes questões colocadas pela recorrente.

III. DECISÃO

Com base no exposto, decide-se:
a) Anular o acórdão recorrido, ao abrigo dos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, a), ambos do CPP;
b) Ordenar que se profira nova decisão, suprindo as deficiências que determinaram a anulação do anterior (eventualmente recorrendo-se ao disposto no art. 340º, nº 1 do CPP), sobre o cúmulo das penas em que a recorrente está condenada, do qual deverá ser excluída a pena em que foi condenada no proc. nº 16563/00.8TDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa.
Sem custas.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010

Maia Costa (Relator)
Pires da Graça