Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/09.4GCLLE.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: MEDIDA DA PENA
FINS DAS PENAS
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I - Na determinação da medida da pena assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, em matéria de culpabilidade, diz-nos o n.º 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
II - Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa.
III - Quanto aos fins utilitários da pena, importa referir que, contraposta no art. 40.º do CP a defesa dos bens jurídicos à reintegração do agente na sociedade, não se pode deixar de ver nesta uma finalidade especial preventiva, e, na dita defesa de bens jurídicos, um fim último que se há-de socorrer do instrumento da prevenção geral.
IV - Não está excluído que essa prevenção geral se faça sentir na sua vertente negativa ou intimidatória, devidamente controlada pela medida da culpa assacável ao agente. No entanto, a finalidade mais importante da pena, como instrumento de controlo social ao serviço da defesa dos bens jurídico-penais, analisa-se na vertente positiva da prevenção geral. Não se dirige portanto, enquanto tal, ao delinquente, ou aos potenciais delinquentes, mas sim ao conjunto dos cidadãos, junto dos quais a pena pode assumir um papel de confiança, pedagógico e de fortalecimento do próprio ordenamento jurídico.
V - O efeito de confiança efectiva-se quando os cidadãos verificam que, porque o direito se cumpre, por essa via se sentem mais seguros. É um efeito de satisfação das expectativas, depositadas na seriedade da advertência, ínsita na previsão normativa penal.
VI - O efeito pedagógico retira-se da criação ou do reforço da auto-censura individual, daqueles que têm que refrear os seus impulsos para cometer crimes e não os cometem. Os quais experimentam, mais ou menos conscientemente, uma satisfação dupla: com o sofrimento do criminoso que tem que cumprir pena por ter cometido o crime, e com o facto de o próprio ter resistido ao crime, subtraindo-se a qualquer pena.
VII - Do ponto de vista lógico, também a norma jurídica, enquanto tal, para se afirmar como obrigatória, necessita de atribuir consequências que se vejam efectivadas, para o caso de não ser observada.
VIII - Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa. Modificação que se não pode impor, obviamente, mas que se pode e deve proporcionar.
IX - Vemos no desiderato legal da “reintegração do agente na sociedade” a vertente positiva da prevenção especial, sem se olvidar a utilidade dos efeitos negativos do afastamento, em casos muito contados, e da intimidação a nível individual.
X - E por tudo isto é que a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de finalidades garantísticas, só do interesse do arguido.
XI - Quando, pois, o art. 71.º do CP vem dizer, no seu n.º 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não se pode dissociá-lo daquele art. 40.º. Então, a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual a fixação da pena iria pôr irremediavelmente em causa a sua função.
XII - Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como consequência de todo este procedimento.
Decisão Texto Integral: