Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1040
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA
ILAÇÕES
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
JUROS DE MORA
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200404220010402
Data do Acordão: 04/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1287/03
Data: 11/19/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. O nexo de causalidade (naturalístico) ou seja, indagar se, na sequência do processamento naturalístico dos factos, estes funcionaram ou não como factor desencadeador ou como condição detonadora do dano, é algo que se insere no puro plano factual, como tal insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
II. É já, todavia, questão de direito determinar se, no plano geral e abstracto, a condição verificada é ou não causa adequada do dano - conf. art. 563º do C. Civil.
III. A determinação da culpa, versus a violação do direito estradal, integrará matéria de direito quando se funde na violação ou inobservância de deveres jurídicos prescritos em lei ou regulamento. Integrará matéria de facto se estiver em equação a violação dos deveres gerais de prudência e diligência, consubstanciadores dos conceitos de imperícia, inconsideração, imprevidência, ou falta de destreza ou de cuidado.
IV. Existindo contra-ordenação estradal, existe uma presunção «juris tantum» de negligência contra o seu autor.
V. Há concorrência de culpas quando um condutor efectua uma ultrapassagem a cerca de 30 m de uma curva apertada, a uma velocidade superior a 100 km/h, vindo a perder o controlo do veículo nessa curva, entrando em despiste, sendo então embatido na traseira pelo veículo ultrapassado (que circulava também a cerca de 100 km/h) e só se imobilizando ao embater no muro do lado esquerdo considerado o sentido de marcha de ambos os veículos.
VI. Em tais circunstâncias, é adequada a fixação do grau de culpa em 80% e 20% respectivamente para o condutor do veículo ultrapassante e de 20% para o do veículo ultrapassado.
VII. É lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça.
VIII. A prova por presunções (judiciais) tem de confinar-se e reportar-se aos factos incluídos no questionário e não estender-se a factos dessa peça exorbitantes, posto que as presunções, como meios de prova, não podem eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respectiva repartição entre as partes.
IX. O Supremo apenas poderá censurar a decisão da Relação quando o uso de presunções (por esta) houver conduzido à violação de normas legais, isto é decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções.
X. Soçobrando a prova dos danos - a fazer na acção declarativa que não na executiva - não há que relegar a respectiva liquidação para execução de sentença a fixação do respectivo quantum, ao abrigo do disposto no nº. 2 do art. 661º do CPC.
XI. Em princípio, os montantes indemnizatórios deverão ser, todos eles, reportados à data da citação (arts. 804º, nº. 1 e 805º, nº. 3, do C. Civil). Só não será assim se, em data subsequente à da citação, vier a ser emitida uma qualquer decisão judicial actualizadora expressa que contemple, por majoração (e com base na estatuição-previsão do nº. 2 do art. 562º do C. Civil), esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos factores/índices da inflação e/ou da desvalorização ou correcção monetárias.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A", residente no Lugar de Monte de Barreiros, Ronfe, Guimarães, intentou acção sumária contra a "B, S.A.", com sede na Avenida da Liberdade, nº. .., Lisboa, em ordem a efectivar a responsabilidade civil emergente de um acidente de viação alegadamente causado pelo veículo XP, seguro na Ré, acidente esse ocorrido no dia 9-2-92.
Solicitou, a final, e com base nessa causa de pedir, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 2.529.463$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto e resumidamente, que o acidente em que foram intervenientes o veículo por si (A.) conduzido, de matrícula RG, e o veículo seguro na R., de matrícula XP, ocorreu por culpa do condutor deste, porquanto, no momento em que accionou levemente o travão de pé, para descrever com segurança uma curva, a parte traseira do seu veículo foi embatida pelo XP, que circulava a uma velocidade não inferior a 100 Kms por hora e a uma distância não superior a 4/5 metros.

2. Contestou a R. "B, S.A.", impugnando os factos alegados pelo A. quanto ao circunstancialismo em que ocorreu o acidente, alegando que, momentos antes deste, o RG ultrapassara o veículo XP a 100 Km/hora, entrou na curva a essa velocidade, tendo travado para tentar segurar o veículo, mas perdeu o controlo do mesmo e entrou em despiste, indo embater no muro que limita a berma da estrada do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, impugnando, por desconhecimento, os factos alegados quanto aos danos sofridos pelo A..

3. O Centro Regional de Segurança Social do Norte veio deduzir pedido de reembolso de prestações de Segurança Social, solicitando a condenação da R. "B, S.A." "a pagar-lhe a quantia de 112.455$00 relativa ao subsídio de doença concedido ao Autor A.

4. Por sentença de 5-3-03, o Mmo. Juiz da Comarca de Guimarães:
a)- condenou a Ré "B, S.A." a pagar ao Autor A a quantia de 1.300 € (mil e trezentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a data da presente decisão, até integral pagamento, à taxa de 7%, sendo aplicável qualquer alteração posterior da mesma enquanto não ocorrer o pagamento da indemnização;
b)- condenou a mesma Ré a pagar-lhe a quantia global de 83.831$63, ou seja 418,15 € (quatrocentos e dezoito euros e quinze cêntimos) a título de indemnização pelas despesas necessárias, custos de reparação e ganhos cessantes, acrescida de juros de mora, desde a data da presente decisão, até integral pagamento, à taxa de 7%, sendo aplicável qualquer alteração posterior da mesma enquanto não ocorrer o pagamento da indemnização;
c)- condenou a Ré "B, S.A." a pagar ao Centro Regional de Segurança Social do Norte a quantia de 22.491$00, ou seja 112,28 € (cento e doze euros e vinte e oito cêntimos);
d)- absolveu a Ré "B, S.A." da restante parte do pedido.

5. Inconformado, veio o Autor A apelar, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 19-11-03, julgado a apelação improcedente, e, confirmado, em consequência, a sentença recorrida.

6. Irresignado agora com tal aresto, dele veio o Autor A recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- Tendo-se provado que a cerca de 30 metros antes do local do despiste e choque dos veículos o veículo do A. circulava a velocidade superior a 100 km/hora - ou "próximo daquela" - não é possível concluir-se que era essa a sua velocidade no momento do choque, ou sequer "momentos antes do acidente";
2ª- Provando-se que o A. travou e perdeu o controlo do veículo (quesito 7º) e que o outro veículo XP o embateu na traseira (quesito 3º), não é possível dizer-se que foi o excesso de velocidade e a perda do controle do veículo do A. que causaram o acidente, pois o inverso é que seria verdadeiro: seguindo o Autor à frente do veículo segurado da Ré, quanto maior fosse a velocidade do A. menor era a probabilidade de ser embatido por esse outro veículo.
3ª- Provando-se que o RG (veículo do A.) foi embatido na traseira pelo XP (respostas ao quesito 3º) e que foi em consequência deste embate (resposta ao quesito 4º) que o RG foi projectado para a frente e de encontro a um muro de betão, existente do lado esquerdo da estrada e que daí voltou à metade direita da faixa de rodagem, imobilizando-se então contra um muro, tais factos excluem também qualquer causalidade da acção do veículo do A. em relação à produção do acidente;
4ª- Na dinâmica do acidente, que resulta do probatório, só a conduta do XP é causa adequada, definitiva e segura do deflagrar do acidente, pois a perda de controlo do veículo pelo A. e a travagem deste, ligando esta, numa relação de causa-efeito, à velocidade de que o A. vinha animado e à travagem do mesmo nem estava quesitada nem se provou (facto nº. 9);
5ª- Não é possível, a partir dos factos provados, concluir, como se fez, que o embate do XP na parte traseira do veículo do A. foi causado ou concausado pela travagem deste - o que ninguém alegou, nem se provou - sucedendo mesmo que o embate do XP no RG era até pura e simplesmente negado pela Ré seguradora - cfr. os arts. 14º e 15º da contestação - que sustentava ter o seu segurado evitado "milagrosamente" (!) tal embate (facto nº. 10);
6ª- Tendo-se provado que o condutor do veículo segurado na Ré circulava atrás do veículo do A., no mesmo sentido de marcha, a velocidade de cerca de 100 Km por hora e que embateu na traseira do A., tendo este depois embatido num muro que existe do lado esquerdo da estrada, sendo daí projectado contra o muro do lado direito, e que foi por causa desse embate que se deu o acidente, deve entender-se ter esse condutor do veículo segurado na Ré agido com culpa grave e exclusiva na produção do acidente;
7ª- É irrelevante (resposta ao quesito 6º) ter-se provado que cerca de 30 metros antes do acidente, o RG (veículo conduzido pelo A.) havia ultrapassado o XP circulando a velocidade superior a 100 Km por hora, pois daí não é possível extrair nenhuma ilação quanto à sua velocidade no momento do acidente, até porque a estrada se apresenta no local em subida, o que significa que muito rapidamente o Autor perderia velocidade;
8ª- Do mesmo passo (resposta ao quesito 7º) não releva em termos da causalidade no deflagrar do acidente, o ter-se provado que o Autor travou numa curva e entrou em despiste, pois esses simples factos não permitem ligar o motivo do despiste à travagem, sobretudo quando se provou que o veículo conduzido pelo segurado da ré embatera na traseira do veículo do A. com grande violência;
9ª- Tendo-se respondido ao quesito 11º "não provado" (perguntavam-se aí as consequências do acidente, em termos de sequelas e incapacidade parcial permanente do A. das quais se não fez prova integral, em virtude de o Autor residir no estrangeiro e não se poder deslocar a Portugal na ocasião do exame médico - autos a fls. 76), porque das respostas aos quesitos 9º e 10º se fizera um princípio de prova sobre essa matéria, já que o A. deixou, por exemplo, de poder praticar atletismo e karaté e sofreu danos psíquicos, deve nessa parte condenar-se a Ré seguradora no que a tal respeito se liquidar em execução de sentença (cfr. o Ac. STJ de 4/6/1974 in BMJ 238, 204);
10ª- Tendo-se provado que o Autor com apenas 23 anos de idade, sofreu "dores intensas e traumatismo psíquico" (alínea c) da especificação e resposta ao quesito 9º) em consequência de traumatismos crâneo-encefálico, fractura da omoplata direita e escoriações por todo o corpo, nomeadamente membros superiores e inferiores e na região frontal (resposta ao quesito 9º) sendo "um rapaz saudável à data do acidente, que lhe provocou uma dor imensa" (resposta ao quesito 12º) é adequada por tais danos não patrimoniais uma indemnização de 1.000.000$00, ou seja, de € 4.987,98;
11ª- No que respeita aos juros moratórios incidentes sobre a indemnização não é aceitável, que, quer quanto a danos patrimoniais quer quanto a danos não patrimoniais, se não actualize o respectivo valor, através da incidência de juros de mora desde a citação, pelo que a decisão de os fixar a partir da sentença não parece a mais correcta, nem consentânea com a jurisprudência formada acerca da melhor hermenêutica do nº. 3 do art. 805º do Código Civil para a qual quer os danos patrimoniais quer os danos não patrimoniais devem ser actualizados desde a citação (neste sentido o Ac. do STJ de 18/7/1997 in Col. Jur. STJ 1997, Ano V, Tomo I, pág. 163 a 166);
12ª- A decisão recorrida, a nosso ver, fez errada aplicação da lei, devendo, pois, ser revogada (cfr. os arts. 483º, 497º, 496º, 559º, 563º, 564º, 803º, 804º e 805º do Código Civil e arts. 5º, nº. 5, e 7º, nº. 3 do Código da Estrada em vigor, bem como os arts. 661º, nº. 2, e 664º do Código de Processo Civil).
Deve dar-se provimento ao recurso, julgando-se a acção procedente, e que o acidente foi provocado por culpa grave e exclusiva do segurado da Ré, fixarem-se os danos não patrimoniais do A. no valor de 1.000.000$00, isto é € 4.987,98, os danos patrimoniais já liquidados em € 418,15 e relegar-se para execução de sentença, a fixação dos danos patrimoniais sofridos como consequência das lesões corporais do A., e as sequelas de carácter permanente, que ainda não foram liquidados, sempre com juros contados desde a citação.

7. Contra-alegou a Ré "B, S.A.", sustentando a correcção do julgado.
Para o caso de não vir a entender-se que a matéria relativa à imputação subjectiva do sinistro deve ser arredada da apreciação a efectuar neste recurso, e para a hipótese de se decidir sindicar as ilações e/ou conclusões lógicas extraídas pelo tribunal a quo acerca da imputação subjectiva do sinistro automóvel ajuizado, deverá então ampliar-se o objecto do presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 684º-A, nº. 2, do CPC, como já havia sido requerido na apelação mas aí não foi tido em consideração, em face da improcedência da apelação do A., determinando-se a baixa dos autos à Relação para decisão da matéria de facto que a ora recorrida ali impugnou mas que então não foi, por isso, objecto de apreciação - v.g. art. 729º, nº. 3 do CPC.

8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

9. Usando dos poderes de remissão conferidos pelo nº. 6 do art. 713º do CPC, deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
a)- No dia 9-2-92, cerca das 22h15, na EN 206, ao Km 36,920, em Valdante, Brito, Guimarães, ocorreu um acidente de viação entre os veículos automóveis de matrícula RG, propriedade de C e conduzido pelo Autor, e de matrícula XP, propriedade de "Renault Gest, SA." e conduzido por D;
b)- Ambos os veículos circulavam no sentido Guimarães-Famalicão;
c)- O RG circulava pela metade direita da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha;
d)- O XP circulava atrás do RG à velocidade de cerca de 100Km/h (resposta ao quesito 2º conjugada com a decisão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 414 e 541 que considerou como não escrita, por excessiva e exorbitante, a resposta a esse quesito no que respeita tão só a palavra "superior" a quantificar a velocidade, e o Ac. STJ, a fls. 640 que manteve a mesma matéria de facto assente no acórdão da Relação do Porto);
e)- Ao Km 36,920 da EN nº. 206, em local que descreve uma curva apertada para a direita, considerando o sentido de marcha de ambos os veículos, o condutor do RG travou, perdeu o controlo do veículo e entrou em despiste;
f)- Cerca de 30 metros antes do local do despiste do RG, este havia ultrapassado o XP, circulando a velocidade superior a 100 Km/hora (resposta ao quesito 6º);
g)- Quando o RG descrevia uma curva, que se apresentava para a direita, atento o seu sentido de marcha, foi embatido na traseira pela dianteira do XP;
h)- Em consequência do embate, o RG foi projectado para a frente e de encontro a um muro de betão que limita a berma do lado esquerdo, considerando o seu sentido de marcha, e após para a metade direita da faixa de rodagem, atento o mesmo sentido de marcha, vindo a imobilizar-se de encontro ao muro que limita a berma do lado direito, considerando o sentido de marcha do RG;
i)- Em consequência do acidente, o Autor ficou inconsciente, tendo sido transportado ao Hospital de Guimarães e daqui transferido para o Hospital de S. João do Porto;
j)- Em virtude do acidente, o Autor sofreu traumatismo crâneo-encefálico, fractura da omoplata direita e escoriações por todo o corpo, nomeadamente membros superiores e inferiores e na região frontal;
l)- Tais lesões demandaram para o Autor uma ITA de 90 dias, além de lhe terem provocado dores intensas e traumatismo psíquico;
m)- O Autor nasceu a 08 de Maio de 1969;
n)- O Autor era um rapaz saudável à data do acidente, altura em que praticava atletismo e karaté, que teve de abandonar, o que lhe provocou uma dor imensa;
o)- Durante o período de ITA de 90 dias, o Autor sofreu um prejuízo de 180.000$00;
p)- Em consultas médicas, análises e medicamentos, o Autor despendeu a quantia de 75.000$00;
q)- Em consequência do acidente, o Autor ficou com um blusão de cabedal estragado no valor de 30.000$00;
r) O Centro Regional de Segurança Social pagou ao Autor A a importância de 112.455$00 processada a título de subsídio de doença;
s)- O proprietário do veículo de matrícula XP transferira a responsabilidade civil decorrente da circulação do seu veículo para a Ré "B, S.A."., por contrato de seguro, titulado pela apólice 190.000, por valores ilimitados, em vigor à data do acidente.
Passemos agora ao direito aplicável.

10. Âmbito da revista:
Centrou a Relação a sua pronúncia sobre os seguintes "thema decidenda":
- saber se o acidente em causa ocorreu ou não por culpa exclusiva do condutor do XP, segurado na Ré, pelo facto deste ter embatido nas traseiras do RG, conduzido pelo A.;
- montante dos danos não patrimoniais a atribui ao lesado (deveriam ou não ser fixados em 1.000.000$00?)
- com base na matéria de facto constante das respostas aos quesitos 9 e 10, e da resposta negativa ao quesito 11, deveria ou não relegar-se para liquidação em execução de sentença a indemnização emergente dos danos patrimoniais por IPP sofridos pelo A.?
- os juros moratórios deverão ser calculados a partir da citação ou a partir da data da prolação da sentença em 1ª instância.
Questões centrais essas que o recorrente ora reedita em sede de recurso de revista.

11. Responsabilidade pela produção do evento. Culpa/nexo de causalidade. Cinemática do acidente.
Nunca é demais insistir que o STJ, na sua qualidade de tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - arts. 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99, de 13/1, e 722º, nºs. 1 e 2, e 729º, nº. 1 do CPC.
Só na restritas hipóteses (excepções) contempladas no nº. 2 desse art. 722º - que no caso vertente se não verificam - é que o Supremo poderia proceder a tal sindicância em sede factual.
Ora, da factualidade provada e dada como assente extrai-se, com interesse decisivo para a solução de mérito, o seguinte:
- o XP, segurado na R., seguia à frente do RG do A., ora recorrente, e a cerca de 100 km/horários;
- o Autor, conduzindo aquele RG, ultrapassou o XP cerca de 30 metros antes duma curva para a sua direita, circulando a mais de 100 kms/horários;
- nessa curva, ao travar, o Autor perdeu o controlo do seu veículo e entrou em despiste;
- e ao descrever a curva foi embatido na traseira pela dianteira do XP;
- em consequência do que foi projectado para a frente e de encontro a um muro do lado esquerdo da via e, depois, de volta à sua hemi-faixa de rodagem, imobilizou-se contra um muro existente à margem direita da via.
Temos, pois, que a Ré logrou provar que o veículo do A. se despistou ao efectuar uma curva, por perda do seu controlo após travagem, na sequência de uma manobra de ultrapassagem efectuada cerca de 30 metros antes dessa curva e que realizou quando seguia a mais de 100 Kms/horários.
Já o Autor, ora recorrente, conseguiu provar que, concomitantemente com tal travagem e consequente despiste na via, por perda do controlo do seu veículo, este foi ainda embatido na traseira pela frente do XP segurado na R., que vinha imediatamente atrás do RG, após ter sido por este ultrapassado pouco antes dessa curva, e que esse embate o projectou mais para diante na via, acabando por ir de encontro aos muros que a ladeavam.
Temos pois:
- a perda de controlo do seu veículo pelo A., ao travar à entrada da curva, após a ultrapassagem feita ao segurado na R., e ter entrado em despiste, para o que o segurado na R. em nada contribuiu (a decisão de ultrapassagem, a mais de 100 Kms/hora e próximo da curva, foi do próprio A.);
- a projecção mais para diante do RG, devido ao embate na respectiva traseira pela frente do XP ocorrido após aquela travagem e, entrada em despiste, por perda do domínio da sua viatura; embate esse que terá sido determinado pela brusca travagem do A. e consequente perda de trajectória, por despiste, mas que levou à projecção do veículo para diante, de encontro ao muro que ladeava a estrada, na hemi-faixa de rodagem esquerda da via.
Ora, a «cinemática» do acidente, ou seja o iter causal-naturalístico do evento tal como foi apurado pelas instâncias, não pode agora ser posto em crise.
Isto sendo sabido que o nexo de causalidade (naturalístico) constitui, em regra, matéria de facto, cujo conhecimento, apuramento e sindicância se encontram subtraídos ao Supremo, como tribunal de revista que é. Indagar se, na sequência do processamento naturalístico dos factos, estes funcionaram ou não como factor desencadeador ou como condição detonadora do dano, é algo que se insere no puro plano factual, como tal insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça - conf., neste sentido, v.g, os Acs. de 11-6-02, in Proc. 1810/02, 15-5-03, in Proc. 1314/03, e 6-11-03, in Proc. 2960/03, todos da 2ª Sec.
É já, todavia, questão de direito determinar se, no plano geral e abstracto, a condição verificada é ou não causa adequada do dano, isto é, se dada a sua natureza geral, era de todo indiferente para a verificação do dano e só o provocou em virtudes de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que hajam intercedido no caso concreto. Isto sendo sabido que a nossa lei civil adoptou (conf. art. 563º) a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, adoptada por Ennecerus Lehman, in "Recht der Shuldverhaltnisse", 14ª ed., 1954, pág 63.
A causalidade pode, pois, ser apreciada, ou como consequência/sequência naturalística dos factos que se interligam e se condicionam ao ponto de uns serem causa desencadeante de outros, ou como valoração normativa dessa mesma sequência naturalística, em ordem a indagar se é possível estabelecer juridicamente a relação de causa e efeito entre o facto e o dano, na considerada situação concreta - conf. v.g. o Ac. do STJ de 30-9-99, in Proc. 506/99 - 2ª Sec.
O que torna uma tal indagação e uma valoração normativas indissociáveis da do apuramento da culpa do agente face à sua actuação no caso concreto.
Ora, quanto à determinação da culpa na produção do evento, versus a violação do direito estradal, há que recordar que uma tal actividade integrará também matéria de direito quando essa forma de imputação subjectiva se funda na violação ou inobservância de deveres jurídicos prescritos em lei ou regulamento. Já integrará, todavia, matéria de facto se estiver em equação a violação dos deveres gerais de prudência e diligência, consubstanciadores dos conceitos de imperícia, inconsideração, imprevidência, ou falta de destreza ou de cuidado.
É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa - conf. arts. 342º, nº. 1 e 487º, nº. 1, do C. Civil. Culpa que é apreciada em abstracto, pois que «na falta de outro critério legal, ... é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso», ou seja do homem médio que é o suposto ser querido pela ordem jurídica - conf. art. 487º, nº. 2 do C. Civil.
Constitui, outrossim, jurisprudência corrente a de que - em matéria de responsabilidade civil por acidente de viação cujo dano haja sido provocado por uma contra-ordenação estradal - existe uma presunção «juris tantum» de negligência contra o autor da contravenção - conf. Ac. do STJ de 6-1-87, in BMJ nº. 363, pág. 488.
Pois bem.
Já deixámos acima descritos os concretos comportamentos (actuações) dos condutores intervenientes.
Questiona o recorrente a consideração das instâncias de que era curta a distância entre os veículos após a ultrapassagem e de que o autor circulava "momentos antes do acidente" a velocidade superior a 100km/hora.
Mas como pode o Supremo imiscuir-se em tais dados circunstanciais relativos à eventual velocidade que os condutores imprimiam aos veículos por si tripulados no momento do acidente, ou seja nessas ocorrências da via real - já assentes em sede factual - para concluir de maneira diferente?
Insurge-se também quanto à consideração feita pelo tribunal de que o veículo do A circulava a velocidade excessiva - o que não está demonstrado, pois por si só a velocidade de 100km/hora não é excessiva - e que ela, associada à travagem efectuada, foi a causa de perda de controlo do veículo e subsequente despiste.
Ora, uma tal conclusão reporta-se directamente às circunstâncias concretas dos factos geradores ou desencadeadores do evento e às ilações lógicas a esse propósito extraídas pelas instâncias, as quais estabeleceram uma relação (naturalística) de causa-efeito entre a perda do controle do veículo (e seu subsequente despiste) e o excesso de velocidade e de travagem.
O que o Supremo pode dizer, em sede de juízo jurídico-subsuntivo e de apreciação do nexo de causalidade adequada, é que tal facto (velocidade do veículo, com a consequente perda de controlo do veículo, e subsequente despiste) não é (não foi ou não pode ter sido) segundo a sua natureza geral, de todo indiferente para a eclosão do evento.
Defende o recorrente que, em relação ao momento preciso do acidente nada se provou (nem em termos de velocidade, nem em termos de imperícia) em desabono da condução do Autor e, pelo contrário, em relação ao condutor do XP provou-se que nesse momento, circulava atrás do veículo conduzido pelo recorrente, à velocidade superior de 100km por hora (quesito 2º) e embateu na traseira do veículo conduzido pelo Autor (quesito 3º) necessariamente com grande violência pois o veículo do A. bateu num muro sito do lado esquerdo da estrada e foi projectado para o lado direito, onde se imobilizou (quesito 4º). Mais: provou-se ainda que todo o descontrolo do veículo do A. se deu "em consequência do embate" provocado pelo XP (resposta ao quesito 4º). Pelo que, assim, a ideia da concorrência de culpas dos condutores não é, pois, suportada pela matéria de facto provada.
Mas - pelo contrário - a Relação entendeu que da análise dos comportamentos dos condutores, seria de concluir que o RG fez uma manobra de ultrapassagem com excesso de velocidade enquanto circulava a mais de 100Km/h, e entrou na curva com velocidade inadequada para a descrever, atentas as suas características, na medida em que não conseguiu dominar o veículo, pois este entrou em despiste, depois de travar. Por sua vez, o condutor do XP circulava a 100Km/h, pelo que o fazia com excesso de velocidade instantânea.
É certo não se haver apurado a distância a que os veículos circulavam antes de se tocarem, mas a Relação extraiu a ilação lógica (presunção) de que, face à matéria de facto apurada e às regras de experiência, era de concluir que a mesma teria de ser curta. O que quer dizer que circulavam ambos em condições de risco abstractamente potenciadora da ocorrência de acidente.
E constitui jurisprudência corrente a de que "é lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça" - conf. v.g, entre muitos outros, o Ac. de 19-10-94, in BMJ nº. 440º, pág. 361.
A chamada prova por presunções (judiciais) permitida pelo art. 349º e segs. do C.Civil terá, é certo, e em princípio, que confinar-se e reportar-se aos factos incluídos no questionário e não estender-se a factos dessa peça exorbitantes, e terá de ter admitido sempre, e em princípio, contraprova ou prova do contrário, posto que as presunções, como meios de prova, não podem eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respectiva repartição entre as partes - conf. neste sentido o Ac. do STJ de 16-1-03, in Proc. 4274/02 - 2ª Sec.
Não cabendo ao STJ usar (ele próprio) de presunções judiciais, o que o Supremo poderá censurar é a decisão da Relação que, no que respeita a conclusões ou ilações de factos, infrinja o apontado limite, designadamente quando o uso de tais presunções houver conduzido à violação de normas legais, isto é decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções - conf. citado acórdão e ainda o Ac. de 15-2-00, in "Sumários", 38º, pág. 19, e de 18-12-03, in Proc. 3794/03 - 2ª Sec.
Poderá o Supremo censurar e sindicar os critérios normativos plasmados nas normas alegadamente violadas pelos intervenientes no acidente - por reporte ao elenco factual assente pelas instâncias - para efeitos de apurar das respectivas culpas e respectiva gradação, porquanto tal actividade já consubstancia matéria de direito.
Mas a ultrapassagem de tais limites não se descortina no caso «sub-specie», pois que as instâncias se moveram, na emissão dos respectivos juízos decisórios, dentro dos parâmetros delimitados pela lei e pela respectiva base instrutória.
Da forma como o acidente veio a eclodir - eclosão concretamente apurada pelas instâncias - é de concluir que ambos os condutores contribuíram para a produção do evento nos termos supra-apontados, não sendo, de resto, merecedor de censura o critério de repartição da responsabilidade entre os condutores dos veículos que veio a ser adoptado. Daí que, a se julga adequada e justa a percentagem de culpa de 80% e 20%, respectivamente imputada aos condutores do RG e XP, face ao circunstancialismo em que o acidente eclodiu.
Na verdade, face à manobra de ultrapassagem arriscada do RG ao XP, e à dificuldade que o seu condutor teve em descrever a curva e controlar o veículo face à velocidade que então lhe imprimia (em violação das regras de direito estradal contempladas nos arts. 7º, nºs. 1 e 2, al. b), e 10º, nº. 2 do então em vigor CE 54), é de concluir que o seu comportamento é sensivelmente mais censurável que o do condutor do XP.

12. Quantificação dos danos.
Quanto à quantificação desses danos, alega o recorrente que no art. 40º da p. inicial liquidou o seu pedido na importância global de 2.529.463$00 acrescida de juros à taxa legal em correspondência com as seguintes parcelas antes referidas:
a)- 1.000.000$00 - pelos danos morais referidos no art. 32º;
b)- 1.087.263$00 - pela incapacidade de que ficou sofrendo;
c)- 295.460$00 pela perda da retribuições no período de incapacidade;
d)- 90.000$00 de despesas com médicos, análises e medicamentos, peticionados no art. 35º;
e)- 57.200$00 por roupa inutilizada, peticionados nos arts. 36º, 37º e 38º.
O acórdão recorrido - confirmando a sentença da primeira instância - considerou dever ser fixada ao recorrente, a indemnização global de € 1.718,15 por:
a)- danos morais € 1.300,00
b)- danos patrimoniais € 418,15
Esse valor de € 1.718,15, segundo o mesmo aresto, deve ser acrescido de juros apenas desde a sentença até ao pagamento efectivo.
No que concerne ao montante compensatório a arbitrar a título de danos morais, o pedido formulado cifrou-se em 1.000.000$00, e a base sobre que incidiu a percentagem de responsabilidade do condutor do XP foi de 750.000$00.
O que foi apurado, a final, teve em conta a percentagem de 20% da responsabilidade do condutor do XP (art. 494º, aplicável "ex-vi" do nº. 3 do art. 496º, ambos do C. Civil, e a actualização do pedido, face à desvalorização da moeda, por força da inflação. Daí que o montante fixado na sentença recorrida seja de 260.627$00, ou o equivalente a 1.300 euros.
Ponderaram-se nessa fixação (equitativa) os factores constantes dos arts. 494º e 496º do C. Civil, sendo que o "quantum apurado", atentos as dores e desgostos sofridos pelo recorrente com o acidente, a sua idade e o seu grau de culpa, o montante encontrado se mostra justo e equilibrado.

13. Liquidação em execução de sentença.
Com base na matéria de facto constante das respostas aos quesitos 9 e 10 e da resposta negativa ao quesito 11, pretende o recorrente que deveria relegar-se para liquidação em execução de sentença a indemnização emergente dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, pois que se lhe afigura que o dano se provou, faltando apenas apurar se desse dano resultou alguma incapacidade permanente para o autor. O recorrente - alega - ter tido sequelas de carácter permanente - quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista psíquico - que estão já provadas (resposta ao quesito 10º): teve uma incapacidade temporárias por 90 dias, doses intensas e traumatismo psíquico.
As instâncias entenderam, contudo, não haver sido provado qualquer dano, já que as lesões sofridas pelo autor não seriam habitualmente co-relacionadas com sequelas permanentes (IPP), não sendo pois um seu efeito "típico" (sic) delas, pelo que nada haveria que liquidar em execução de sentença.
Se existir falta de elementos para fixação do «quantum» indemnizatório, é de aplicar a regra do art. 661º, nº. 2, do CPC - relegação para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação desse «quantum» (se não houver elementos para que tal se faça na acção declarativa).
Todavia, como bem obtemperou a Relação, o pedido formulado assenta em danos que afectam a incapacidade para o trabalho, que estão relacionados com sequelas permanentes (IPP), o que não é típico das lesões sofridas pelo A., aqui recorrente, como seja o traumatismo craniano, a fractura da omoplata direita e escoriações. E o alegado abandono do karaté e do atletismo não integram o pedido, na medida em que não foram alegados factos (substanciação) dos quais emergisse qualquer dano patrimonial.
Daí que, o que está verdadeiramente em causa, não é a determinação do quantum indemnizatório, mas a existência do próprio dano (que as instâncias deram como não provada). E não existindo dano, não se verificam os pressupostos do artigo 661º, nº. 2, do CPC, pelo que não é de relegar para execução de sentença a determinação do montante indemnizatório, pois que esse preceito postula que tal relegação só tenha lugar quando «não houver elementos para fixar ... a quantidade».
A jurisprudência deste Supremo Tribunal é, aliás, uniforme no sentido de que, soçobrando a prova dos danos - prova essa a fazer na acção declarativa que não na executiva - não há que relegar a respectiva liquidação para execução de sentença - conf. v.g, entre muitos outros os Acs. de 29-2-2000 - 6ª Sec, in "Sumários", nº. 38, pág 30, e de 18-9-03, in Proc. 2195/03 - 2ª Sec.

14. "Dies a quo" da contagem dos juros moratórios relativos aos danos patrimoniais.
Pretende o recorrente que a quantia arbitrada a tal título deve vencer juros desde a citação e não apenas da data da sentença de 1ª instância (5-3-03). Que dizer?
Escreve-se, a dado passo, da decisão de 1ª instância:
"Do anteriormente exposto resulta que o montante dos danos patrimoniais decorrentes para o Autor A do acidente dos autos perfaz a quantia global de 285.000$00 (105.000$00 + 180.000$00).
Deste modo, uma vez que ficou estabelecida em 20% a percentagem de culpa do condutor do XP na produção do acidente, ao Autor A assiste direito a uma indemnização por danos patrimoniais equivalente a essa percentagem.
Temos assim que a indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao Autor A é de 57.000$00 ... . Actualizando, porém, esse valor total de indemnização - 57.000.000$00 - pois que quanto aos danos não patrimoniais os índices de inflação foram já considerados como "demais circunstâncias do caso" - de acordo com os índices de inflação, temos que o A. deve ser indemnizado na quantia de 83.831$63 " (sic).
Tal como se considera no Ac. deste Supremo tribunal de 31-3-04, in Proc. 863/04 - 2ª Sec, há que chamar, neste domínio, à colação a doutrina ínsita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº. 4/2002 de 9 de Maio, publicado no DR, 1ª Série de 27-1-02, pág. 5057 e ss.
Decidiu-se no dito aresto que "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº. 2 do artigo 506º do C. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº. 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº. 1, também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação".
No caso "sub judice", e tanto quanto decorre da sentença de 1ª instância, operou-se ("ex-professo") um cálculo actualizado ao abrigo do nº. 2 do artigo 566º do C. Civil.
Surpreende-se, com efeito, uma ostensiva decisão actualizadora da indemnização, com apelo também expresso aos "índices de inflação" entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da acção.
Logo, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data daquela sentença condenatória de 1ª instância, pois que representam o efectivo prejuízo do credor, ou seja o prejuízo resultante da privação do respectivo capital por banda do lesado.
No fundo adoptou-se um critério actualizador em função da diferença de valor entre aquela data da entrada da acção em juízo e a data do encerramento da discussão em 1ª instância.
Diga-se ainda que, nesta problemática da cumulação dos juros com a actualização operada por qualquer instância - tudo nos termos do citado Ac. Unif. nº. 4/2002, e segundo os próprios termos deste aresto, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos não patrimoniais e ainda entre as diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do nº. 2 do art. 566º. Vão neste sentido, v.g os Acs. deste Supremo Tribunal de 8-5-03, in Proc. 810/03-2ª Sec. de 13-11-03, in Proc. 3088/03 - 2ª Sec., e de 4-12-03, in Proc. 3512/03 - 2ª Sec.
Em princípio, os montantes indemnizatórios deverão ser, todos eles, reportados à data da citação, de harmonia com a regra geral plasmada nos arts. 804º, nº. 1 e 805º, nº. 3 do C. Civil. Só não será assim se, em data subsequente à da citação, vier a ser emitida uma qualquer decisão judicial actualizadora expressa que contemple, por majoração (e com base na estatuição-previsão do nº. 2 do art. 562º do C. Civil), esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos factores/índices da inflação e/ou da desvalorização ou correcção monetária.
Isto para arredar duplicações ou cumulações que colidam os critérios de justiça material, ademais ao arrepio dos fundamentos da alteração ao disposto no artigo 805º do C.Civil, pelo DL 262/83 de 10/6 e da aludida interpretação uniformizada.

15. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista do A;
- considerar prejudicado o pedido da ampliação do objecto do recurso deduzido pela recorrida "B, S.A." a título subsidiário.
Custas da revista pela recorrente, mantendo-se nas instâncias o critério da proporção de sucumbência.

Lisboa, 22 de Abril de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares