Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1094
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
NOTIFICAÇÃO DO EXAME
NULIDADES PROCESSUAIS
FIXAÇÃO DO GRAU DE INCAPACIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200706270010944
Data do Acordão: 06/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Nas acções emergentes de acidente de trabalho, o laudo da junta médica não tem que ser notificado às partes, uma vez que o disposto no art.º 587.º, n.º 1, do CPC não é aplicável naquele tipo de acções.
2. As nulidades processuais secundárias têm de ser arguidas perante o tribunal onde foram praticadas, salvo se o processo tiver sido expedido para o tribunal superior antes do prazo para a sua arguição ter terminado, caso em que a mesma pode ser feita no tribunal superior, contando-se o prazo para tal desde a distribuição (art.º 205.º, n.º 3, do CPC).
3. O Supremo não pode alterar o grau de incapacidade fixado nas instâncias, com fundamento em relatórios e parecer médicos juntos pelo sinistrado no recurso de apelação, quando o erro de julgamento na fixação dos factos por ele invocado radicar na existência de mais sequelas do que aquelas que foram mencionadas no laudo da junta médica.
Sumário elaboradao pelo Relator
Decisão Texto Integral:

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Os presentes autos referem-se a um acidente de trabalho, ocorrido em 4 de Junho de 2003, de que foi vítima o trabalhador independente AA.

Na fase conciliatória não houve acordo unicamente porque a A... Portugal Companhia de Seguros, com quem o sinistrado tinha celebrado um contrato de seguros de acidentes de trabalho, não concordou com o grau de incapacidade permanente (14,5%) que lhe foi atribuído pelo perito médico do tribunal, pois, segundo ela, o sinistrado estava curado sem qualquer desvalorização, desde 22.8.2003.

Dada aquela discordância, a seguradora requereu a realização de exame por junta médica, apresentando os seguintes quesitos:
1.º - Digam os senhores peritos quais as sequelas do acidente dos autos sofridas pelo sinistrado?
2.º - Face à Tabela Nacional de Incapacidades, qual a I.P.P que lhe deve ser atribuída?

O sinistrado foi notificado para, querendo, apresentar quesitos, mas nada disse.

Realizada a junta médica, os peritos, por unanimidade, responderam aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 1.º - Rigidez ligeira da 1.ª articulação do polegar direito.
Quesito 2.º - IPP de 5%.
De seguida, a Meritíssima Juíza proferiu sentença, fixando em 5% a incapacidade permanente do sinistrado e condenando a seguradora a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de 1.047,47 euros, com efeitos a partir de 1.7.2004, dia imediato ao da alta definitiva, bem como a quantia de 25.937,00 euros de indemnização referente ao período de incapacidade temporária e a quantia de 925,39 euros de despesas médicas e clínicas, acrescida de juros de mora, desde a data da tentativa de conciliação, e fixou à causa o valor de 14.978,24 euros.

Inconformado com a sentença, o sinistrado, patrocinado pelo M.º P.º, interpôs recurso, por entender que o grau de incapacidade devia ter sido fixado, pelo menos, em 28% e, simultaneamente, arguiu a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia e arguiu, ainda, duas nulidades de natureza processual, uma, por não ter sido notificado do laudo da junta médica, o que o inibiu de pedir esclarecimentos e a outra, pelo facto da M.ma Juíza não ter, ela própria, solicitado os esclarecimentos e/ou formulados os quesitos que se impunham, face ao exame médico realizado na face conciliatória.

O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso, por entender que não havia razões para alterar o grau de incapacidade; não tomou conhecimento da nulidade da sentença, por esta não ter sido arguida no requerimento de interposição do recurso, acrescentando, todavia, que a nulidade invocada não se verificava e considerou que a lei processual laboral não obriga a notificar às partes o laudo da junta médica, não sendo, por isso, essa falta de notificação susceptível de acarretar nulidade processual, acrescentando, todavia, que tal irregularidade, a existir, sempre estaria sanada, por não ter sido arguida no prazo de 10 dias, após a data do realização do exame a que o sinistrado esteve presente.

Mantendo o seu inconformismo, o autor/sinistrado interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - No exame médico singular, efectuado pelo Sr. perito médico, Dr. E...A..., e constante dos autos a folhas 62, encontram-se suficientemente descritas as lesões e respectivas sequelas, pelo que o grau de desvalorização atribuído de 14,5%, afigura-se fundamentado, independentemente de qualquer outro juízo de valorização.
2.ª - No exame médico colegial, a folhas 125 dos autos, os Srs. peritos médicos limitam-se a referir a lesão do polegar direito, omitindo as outras lesões e respectivas sequelas, concluindo pela atribuição de uma incapacidade de 5%.
3.ª - Afigura-se, assim, haver lugar à falta de fundamentação e deficiência do relatório pericial.
4.ª - Acresce que o mesmo Sr. perito atribui, no exame singular, a IPP de 14,5% [e] no exame colegial atribui a IPP de 5%, sem o justificar ou fundamentar.
5.ª - A omissão da notificação ao Recorrente do exame da junta médica constitui uma nulidade que influi na decisão da causa, violando o disposto no art.º 201.º do CPC.
6.ª - A possibilidade de reclamação da Recorrente, em sede do "Relatório Médico" subscrito pela junta, ficou arredada quase de modo definitivo, sem possibilidade do Recorrente se pronunciar, o que viola o princípio do contraditório (art.º 3.º do CPC e 587.º do CPC).
7.ª - Os relatórios médicos juntos posteriormente, em fase de recurso, pretendem demonstrar a inexactidão e, por consequência, a manifesta injustiça do grau de desvalorização atribuído ao Recorrente, face à impossibilidade de ele os ter junto, para sua defesa e em exercício do contraditório, após o conhecimento da decisão da junta médica, uma vez que a sentença foi proferida dois dias após o mencionado exame.
8.ª - O grau de desvalorização atribuído no exame da junta médica padece de inexactidão, omissão e grave falta de fundamentação, não podendo alicerçar a decisão proferida na sentença recorrida, devendo, assim, ser alterada a matéria de facto referente ao grau de desvalorização para 28% ou, se assim não se entender, anular a sentença recorrida, ordenando-se a repetição do exame em 1.ª instância.
A ré não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela não concessão da revista, em “parecer” a que as partes não responderam.

Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados são os seguintes:
1) No dia 4/6/2003, quando trabalhava na sua profissão de odontologista, por conta própria, o A., quando se encontrava junto do seu automóvel foi abalroado por um tractor que se encontrava estacionado na sua retaguarda, sofrendo as lesões e sequelas descritas nos autos de exame de fls. 105/106 e 125.
2) À data de alta, que se reporta a 30/6/2004, o autor auferia o salário mensal de € 2.493,99 x 12 meses.
3) O autor, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8012311, tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a seguradora, ora Ré, clausulando a cobertura do salário integral nas incapacidades temporárias.
4) O A. despendeu a quantia de € 925,39 em honorários clínicos e despesas médicas, a partir de 22/8/2003 e até 30/6/2004.
5) O A. encontra-se afectado de incapacidade para o trabalho, com um coeficiente de 0,05, a partir de 1/7/2004, dia imediato ao da alta definitiva, em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente dos autos.
6) O A. encontra-se pago de todas as indemnizações pelas incapacidades temporárias sofridas até 22/8/2003.

3. O direito
Como decorre das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as questões por ele suscitadas:
- saber se a não notificação ao recorrente do laudo da junta médica configura um caso de nulidade processual;
- saber se o grau de incapacidade deve ser alterado.

3.1 Da nulidade processual
Como já foi referido, na fase conciliatória dos autos, o sinistrado, ora recorrente, foi submetido a exame médico e o perito atribuiu-lhe uma IPP de 14,5%. Inconformada com aquela desvalorização, a ré seguradora requereu exame por junta médica e, efectuado este, os três peritos decidiram, por unanimidade, que a desvalorização do sinistrado era apenas de 5% e, de seguida, foi proferida sentença, fixando a incapacidade permanente do sinistrado em 5%.

No recurso de apelação, o autor alegou que não tinha sido notificado do laudo da junta médica, como devia ter sido, nos termos do art.º 587.º do CPC e alegou que aquela omissão constituía um caso de nulidade processual, nos termos do art.º 201.º do CPC, que expressamente arguiu.

O Tribunal da Relação considerou que não havia nulidade, uma vez que a lei processual laboral não previa aquela notificação e, caso se entendesse o contrário, acrescentou que a irregularidade estaria sanada, por não ter sido arguida no prazo de dez dias a partir da realização da junta médica a que o sinistrado esteve presente.

No recurso de revista, o recorrente continua a defender que o art.º 587.º do CPC é subsidiariamente aplicável ao caso, atento o princípio do contraditório e o princípio da verdade material e que a falta de notificação do laudo teve influência na decisão da causa, uma vez que o impediu de exercer o direito de reclamar das deficiências e da falta de fundamentação que o laudo médico apresentava, constituindo, por isso, uma nulidade processual. E mais alegou que tal irregularidade não podia dar-se por sanada, uma vez que não assistiu à deliberação dos peritos nem dela tomou conhecimento, aquando da realização do exame.
Vejamos se o recorrente tem razão.

E, adiantando desde já a resposta, diremos que não, por duas razões.

Em primeiro lugar, porque, ainda que se entendesse que o disposto no art.º 587.º do CPC era aplicável aos processos emergentes de acidentes de trabalho e, consequentemente, que a falta de notificação do laudo da junta médica constituía uma irregularidade processual, que, por ser susceptível de influir no exame e na decisão da causa, devia ser considerada como nulidade processual, nos termos do art.º 201.º, n.º 1, do CPC, tal nulidade devia ter sido arguida junto do tribunal onde aquela omissão foi cometida, ou seja, junto do tribunal da 1.ª instância e a sua arguição devia ter sido feita nos 10 dias subsequentes àquele em que o recorrente tomou conhecimento da omissão, ou seja, a partir da data em que foi notificado da sentença e não, como se decidiu na Relação, a contar da data em que o exame médico foi realizado, uma vez que dos autos não resulta que ele tivesse tomado conhecimento do laudo dos peritos na data do exame ou em data anterior àquela em que foi notificado da sentença (artigos 153.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, segunda parte, do CPC).

Só assim não seria, se, por via do recurso, o processo tivesse sido expedido para a Relação, antes do prazo para arguir a nulidade ter terminado, pois, como é sabido, as nulidades processuais secundárias têm de ser arguidas junto do tribunal onde foram cometidas, salvo se o processo tiver subido em recurso ao tribunal superior antes do prazo para a sua arguição ter decorrido, caso em que a arguição pode ser feita no tribunal superior, contando-se o prazo para tal desde a data da distribuição (art.º 205.º, n.º 3, do CPC).

No caso em apreço, o recorrente foi notificado da sentença por registo postal expedido em 23.5.2005; nos termos do art.º 254.º, n.º 2, do CPC, a notificação considera-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja; o terceiro dia (26 de Maio) foi dia útil (sexta-feira); por isso, o prazo para arguir a nulidade terminava no dia 5 de Junho (segunda-feira); o recurso foi interposto no dia 13 de Junho e o processo só subiu à Relação em 29.3.2006.

Por conseguinte, a nulidade processual em causa, a existir (e adiante, veremos que não existe), devia ter sido arguida junto do tribunal da 1.ª instância até ao dia 5 de Junho de 2005, sob pena de ficar sanada.

Todavia, como decorre do que já foi dito, a nulidade não foi arguida dentro do prazo nem foi arguida perante o juiz da 1.ª instância, dado que só foi arguida nas alegações do recurso de apelação, interposto no dia 13 de Junho de 2005. Por isso, mesmo que existisse, estaria sanada.

Em segundo lugar, o recorrente não tem razão, por entendermos que o disposto no art.º 587.º do CPC não é aplicável aos processos emergentes de acidente de trabalho, uma vez que a realização do exame por junta médica se encontra regulamentada no CPT (art.º 139.º) e essa regulamentação não prevê a notificação às partes do relatório dos peritos.

Poderia pensar-se que se estaríamos perante um caso omisso e que, por isso, seria de aplicar subsidiariamente o disposto no CPC, por força do estipulado no art.º 1.º, n.º 1, al. a), do CPT, mas entendemos que não é esse o caso, face ao termos em que o exame é regulado no CPT.

Com efeito, importa ter presente que as acções emergentes de acidentes de trabalho têm natureza urgente e correm oficiosamente (art. 26.º, n.º 2, do CPT), o que justifica que o exame por junta médica tenha uma tramitação diferente daquela que é prevista no CPC para os exames periciais.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art.º 139.º do CPT, o exame por junta médica é secreto e é sempre presidido pelo juiz, ao contrário do que acontece no CPC, em que o juiz só assiste à perícia quando o considerar necessário (art.º 582.º, n.º 2).

Por sua vez, a prova pericial destina-se a apurar a existência de determinados factos e, consequentemente, a habilitar o juiz a tomar posição sobre eles. E esse é também o objectivo das reclamações que as partes pretendam formular relativamente ao relatório apresentado pelos peritos, sob pena de não serem atendidas pelo juiz (art.º 587.º, n.º 3, do CPC).

Ora, sendo o exame por junta médica presidido pelo juiz, este, no decurso do mesmo, não deixará de solicitar aos peritos os esclarecimentos que se mostrem necessários e convenientes, para ficar perfeitamente habilitado a decidir, concedendo-lhe a lei, até, a faculdade de formular quesitos (art.º 139.º, n.º 6) e de determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, se o considerar necessário (art.º 139.º, n.º 7, do CPT).

E, sendo assim, como entendemos que é, a reclamação das partes deixa de ter razão de ser, o que torna desnecessária a notificação do laudo da junta médica.

Finalmente, o teor do n.º 2 do art.º 140.º do CPT também vai no sentido da não obrigatoriedade da notificação do mencionado laudo, ao estipular que “o juiz, realizados os exames referidos no número anterior, profere decisão, fixando a natureza e grau de desvalorização”, pois daí resulta que a decisão é proferida imediatamente a seguir ao exame realizado pela junta médica ou, se for caso disso, a seguir aos exames complementares que o juiz tenha determinado e, consequentemente, sem haver lugar à notificação do laudo às partes, o que, aliás, se compreende, não só por se tratar de um processo urgente, mas também por se tratar de uma segunda perícia.
Concluindo, diremos que o laudo da junta médica não tinha que ser notificado ao recorrente, não se verificando, por isso, a irregularidade processual por ele arguida.

3.2 Do grau de incapacidade
O recorrente discorda da incapacidade permanente que lhe foi fixada na sentença (5%) e pretende que o mesmo seja alterado para 28%, alegando que o exame da junta médica, em que a sentença se baseou, não levou em consideração as cervicalgias e lombocitalgias de que padece e que os relatórios e pareceres médicos que juntou no recurso de apelação comprovam.

O que o recorrente pretende é, pois, a alteração da matéria de facto fixada na 1.ª instância e que a Relação decidiu não haver razões para modificar e fundamenta essa alteração em documentos de natureza particular que, não sendo da autoria da ré, são de livre apreciação.

Ora, nos termos do n.º 2 do art.º 722.º do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova e, nos termos do n.º 2 do art.º 729.º do mesmo Código, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art.º 722.º.

Deste modo, no caso em apreço, o Supremo só poderia alterar o grau de desvalorização se os documentos apresentados pelo recorrente provassem, só por si, que ele havia ficado com mais sequelas do acidente do que aquelas que foram referidas no exame da junta médica (“rigidez ligeira da 1.ª articulação do polegar direito”). Todavia, porque os documentos em causa não gozam de tal força probatória, o erro eventualmente cometido pelas instâncias na fixação do grau de incapacidade não pode ser sindicado pelo Supremo.

A questão seria diferente se estivesse em causa a subsunção das lesões aos artigos da Tabela Nacional de Incapacidades e a sua correcta aplicação ao caso, pois, se assim fosse, a questão deixaria de ser de facto para ser de direito, matéria em que a competência do Supremo já não sofre de quaisquer restrições (art.º 729.º, n.º 1, do CPC).

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo do recorrente, uma vez que não foi patrocinado pelo M.º P.º (art.º 2.º, n.º 1, al. e), do CCJ, em vigor).

Lisboa, 27 de Junho de 2007

Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol