Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2406/16.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÕES DD 2006
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA / REVOGADO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO / REPRISTINADA A SENTENÇA DA 1ª INSTÂNCIA QUE JULGOU A AÇÃO IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO.
DIREITO MOBILIÁRIO – MERCADOS SECUNDÁRIOS / BOLSAS DE VALORES / VALORES MOBILIÁRIOS NEGOCIÁVEIS EM BOLSA E RESPECTIVOS MERCADOS / MERCADO DE COTAÇÕES OFICIAIS / CONDIÇÕES E PROCESSO DE ADMISSÃO À COTAÇÃO.
Doutrina:
- Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31;
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, p. 76, 202, 222 e ss.;
- Fazenda Martins, Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7;
- Margarida de Almeida Azevedo, A Responsabilidade Civil por Prospeto no Direito dos Valores Mobiliários, p. 137;
- Osório de Castro, Valores Mobiliários-Conceito e Espécies, p. 127;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª ed. p. 413 e ss.;
- Sofia do Nascimento Rodrigues, A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários, p. 33 e 46;
- Teixeira dos Santos, A supervisão financeira em Portugal. Avaliação crítica e sugestões para a sua reforma, I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, p. 297.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 601.º E 817.º.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º, 312.º E 314.º.
REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS (RJIF): - ARTIGO 165.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 1970/09, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-01-2017, PROCESSO N.º 428/12, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-04-2018, PROCESSO N.º 753/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-06-2018, PROCESSO N.º 152/13, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 20329/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 1236/15, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-10-2018, PROCESSO N.º 2339/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 2581/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 2089/11, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-11-2018, PROCESSO N.º 2468/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-11-2018, PROCESSO N.º 2147/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-12-2018, PROCESSO N.º 6917/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 433/11.7TVPRT.P1.S2;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 2382/17.6T8VNG.P1.S1.
Sumário :

1. A responsabilidade do intermediário financeiro deve ser aferida com referência à data em que ocorreram os factos – in casu, Abril de 2006 - designadamente no que concerne aos deveres a que estava obrigado perante as normas então aplicáveis, máxime as que constavam do CVM.

2. A responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe a verificação de uma situação de incumprimento de deveres legais ou contratuais, a ocorrência de um dano e um nexo de causalidade adequada, sendo presumida a culpa quando haja violação daqueles deveres.

3. Relativamente ao âmbito e conteúdo do dever de informação para com os clientes ou investidores não qualificados, nos termos do art. 312º do CVM, o intermediário estava obrigado a prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada referente aos produtos financeiros intermediados, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 304º), sendo a extensão e a profundidade da informação inversamente proporcional ao grau de conhecimentos e à experiência do concreto investidor.

4. Para apuramento do cumprimento ou incumprimento do dever de informação deve atender-se ao que era exigível nas circunstâncias em que ocorreu a intermediação, não devendo ser exponenciados, a posteriori, elementos informativos que então seriam irrelevantes para a tomada de decisão do investidor esclarecida e fundamentada.

5. No caso, o A. não tinha conhecimentos aprofundados dos diversos produtos financeiros e dos riscos que comportavam; apresentava um perfil conservador relativamente ao investimento do seu dinheiro; e os funcionários do intermediário financeiro (CC) sabiam que não queria investir em produtos de risco. Mas o facto de pretender realizar um investimento em que, além da melhor remuneração relativamente a um depósito a prazo, também estivesse prevista a restituição do capital no fim do período contratado (como ocorria com as obrigações DD 2006), não permite que se considere incumprido o dever de informação só porque não lhe explicou que o CC, intermediário financeiro, e a DD, emitente das obrigações, “eram duas entidades distintas e que investir em DD era diferente de aplicar dinheiro no CC”.

6. Para além de não se terem provado outros factos que o A. alegou para sustentar o incumprimento dos deveres de informação, lealdade e boa fé, a irrelevância daquela informação resultava ainda de se verificar que o capital do CC era detido a 100% pela sociedade emitente das obrigações, cujo risco estava indexado ao risco do CC, constituindo este o principal ativo do seu património.

7. Ainda que se apurasse ter existido incumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, a sua responsabilidade civil dependeria ainda do estabelecimento de um nexo de causalidade, ou seja, de que foi por causa daquele incumprimento que o investidor realizou o concreto investimento que se revelou prejudicial.

8. Não se tendo provado que a subscrição da Obrigação DD 2006 foi decidida em função de alguma confusão relativamente a um depósito a prazo constituído na instituição financeira intermediária da operação ou de algum aspeto conexo com a identidade da emitente das obrigações e do intermediário financeiro, não se considera verificado o nexo de causalidade.


A.G.
Decisão Texto Integral:

I - AA instaurou contra BANCO BB, S.A., ação declarativa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 57.000,00, com juros vincendos desde a citação ou, em alternativa, a declaração de nulidade de qualquer contrato de adesão ou a declaração de ineficácia de tal contrato, condenando-se o Banco a restituir-lhe a quantia de € 57.000,00 e juros vencidos e vincendos. Pediu ainda cumulativamente a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegou que subscreveu num balcão do CC, em 2006, uma aplicação financeira que, segundo um funcionário do R., seria um investimento seguro, igual a um depósito a prazo, com capital garantido. Porém, tal aplicação era em Obrigações DD, produto de risco que o A. não pretendia contratar.

Na data do vencimento não lhe foi restituído o quantitativo de € 50.000,00 correspondente ao capital investido numa Obrigação DD 2006, tendo-lhe sido dito que aguardasse até à sua maturidade, nem foram pagos os juros do último semestre, o que provocou ao A. dificuldades financeiras para gerir a sua vida e um estado de tristeza, ansiedade, perda da alegria de viver e doença.

A R. contestou e alegou que o produto financeiro em causa era, à data da sua subscrição, um produto seguro, tendo o A. sido informado das condições do mesmo e de que não se tratava de um depósito a prazo. A operação traduziu-se numa proposta da DD que foi veiculada pelo R. e subscrita pelo A.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o R. dos pedidos, não tendo sido apreciada a exceção de prescrição, por ter sido considerada prejudicada pela solução dada.

O A. apelou e a Relação revogou a sentença e condenou o R. no pagamento da quantia de € 57.000,00 e juros de mora desde a citação. No mesmo acórdão foi considerada improcedente a exceção de prescrição, tendo em conta a qualificação da atuação do R. como culpa grave.

A R. interpôs recurso de revista em que concluiu essencialmente o seguinte:
a) A circunstância de o funcionário do Banco R. ter assegurado ao A. que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, não configura a prestação de informação falsa;
b) O uso de tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade;
c) É utópico ver nesta referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento, que não existe, sendo que o investimento era seguro e não um produto de risco;
d) À data da subscrição da obrigação subordinada DD o funcionário do Banco R. não tinha a obrigação de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro e designadamente sobre o risco de insolvência dos emitentes ou o mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer analisar a robustez financeira do emitente ou a posição dos credores em caso de insolvência da emitente;
e) A característica da subordinação era, à data, em face das relações entre o Banco e a entidade emitente irrelevante para a decisão de subscrição, por ninguém supor um cenário de incapacidade financeira do banco ou da sociedade-mãe;
f) Em lado algum se vislumbra que o cliente agiria de forma distinta se tivesse conhecimento das características da subordinação;
g) O que está em causa é apenas o incumprimento do dever de reembolso da obrigação pela emitente, não tendo relevância a natureza subordinada da mesma, já que nem ficou demonstrado que se a obrigação não fosse subordinada o A. teria recebido o capital;
h) O que levou o A. a subscrever o produto foi a sua aparente segurança e o facto de ser emitido pela dona do Banco, de modo que a sua posição numa possível situação de insolvência da emitente não mudaria ou teria influência na decisão de aplicar ou não o seu dinheiro no produto;
i) O CMV exige que seja prestada informação e, uma vez cumprido este dever, não estava o funcionário impedido de, em boa fé, acrescentar ao seu argumentário o seu juízo pessoal sobre a segurança do produto, não constituindo qualquer violação do dever de informação;
j) Cabia ao A. provar a ilicitude da atuação do Banco R., sendo que mesmo que se considere a possibilidade de existência de uma presunção de ilicitude, esta se refere ao incumprimento dos deveres principais e não dos deveres acessórios, como é o caso da informação no âmbito da intermediação financeira;
k) O CVM não prevê qualquer obrigação de o intermediário se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada, bastando que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio colocado na situação do destinatário concreto;
l) Um declaratário médio não teria depreendido que com as expressões de “garantia e segurança” era o Banco que caucionava as obrigações DD ou que o investimento estava imune a fracasso;
m) Não houve da parte do Banco R. qualquer informação falsa ou utilização de artifício falacioso, não podendo considerar-se verificada a culpa;
n) A condenação do R. no pagamento do valor da obrigação não respeita o critério da diferença;
o) Não resulta da lei qualquer presunção de causalidade, de modo a que seja o R. a provar que o facto não é adequado a provocar o dano;
p) O A. não provou que se a informação lhe fosse prestada a respeito da subordinação da obrigação não teria subscrito a aplicação financeira;
q) A conduta do funcionário do Banco R. não pode ser integrada na culpa grave, mas apenas na negligência inconsciente.

Houve contra-alegações defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados:
1. O A., e uma empresa de informática de que era titular, foram clientes do CC, S.A., atualmente o R., na sua agência de Caldas da Rainha, com a conta à ordem nº ..., onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.
2. A certo momento, procurando uma aplicação para a importância de € 50.000,00, o A. indagou junto de várias instituições bancárias qual o produto que lhe poderia oferecer uma melhor taxa de juro e, nesse contexto, um funcionário (a gestora de conta) da referida agência bancária do R. sugeriu uma aplicação com uma rentabilidade ligeiramente superior a um depósito a prazo, que em qualquer momento poderia reaver o dinheiro, bastando para tal avisar a agência poucos dias antes, e que era um produto de capital garantido, no sentido de que existiam no mercado produtos com taxa de juro superior mas que envolviam outros riscos.
3. O A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.
4. Por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.
5. O A. não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do R.
6. As orientações e comunicações internas existentes no CC e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade, com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco.
7. Na sequência do referido em 2., no dia 19-4-06, junto da agência do R., o A. assinou o boletim de subscrição relativo encimado pelos dizeres “CC ” e “DD 2006 Boletim de Subscrição”.
Sob a epígrafe “EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS” no valor de € 50.000,00, desse boletim constava, além do mais, o seguinte:
NATUREZA DA EMISSÃO
Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma
(…)
MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO
€ 50.000,00 (1 obrigação)
PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO
(…)
DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA
08 de Maio de 2006.
PRAZO E REEMBOLSO
O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da DD, SGPS, SA, a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
REMUNERAÇÃO
Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas: 1º semestre Taxa Nominal bruta 4,5% * Taxa anual efetiva líquida: 3,63%
(…)
IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR
(…)
ORDEM DE SUBSCRIÇÃO
(…)
ORDEM DE DÉBITO
(…)
O Banco
(…)
O Subscritor:
Declaro conhecer e aceitar as condições desta emissão, tal como definidas no respetivo Prospeto, disponível nas Agências do CC” (doc. fls. 23, vº),
8. O A. subscreveu o produto referido em 7. convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.
9. Foi explicado ao A. o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
10. O A. sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo.
11. Não foi explicado ao A. que CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD era diferente de aplicar dinheiro no CC (facto aditado pela Relação).
12. Após a subscrição do produto acima referido, os respetivos juros foram sendo semestralmente pagos, o que se manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco R. deixou de pagar os juros respetivos.
13. Não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/avisos/extratos relativos ao pagamento dos juros semestrais mencionados em 12., o que sucedeu até Novembro de 2015.
14. O A. esteve sempre convencido que o R. lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.
15. As “Obrigações DD 2006” foram emitidas, como o próprio nome indica, pela DD, SGPS, S.A., que era titular de 100% do capital social do CC, S.A. (agora Banco R.), participação que deteve, de forma permanente, até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.
16. Nesta sequência, porque a DD, SGPS, S.A., detinha o CC, S.A., qualquer obrigação por si emitida é (era) tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.
17. O risco de um depósito a prazo seria semelhante a uma tal subscrição, por o risco da DD ser indexado ao risco do próprio Banco, consideração válida, sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de € 25.000,00.
18. Na data de vencimento contratada, o R. não restituiu ao A. o montante que o A. subscreveu, em consequência do que o A. ficou impedido de usar o montante subscrito como bem entendesse.

III – Decidindo:

1. Objeto do recurso:

Interessa fundamentalmente reapreciar se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual do Banco R., enquanto intermediário financeiro, que sustentem o pedido de indemnização formulado pelo A. baseado no facto de ter subscrito, numa agência do CC (agora integrado no Banco R.), uma Obrigação Subordinada DD-2006 cujo capital de € 50.000,00 não lhe foi devolvido no fim do período contratado.

O R. questiona tanto a existência de incumprimento dos seus deveres, máxime do dever de informação, como a culpa e o nexo de causalidade entre a sua atuação e o resultado, insurgindo-se contra o acórdão da Relação que, invertendo a sentença da 1ª instância, reconheceu aquela responsabilidade e o condenou no pagamento de uma indemnização.

2. Enquadramento geral:

2.1. Os tribunais foram e estão a ser confrontados com diversas ações semelhantes a esta, como efeito colateral da crise financeira que despontou em finais de 2007 e que, entre outras consequências, deixou a descoberto problemas de solvabilidade de certos grupos empresariais.

O “Grupo DD”, dominado pela DD, SGPS, SA, envolvia diversas empresas participadas, entre as quais o CC, instituição financeira que acabou por desempenhar também a função de intermediário na colocação de produtos financeiros que, como os empréstimos obrigacionistas, serviram de fonte de financiamento a empresas do Grupo. Assim sucedeu designadamente com as Obrigações Subordinadas DD 2006 emitidas pela DD, SGPS, SA.

Dessa função de intermediário emergiram diversos litígios que, como o presente, têm num dos polos investidores não qualificados, surgindo na posição de sujeito passivo o R. Banco BB, SA, na sequência da nacionalização do CC - como alternativa à sua liquidação pura e simples - e da posterior reprivatização e fusão (nos termos da Lei nº 62-A/08, de 11-11, do DL nº 2/10, de 5-1 e da Resolução do Conselho de Ministro nº 36/11, de 19-8).

Declarada a insolvência da emitente das obrigações, a obrigação de restituição recairia sobre a respetiva massa insolvente. Porém, trata-se de um crédito subordinado que cederá perante os demais créditos (art. 48º, al. c), do CIRE), razão pela qual o A. optou por demandar o Banco R. com base no incumprimento de deveres a que estava vinculado na sua atividade de intermediário financeiro.

2.2. É um truísmo afirmá-lo, mas, como o revela a leitura de outros arestos que têm sido publicados sobre litígios de contornos semelhantes ligados ao “Grupo DD”, não existem processos ou “casos” iguais, neles assomando diversas realidades e uma multiplicidade de questões de facto e de direito.

A diferenciação começa logo pelos sujeitos, quer do lado ativo, quer do lado passivo, e acentua-se com a diversidade de factos alegados e, depois, com a variedade de factos provados e não provados, em função quer dos meios de prova apresentados, quer da diversidade de tribunais que os apreciaram em diversas circunscrições e instâncias judiciais.

Os litígios especificamente relacionados com a intermediação financeira de “Obrigações DD-2006” não escapam a esta proliferação, acentuando a necessidade de na resolução de cada um deles serem tidos em conta os factos que, em concreto, se apuraram (a par daqueles que, tendo sido alegados, não ficaram demonstrados), esconjurando o risco de indevidas generalizações. Sendo verdade que existem pontos comuns e que a tarefa de interpretação e de aplicação das normas deve potenciar respostas tendencialmente idênticas, para a resolução de cada litígio tanto interessam as grandes áreas comuns como os pormenores diferenciadores.

Embora possa existir alguma similitude nos casos, não pode correr-se o risco - que este mesmo coletivo já assinalou no recente Ac. do STJ de 8-11-18, 2147/16, em www.dgsi.pt - de a uma série de petições massificadas, seguidas de contestações similares, se sucederem decisões convergentes à margem da diversidade dos elementos de ordem subjetiva e objetiva presentes em cada caso.

2.3. Outro aspeto preliminar: a legislação sobre os valores mobiliários e designadamente sobre a atividade e os deveres dos intermediários financeiros sofreu uma importante modificação sequencial à crise financeira de 2007. Especialmente (et pour cause) foram alteradas as normas legais e os regulamentos (soft law) relacionados com a atividade de intermediação financeira, com especial destaque para o dever de informação perante cada cliente ou investidor.

Sob impulso de Diretivas da UE sobre a atividade financeira, o primeiro bloco de alterações foi introduzido pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, em cujo Preâmbulo se referia, além do mais, que “no âmbito das normas de conduta, destaca-se a concretização da matéria relativa à adequação da operação às circunstâncias do cliente, cuja extensão depende do tipo de serviço a prestar” e que “no que toca aos deveres de informação previstos no art. 312º destaca-se o grau de detalhe da lei na definição dos elementos informativos a transmitir ao cliente atual ou potencial e a previsão de um conteúdo diferente, consoante os destinatários da informação sejam investidores qualificados ou não qualificados”.

É certo que se manteve a estrutura dos deveres legais e regulamentares de tais intermediários, mas a crise financeira e os estilhaços que provocou deixaram a descoberto insuficiências do anterior sistema legal e regulatório e também ao nível da supervisão e da fiscalização, como o revelam por exemplo os Relatórios das duas Comissões Parlamentar de Inquérito que funcionaram em torno do CC, a primeira sobre “A situação que levou à nacionalização do CC e sobre a Supervisão Bancária inerente” e a segunda sobre O processo de nacionalização, gestão e alienação do Banco Português de Negócios,SA”(acessíveis através de http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf).

Em tais Relatórios se assinala precisamente a ausência de uma atuação determinada das instituições competentes relativamente à atuação do CC no que respeita à intermediação de operações financeiras que beneficiavam empresas do “Grupo DD”. A conclusão nº 3 do Relatório da 2ª CPI sublinha explicitamente “o facto do Grupo DD, ao ter adquirido o CC, ter dado origem a um grupo económico e financeiro caracterizado pela detenção de um banco subordinado aos interesses e estratégias do Grupo, o que não corresponde à estrutura normal existente no País, em que são os bancos a dominarem empresas e sectores de atividade económica. Com a posterior aquisição do Banco ..., esta estratégia de detenção de instituições financeiras subordinadas reforça-se e desenvolve-se”.[1]

Ora, na medida em que aquelas alterações legais contenham elementos substancialmente inovadores, designadamente no que se refere ao reforço do dever de informação imposto a intermediários financeiros, apenas podem ser aplicadas a factos posteriores à sua entrada em vigor, atentas as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo.

2.4. Importa também notar que a aferição dos pressupostos da responsabilidade civil deve ser feita sem saltos metodológicos nem preconcebidas soluções. Designadamente não se pode partir da enunciação de um efeito negativo ocorrido na esfera patrimonial do investidor para encontrar, a todo o custo, um sujeito “responsável” a quem sejam imputados os efeitos dos riscos contratuais, atribuindo relevo desmesurado a factos ou circunstâncias que, na ocasião, nem sequer eram relevantes para uma tomada de decisão conscienciosa.

Todos os negócios comportam um certo risco marginal, sendo o mais comum o risco de insolvência da contraparte, o que tem especial acuidade quando se trata de negócios sobre valores mobiliários, cujo objeto é por natureza intangível e a que pode estar associada uma certa vertente especulativa de maior ou menor dimensão. Mesmo os clássicos contratos de depósito bancário cujo risco é inferior, não deixam de comportar o risco de insolvência da instituição depositária, o qual apenas é atenuado, mas jamais eliminado, pela medida excecional de garantia de devolução dos depósitos prevista no art. 165º do Regime Jurídico das Instituições Financeiras.[2]

Ora, na resolução deste e de todos os casos que lidam com comportamentos de intermediários financeiros importa que se utilize um critério uniforme na aferição dos pressupostos da responsabilidade civil, cujos resultados não devem variar em função das vicissitudes por que passaram posteriormente as entidades envolvidas ou à conta da quebra de expetativas dos investidores. A afirmação da responsabilidade civil contratual ou extracontratual não pode depender do facto de a instituição financeira ter sido objeto de liquidação (como sucedeu com o BPP), de ter sido nacionalizada e, depois, reprivatizada (como ocorreu com o CC) ou de ter sido alvo de medidas de resolução bancária e de reprivatização (como ocorreu com o BES e, depois, com o BANIF). Na resolução de casos como presente, cujo sujeito passivo é uma entidade que adquiriu o capital social do CC, nenhum elemento diferenciador deve resultar do facto de este ter sido alvo de uma medida de nacionalização (opção de natureza política que terá simplesmente evitado a sua liquidação pura e simples com efeitos idênticos aos da insolvência, v.g. execução e liquidação universal, graduação de créditos em função das garantias reais, par conditio creditorum, etc.) e de na posterior reprivatização que foi contratada com o Banco ... ter sido prevista uma cláusula de “transferência para o Estado dos custos ligados a riscos de litígio”.[3]

Não pode ainda ignorar-se que a referida medida de nacionalização abarcou apenas a instituição financeira CC e não o “Grupo DD” ou a “DD, SGPS, SA”, sendo certo que às sucessivas ações estão subjacentes obrigações que foram emitidas por empresas diversas do CC, sendo este demandado ante a inviabilidade de obter a restituição do capital aplicado através da execução dos patrimónios das empresas devedoras, nos termos dos arts. 601º e 817º do CC.

Sejamos claros: num sistema económico que se pauta pela liberdade de iniciativa privada e pela consequente apropriação dos lucros obtidos, não pode ceder-se à tentação de a adoção de critérios menos rigorosos dos que são empregues noutras situações conduzir à socialização dos prejuízos em resultado da transferência para o Estado dos efeitos de crises financeiras e da correspondente quebra de expetativas de infindáveis listas de “lesados”.

É este, contudo, o resultado que transparece de algumas decisões judiciais, tanto no que concerne à fixação da matéria de facto (cuja reapreciação está, por regra, vedada a este Supremo Tribunal) como à interpretação das regras da responsabilidade civil dos intermediários financeiros e à integração dos factos provados, aparentando uma certa lassidão nos critérios e uma magnanimidade dos resultados recusada noutros casos cujo relevo social não é inferior.

Em sede de recurso de revista, fixada que está a matéria de facto provada e não provada, o rigor na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil que é reclamado deste Supremo Tribunal de Justiça deve começar pela análise de cada situação, estabelecendo as diferenças que encontrarem justificação na diversidade dos comportamentos quer dos intermediários financeiros, quer dos investidores.

2.5. Um último apontamento introdutório:

Entre os pressupostos da responsabilidade civil contratual inclui-se incumprimento do contrato ou de deveres ligados ao dano por um nexo de causalidade adequada.

Os factos relacionados com o incumprimento de deveres devem ser valorados no respetivo contexto histórico, não podendo ser “contaminados” por circunstâncias posteriores insuscetíveis de antecipação, cuidado que deve ser especialmente adotado quando estão em causa operações financeiras realizadas num mercado aberto e sujeito a flutuações emergentes de crises financeiras globais ou a problemas conjunturais. Não podem basear-se em factos posteriores (a crise financeira que entretanto surgiu ou a insolvência de determinada empresa) riscos que não eram nem poderiam ser antecipados, tal como não pode justificar-se, através dos efeitos negativos desses eventos, um reforço artificial e anacrónico dos deveres impostos a agentes económicos que atuaram em momento anterior.

Por outro lado, não basta que o facto seja um antecedente histórico ou naturalístico do efeito, apenas relevando aquele que, segundo um critério normativo, tenha sido causa adequada desse efeito. Em operações sobre valores mobiliários, como são as obrigações (subordinadas ou não subordinadas), o risco está sempre presente, não havendo maneira alguma de evitar fenómenos extremos, como a insolvência da empresa emitente ou o colapso do sistema financeiro.

Os casos já apreciados pelos tribunais nacionais revelam diversos padrões de comportamento quer do lado dos intermediários financeiros, através dos seus dirigentes ou dos funcionários, quer do lado dos investidores não institucionais. Se em alguns deles se evidenciam estratégias agressivas de assédio aos clientes ou reveladoras de um aproveitamento fraudulento da pura iliteracia financeira, noutros casos as aplicações financeiras foram conscientemente realizadas pelos investidores com o propósito de obterem rendimentos mais elevados do que os proporcionados pelos típicos depósitos a prazo, confiando, como em geral acontece nestes casos, que os propósitos idealizados se transformariam em realidade, secundarizando as cíclicas crises que os registos históricos do mercado financeiro refletem.

Pese embora probabilidade de ocorrência de tais crises globais ou mais ainda das nuvens da insolvência que pairam sobre empresas que atuam no mercado, a realidade demonstra que os investidores (principalmente os não institucionais, menos preparados, menos atentos ou seguindo impulsos menos racionais) se deixam iludir com alguma facilidade por produtos financeiros cujos contornos e riscos não dominam, sobrepondo a critérios de racionalidade económico-financeira o objetivo de obtenção de lucros mais atraentes do que os proporcionados por outros instrumentos mais correntes.

Assim aconteceu designadamente num outro caso apreciado no Ac. do STJ de 6-6-13, 364/11, relatado pelo ora relator (www.dgsi.pt), em torno de uma ação de indemnização interposta contra um intermediário financeiro depois da liquidação (também ela imprevista e imprevisível) de um banco islandês,[4] no qual se observou, além do mais, que:

“O “sinistro” financeiro que ocorreu e que afetou o investimento efetuado pelo A. e que fora intermediado pela R. é o realmente parece: um efeito determinado por uma operação financeira que, como muitas outras, comportava riscos. Depois de a aplicação financeira ter gerado, durante um determinado período, os juros que o A. pretendia, por motivos que não são imputáveis à R. e que este nem sequer podia prevenir, ocorreu a desvalorização das obrigações que haviam sido adquiridas respeitantes a um banco que entrou em situação de rutura.
Ora, ainda que a “euforia bolsista” ou outros fatores levem à frequente desconsideração da natureza e dos riscos que envolvem determinadas operações financeiras, a história demonstra (e já deveria ter ensinado) que tais riscos são recorrentes e periódicos, encontrando-se o fator de incerteza apenas na data da sua ocorrência ou na sua dimensão.
No caso, tal risco estava aparentemente dissimulado sob a capa de uma aplicação financeira que se traduzia na aquisição de obrigações emitidas por uma entidade bancária bem cotada pelas entidades que a isso se dedicam e integrada num sistema financeiro – o islandês - que igualmente se encontrava bem cotado por tais agências de rating.
Aparentemente, tudo se conjugava para que tal aplicação financeira produzisse os resultados que o A. pretendia, sendo assegurados não tanto pela natureza do concreto “produto”, antes pelo facto de este e o sistema financeiro em que se integrava gozarem – aparentemente – de boas qualidades.
Ora, são precisamente estas as circunstâncias que proporcionam a ocorrência de sinistros de maior amplitude, com prejuízos mais elevados e quebra das expectativas dos interessados, envolvendo no vórtice da crise investidores com menor capacidade de entender ou de antecipar os incidentes ou com menor capacidade de absorção dos prejuízos.
Se é verdade que a qualquer investidor é legítimo esperar que os investimentos realizados produzam os resultados projetados, não pode ser jamais desconsiderado que qualquer investimento, mesmo aqueles que parecem mais seguros, como ocorre com os depósitos bancários, comporta uma determinada margem de risco que, em última instância, será repercutido na esfera do investidor. E se tal ocorre em investimentos tradicionais, é natural que esse risco seja proporcionalmente superior quando se trate de investimentos com maiores riscos potenciais (ainda que eles não se revelem então aparentes), designadamente quando assentem em produtos com elevada dose de especulação, com variabilidade de fatores que influem nos resultados, com características que são de difícil apreensão por parte dos investidores não profissionais, com aplicações realizadas noutros mercados financeiros (que nem sequer se encontram sujeitos a regulação credível ou normalizada) ou que surgem com linguagem indecifrável pelo comum investidor.
Seja como for, não é correto eleger como fator decisivo a ocorrência do sinistro e dos prejuízos inerentes, para depois, numa inversão do percurso metodológico, encontrar os responsáveis relativamente aos quais possam ser reclamadas as compensações, antes deve caminhar-se no sentido natural que passa pela apreciação dos factos que, no circunstancialismo atendível, isto é, na ocasião em que é realizado o investimento, importem para terceiros a responsabilidade pelos prejuízos.
Se tal não for encontrado, resta concluir que os prejuízos acabarão por ser absorvidos unicamente pelo investidor, como fruto de uma atuação que visando a extração de proveitos … pode também acarretar prejuízos que potencialmente nela se contém”.

3. O caso concreto:

3.1. Da matéria de facto apurada resulta que o A. buscava uma aplicação para o capital que detinha de modo a permitir-lhe um rendimento mais interessante do que o que seria proporcionado por um clássico depósito a prazo numa instituição bancária.

Foi assim que um funcionário de uma agência do CC lhe indicou a possibilidade de subscrever uma Obrigação DD-2006, no valor de € 50.000,00, com a informação de que se tratava de um produto cujo capital garantido poderia reaver avisando com poucos dias de antecedência.

O A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem; tinha ademais um perfil conservador e não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do R.; aos balcões do CC afirmava-se a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade, com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco. Ademais o A. atuou convencido de que colocava o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo, subscrevendo o referido produto financeiro sabendo que não se tratava de um depósito a prazo.

As Obrigações DD-2006 foram emitidas pela DD, SGPS, SA, resultando da matéria de facto provada (que, nesta parte, comporta um elemento de natureza conclusiva) que, pelo facto de a emitente ser detentora de 100% do capital do CC, o risco de tal subscrição seria semelhante ao de um depósito a prazo, uma vez que o risco da DD era indexado ao risco do próprio Banco. A diferença entre os produtos estaria essencialmente no facto de que se se tratasse de um depósito bancário o Fundo de Garantia de Depósitos asseguraria a devolução do valor máximo de € 25.000,00 (valor fixado à data), garantia que não abarcava outras aplicações financeiras.

A Relação considerou ainda provado que não foi explicado ao A. que o CC e a DD eram entidades distintas e que investir em obrigações emitidas pela DD era diferente de aplicar dinheiro no CC, tendo sido essencialmente com base no aditamento desse facto que se inverteu o resultado declarado pela sentença da 1ª instância que julgara improcedente a ação.

3.2. Não há dúvidas quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes e em cujo incumprimento se funda a pretensão indemnizatória: trata-se de um contrato de intermediação financeira celebrado e encerrado em Abril de 2016, data em que ao balcão de uma agência do CC estava disponível uma aplicação financeira em títulos de Obrigações DD 2006.

A base jurídica essencial para a resolução do caso é integrada pelas normas do Cód. de Valores Mobiliários em vigor naquela data.

Como já se referiu introdutoriamente, as alterações legais introduzidas em 2007 vieram reforçar o dever de informação, nos termos que passaram a constar do art. 312º-A (qualidade da informação) que foi aditado, ou das modificações introduzidas nos arts. 312º (deveres de informação) e 314º (princípio geral acerca da adequação da operação ao perfil do cliente), tornando mais exigente a atividade dos intermediários financeiros tendo em vista proteger ou esclarecer os clientes. Porém, o legislador inovou na concretização dos deveres que decorriam da enunciação dos princípios genéricos que constavam do art. 304º (proteção dos legítimos interesses dos clientes, boa fé, elevados padrões de diligência, lealdade e transparência), de modo que, nessa medida, as alterações introduzidas não devem ser consideradas para o caso a não ser que tenham natureza meramente interpretativa (arts. 12º e 13º do CC).

Daquele regime jurídico sobressai o que então preceituava o art. 314º do CVM que, em termos autónomos relativamente ao que consta das regras gerais do Código Civil, prescrevia para os intermediários financeiros a obrigação de indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, nele se enunciando ainda a presunção de culpa quando o dano fosse causado no âmbito de relações contratuais, máxime, quando fosse originado pela violação de deveres de informação.

De entre os referidos pressupostos da responsabilidade civil ganha relevo o incumprimento de deveres essenciais, máxime o dever de informação previsto nas normas legais a que estavam vinculados os intermediários financeiros na data em que ocorreram os factos, ou seja, em 19-4-06.

3.3. Como vetor comum a toda a realidade dos valores mobiliários regulados pelo CVM, resulta do seu art. 7º, nº 1, a necessidade de ser fornecida em todas as fases informação que, sendo suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita, devendo os intermediários financeiros agir de acordo com os princípios orientadores dessa atividade que, na ocasião, estavam enunciados no art. 304º.

A densificação dos deveres de informação constava do art. 312º, vinculando o intermediário financeiro a prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, incluindo os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”. A extensão e a profundidade da informação deveria ser inversamente proporcional aos conhecimentos e experiência do cliente.

Já então se estabelecia uma divisão entre investidores qualificados (art. 30º) e não qualificados, com reflexos designadamente no nível da informação que deveria ser prestada (arts. 321º e 323º). Sobrelevando a “proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”, previa-se ainda a necessidade de serem observadas as regras da boa fé e de serem adotados elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº 2), devendo ser evitados ou reduzidos ao mínimo os conflitos de interesses (art. 309º, nº 1) e assegurar-se aos clientes um tratamento transparente e equitativo (nº 2).

Do campo regulamentar ressaltava no essencial o que constava do art. 39º do Reg. CMVM nº 12/2000 que:

1. Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;

…”.

Sendo o CC uma instituição financeira, o art. 77º, nº 1, do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31-12, na vertente da intermediação financeira, dispunha ainda que “devem informar com clareza os clientes sobre … os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos …”.

Como refere Castilho dos Santos, no cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro estes devem ter em consideração a proteção dos interesses legítimos dos clientes, indagando sobre a sua situação financeira e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, com observância dos ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, p. 76). E segundo Sofia do Nascimento Rodrigues, “a inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (know your client rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores” (A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários, p. 46).[5]

A respeito dos níveis de informação, é insofismável que o facto de a instituição bancária exercer também a atividade de intermediação financeira lhe impunha um elevado grau de empenhamento que pudesse compensar o menor grau de experiência de investidores não profissionais, como era o A. Ainda assim, seria utópico pensar que por essa via se eliminaria por completo a assimetria informativa (de que trata Margarida de Almeida Azevedo, em A Responsabilidade Civil por Prospeto no Direito dos Valores Mobiliários, p. 137), tanto mais que o CC era substancialmente um canal através do qual o “Grupo DD” desenvolvia a sua estratégia de angariação de fundos para as diversas empresas que o integravam.

Mas, sem embargo da natural diferença de conhecimentos, os dados relacionados com o A. permitem afirmar que não estava alheado da natureza do produto que lhe era apresentado, nem lhe foi cerceada a possibilidade de obter informação mais detalhada sobre os produtos alternativos ao depósito a prazo disponíveis naquela ou noutras instituições a que se dirigiu.[6]

Acresce ainda que existem aspetos das operações financeiras que, atenta a sua natureza elementar, são do conhecimento geral, como acontece com a diferenciação entre um depósito a prazo realizado em instituições bancárias e outros produtos financeiros que, embora subscritos aos balcões dessas instituições, respeitam a outras entidades e apresentam características que os distinguem daquela figura clássica.

É do foro comum que os depósitos bancários importam para a instituição financeira a obrigação de reembolso do capital depositado, ainda assim, sem embargo do risco da sua liquidação/insolvência. Mas é igualmente do conhecimento geral que outros produtos que oferecem uma rentabilidade mais elevada envolvem maiores riscos, como ocorre nos casos em que a devolução do capital não é assumida diretamente pela instituição financeira mas por uma terceira entidade sujeita a regras (e a um regime regulatório) diversas das que rodeiam as instituições de crédito. Apesar disso, as obrigações (subordinadas ou não subordinadas) constituíam em 2006 uma das alternativas de investimento mais seguras, na medida em que apenas estava presente o risco genérico e longínquo de insolvência da entidade emitente.

3.4. Os arestos dos Tribunais e designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça que se encontram acessíveis revelam uma variedade de situações que se evidencia, desde logo, no cumprimento dos deveres e no nível de conhecimento dos clientes relativamente às características de produtos financeiros como as obrigações DD.[7]

Casos há em que a matéria de facto fixada pelas instâncias revela práticas agressivas, envolvendo clientes sem quaisquer conhecimentos e que foram motivados (“levados” será o termo mais prosaico) a subscrever “obrigações subordinadas” como se fossem verdadeiros depósitos bancários, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação. Certos casos deixam visível uma estratégia delineada no sentido de retirar proveito da boa fé, da credulidade, da ingenuidade ou mesmo da pura ignorância de pessoas que acabaram por subscrever produtos que nunca pretenderam, iludidos por uma falsa associação entre obrigações e depósitos a prazo, sem verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas nas operações.

Não é este, porém, o retrato que é composto pela matéria de facto provada nestes autos, dela emergindo, com todo o relevo, que o A. bem sabia que não estava a subscrever um depósito bancário.

Efetivamente, no caso concreto, provou-se que o A.:

- Indagou junto de várias instituições bancárias qual o produto que lhe poderia oferecer uma melhor taxa de juro e, nesse contexto, um funcionário (a gestora de conta) da referida agência bancária do R. sugeriu-lhe uma aplicação com uma rentabilidade ligeiramente superior a um depósito a prazo, que em qualquer momento poderia reaver o dinheiro, bastando para tal avisar a agência poucos dias antes, e que era um produto de capital garantido, no sentido de que existiam no mercado produtos com taxa de juro superior mas que envolviam outros riscos.

- Não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do R., sendo que as orientações e comunicações internas existentes no CC e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade, com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco.

- Subscreveu o produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.

- Foi-lhe explicado o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

- Sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo.

- Não lhe foi explicado que CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD, era diferente de aplicar dinheiro no CC (facto aditado).

- As Obrigações DD 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela DD, SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco R., participação que deteve, de forma permanente, até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado. Porque a DD, SGPS, SA, detinha o Banco CC, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

- O risco de um depósito a prazo seria semelhante a uma tal subscrição, por o risco da DD ser indexado ao risco do próprio Banco, consideração válida, sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de € 25.000,00.

Neste contexto factual não é possível considerar incumprido o dever de informação que impendia sobre o CC, nos termos que constavam do art. 312º do CVM, na medida em que o A. bem sabia que não estava a contratar um depósito a prazo com a própria instituição financeira a que se dirigiu e que, como constava do documento que assinou, estava a contratar um produto emitido pela DD (e não o CC), sem que houvesse alguma previsão do que veio a ocorrer posteriormente, seja a crise financeira global, seja a insolvência da entidade emitente.

A matéria de facto reflete, na realidade, que o A., em busca de uma aplicação mais vantajosa para o capital de que dispunha, acabou por realizar um “mau investimento”. Mas isto é o que ciclicamente acontece com outras pessoas em semelhantes circunstâncias sempre que explodem crises financeiras ou bolsistas (especialmente quando se trata de produtos sujeitos a fatores especulativos, como aqueles que se verificavam na Bolsa de Lisboa, em 1987, e que deram o mote para que o então Primeiro-Ministro alertasse prosaicamente para os riscos de quem estava a “comprar gato por lebre”).[8]

3.5. Na avaliação dos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente quanto ao incumprimento de deveres legais ou contratuais, também não se podem olvidar factos que, tendo sido invocados para preenchimento de tal requisito, ficaram por provar.

O A. alegou factos que revelariam uma insofismável deturpação dos deveres de informação, de lealdade e de boa fé, iludindo-o quanto à natureza jurídica da operação (alegadamente equiparada, para todos os efeitos, a um depósito a prazo na instituição bancária) e quanto aos riscos à mesma associados. Porém, não se provaram os seguintes factos:

- Que, em Abril de 2006, o gerente do Banco R. da agência das Caldas da Rainha, disse ao A. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, no sentido de ser realmente um depósito a prazo;

- Que o A. não sabia que aplicou a quantia de € 50.000,00 em Obrigações DD-2006;

- Que se o A. se tivesse apercebido que poderia estar a dar uma ordem de compra de Obrigações DD-2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo CC, não o autorizaria;

- Que o R. sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, no sentido de ser efetivamente um depósito a prazo;

- Que o A. desconhecia e nem podia conhecer que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubesse que se tratava de um produto de risco não o teria adquirido;

- Que o A. não foi informado sobre a compra de obrigações subordinadas DD-2006;

- Que o A. celebrou algum contrato com o R. que nunca lhe tivesse sido lido ou explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas DD … e que nem nunca conheceu o A. qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações DD;

- Que o A. tenha assinado algum documento que não correspondia à sua vontade real;

- Que o A. nunca aceitaria investir em Obrigações DD-2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco R.;

- Que o A. não sabia o que era a DD e pensava que era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco R. utilizava;

- Que o R. foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa;

- Que o um dos argumentos invocados pela Direção Comercial do CC e que os funcionários da rede de balcões do Banco R. repetiam junto dos seus clientes era o de que este assegurava o reembolso do capital investido e juros.

3.6. Resumidamente, não foram os funcionários do CC que confrontaram o A.; foi este que, depois de averiguar junto de outras instituições financeiras a existência de investimentos alternativos aos clássicos depósitos a prazo, se aproximou do CC, onde foi atraído pela maior rentabilidade que lhe seria proporcionada por um produto diverso, mas com características semelhantes às de um depósito bancário.

O produto oferecido comportava, como desejava, o retorno do capital (é esta a “garantia” que existe num produto com “capital garantido”, a qual, por exemplo, não existe nos casos em que investimento se traduz na aquisição de ações) e, apesar de para o efeito estar previsto o prazo de 10 anos, esse capital poderia ser recuperado antecipadamente mediante o endosso do título que na ocasião beneficiava de intensa procura.

Não se colhe da matéria de facto provada que, além das informações que foram prestadas ao A. (e das que, constando do documento de subscrição da obrigação DD, a fls. 23, vº, eram percecionáveis), outras houvesse que fossem, na altura, determinantes para a formação da convicção do A. sobre a bondade da concreta aplicação financeira.

Para se considerar verificado o incumprimento do dever de informação parece manifestamente insuficiente o facto (que a Relação aditou e a que atribuiu muito relevo) de que “não foi explicado ao A. que “CC” e “DD” eram entidades distintas e que investir em “DD”, era diferente de aplicar dinheiro no “CC”. Ninguém, de boa fé, nem sequer o A., sabedor de que não se tratava de um depósito a prazo, poderia ignorar que uma entidade como a “DD, SGSP, SA”, que nele estava assinalada no documento como emitente das obrigações era juridicamente distinta do “CC” em cujo balcão o produto foi subscrito.[9]

Sabendo o A. que estava a contratar um produto diverso de um depósito a prazo, a subscrição de outro produto com aquela descrição remetia para outra entidade, ou seja, para a emitente das obrigações subordinadas que colocara no mercado o respetivo empréstimo obrigacionista através do CC.

Acresce que, no contexto temporal em que se concretizou a operação e perante a falta de prova de outros factos que o A. alegou, era relativamente indiferente para o A. tal distinção entre as duas entidades, já que o que emergia como elemento preponderante para a sua opção era o facto de se tratar de um produto que previa a devolução do capital no fim do prazo de maturidade e com um nível de segurança semelhante ao de um depósito a prazo, proporcionando-lhe um rendimento superior que efetivamente lhe veio a ser creditado durante cerca de 10 anos.

Durante praticamente todo o período do empréstimo obrigacionista foi paga ao A. a remuneração acordada, o que apenas cessou em Novembro de 2015, quase no fim do período de maturidade. Foi então que, na sequência da crise que atingiu o “Grupo DD”, as expetativas de recuperação do capital investido se goraram com a declaração de insolvência da EE, SGPS, SA.

Todavia, estes são factos situados a jusante da atuação que poderia ser relevante para efeitos de formação da convicção do A. sobre a bondade do produto financeiro e para verificação do incumprimento por parte do intermediário financeiro do seu dever a respeito do conteúdo das informações que lhe foram prestadas, não havendo demonstração alguma de que, na ocasião em que o A. subscreveu a Obrigação DD 2006, fosse previsível o que veio a ocorrer quer com o intermediário CC, quer com a emitente DD, ou que fosse de algum modo conjeturável que o capital não seria devolvido por qualquer motivo.[10]

Ponderando as circunstâncias que existiam (pois apenas estas podem relevar para a apreciação do caso concreto), o A. não foi convencido, através de algum artifício, de que se tratava de um depósito a prazo contratado com o CC ou que o capital fosse exigível diretamente ao CC. Também, não era falsa a informação de que se tratava de uma aplicação segura, semelhante a um depósito a prazo, pois na realidade assim acontecia com a concreta aplicação financeira, considerando a prevista devolução do capital e a qualidade da emitente que, aliás, era a detentora da totalidade do capital do CC.

Nem sequer releva para o caso o facto de os titulares de depósitos a prazo terem a garantia adicional de que, em caso de liquidação da instituição financeira, lhes seria devolvida, na altura, a quantia de € 25.000,00 pelo Fundo de Garantia de Depósitos. Na medida em que o A. não pretendia realizar um depósito a prazo e sabia que o investimento fora feito num produto diverso, não está a coberto de qualquer expetativa relacionada com a garantia de devolução de uma parte do capital que por via da atuação do intermediário financeiro tivesse ficado frustrada.

3.7. Nestas circunstâncias, no caso concreto, não existem motivos para concluir ter havido da parte do CC o incumprimento de qualquer dever essencial para com um investidor não qualificado, desde o dever específico de informação, passando pelos deveres de ordem mais genérica.

Não pode ceder-se ao facilitismo de interpretar e integrar os deveres que recaíam sobre os intermediários financeiros em 2006 à luz da evolução do mercado financeiro e designadamente do surgimento da crise financeira em finais de 2007 ou da insolvência da emitente das obrigações. Pelo contrário, deve fazer-se um esforço no sentido de colocar cada interveniente na posição relativa em que se encontrava na data em que foi executada a operação financeira, contando exclusivamente com os deveres do intermediário no contexto jurídico e financeiro que rodeava a operação em causa e com as correspondentes necessidades informativas do investidor.

O facto de o CC informar que o capital era garantido não contradizia a natureza do produto financeiro, nem o obrigava a avisar dos riscos genéricos que qualquer operação financeira comportaria, como o risco de insolvência da emitente das obrigações, do mesmo modo que quando o CC aceitava dinheiro em depósito não estava obrigado a avisar especificamente o depositante do seu próprio risco de insolvência.

Apenas depois de se ter concretizado a operação se verificou que o reembolso do capital por parte da emitente das obrigações ficou inviabilizado pela declaração de insolvência. Mas o certo é que, sem se contar com a nacionalização do CC e com a assunção pelo Estado, no processo de reprivatização, dos riscos inerentes aos litígios pendentes (factos que naquele primeiro momento eram de todo desconhecidos e que obviamente também não puderam contar para efeitos de determinação das opções do A.), também nos depósitos a prazo não deixa de existir o risco genérico de insolvência da instituição bancária.

3.8. Solução diversa foi assumida no Ac. do STJ de 10-4-18, 753/16, em www.dgsi.pt, mas tal decisão foi sustentada na consideração de que nesse caso foi assegurado ao investidor que “o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo” e que “nos casos … em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança … qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro”.

Tais considerações resultaram de um conjunto de factos que foram considerados provados:

- “Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo”.

- “Os funcionários do balcão em que os AA. tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações ... que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores”.

- “Foi dito ao A. marido que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação ... a terceiros.

- “Os funcionários do Banco asseguraram ao A. marido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco”.

- “Não foi facultada aos AA. nota informativa do produto”.

A situação também é diferente da que foi apreciada no Ac. do STJ de 17-3-16, 70/13, www.dgsi.pt, em que, a respeito de “Obrigações CNE”, também do grupo DD, se provou que:

- “Aquando da subscrição da aplicação o A. foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a CNE, S.A. – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado”;

- “O A. alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só investiria aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros”:

- “Foi-lhe então assegurado por aquela gerente que a aplicação tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco”.

Diversa é também da realidade que subjaz ao Ac. do STJ de 18-9-18, 20329/16, em www.dgsi.pt, numa situação em que:

- “Os AA. eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4ª classe;

- Os funcionários do R. sabiam que os AA. nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;

- Os AA. não tinham a intenção de investir;

- Foram os funcionários do R. que seduziram e convenceram os AA. a investir o valor de € 50.000,00 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características”.

Por fim, outra foi ainda a realidade apreciada no Ac. do STJ de 18-9-18, 20403/16, em www.dgsi.pt, donde ressaltam os seguintes factos:

- “O funcionário do ex-CC “afiançou ao A. que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco”, que “se tratava de um produto sem qualquer risco” e “comprometeu-se a recomprar a obrigação subscrita pelo A. na data acordada, pelo valor da compra”;

- “O A. é pessoa de humilde condição social, com pouca instrução escolar e já completou oitenta e oito anos de idade”;

- “O A. só aceitou subscrever a compra de três Obrigações DD-2006 por que lhe foi afiançado pelo gerente do Banco, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características”;

- “Todos os funcionários do Banco que lidavam com o A., a começar pelo gerente, sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa, nunca tinha adquirido a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações”;

- “Tinham perfeita consciência de que o A., devidamente informado, nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos”;

- O A. “tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestavam aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças”

- “Nunca o A. se teria conformado com a subscrição de três obrigações DD-2006 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o doc. nº 7, nomeadamente nos capítulos "REEMBOLSO ANTECIPADO", "LIQUIDEZ" e "SUBORDINAÇÃO", bem como se lhe tivesse sido informada a ausência de garantia do banco à subscrição”.

Destes arestos do Supremo resulta que os casos em que tem sido apreciada a responsabilidade civil do intermediário financeiro apresentam diferenças significativas na matéria de facto provada e não provada (e também nas questões de direito que foram suscitadas) que não são despiciendas quando se trata de avaliar o comportamento dos intervenientes em cada uma das operações financeiras.[11]

Por exemplo, no caso concreto, não foi assumido o compromisso de o próprio Banco (em paralelo com as regras das obrigações subordinadas) restituir o capital investido ou outro semelhante, tal como não foi propalada ou induzida qualquer confusão entre os dois produtos financeiros (depósito a prazo e obrigações subordinadas).

3.9. No que concerne ao cumprimento do dever de informação, a realidade dos autos aproxima-se mais da que foi apreciada nos Acs. do STJ de 11-10-18, 2339/16 e de 4-10-18, 1236/15 (e também do Ac. de 25-10-18, 2581/16 que divergiu na solução), em www.dgsi.pt.

O primeiro aresto terminou com a absolvição do intermediário financeiro, argumentando-se que “o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento” e que “não cabe, em regra, nas funções dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades”.

Tratava-se de uma situação em que, no entanto, se provara que:

- “Foi transmitido à A., por funcionário da R. que lhes sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias”.

- “À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.

- “A A. subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros”.

- “A A. não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ela contatavam, sendo por eles percetível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro”.

- “Os AA. não sabiam e nem sabem o que são obrigações e o Banco R. não explicou aos AA. o que eram obrigações”.

- “Os AA. não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram e ninguém lho explicou corretamente”.

- “Ninguém explicou aos AA. que BANCO DD e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD, era diferente de aplicar dinheiro no BANCO DD”.

- “Ninguém explicou aos AA. que o BANCO DD não tinha nenhuma responsabilidade pelo pagamento deste produto e que não o garantia”.

No segundo aresto, com o mesmo resultado, ficara demonstrado, no essencial, que:

- “Em Outubro de 2004, os funcionários do Banco R. da agência de …, disseram ao A. marido que tinham uma aplicação que, em termos de risco, se assemelhava a um depósito a prazo, por ter capital garantido e rentabilidade assegurada.

- Ao subscrever o produto referido em 5, o A. estava convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segurar com risco exclusivamente (do) Banco”.

Próximos da realidade que neste processo foi apurada são ainda 4 outros acórdãos deste Supremo, ainda inéditos, todos eles negando o incumprimento do dever de informação perante factualidade semelhante à que nos autos se apurou.

- O Ac. de 19-12-18, 433/11.7TVPRT.P1.S2 (investimento feito através de uma sociedade off shore cujo titular era experimentado na matéria, conhecendo os riscos que estavam em causa);

- O Ac. 19-12-18, 2382/17.6T8VNG.P1.S1 (com voto de vencido) (conhecimento de que a aplicação não fora feita num depósito a prazo mas em Obrigações DD);

- O Ac. de 9-1-19, 3845/16.6T8VIS.C2.S2 (igualmente com conhecimento de que o capital estava a ser aplicado num produto diverso de um depósito a prazo, Obrigações DD);

- E o Ac. de 9-1-19, 9659/16.6TLSB.L1.S1 (conhecimento de que se tratava de um investimento em produto diverso de um depósito a prazo, Obrigações DD).

No caso sub judice, a afirmação do incumprimento do dever de informação pressuporia que se exponenciassem, a posteriori, as particularidades do produto financeiro que realmente não eram nem foram, na ocasião, determinantes para o A., ou que se procedesse a um agravamento temporalmente deslocado das informações que o intermediário financeiro deveria ter prestado em face dos normativos a que, na ocasião, estava vinculado e que, como já se disse, não coincidem com os que passaram a vigorar depois da alteração introduzida no CVM.

Ora, insista-se, o ponto de referência para a avaliação da diligência no cumprimento dos deveres deve situar-se na data em que ocorreram os factos e não nas atuais circunstâncias em que, para além da inflação informativa acerca de produtos financeiros, estratégias das empresas carecidas de financiamento ou crises financeiras, nos confrontamos com factos consumados muito diversos dos que eram prognosticados na ocasião em que ocorreu a operação.

Falece, por esta via, a pretensão do A. motivando a revogação do acórdão recorrido.

4. Mas ainda que porventura os factos confirmassem o incumprimento do dever de informação, a pretensão do A. claudicaria por falta de outro pressuposto da responsabilidade: a demonstração de um nexo de causalidade entre a atuação do Banco R. e o evento lesivo traduzido na aquisição de um produto financeiro cujo capital não foi e muito provavelmente não será restituído pela entidade emitente.

4.1. Reflete a matéria de facto que, alguns anos após a subscrição em causa, o A. se defrontou com a nacionalização do CC e, depois, com a declaração de insolvência da EE, SGPS, SA, esta com diretos reflexos na quebra das expetativas relacionadas com a devolução do capital aplicado.

Atenta a natureza da obrigação subordinada DD 2006 e o facto de na graduação de créditos o seu pagamento ceder perante os credores privilegiados e mesmo perante os demais credores comuns, pode aceitar-se a inviabilidade de o A. receber no âmbito do processo de insolvência o capital que a emitente se obrigou a reembolsar, a par dos juros relativos ao último semestre que ficaram por pagar. Mas daqui não decorre que se possa presumir que tais efeitos negativos encontram a sua causalidade adequada na atuação do intermediário financeiro.

Para responsabilizar o Banco R. por este “sinistro” financeiro era necessário que se apurasse que foi na errada, deficitária ou perturbadora informação dada pelo CC que o A. assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro. Ou seja, era necessário que a matéria de facto revelasse que foi por não ter recebido do CC informação que fosse completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita que o A. aceitou a proposta de aplicação financeira.

Não pode aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude. Não cremos que alguma especificidade possa encontrar-se nesta área da intermediação financeira que permita associar a um eventual incumprimento do dever de informação a presunção de que aí se encontra a causa adequada do resultado traduzido na subscrição da obrigação subordinada e, depois, na falta de reembolso do respetivo capital. Pelo contrário, parece-nos importante que se demonstre também nestes casos o referido nexo de causalidade adequada, sem que se invertam os termos da equação, atribuindo relevo ao sinistro antes de apreciar os comportamentos dos agentes nas circunstâncias que existiam.[12]

Acresce ainda que qualquer presunção que porventura pudesse ser sustentada a este respeito não poderia ultrapassar o que decorre da decisão da matéria de facto, tanto a provada como a não provada.

Na verdade, são as instâncias que fixam a matéria de facto, de tal modo que ao Supremo Tribunal de Justiça não é concedida a possibilidade de extrair conclusões que contrariem a anterior apreciação dos meios de prova que foram produzidos e livremente apreciados, sendo-lhe vedado considerar demonstrados por esta via indutiva factos que, depois de terem sido submetidos a prova, foram considerados não provados.

4.2. Vejamos o que ocorreu no caso concreto.

Está provado que:

- O A. subscreveu o produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.

- Foi explicado ao A. o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

- O A. sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo.

- Não foi explicado ao A. que CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD, era diferente de aplicar dinheiro no CC (facto aditado).

- As Obrigações DD 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela DD, SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco R., participação que deteve, de forma permanente, até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado. Porque a DD, SGPS, SA, detinha o Banco CC, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

- O risco de um depósito a prazo seria semelhante a uma tal subscrição, por o risco da DD ser indexado ao risco do próprio Banco, consideração válida, sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de € 25.000,00.

Mas, por outro lado, foram considerados não provados outros factos em que o A. sustentou a sua pretensão e que se destinavam a integrar o pressuposto da causalidade adequada:

- Se o A. se tivesse apercebido que poderia estar a dar uma ordem de compra de Obrigações DD-2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo CC, não o autorizaria?

- O A. desconhecia e nem podia conhecer que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubesse que se tratava de um produto de risco não o teria adquirido?

- O A. nunca aceitaria investir em Obrigações DD-2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco R.?

- O A, não sabia o que era a DD e pensava que era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco R. utilizava?

- O R. foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa?

- Um dos argumentos invocados pela Direção Comercial do CC e que os funcionários da rede de balcões do Banco R. repetiam junto dos seus clientes era o de que este assegurava o reembolso do capital investido e juros?

4.3. Para revogar a sentença e julgar procedente a ação, a Relação atribuiu muito relevo ao facto que aditou de que “não foi explicado ao A. que CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD, era diferente de aplicar dinheiro no CC”.

Porém, não é possível inferir daqui que se acaso ao A. tivesse sido dado conhecimento de que o CC, com quem contactou, era uma entidade juridicamente distinta da DD, emitente do produto financeiro, não teria subscrito tal produto.

O acórdão recorrido deu por satisfeita a existência de um nexo de causalidade, apesar de não se terem provado factos que o A. alegou para o seu preenchimento e malgrado a vacuidade de outros factos que a tal respeito se provaram, parecendo aderir a uma solução que aceita, nestes casos, a presunção de causalidade a partir da afirmação da existência da ilicitude do comportamento, a qual já acima foi refutada.

Na medida em que o que está em causa é o alegado incumprimento do dever de informação e não propriamente o incumprimento do contrato de intermediação, a matéria de facto apurada não permite que se assuma a verificação do nexo de causalidade adequada entre a atuação do CC e o efeito negativo que veio a manifestar-se na esfera patrimonial do A. com a insolvência da EE conexo com a anterior aquisição de um produto financeiro indesejado ou carente de melhor informação.

Nem o facto de se tratar de uma obrigação subordinada permite tal conclusão, já que também não existem elementos que permitam concluir, de forma direta ou indireta, que naquela ocasião outra teria sido a opção do A. se, em lugar de lhe apresentarem uma “obrigação subordinada”, lhe tivessem proposto uma aplicação em obrigação de natureza distinta.

Acresce ainda que, tendo sido declarada a situação de insolvência da emitente, nada permite concluir que a distribuição da respetiva massa insolvente pelos credores prejudique efetivamente o A. em função de ter adquirido uma obrigação subordinada, prejuízo que não existiria se acaso fosse outra a natureza do produto.

4.4. A necessidade de demonstração do nexo de causalidade nestas e noutras ações tem sido assinalada na jurisprudência deste Supremo mantendo-se firme o critério segundo o qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, embora com variação do grau de probabilidade entre o evento e o resultado, como se assumiu no Ac. do STJ de 28-4-16, em www.dgsi.pt, deste mesmo relator e deste coletivo, sobre responsabilidade bancária conexa com a falta de desconto de um cheque.

Foi também na falta de prova de factos reveladores desse pressuposto que o Ac. do STJ de 6-11-18, 2468/16, em www.dgsi.pt, se fundou para julgar a improcedente a ação que foi instaurada contra um intermediário financeiro. Tratou-se de um caso em que, embora tenha sido afirmado a ilicitude do Banco por inobservância de elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram exigíveis para a prestação de informações, acabou por concluir que não se verificava o nexo de causalidade por não ter resultado provado que os danos invocados pelos recorrentes devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado.

O mesmo aconteceu com o Ac. do STJ de 13-9-18, 13809/16, em www.dgsi.pt. Para além de neste se assentar que “a lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção”, ficou expresso que não resultava da “matéria de facto que se os deveres de informação que recaíam sobre o banco intermediário financeiro tivessem sido cumpridos os AA. não teriam investido na aplicação em causa nos autos mas noutra que lhes garantisse um retorno seguro”. Concluiu que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito (violação do dever de informação) e o dano (valor da prestação não cumprida pela entidade emitente) e que “para que tal sucedesse era necessário ter-se provado que os AA. não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações em causa se lhes tivesse sido prestada toda a informação relativa ao produto que adquiriram”.

A mesma linha foi seguida no Ac. do STJ de 6-6-13, 364/11, em www.dgsi.pt, relatado pelo ora relator, no qual se afirmou que “a responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado”.

Por conseguinte, também por esta via falharia a procedência da ação.

5. Enfim, no caso presente, para que a R. pudesse ser responsabilizada pelo que ocorreu, era necessário que, atento o disposto no art. 314º do CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos pela lei ou por regulamento.

O art. 304º do CVM prescrevia que os intermediários financeiros deveriam orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé e com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Posto que se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que, em concreto, se poderia traduzir na violação daqueles deveres, máxime do dever de informação, com função causal relativamente aos prejuízos.

Ainda assim, a não ser que se assuma a existência de uma capitis diminutio de todo e qualquer investidor não institucional relativamente a qualquer operação, não pode ser descurado paralelamente o dever de diligência de cada indivíduo na procura da informação que permita tomar uma decisão conscienciosa, em vez de atentar apenas em alguns dos elementos, orientado unicamente pela perspetiva de obtenção dos lucros, sem atenção aos riscos.

No caso concreto, esteve em causa a aquisição de um produto financeiro que, na ocasião e no contexto em que ocorreu, correspondia às expetativas do A. quanto à rentabilidade e quanto à recuperação do capital investido. Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que lhe devesse ser especificamente assinalado antes de decidir, uma vez que na referida ocasião tal era praticamente indiferente, já que nada fazia supor o default da entidade emitente, inexistindo elementos que permitam concluir que a causa dos danos correspondentes à aquisição de um produto financeiro relativamente ao qual se veio a verificar a perda do capital é de imputar à atuação do R. na fase da intermediação desse produto financeiro.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão da Relação, sendo repristinada a sentença da 1ª instância que julgou a ação improcedente.

Custas da revistas e nas instâncias a cargo do A.

Notifique.

Lisboa, 24-1-19


Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo


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[1] Ainda assim, o ex-Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, numa intervenção feita em 2016, notou que o problema continuava presente, na medida em que, “no caso português, à semelhança de outros países, a intermediação financeira e gestão de ativos não é independente dos grupos bancários existentes. Ao balcão dos bancos comercializam-se produtos financeiros vários, não necessariamente bancários. Os clientes destas instituições, em geral com baixa literacia financeira, nem sempre percebem com clareza a diferente natureza dos produtos, dos seus riscos e dos níveis de proteção” (“A supervisão financeira em Portugal. Avaliação crítica e sugestões para a sua reforma”, em I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, p. 297).
[2] Cujo limite máximo previsto no art. 10º do DL nº 222/99, de 22-6, era de € 25.000,00 em 2006 e que agora se situa em € 100.00,00.

[3] Esta cláusula vem mencionada em documentos oficiais, designadamente:
a) Na Decisão da Comissão Europeia “Relativa às medidas SA 26909 (2011/C) executadas por Portugal no contexto da reestruturação do Banco Português de Negócios (CC) (http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/242398/242398_1329325_237_2.pdf.) e
b) No “Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do Banco Português de Negócios, SA”, no qual se refere que, para além dos recursos já despendidos pelo Estado com o CC, se prevê ainda que, “nos anos subsequentes, o Estado poderá ainda assumir, em défice orçamental, os encargos decorrentes das responsabilidades contingentes que lhe forem imputáveis” (p. 252).
Consta da Conclusão VII deste Relatório que nas responsabilidades contingentes estão incluídos os encargos assumidos pelo Estado em resultado da negociação que levou à venda do CC ao BIC, designadamente custos com litígios que decorrem em tribunal …” (http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf).

[4] Evento que também foi apreciado nos Acs. do STJ de 12-1-17, 428/12, de 19-6-18, 152/13 e de 25-10-18, 2089/11, sendo semelhante ao que estava subjacente ao Ac. do STJ de 6-2-14, 1970/09, todos em www.dgsi.pt.
[5] Cf. ainda Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª ed. pp. 413 e ss. e Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, em Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 7.
[6] Sobre o maior ou menor empenho revelado pelo interessado tanto na ocasião da concretização do investimento, como no período subsequente cf. Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31.
[7] Variedade que também se deteta noutras latitudes, como o demonstra, por exemplo, o “raport anuel” da Cour de Cassation francesa relativo a 2009, acessível através de https://www.courdecassation.fr.
[8] Cf., a este respeito, a enunciação das principais crises financeiras internacionais e nacionais que consta do “Jornal Expresso-Economia”, do dia 4-1-2019.

Como refere Sofia Nascimento Rodrigues, ob. cit., p. 33, sem embargo dos deveres que recaem sobre os intermediários financeiros “deve assinalar-se a existência de limites a essa mesma proteção, as quais, em última instância, decorrem da própria essência do investimento em valores mobiliários” onde convergem três ideias: “inevitabilidade do risco, recusa de paternalismo por parte da entidade de supervisão e autorresponsabilização do investidor”.

[9] As obrigações são valores homogéneos, emitidos em massa, através dos quais a entidade emitente procura satisfazer as suas necessidades de financiamento a médio e longo prazo, dirigindo-se a uma pluralidade mais ou menos vasta de investidores que valorizam, em particular, a possibilidade de reconverter o seu investimento em dinheiro, mesmo antes da maturidade do empréstimo obrigacionista, através da alienação dos valores (Osório de Castro, Valores Mobiliários-Conceito e Espécies, p. 127). Precisamente o que ocorreu no caso concreto.

[10] Como assinala Castilho dos Santos, ob. cit., p. 202, para a apreciação da responsabilidade civil do intermediário financeiro deve atender-se ao “desvalor do facto praticado e não ao desvalor do resultado”.

[11] Nuances que, relativamente a uma outra instituição financeira e tendo por base um produto financeiro diverso (Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016), são igualmente visíveis no Ac. do STJ de 11-12-18, 6917/16, em www.dgsi.pt, considerando procedente pretensão do investidor, com a particularidade de incidir sobre factos ocorridos em 2012, já na vigência das alterações introduzidas em 2007 no CVM.

[12] Assim se decidiu também nos Acs. do STJ de 6-11-18, 2468/16, de 13-9-18, 13809/16, de 18-9-18, 20403/16, de 10-4-18, 753/16 e de 25-10-18, 2581/16, em www.dgsi.pt e nos Acs. do STJ de 19-12-18, 433/11.7TVPRT.P1.S2 e de 19-12-18, 2382/17.6T8VNG.P1.S1 (ainda inéditos).

No mesmo sentido Castilho dos Santos, A responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, pp. 222 e ss.

Foi esta também a solução adotada no Ac. do STJ de 6-6-13, 364/11, em www.dgsi.pt, relatado pelo ora relator, a respeito de outro litígio emergente de uma aplicação financeira associada a um banco islandês que foi declarado insolvente.