Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3660
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TREINADOR
LACUNA
ANALOGIA
CLÁUSULA DE REMISSÃO
MOTIVAÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ200807100036604
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - O treinador de modalidades desportivas não é de qualificar como praticante desportivo, nos termos e para os efeitos previstos no regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva (CTPD - Lei n.º 28/98, de 26-06).
II - O contrato de trabalho do praticante desportivo constitui uma espécie do género contrato de trabalho, com um regime legal consagrador das respectivas especificidades, designadamente quanto à estatuição do contrato a termo como única categoria contratual admitida.
III - A inexistência de regulação legal própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos (v.g. os treinadores) não determina, sem mais, a aplicação da “lei geral do trabalho”, antes possibilitando, face a uma eventual lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10.º do CC, e, por essa via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa, as razões justificativas da concreta regulação normativa da Lei n.º 28/98.
IV - Não há obstáculo legal, no quadro do princípio da liberdade contratual, à validade das cláusulas de remissão para o regime de um instrumento de regulamentação colectiva contidas em contrato individual de trabalho, ainda que entretanto aquele instrumento haja perdido validade.
V - Celebrado por escrito um contrato de trabalho a termo para o exercício, pelo autor, na época desportiva de 2004/2005 (de 25-08-2004 a 30-06-2005), do cargo de treinador adjunto de futebol e constando desse contrato que ao mesmo se aplicam, no omisso, as disposições do CCT outorgado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa do Futebol Profissional (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 27 de 22-07-97 e com PE no BTE, 1.ª série, n.º 37 de 10-10-97), deve o contrato individual em causa reger-se pela regulamentação deste CCT, em tudo o que nele não for contemplado.
VI - Ao contrário do regime laboral comum, não se exige na Lei n.º 28/98 a indicação do concreto motivo justificativo da celebração do termo ajustado, bastando a indicação da actividade desportiva ajustada e das datas de início da produção de efeitos do contrato e do termo de vigência deste (no mesmo sentido o art. 6.º do CCT).
VII - Além disso, o contrato de trabalho caduca, sem mais, expirado o prazo nele estipulado, a menos que seja prorrogado por mútuo acordo das partes (art. 8.º do CCT), não estando, pois, sujeito à regra da renovação automática prevista no art. 388.º do Código do Trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I – O autor AA pede, com a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, que a ré BB, SAD, seja condenada:
a) a pagar-lhe, a título de retribuições vencidas e não pagas, anteriores à cessação do contrato de trabalho, a quantia de € 7.499,94, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) a pagar-lhe a quantia correspondente ao valor das retribuições que o Autor deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, as quais ascendem, neste momento, a € 10.714,20, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar-lhe os juros de mora já vencidos, até à presente data, sobre as retribuições referidas nas alíneas anteriores, no valor de € Eur. 297,53;
d) a reintegrar o Autor com a antiguidade e categoria que lhe pertencerem ou, em substituição, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 30 dias de remuneração base por cada ano ou fracção de antiguidade.
Caso não se entenda como nulo o termo resolutivo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes, deverá então a Ré ser condenada subsidiariamente na quantia referida na alínea a) supra, bem como nos termos do disposto no artº 440, nº 2 do CT.
Alegou, para o efeito, em síntese:
Esteve ligado à Ré por contrato de trabalho a termo.
Todavia, essa estipulação de termo é inválida, porque não concretiza o motivo da contratação.
A Ré veio a despedi-lo em 8 de Julho de 2005, sendo que tal despedimento, porque sem invocação de justa causa e sem precedência de processo disciplinar, foi ilícito e ao Autor assiste, consequentemente, o direito aos salários intercalares e à reintegração ou à indemnização por antiguidade.

Regular e pessoalmente citada, a Ré não compareceu à audiência de partes nem contestou.

Foi proferida sentença, que, nos termos do artº 57º, nº 1, do CPT, julgou confessados os factos alegados pelo Autor e parcialmente procedente a acção, tendo condenado a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias ilíquidas:
a) 7.499,94€ a título de retribuições referentes aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2005 e a retribuição do período de férias, vencida em 01/01/2005, e respectivo subsídio;
b) os juros moratórios respectivos, vencidos até à data da sentença desde o dia 5 do mês seguinte àquele a que dizem respeito relativamente às retribuições de Fevereiro a Junho de 2005, inclusive, e vencidos desde 30/06/2005, relativamente à retribuição de férias e respectivo subsídio, à taxa de 4%, e nos juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

O A., para além de arguir, em separado, nulidades da sentença, apelou desta, pedindo a sua revogação, com a condenação da R. nos termos peticionados.
A Relação de Lisboa indeferiu as arguidas nulidades e julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença.

O A. pediu a aclaração do acórdão da Relação, o que foi indeferido, a fls. 109 a 111, com condenação do A. nas custas, com 5 UCs de taxa de justiça.

II – Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista, em que apresentou as seguintes conclusões:
1ª. Entre A. e R. foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo no[s] termos do artº 129 do CT, ainda que com remissão para legislação revogada.
2ª. Tal contrato cessou no dia 8 de Julho de 2005.
3ª. Da insuficiente justificação da estipulação do termo resulta a consideração de que o contrato de trabalho foi celebrado sem termo – art. 131, nº4 do CT.
Assim,
4ª. A iniciativa da R. de pôr termo a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem invocação de justa causa, e sem precedência de processo disciplinar configura um despedimento ilícito, com as consequências estabelecidas nos arts. 436 a 439 do CT.
5ª. Admitindo-se, sem conceder, que a estipulação do prazo é válida, ainda assim, o comportamento da R. para pôr termo à relação laboral não obedeceu aos requisitos de tempo e forma estabelecidos no arte 388, nº 1 do CT, pelo que o contrato se renovou por igual prazo.
E,
6ª. Tratando-se então de um contrato a termo, as consequências do despedimento ilícito seriam as estabelecidas no artº 440 do CT.
7ª. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou os arts. 131°, 388°, nº 1, 436° a 439° e 440° do CT, por serem estas as normas aplicáveis ao caso e não a Lei 28/98, que apenas se aplica a praticantes desportivos.
8ª. Deve o requerimento de fls. 106-107 ser deferido, porquanto o despacho de fls. do tribunal recorrido veio efectivamente aclarar o respectivo acórdão, absolvendo-se o Recorrente das custas em que foi condenado.
Pede a revogação do acórdão recorrido, com a substituição por outro que julgue a acção totalmente procedente e condene a Recorrida na totalidade do pedido.
A recorrida não contra-alegou.
No seu douto Parecer, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
A ele respondeu o recorrente, mantendo, no essencial, a posição assumida na revista.


III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. Em 25 de Agosto de 2004, A. e R. celebraram o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 9 a 11 dos autos, pelo qual o Autor foi contratado pelo Réu para exercer as funções de treinador adjunto da equipa de futebol de onze sénior masculino da R., mais estipulando conforme daí consta e, nomeadamente:
- o contrato é celebrado «a termo certo e fundamenta-se na alínea d) do n.º 1 do Decreto Lei n.º 64 -A/89 de 27 de Fevereiro, já que [a]o segundo contraente é cometida uma tarefa ocasional, precisamente definida e não duradoura, com início em 25 de Agosto de 2004 e fim em 30 de Junho de 2005» - cláusula 4ª
- como contrapartida do seu trabalho o segundo contraente terá direito ao vencimento global ilíquido de Eur. 15.000,00 € (quinze mil euros), o que corresponde a 11 (onze) meses de vencimento referentes ao período de 25 de Agosto de 2004 a 30 de Junho de 2005, ao subsídio de férias, ao subsídio de Natal e ao subsídio de refeição previsto na alínea c)» - cláusula 5ª, alínea a)
- tal retribuição será paga em dez prestações mensais iguais e sucessivas, no valor de Eur. 1.500,00 € cada, a pagar até ao dia 5 do mês seguinte àquele a que disser respeito – cláusula 5ª, alínea b).
2. Entre Agosto de 2004 e Janeiro de 2005 o Réu pagou ao Autor as quantias referidas nos documentos juntos a fls.12 a 18 dos autos, sendo a quantia ilíquida mensal de 1.071,42 € a título de «ordenado».
3. O A. exerceu a sua actividade até 30 de Junho de 2005, sem que nada lhe tenha sido comunicado pelo Réu quanto a uma possível desvinculação do contrato de trabalho celebrado.
4. Face à contratação de uma nova equipa técnica, o A. pretendeu esclarecer a sua situação laboral perante o Réu.
5. Em consequência, o Autor enviou ao Réu o fax cuja cópia foi junta a fls. 19 dos autos, datado de 7 de Julho de 2005, recebido pelo Réu, comunicando conforme daí consta e nomeadamente que:
«(...) Contudo, não recebi até ao momento qualquer comunicação escrita, na qual V. Exa assumam a cessação do contrato de trabalho por v/ iniciativa. Nesta conformidade, aguardarei pelo prazo de 24 horas, comunicação de V.Exas, via fax, (...) no sentido de esclarecer se prescindem ou não dos meus serviços. Caso V.Exas nada comuniquem, interpretarei o v/ silêncio como declaração de cessação do contrato de trabalho vigente da v/iniciativa e sem invocação de justa causa».
6. O Réu nada disse.
7. Em simultâneo, também os treinadores e colegas do A. na equipa técnica da equipa de futebol onze sénior masculino da R., CC (Litos) e DD, enviaram faxes semelhantes ao do A.
8. O Sr. DD nunca obteve resposta ao fax, mas celebrou um acordo de cessação do contrato de trabalho.
9. Ao Sr. CC (Litos), a R. respondeu, por carta, comunicando a sua intenção em celebrar um acordo de cessação do contrato de trabalho, apresentando uma proposta para o efeito, acordo esse que veio a ser efectivamente celebrado.
10. Até à data, o Réu não pagou ao A. as retribuições referentes aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2005, nem a retribuição do período de férias, vencida em 01/01/2005, e respectivo subsídio.

IV – É de referir que não está em causa, na revista, tendo já transitado em julgado, a decisão que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 7.499,94, a título de retribuições referentes aos meses de Fevereiro a Junho de 2005, e de retribuição do período de férias, vencida em 01.01.2005, e respectivo subsídio, com os fixados juros de mora.

A sentença entendeu, no que ora interessa, que não se demonstra a existência de despedimento ilícito e daí que tenha julgado a acção improcedente, na parte ora em apreço na revista.
Por seu turno, o acórdão recorrido entendeu que se está perante um contrato necessariamente a termo, validamente celebrado, não convertível, portanto, em contrato por tempo indeterminado, e que foi lícita a sua cessação no termo do prazo ajustado, não tendo o A. direito às quantias, que, neste âmbito, reclamava.

As questões em apreço na presente revista, delimitadas pelas conclusões da alegação (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), são as da natureza do contrato de trabalho celebrado, se o mesmo se converteu em contrato por tempo indeterminado, e se houve um despedimento ilícito por parte da R., com as inerentes consequências.
Está também em causa a bondade da condenação do A. nas custas do incidente de aclaração do acórdão da Relação, com 5 UCs. de taxa de justiça.

Há que começar por conhecer, como questão prévia, da admissibilidade da revista no que respeita a esta última questão, sendo que não há obstáculo a tal apreciação, segundo entendimento pacífico deste Supremo de que o despacho do relator, no Tribunal “ad quem”, a admitir o recurso é provisório, podendo ser modificado pela conferência (art.ºs 700º a 704º do CPC - (1). ) - (2) .

O A. defende, na revista, que o acórdão de fls. 109 a 111 acabou por aclarar o anterior (proferido a fls. 85 e ss.) sobre os pontos suscitados pelo recorrente, motivo por que, em seu entender, não havia lugar à sua condenação nas custas do incidente.

Aquele acórdão indeferiu o requerimento de aclaração do A., de fls. 106 e 107, por ter entendido, em síntese, “que não há que aclarar aquilo que já é perfeitamente claro” e condenou o A. nas custas do incidente - (3)
.
Ora, segundo o n.º 2 do art.º 670º do CPC - Preceito aqui aplicável, nos termos dos art.ºs 716º, n.º 1 e 726º do CPC., “do despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso. A decisão que deferir considera-se complemento e parte integrante da sentença”.
Assim sendo, o acórdão, na parte em que indeferiu o pedido de aclaração, não admite recurso.
Por outro lado, a condenação nas custas do incidente (em 5 UC,s – relembra-se) – também ela autónoma, no caso, em relação ao acórdão aclarando, e que, por isso, não é de considerar complemento e parte integrante do mesmo – não é, automaticamente, digamos, impugnável em sede de revista do acórdão cuja aclaração foi pedida, sendo, por outro lado, que o valor de tal condenação , que traduz, noutra perspectiva da questão, o valor da respectiva sucumbência para o A. – por inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, em matéria cível (alçada que é, no caso, de € 14.963,94, nos termos do art.º 24º, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13.01, na redacção do art.º 3º do Anexo ao DL n.º 323/2001, de 17.12, em vigor à data da propositura da acção – 13.02.2006) – também não consente recurso autónomo dessa condenação.
Pelo exposto, não se conhece do objecto do recurso, nesta parte.


Dos factos provados resulta que, em 25.08.2004, as partes celebraram o acordo de fls. 9 a 11, pelo qual o A. foi contratado pela R. para exercer, na época desportiva de 2004/2005, as funções de treinador adjunto da equipe de futebol de onze sénior masculina da R., que ia disputar a Super Liga.
E, no que agora interessa, foi nele estipulado:
- o contrato é celebrado «a termo certo, fundamenta-se na alínea d) do nº1 do Decreto Lei nº 64- A/89 de 27 de Fevereiro, já que ao segundo contraente é cometida uma tarefa ocasional, precisamente definida e não duradoura, com início em 25 de Agosto de 2004 e fim em 30 de Junho de 2005» - cláusula 4ª.
- como contrapartida do seu trabalho o segundo contraente terá direito ao vencimento global ilíquido de Eur. 15.000,00 € (quinze mil euros), o que corresponde a 11 (onze) meses de vencimento referentes ao período de 25 de Agosto de 2004 a 30 de Junho de 2005, ao subsidio de férias, ao subsídio de Natal e ao subsidio de refeição previsto na alínea c)» - cláusula 5ª, alínea a).
- “Em todos os casos omissos no presente contrato aplicam-se as disposições do C.C.T. outorgado entre Associação Nacional de Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional”- cláusula 11ª.

O acórdão recorrido entendeu, seguindo de muito perto a orientação do acórdão deste STJ, 4ª Secção, de 24.01.2007 -(5) , que se está perante um contrato necessariamente a termo, não convertível em contrato por tempo indeterminado, por aplicação analógica do regime do contrato de trabalho do praticante desportivo (contrato doravante designado pela sigla CTPD), aprovado pela Lei n.º 28/98, de 26.06.
Mais entendeu que o termo foi validamente aposto e que a cessação do contrato , por caducidade, no fim do prazo, foi lícita, não integrando a figura do despedimento sem justa causa por parte da R., e não conferindo, por isso, ao A. os direitos que, e esse título, este peticionava.
E daí que tivesse confirmado a sentença, na parte recorrida.

Vejamos o caso, sendo que também nós iremos acompanhar, de muito perto –, embora, obviamente, com as adaptações que se mostrem necessárias e a alusão às actuais normas do CT –, em matéria de enquadramento, o referido acórdão de 24.01.2007.
Escreveu-se aí:
« Há que dizer que, como tem sido entendido na jurisprudência e doutrina, o treinador de modalidades desportivas não é de qualificar como praticante desportivo, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 28/98, de 26.06 (que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva -(6)

Desse entendimento nos dão conta João Leal Amado - (7). e Albino Mendes Baptista - (8) e, na jurisprudência, o acórdão deste STJ de 7.10.1998, proferido no domínio do DL n.º 305/95, na Revista n.º 166/98, desta 4ª Secção, publicado nos Acórdãos Doutrinais, 447, 1999, 402, citado pelo 2º dos referidos autores, e o Ac. da Relação do Porto, de 27.03.2000, sumariado na internet, no endereço www.dgsi.pt.trp, citado pelo 1º deles.
Como refere Leal Amado, em “Contrato de Trabalho Desportivo Anotado”, a pág. 12, entre os praticantes desportivos não se incluem os técnicos ou treinadores.
É que, diz, nos termos do art. 4º/4 da Lei de Bases do Sistema Desportivo de 1990 (LBSD) - (9), “são considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo”, do que resulta que os treinadores, sendo agentes desportivos, não são, contudo, praticantes desportivos - (10) .

São geralmente reconhecidas as particularidades e especificidades do fenómeno e actividade desportivos, nomeadamente no que respeita à sua vertente profissional, e a consequente inadequação do regime laboral comum para regular aspectos do contrato de trabalho desportivo que se prendem com tais especificidades.
Nesse quadro, a própria LBSD de 1990 estabeleceu no seu art.º 41º, n.º 1, al. i), que, no prazo de dois anos, o Governo faria publicar, entre a legislação complementar necessária para o desenvolvimento dessa lei, o “regime contratual dos praticantes desportivos profissionais e equiparados - (11).
Em obediência a essa imposição, veio a surgir o já mencionado DL n.º 305/95, depois substituído pela Lei n.º 28/98, actualmente em vigor, diplomas que, como vimos, estabeleceram o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD).
E a doutrina vem reconhecendo que este contrato constitui uma espécie do contrato de trabalho, com um regime legal consagrador das respectivas especificidades - (12).
Nessa linha, escreve Leal Amado (ob. cit., 59), que o CTPD “é apenas uma espécie – ainda que, sem dúvida, a mais importante – do genus contrato de trabalho desportivo” e que este abarca também o contrato de outros agentes desportivos, designadamente o contrato dos treinadores desportivos.
Ao contrário do CTPD, os contratos de trabalho com outros agentes desportivos (v.g. os treinadores) não mereceram, até hoje, consagração legislativa, o que suscita a questão – equacionada nos presentes autos – do regime jurídico que lhes é aplicável.
Neste plano de consideração, é de convir que a falta de regulação legal adequada para o contrato dos treinadores desportivos não determinará, pura e simplesmente, a aplicação da denominada «lei geral do trabalho».
Na verdade, como refere António Nunes de Carvalho(13), «Verificamos (...) que a necessidade de adaptação das regras juslaborais a certos contextos organizativos típicos ou a outros modos de ser essenciais não se esgota na previsão de diversas modalidades de contrato de trabalho especial. Para além dos modelos contratuais típicos e nominados, encontramos contratos que apenas possuem um nomen juris e outros há que vêm emergindo da realidade social e jurídica, revestindo contornos específicos independentemente de um expresso reconhecimento pelo legislador. É o que sucede, de modo expressivo, com os treinadores de equipas desportivas profissionais (...). No que toca à situação laboral dos treinadores de equipas profissionais, parece não caberem dúvidas quanto à existência de uma realidade socialmente diferenciada e que tem vindo a ser regulada, nos termos da prática contratual generalizada no respectivo meio social — e inclusivamente, no que concerne aos treinadores de equipas de futebol, por uma convenção publicada no BTE -(14). —, em termos que necessariamente se afastam, em aspectos fundamentais, dos princípios da lei geral do trabalho. É o que acontece, de forma especialmente marcante, com a temporalidade do vínculo e com a inexistência de direito à reintegração em caso de despedimento sem justa causa – mas é também, como notou em estudo recente Albino Batista ( - “(15).-), o que ocorre com a previsão pontual nos contratos de trabalho de regras particulares de cálculo da indemnização em caso de despedimento (...).
E, mais adiante, conclui o mesmo AUTOR, «[d]aí que se suscite, pois, o problema da determinação do regime laboral aplicável. Também aqui, e até porque este tipo de trabalho se desenvolve no seio de uma comunidade que se regula por um ordenamento originário e autónomo, são evidentes os escolhos e a incontornável incongruência da aplicação da “lei geral do trabalho”. Neste caso, segundo cremos, estamos perante uma verdadeira lacuna de previsão. Sendo, portanto, necessário socorremo-nos das regras gerais em matéria de integração » (Fim de transcrição).
Cingindo-nos apenas aos contratos com treinadores desportivos profissionais, que é o caso que nos ocupa, a existência de uma verdadeira lacuna de previsão resulta do facto do próprio legislador reconhecer, como já se referiu, as especialidades que a actividade desportiva comporta neste preciso domínio e a manifesta dificuldade do regime geral do contrato de trabalho para dar cabal resposta a essas especificidades, o que convoca, por força dos princípios gerais, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art.º 10º do Cód. Civil, e, por esta via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulamentação normativa da Lei n.º 28/98- “(16) .

Como já dissemos, a Lei n.º 28/98 consagra o regime especial para o CTPD, mais dispondo, no seu art.º 3º, a aplicação subsidiária ao mesmo das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, ou seja, o regime laboral comum - (17).
Como refere Leal Amado - (18), o CTPD é um contrato necessariamente a termo (na maioria dos casos a termo certo, mas admitindo-se, no quadro da previsão da al. b) do art.º 8º, a celebração de contratos a termo incerto, por período inferior a uma época desportiva).
Daí que, entre nós, o contrato a termo seja mesmo a única categoria contratual admitida na relação laboral do praticante desportivo.
O que envolve que não haja lugar à sua conversão em contrato por tempo indeterminado.
O referido autor retira essa natureza imperativa a termo dos seguintes dados:
a) - Do correspondente documento escrito deverá constar a indicação do termo de vigência do contrato – art.º 5º, n.º 2, e) da Lei n.º 28/98.
b) - A falta de redução do contrato a escrito importa a sua invalidade (art.º 5º, n.º 2 da Lei n.º 28/98) – e não apenas a da cláusula do termo resolutivo, com a conversão em contrato por tempo indeterminado, como previsto para o comum dos contratos a termo, no art.º 42º, n.º 3 da LCCT - (19)..
c) - A falta de indicação do respectivo termo implica que o contrato se tenha como celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual foi celebrado (art.º 8º, n.º 4).
d) A violação dos limites de duração do contrato, previstos no art.º 8º, n.º 1 (mínimo de uma e máximo de oito épocas desportivas), determina a aplicação ao contrato em causa dos prazos mínimo ou máximo admitidos (art.º 9º), não havendo qualquer obstáculo legal à celebração sucessiva e/ou intercalada de contratos de trabalho desportivo a termo entre os mesmos sujeitos.
Também estes aspectos referidos em c) e d) divergem do regime geral do contrato a termo, previsto na LCCT – ver art.ºs 41º-A, n.º 1, 42º, n.º 1, e) e 3, 44º, n.º 2 e 46º, n.º 4 da LCCT - (20). – constituindo normas especiais em relação àquele.
*
Como já dissemos, a consagração de um regime especial para o CTPD, na Lei n.º 28/98, como anteriormente no DL n.º 305/95, traduz o reconhecimento das particularidades da actividade desportiva profissional, de que podemos salientar a curta carreira do praticante desportivo, ditada pela perda de qualidades físicas e atléticas, carreira sujeita a um desgaste rápido, circunstância que justifica ou explica a opção legislativa da impossibilidade de vinculação do praticante desportivo por tempo indeterminado ou por período superior ao máximo previsto.
Acresce que estamos numa área de actividade com natureza e fisionomia próprias, em que os empregadores visam a obtenção de resultados, não apenas económicos mas também desportivos, não raramente interligados entre si, objectivos definidos por factores e conjunturas que se vão alterando (vg. por variação de disponibilidades financeiras, por vezes contingentes, como são, por exemplo, os patrocínios, ou o sucesso ou insucesso desportivo), o que reclama a possibilidade de adaptar a qualidade dos plantéis, isto é, o grupo de praticantes desportivos disponíveis, a esses objectivos, sem esquecer, por outro lado, a necessidade de estabilização desses plantéis, dentro das respectivas épocas desportivas para que foram definidos, com a impossibilidade de o praticante desportivo operar a rescisão do contrato de trabalho por sua pura vontade, mediante pré-aviso - (21). .
Isto, essencialmente, em ordem a salvaguardar os projectos desportivos dos clubes empregadores» (Fim de transcrição).

Feitas estas considerações genéricas, vejamos o caso dos autos.
Estamos perante um contrato de trabalho escrito, celebrado a termo, para o exercício, pelo A., na época desportiva de 2004/05, mais concretamente no período de 25 de Agosto de 2004 a 30 de Junho de 2005, do cargo de treinador adjunto de futebol da R., cuja equipe ia disputar o Campeonato da Super Liga – ver cláusulas 1ª, 4ª e 5ª, e).
E importa, antes de mais, definir o regime jurídico aplicável ao contrato
E aqui interessa relembrar que, nos termos da sua cláusula 11ª, “em todos os casos omissos no presente contrato aplicam-se as disposições do C.C.T. outorgado entre Associação Nacional de Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.

Sendo que no BTE, 1ª série, n.º 27, de 22.07.1997, foi publicado o Contrato Colectivo de Trabalho de 9.11.1996, entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (doravante designado por CCT), que estabeleceu e regulou as normas por que se regeriam as relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre os treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (art.º 1º).
Segundo o seu art.º 2º, tal CCT “aplicar-se-á aos treinadores profissionais que, em virtude de uma relação estabelecida com carácter regular, sob a autoridade e direcção de um clube ou sociedade desportiva, mediante remuneração e de forma exclusiva, se dediquem à preparação, orientação técnica e treino das respectivas equipas de futebol” (art.º 2º).
Preceitua o seu art.º 5º: “Aplicam-se subsidiariamente ao contrato de trabalho celebrado entre os treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas as normas do regime geral do contrato de trabalho, com excepção daquelas que se mostrem incompatíveis com a natureza específica da relação contratual”.
E, de acordo com o art.º 8º, “o contrato de trabalho terá sempre uma duração determinada, caducando, sem mais, expirado o prazo nele estipulado. No entanto, o contrato poderá ser prorrogado por mútuo acordo das partes, por período igual ou diverso do anteriormente fixado”.
Sendo que, entre as causas de extinção do contrato de trabalho desportivo abrangido pelo CCT, mencionadas no art.º 36º, se prevê, na al. b), a caducidade.
E no art.º 38º estabelece-se que “o contrato de trabalho caduca nos termos previstos neste contrato e nos termos gerais de direito, nomeadamente: a) Expirando o prazo por que foi estabelecido; b) (...)”.
Há também que referir que, na sequência do n.º 2 do art.º 1º do CCT - (22), foi publicada Portaria de Extensão no BTE, n.º 37, de 8.10.1997, que estendeu, no território do continente, as condições de trabalho do dito CCT:
“a) Às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas na associação patronal outorgante que exerçam actividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;
b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas na associação patronal outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não filiados na associação sindical outorgante”.

No quadro apontado e por força da remissão feita na cláusula 11ª do contrato celebrado e junto a fls. 9 a 11, concluímos pela aplicação ao caso dos autos da regulamentação contida no mencionado CCT - (23). - (24). , por não haver obstáculo legal, no quadro do princípio da liberdade contratual - (25) , à validade da aludida cláusula (de remissão para o regime do CCT no que toca aos casos omissos no contrato), v.g., e pelas razões que adiante se exporão, no quadro definido pelo art.º 4º, n.º 3 do CT.

Refira-se aqui, em jeito de antecipação, que a solução do caso seria igual, ainda que não se aplicasse o aludido CCT, como melhor resulta do que mais adiante se explicará.


Retornemos às questões em apreço na revista:
O A./recorrente começa por defender que foi insuficiente a justificação do termo ajustado, o que ditaria, segundo o regime laboral comum – que, em seu entender, é o aplicável – a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado, nos termos conjugados dos art.ºs 129º, n.º 1 e 2, g) e 131º, n.º 4 do CT, quadro dentro do qual operaria o alegado despedimento sem justa causa que imputa à R..
Subsidiariamente defende que, a entender-se válido o termo ajustado, o contrato se renovou por a R. o não ter denunciado em tempo e pela forma adequada.
Não tem razão.
Há que ter presente a natureza e particularidades do contrato celebrado.
Trata-se, como vimos, de um contrato de trabalho desportivo que, embora não se reconduza à espécie do CTPD, directamente regulado na Lei n.º 28/98, tem igualmente especificidades significativas em relação ao contrato geral a termo, que justificariam a aplicação analógica, nas questões ora em apreço, da regulamentação consagrada nessa lei.
Como se escreveu no referido acórdão de 24.01.2007, proferido na Revista n.º 1821/06, a especialidade de regulamentação do contrato do praticante desportivo radica na especificidade do fenómeno desportivo, designadamente no âmbito da actividade desportiva profissional.
E aí se sublinhou que essa especialidade, assentando, embora, nalguns aspectos da regulamentação, na ideia da reconhecida perda de qualidades físicas do praticante desportivo, repousa, fundamentalmente, na perspectiva de que é essencial para a realização dos projectos desportivos por parte dos empregadores de praticantes desportivos a possibilidade de alterar, periodicamente, os respectivos plantéis, adaptando-os aos objectivos desportivos, mutáveis, que vão sendo traçados.
Isso explica, por exemplo, a não conversão em contrato por tempo indeterminado ou sequer em contrato a termo pela duração máxima prevista (de 8 anos) do contrato a termo não reduzido a escrito (art.º 5º, n.º 2 da Lei n.º 28/98) e que se considere celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual foi celebrado, o contrato a que falta a indicação do respectivo termo (art.º 8º, n.º 4 da dita Lei).
Este preceito revela – a par de outros que aqui não interessa enunciar – a importância da noção de “época desportiva” na vida e filosofia do CTPD.
E, neste quadro, sem se chegar ao ponto de afirmar que os treinadores desportivos profissionais estão sujeitos, sem mais, nos seus contratos desportivos, a todas as limitações e imposições constantes da referida Lei – aspecto que não interessa aprofundar, atento o objecto mais limitado do presente recurso –, não custa admitir que, pelo menos, nos casos em que se verifiquem, em concreto, razões idênticas às que justificaram as estatuições da Lei n.º 28/98, é de aplicar, por analogia, a mesma solução àqueles contratos, com afastamento, portanto, nesses pontos, do regime laboral comum.
Ora, se bem que, quanto aos treinadores, não valha ou não valha nos mesmos termos o aspecto da perda de aptidões físicas, não deixam de ser muito relevantes o seu perfil, qualidades e aptidões técnicas e outras para a consecução dos concretos projectos desportivos e objectivos fixados pelo clube empregador.
E, nessa vertente, não se vislumbra, no caso dos autos, obstáculo à aplicação analógica do segmento normativo da Lei n.º 28/98, na parte em que rege sobre motivação do contrato a termo e respectivas consequências.
Ora, dispõe o n.º 2 do seu art.º 5º:
“O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, dele devendo constar:
a) A identificação das partes, incluindo nacionalidade e a data de nascimento do praticante;
b) A actividade desportiva que o praticante se obriga a prestar;
c) O montante da retribuição;
d) A data do início de produção de efeitos do contrato;
e) O termo da vigência do contrato;
f) A data da celebração”.
Desse preceito resulta que, ao contrário do regime laboral comum – actualmente previsto nos art.ºs 129º, n.ºs 1 e 2 a 131º, n.º 1, e) e 4 do CT –, não se exige no CTPD a indicação do concreto motivo justificativo da celebração do termo ajustado, o que tem a ver e se harmoniza com a já apontada natureza necessariamente a termo do contrato e a sua não conversão em contrato por tempo indeterminado.
A Lei n.º 28/98 contenta-se com a indicação da actividade desportiva ajustada e das datas de início de produção de efeitos do contrato e do termo de vigência deste.
Nesse mesmo sentido se orientou o citado CCT, ao não exigir tal concreta motivação do termo no seu art.º 6º (que rege também sobre a “forma” do contrato) e ao não fazer também qualquer alusão, a esse propósito, no “modelo de contrato típico” aí previsto e constante do Anexo I.

No caso em apreço, retira-se, com clareza, da factualidade provada que as partes quiseram celebrar um contrato necessariamente a termo.
Vejam-se, a propósito, designadamente, as já referidas cláusulas 1ª e 4ª do contrato celebrado (onde se alude à contratação do A. para exercer as funções de treinador adjunto no período de 25.08.2004 a 30.06.2005), e 11ª - (26). (ao prever a aplicação das normas do CTT aos casos omissos, sendo que, como vimos, o art.º 8º deste estabelece que o contrato tem sempre uma duração determinada, caducando, sem mais, expirado o prazo nele estipulado, podendo, no entanto, ser prorrogado por mútuo acordo das partes, por período igual ou diverso do anteriormente fixado, prescrição com que se mostra harmónica a cláusula 5ª do modelo de contrato anexo ao CCT).
Nesse quadro, entendemos que não se impõe a aplicação do regime laboral comum no que toca ao ponto em apreço (sobre a necessidade de motivação concreta e suficiente do termo resolutivo e efeitos da falta de motivação nesses termos, com eventual conversão do contrato em contrato sem termo), não havendo, pois, obstáculo legal à suficiência – e, portanto, à validade – das alusões sobre o termo feitas no contrato celebrado - (27). e a que este fosse – de forma válida e eficaz – necessariamente a termo, não sujeito, portanto, à regra geral da renovação automática constante do regime laboral comum, nem convertível em contrato por tempo indeterminado.
O entendimento acima expresso – que colhe, aliás, aplicação ao caso concreto, nas normas do CCT que foram referidas, conjugadas com a cláusula 11ª do contrato celebrado – harmoniza-se com uma interpretação analógica, que temos por justificada, no caso, do regime legal do CTPD, constante da Lei n.º 28/98.
Isto é, tais normas do CCT harmonizam-se com essa interpretação analógica, não havendo, por isso, obstáculo legal à sua aplicação ao caso dos autos.

Do exposto, concluímos que o contrato não padece da invocada insuficiência de justificação do termo, que, aliás, a ter ocorrido, não ditaria, como vimos, a conversão do contrato em contrato sem termo - (28).
Do que deixamos dito resulta ainda que o A. também não tem razão na sua pretensão subsidiária de que o contrato se renovou por igual prazo, porque “o comportamento da R. para pôr termo à relação laboral não obedeceu aos requisitos de tempo e forma estabelecidos no art.º 388º, n.º 1 do CT - (29)”.” (conclusão 5ª).
Como vimos, ao caso aplica-se o que vem contido no mencionado CCT, por força da remissão para ele feita pela cláusula 11ª do contrato.
Ora, nos termos dos art.º 8º do CCT, o contrato de trabalho desportivo dos treinadores profissionais de futebol caduca, sem mais, expirado o prazo nele estipulado, a menos que seja prorrogado por mútuo acordo das partes, por período igual ou diverso do anteriormente fixado, não estando, pois, sujeito à regra da renovação automática, prevista no referido art.º 388º, n.º 1 do CT.
Sendo que os autores que abordam o tema não vêm na caducidade automática assim consignada qualquer violação a normas imperativas que obste à sua relevância.
É, assim, que Romano Martinez- (30). , escreve, a propósito do contrato de trabalho do praticante desportivo:
“Como especificidade no domínio da sua duração, o contrato de trabalho desportivo é celebrado necessariamente a termo certo, com um prazo mínimo de uma época e máximo de oito épocas (art.º 8º, n.º 1, da Lei n.º 28/98).
O contrato caduca no fim do período acordado (art. 26º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/98), não tendo sido estabelecido o princípio da renovação automática.
Está-se perante uma hipótese de contratação obrigatória a termo, por se entender que a transitoriedade se encontra associada à actividade e às condições físicas do praticante. Esta contratação a termo sujeita-se ao regime regra do Código Civil, pelo que não há renovação automática”.
E João Leal Amado - (31), abordando o regime legal desse mesmo contrato, no domínio da LCCT, após referir que a Lei n.º 28/98 é omissa quanto ao modus operandi da caducidade do mesmo, pelo decurso do termo certo ajustado, o que poderia ditar, nos termos conjugados dos art.ºs 3º da Lei e 46º, n.º 1 da LCCT, a necessidade de o empregador o denunciar, com a antecedência legal, para o fim do prazo em curso, sob pena de renovação, salienta depois a manifesta disfuncionalidade das normas da LCCT a esse respeito e conclui, mesmo de jure constituto, reconhecendo embora as dificuldades da questão, que é mais acertado o entendimento segundo o qual, como aliás é regra no direito civil, a caducidade actua automaticamente, ipso jure, extinguindo-se o contrato com o simples decurso do tempo de vida que as partes lhe haviam fixado.
Acrescentando mais adiante:
“Em todo o caso, e até pelas dúvidas que de outro modo sempre persistirão, será de toda a conveniência que esta questão seja esclarecida pelo contrato individual – a possibilidade de ser incluída no próprio contrato de trabalho uma cláusula no sentido de que este não se renove no fim do prazo, operando a caducidade de modo automático, tem sido admitido por alguma doutrina, relativamente ao trabalhador comum -“(32)”. e, independentemente das objecções que se possam formular quanto à validade de semelhantes cláusulas em sede de regime geral do contrato de trabalho, pensa-se que tais objecções careceriam de sentido no âmbito do contrato de trabalho de praticante desportivo – ou ao nível da contratação colectiva – é o que se passa, de resto, no CCT para os futebolistas profissionais, cujo art. 7º, após estabelecer que «o contrato de trabalho desportivo terá sempre uma duração determinada, seja pela fixação do seu tempo, seja pela referência a determinada competição ou número de jogos», (n.º 1), preceitua: “no primeiro caso, o contrato caducará, sem necessidade de aviso prévio, expirado o prazo estipulado»; “no segundo caso, o contrato considerar-se-á extinto após a realização do último jogo da competição a que se referia ou para que for contratado” (n.º 3) - “(33)”. .

Concluímos, assim, que o contrato em causa caducava no fim do prazo ajustado, ou seja, em 30.06.2005, se não fosse renovado por acordo das partes.
E a factualidade apurada não demonstra que tenha ocorrido tal renovação – sequer tácita –, sendo que, por se estar perante facto constitutivo do seu direito, cabia ao A. o ónus de alegar e provar os pertinentes factos (art.º 342º, n.º 1 do CC).
Tenha-se presente que vem provado que o A. exerceu a sua actividade até 30.06.2005 e que a R. contratou uma nova equipe técnica, o que levou o A., em data ulterior, a pretender esclarecer, junto da R. a sua situação laboral.
Do exposto, resulta que o contrato se extinguiu, por caducidade, em 30.06.2005, motivo por que a ulterior actuação da R., por acção ou omissão, v.g. o seu silêncio ao fax do A., datado de 7.7.2005, não vale como um despedimento do A. por parte da R..


Concluímos, assim, como o acórdão recorrido, que o contrato a termo celebrado entre as partes cessou, válida e eficazmente, por caducidade e não por despedimento sem justa causa por parte da R., não tendo, pois, o A. direito às verbas que peticionava, a este título - (34) .

V – Pelo exposto, acorda-se em:
a) Não conhecer do recurso, na parte em que o A. impugnava a sua condenação em custas, proferida no acórdão da Relação de fls. 109 a 111.
b) Negar, no mais, a revista, confirmando-se o acórdão recorrido (de fls. 85 e ss.).
Custas da apelação e da revista a cargo do A. e as da acção a cargo das partes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 19 de Julho de 2008

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
_____________________

(1) - Na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável, nos termos dos seus art.ºs 11º, n.º 1 e 12º, n.º 1.
(2)- Ver, a propósito, a anotação 3 ao art.º 700º, em “Cód. de Proc. Civil Anotado”, 18ª ed. actualizada, de Abílio Neto, pág. 986.
(3) - E lido o dito acórdão, constata-se que, efectivamente, ele não aclarou o anterior acórdão, não tendo precisado sentido deste que padecesse de obscuridade (por esse sentido ser ininteligível) ou de ambiguidade (por suportar 2 ou mais sentidos possíveis). Sendo, aliás, que tal acórdão não padecia, efectivamente, desses vícios.
(4) - Preceito aqui aplicável, nos termos dos art.ºs 716º, n.º 1 e 726º do CPC.
(5) - Proferido na Revista n.º 1821.06, relatado pelo actual relator e subscrito pelos ora adjuntos, e disponível em www.dgsi.pt, processo 06S1821.
(6) - Dispõe o art.º 2º desse diploma, na parte que aqui interessa:
“a) Para efeitos do presente diploma entende-se por:
Contrato de trabalho desportivo aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta;b)Praticante desportivo profissional aquele que, através de contrato de trabalho desportivo e após a necessária formação técnico-profissional, pratica uma modalidade desportiva como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma retribuição;” (o sublinhado é nosso).
(7) - In “Vinculação versus Liberdade O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, 202, p. 59. Já o entendia, assim, face ao regime anterior, substancialmente idêntico, no ponto em questão , aprovado pelo DL n.º 305/95, de 18.11 (ver art.º 1º deste diploma), e que veio a ser revogado pelo art.º 41º da referida Lei n.º 28/98 – ver “Contrato de Trabalho Desportivo Anotado”, 1995, p. 12.
(8) - A pág. 131 do artigo “É o regime laboral comum aplicável aos contratos entre clubes e treinadores profissionais?”, publicado na Revista do Ministério Público, Ano 20º, Out-Dez 1999, n.º 80, págs. 129 a 139.
(9) - “Aprovada pela Lei n.º 1/90, de 13.01 e em vigor à data da referida obra e da celebração do contrato de trabalho de que vimos tratando, e, por isso, a aplicável para efeitos da qualificação do contrato de trabalho que nos vem ocupando, Diploma que teve as alterações introduzidas pala Lei n.º 19/96, de 25.06, e que foi revogada pela Lei de Bases do Desporto, constante da Lei n.º 30/2004, de 21.07 (ver art.º 90º, n.º 1)”. Como nota de actualização, há que dizer que esta Lei veio a ser revogada pela Lei n.º 5/2007. de 16.01.
(10) - “Igual entendimento continua a valer no domínio da actual Lei de Bases do Desporto, acima referida, face ao disposto nos seus art.ºs 33º, n.º 1, 34º, n.º 1 e 36º, n.º 2”. Como nota de actualização, é de referir que é esta Lei de Bases n.º 30/2004 a aplicável ao caso que nos ocupa na presente revista n.º 3660/07 por ser a que vigorava na data da celebração do contrato de trabalho ora em apreço
(11) - O sublinhado é nosso.
(12) - Nesse sentido, vejam-se, por exemplo, Leal Amado (referida “Vinculação versus Liberdade ...”, 61 a 64) e Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, Reimpressão de 2004, págs. 649 e 664.
(13) -“O pluralismo do Direito do Trabalho”, in III Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, coordenação de António Moreira, págs. 287 a 289. Do mesmo autor, e no sentido defendido, “Ainda sobre a crise do Direito do Trabalho”, in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, págs. 68 e 69.
(14) -“BTE, 1ª série, n.º 27, de 22.7.1997, págs 1219 e ss.”.
(15) - “É o regime laboral comum aplicável nos contratos entre clubes e treinadores profissionais?”, Ver. do Ministério Público, n.º 80, pág. 135 e ss.
(16)- “A situação em equação não se mostra, a nosso ver, substancialmente diversa da que ocorre quanto a certos contratos de direito privado, inclusive comerciais – e, como tem sido defendido, o direito comercial constitui um direito especial – não regulados expressamente na lei, quanto aos quais se tem defendido a aplicação de regulamentação normativa própria de outros contratos, por valerem igualmente quanto a eles as razões daquela regulamentação.
É o que se tem entendido, de forma pacífica, quanto à aplicação a hipóteses de extinção do contrato de concessão comercial – não regulado expressamente na lei – do regime de indemnização de clientela própria do contrato de agência, este sim tipificado e regulado na lei, com afastamento, portanto, do regime geral da indemnização contratual”.
(17) - Regime laboral comum que, atenta a data do contrato de trabalho que está em causa na presente revista n.º 3660/07 – 25.08.2004 – é o constante do Código do Trabalho (CT), face ao disposto nos art.ºs 3º, n.º 1 e 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que o aprovou.
(18) - “Vinculação ...”, págs. 99 e 100.
(19) - Conversão hoje prevista no art.º 131º, n.º 4 do CT.
(20) - Preceitos a que correspondem, no CT, os art.ºs 131º, n.ºs 1, e) e 4, 132º e 139º a 141º.
(21)- Ver art.º 26º da Lei n.º 28/98, com a indicação das formas de cessação do CTPD, entre as quais não se encontra tal rescisão. Veja-se, também, a propósito, Leal Amado, “Vinculação ...”, págs. 110 e ss., 224 e ss e 264 a 257.
(22) - Segundo o qual “ambas as partes contratantes acordam em promover a extensão do presente CCT a todas as relações laborais emergentes de contratos de trabalho celebrados entre treinadores profissionais e quaisquer clubes ou sociedades desportivas, estejam ou não filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional para o que solicitarão aos ministérios responsáveis a respectiva portaria de extensão”.
(23) - Tenha-se presente que, segundo os dados que apuramos, não foi acordada a renovação ou alteração do CCT, prevista no art.º 4º deste, o que, na falta de outros elementos, apontará no sentido de que cessou a vigência do CCT e, consequencialmente, da Portaria de Extensão – art.ºs 10º, n.º 1 e 27º do DL n.º 519-C1/79, de 29.12, entretanto revogado pelo CT, conforme art. 21º, n.º 1, g) da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que o aprovou; no CT, vejam-se os art.ºs 556º, n.º 1, 557º, n.º 1 e 559º, b).
(24)- Diga-se que, no caso, sempre seria de afastar a possibilidade de uma aplicação directa do CCT– isto é, sem a “intermediação” da Portaria de Extensão – já que não foi alegado nem está provado que o A. estivesse filiado na outorgante Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, como se tornava necessário (ver art.º 7º, n.º 1 do DL n.º 519-C1/79, 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003 e 552º, n.º 1 do CT).
(25) - No sentido da admissibilidade, em regra, de tais cláusulas de remissão, ainda que para CCT que, entretanto, haja perdido validade, veja-se “Cláusulas de remissão a CCT”, de Bruno Mestre, em “Questões Laborais”, n.º 30, Julho/Dezembro de 2007, págs. 139 a 172, v.g. 140, 141 e 149 a 151. (26)- Esta cláusula 11ª do contrato é reprodução ipsis verbis da cláusula 13ª do acima referido modelo de contrato tipo.
(27) - Ao indicar, de forma claramente perceptível, as funções a exercer e sua duração.
(28) - A referência feita na cláusula 4ª do contrato de que ao “segundo contraente é cometida uma tarefa ocasional, precisamente definida e não duradoura”, para além de dispensável, reforça, no fundo, a ideia da temporalidade do vínculo laboral ajustado, e não integra qualquer “irregularidade”, com eventuais reflexos no contrato, que, aliás, não podia ser a de o converter em contrato por tempo indeterminado.
(29) - Dispõe-se aí: “O contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar”.
(30)- Em “Direito do Trabalho”, 3ª edição, pág. 698.
(31) - In citada “Vinculação...”, págs. 215 a 222.
(32)-“Neste sentido, v. Furtado Martins, “A Cessação...”, cit, p. 29, Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., vol. II, tomo 2, p. 36, e, por último, M.ª Manuela Maia, Breves Notas Sobre as Actuais Relações Laborais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2000, p. 219”.
(33) -“Na mesma linha, lê-se no art. 8º do CCT para os treinadores de futebol: “O contrato de trabalho terá sempre uma duração determinada, caducando, sem mais, expirado o prazo nele estipulado”.
(34)- Diga-se que, por não integrar o objecto da revista – nem, aliás, a causa de pedir e o pedido deduzidos pelo A., na acção –, não há que abordar aqui, à semelhança do que aconteceu já no acórdão recorrido, eventual direito do A. a indemnização pela cessação do contrato a termo, por caducidade, no quadro do art.º 388º, n.º 2 do CT.