Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1493/07.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 03/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195.
- JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 821 e 825.
- MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 746 e 750.
Legislação Nacional: CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003,( LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO): - ARTIGOS 3.º, N.º1, 8.º, N.º1, 37.º E 318.º.
LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 7.º, Nº1.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA N.º 77/187/CEE, DO CONSELHO, DE 14 DE FEVEREIRO, ALTERADA PELA DIRECTIVA N.º 98/50/CE, DO CONSELHO, DE 29 DE JUNHO E REVOGADA PELA DIRECTIVA N.º 2001/23/CE, DO CONSELHO, DE 12 DE MARÇO (TRANSPOSTA PARA O NOSSO ORDENAMENTO PELO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO): - N.º 1 DO ARTIGO 3.º DA ANTEDITA DIRECTIVA N.º 77/187/CEE, QUE SE MANTEVE NAS DIRECTIVAS N.º 98/50/CE E N.º 2001/23/CE, E, ARTIGO 1.º, ALÍNEA B) DA DIRECTIVA N.º 2001/23/CE.
Jurisprudência Internacional: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA: - ACÓRDÃO DE 11 DE MARÇO DE 1997, PROCESSO C-13/95.
Sumário : 1. Não se mostrando provada a transmissão, por qualquer título, da titularidade ou da exploração de parte da empresa ou estabelecimento que constituísse uma unidade económica, nomeadamente não se provando a readmissão do essencial do pessoal ao serviço da 1.ª ré, mas somente de um trabalhador, o que se trata de um indício importante, posto que era, em grande medida, esse complexo humano organizado que conferia individualidade à actividade desenvolvida, não se configura uma transmissão relevante para efeito de aplicação do preceituado no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003.
2. Assim, o autor continuou a ser trabalhador da 1.ª ré/recorrente após a cessação do contrato de prestação de serviço ajustado entre as rés.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 12 de Abril de 2007, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, L.da, e CC – SISTEMAS INFORMÁTICOS, S. A. (actualmente denominada DD, S. A.), pedindo: a) a condenação da 2.ª ré a pagar-lhe «as remunerações já vencidas no montante total de € 8.865,30, acrescidas das que se vencerem até decisão final e de juros contados à taxa legal de 4% ao ano e calculados desde a citação até integral pagamento e a manter o A. ao seu serviço»; b) ou, caso se entenda «não estarem preenchidos os pressupostos de manutenção do contrato de trabalho do A. com a R. CC, sempre aquela condenação deverá recair sobre a R. BB»; c) a condenação das rés, solidariamente, a pagar-lhe «a retribuição referente ao subsídio de Natal de 2006, no montante de € 1.054,12, acrescida de juros, à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento».

Alegou, em suma, que foi admitido ao serviço da 1.ª ré, em 1 de Novembro de 1999, com a categoria de chefe de secção, trabalhando nas instalações da 2.ª ré, nas quais a 1.ª ré executava uma empreitada de prestação de serviço, e que, em 1 de Outubro de 2006, quando se apresentou no local de trabalho, foi impedido de laborar pela 2.ª ré, sendo que a 1.ª ré lhe comunicou que, em virtude de a empreitada ter sido transmitida à 2.ª ré, tinha-se transmitido para esta o contrato de trabalho. Mais aduziu que se apresentou no local de trabalho, nos dias 2 a 9 de Outubro de 2006, mas foi sempre impedido de trabalhar, e que lhe é devido o subsídio de Natal de 2006.

Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, ambas as rés contestaram. A 1.ª ré alegou que o autor desempenhava funções de envelopagem no âmbito de um contrato de prestação de serviço firmado com a EE, a qual, em 2001, cedeu a sua posição contratual à 2.ª ré, tendo esta posto termo a tal prestação de serviço a partir de Outubro de 2006, passando ela própria a efectuar o serviço de envelopagem prestado pela 1.ª ré, pelo que ocorreu a transmissão do estabelecimento, nos termos do artigo 318.º do Código do Trabalho. Por sua vez, a 2.ª ré aduziu não se configurar a pretendida transmissão, de direito ou de facto, do estabelecimento.

Após o julgamento, em que o autor optou por indemnização em substituição da reintegração (fls. 271), foi proferida sentença que julgou a acção procedente em relação à 1.ª ré e improcedente em relação à 2.ª ré, e, em consequência, condenou a ré BB a pagar ao autor «a quantia de € 7.671,90, a título de indemnização pelo despedimento ilícito», bem como «todas as retribuições vencidas desde 13 de Março de 2007 e vincendas até trânsito em julgado [da] sentença, por referência ao vencimento mensal base de € 767,19», absolvendo a 2.ª ré do pedido.

2. Inconformada, a ré BB, L.da, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu «negar provimento à apelação e, consequentemente, manter integralmente a sentença recorrida», sendo contra aquela decisão que a mencionada ré, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever:

«1. No presente recurso discutem-se questões idênticas às já julgadas, pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos processos 3377/08-4, de 27/06/2008, 3721/07-4, de 22/09/2007, 5083/06-4, de 02/02/2007, 9767/07-4, de 21/02/2008, e processo 4171/07-4, de 21/09/2007 (acórdãos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), tendo todas génese no mesmo contrato de prestação de serviços, ou seja, no contrato celebrado entre a recorrente e a EE, em 15 de Março de 1999.
2. Todos esses processos tiveram decisões favoráveis à ora recorrente, tendo aquele Venerando Tribunal considerado aplicável in casu o disposto no art. 318.º do Código do Trabalho.
3. O art. 318.º do Código do Trabalho e a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou estabelecimentos, consagram a teoria da empresa, nos termos da qual os contratos de trabalho devem acompanhar as vicissitudes da empresa.
4. Visando a protecção dos trabalhadores e a continuidade das relações existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente de uma mudança de proprietário.
5. De acordo com a interpretação que tem vindo a ser feita pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a “parte de estabelecimento”, para efeitos da directiva, em determinados sectores de actividade, pode corresponder a um simples conjunto de assalariados que são especial e duravelmente destinados a uma tarefa comum.
6. Como também tem decidido a nossa jurisprudência mais recente para saber se determinado objecto constitui uma “unidade económica” deve apurar-se se a parte destacada de um estabelecimento desenvolve uma actividade económica e se essa actividade se mantém, com o novo prestador do serviço (Ac. STJ de 29-7-2005 e Ac. STJ de 27-5-2004).
7. O critério essencial para determinar a aplicabilidade da norma passa por determinar se o cessionário continua a exercer a actividade ou, pelo menos, uma actividade similar, como tem considerado a jurisprudência comunitária.
8. Na década de 90 a EE decidiu colocar em outsourcing algumas das actividades que eram por si desenvolvidas, a saber, o arquivo e a envelopagem.
9. O arquivo teve um percurso mais simples, tendo ficado a cargo da recorrente até 2005, altura em que ocorreu nova adjudicação a outra entidade.
10. A envelopagem esteve adjudicada directamente à recorrente até ao final do ano 2000.
11. Sendo certo que a partir dessa data a recorrente continuou a desenvolver a actividade de envelopagem de correspondência da EE.
12. Competia ao autor proceder à envelopagem mecânica da correspondência das empresas que faziam parte do grupo da EE.
13. A recorrente desempenhou tal actividade até 30 de Setembro de 2006.
14. Primeiro, como já se referiu, por via de um contrato de prestação de serviços celebrado directamente com a EE.
15. Posteriormente e tal como resulta do documento 4 junto com a contestação da recorrente, por via da CC.
16. Seja num momento, seja no outro, o destinatário da actividade da recorrente foi sempre a EE.
17. A recorrente não envelopava correspondência da CC.
18. A EE era cliente da CC.
19. Após 1 de Outubro de 2006, a CC passou a desenvolver, ela própria, a actividade de envelopagem desenvolvida pela recorrente.
20. Ou seja, a CC passou a fazer envelopagem de correspondência da EE.
21. Esta actividade, por pertencer originariamente à EE, continuou a ser exercida em regime de outsourcing.
22. Os meios materiais afectos a essa actividade pela recorrente continuaram a ser utilizados pela CC.
23. A CC admitiu nos seus quadros, pelo menos um trabalhador da recorrente.
24. A actividade de envelopagem, levada a cabo pela recorrente, constitui uma “unidade económica” de parte do estabelecimento, sendo uma actividade diferenciada, de funcionamento autónomo, passível de ser explorada isoladamente e actuar de forma independente.
25. No caso concreto, verifica-se a manutenção do núcleo e natureza da actividade destacada, que é a de envelopagem, que foi prestada pela recorrente e passou a ser explorada pela CC.
26. Verificam-se todos os pressupostos para que o art. 318.º possa funcionar, isto é, a actividade de envelopagem de correspondência da EE constitui uma actividade diferenciada, susceptível de ser explorada isoladamente, a qual foi continuada pela CC.
27. Ocorreu, assim, uma transferência da actividade, acompanhada de meios materiais e humanos, que consubstanciava uma “unidade económica” do estabelecimento, nos termos do art. 318.º do CT, conforme, aliás, já foi decidido num processo idêntico em que são partes as mesmas RR. e corre termos no Tribunal do Trabalho de Lisboa.
28. A sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância e o Acórdão recorrido violaram o art. 318.º Código do Trabalho e a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, devendo ser revogada e substituída por um acórdão que absolva a Apelante.»

O autor contra-alegou, aduzindo que «[n]ão está demonstrada a verificação de que depende a transmissão do estabelecimento ou parte dele que constituía um unidade económica nos termos do art. 318.º do CT, pelo que se conclui que a R. BB manteve a posição jurídica de empregador do A. após 1 de Outubro de 2006» e que a decisão recorrida «é, pois, de manter na sua totalidade, [porquanto] fez correcta aplicação do direito à matéria de facto dada por provada», sendo que, se assim não se entender, então «deverá a R. CC – Sistemas Informáticos, S. A., ser condenada a pagar as quantias liquidadas na sentença condenatória de 1.ª instância e em que foi condenada a R. BB, L.da».

Também a 2.ª ré contra-alegou, aduzindo, em síntese conclusiva, o seguinte:

«1. O presente recurso, interposto pela Recorrente BB, S. A., tem por objecto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso por si interposto, confirmando, em consequência, a sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, segunda a qual não se encontravam verificados os requisitos para a transmissão de estabelecimento previstos no artigo 318.º do Código do Trabalho.
2. Em consequência da não verificação dos requisitos para a transmissão de estabelecimento da Recorrente para a Recorrida, foi aquela condenada a pagar ao Trabalhador a quantia de € 7.671,90, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida das retribuições vencidas e vincendas desde 13 de Março de 2007 até trânsito em julgado da decisão.
3. Bem andou a decisão recorrida, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa feito uma boa aplicação do direito aos factos dados como provados na primeira instância.
4. Quanto ao contexto da presente acção, importa referir que, na sequência de um processo interno de reorganização da EE, esta entregou, em regime de outsourcing, exclusivamente os serviços de “finishing” do Grupo FF– A... (vide ponto 8. e 9. dos factos provados e documentos n.os 3 e 4 da contestação da Recorrente).
5. Na verdade, os serviços de “finishing” do Grupo FF– A... constituíam um projecto autónomo, sendo certo que a Recorrente apenas prestava serviços de envelopagem mecânica à Recorrida no âmbito daquele projecto.
6. Paralelamente ao referido projecto, a Recorrida assegurava — e assegura — directamente, a execução dos serviços de envelopagem mecânica no âmbito de outros projectos.
7. Em virtude de sucessivas quebras na produção, designadamente no volume da envelopagem mecânica no âmbito do projecto do Grupo FF– A..., a Recorrida solicitou à Recorrente uma redução de preços (vide ponto 32. dos factos provados e documento n.os 5 e 6 da contestação da Recorrente), com vista à manutenção do contrato de prestação de serviços.
8. A redução dos preços tinha como objectivo de assegurar a manutenção do contrato de prestação de serviços com a Recorrida e, nomeadamente, manter todos os trabalhadores afectos à envelopagem mecânica.
9. Em virtude da frustração das negociações com vista a manter o referido contrato, em Maio de 2006, a Recorrida comunicou à Recorrente que pretendia, ela própria, passar a executar os serviços de envelopagem mecânica (vide ponto 34. dos factos provados).
10. Todavia, a referida comunicação da Recorrida à Recorrente apenas se referia aos serviços de envelopagem mecânica no âmbito do projecto do Grupo FF– A..., no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado em 15 de Março de 1999 com a EE.
11. A Recorrida sempre procurou, por todos os meios ao seu alcance, manter os postos de trabalho dos diversos trabalhadores da Recorrente que prestavam serviços de envelopagem mecânica, tendo sempre sido intenção da Recorrida manter o contrato de prestação de serviços com a Recorrente.
12. Ora, não tendo sido possível manter o referido contrato de prestação de serviços e prosseguindo a intenção de não deixar eventualmente desamparados os trabalhadores da Recorrente, a Recorrida procurou integrar os mesmos, através do Eng. GG, nos seus quadros ou, não sendo tal possível, nos quadros da HH, empresa do mesmo grupo (vide ponto 36. dos factos provados).
13. Para o efeito, a Recorrida solicitou a listagem de todos os trabalhadores da Recorrida a laborar no local, bem como a informação sobre os seus vencimentos de modo a aferir a possibilidade de integração na HH.
14. Num primeiro momento, a Recorrida começou por solicitar uma redução dos preços do contrato, após a frustração da negociações, a Recorrida procurou integrar os trabalhadores da Recorrente na HH, empresa do grupo no qual se integra a Recorrida.
15. Não tendo sido alcançado qualquer acordo que viabilizasse a manutenção do contrato de prestação de serviços, a partir de 1 de Outubro de 2006, a Recorrida passou a executar os serviços anteriormente desempenhados pela Recorrente (vide ponto 39. dos factos provados).
16. A decisão de fazer cessar o contrato com a Recorrente resultou da impossibilidade económica de manter na área de envelopagem mecânica, em simultâneo, os seus trabalhadores e os trabalhadores da Recorrente, pelo que a Recorrida não tinha outra opção se não fazer cessar o contrato de prestação de serviços com a Recorrente.
17. Na verdade, conforme se alegou, a Recorrida sempre executou serviços de envelopagem mecânica, pelo que, após a cessação do referido contrato de prestação de serviços, os serviços de envelopagem mecânica do projecto do Grupo FF– A... foram “absorvidos pela própria adjudicatária”.
18. Tanto assim é que, após a cessação do referido contrato, a Recorrida apenas admitiu nos seus quadros o trabalhador II (vide ponto 46. dos factos provados), passando a executar directamente todos os serviços de envelopagem mecânica de modo indistinto.
19. Caso a Recorrida não tivesse feito cessar o contrato, e sendo obrigada a integrar nos seus quadros os trabalhadores da Recorrente, a Recorrida ver-se-ia obrigada a despedir os seus próprios trabalhadores.
20. A Recorrida teve de optar entre manter os seus trabalhadores com os quais mantinha contratos de trabalho ou manter os trabalhadores da Recorrida, para os devidos efeitos, seus prestadores de serviços, tendo dado, em razão da hierarquia das relações contratuais, prevalência aos primeiros.
21. Na verdade, e como refere a Douta decisão do Tribunal a quo, a “dado momento, a 2.ª R [ora Recorrida] toma a decisão de passar ela própria a assegurar aqueles mesmos serviços, pondo fim ao contrato de prestação de serviços que mantinha com a outra R. [ora Recorrente]”.
22. Em face do exposto, bem andou o Tribunal ao decidir que não existiu uma “cedência, seja a que título for, dos meios afectos à actividade de envelopagem”, não existindo nos presentes autos “qualquer meio da posição jurídica de empregador no contrato de trabalho do A. ter [podido] passar da 1.ª R para a 2.ª R.”.
23. No conceito de transmissão de estabelecimento cabe não só os casos em que existe uma efectiva cessão/transmissão da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, mas também os casos em que, com vista à execução da mesma prestação, um empresário põe termo ao contrato anteriormente existente com um primeiro empresário, celebrando novo contrato com um segundo empresário (é o que se designa por relações triangulares ou em duas fases).
24. Nos presentes autos não ficou demonstrado, por um lado, que a Recorrida haja transmitido, no todo ou em parte, a empresa ou estabelecimento, e, por outro lado, que após a cessação do contrato de prestação de serviços com a Recorrente, haja celebrado com uma terceira entidade qualquer contrato para a prestação dos referidos serviços de envelopagem mecânica.
25. A Recorrida apenas absorveu os serviços de envelopagem mecânica anteriormente prestados pela Recorrente.
26. Não resulta dos factos provados em sede de audiência de discussão e julgamento que a Recorrida tenha transmitido, por qualquer título, a titularidade do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica.
27. A Recorrida assumiu os serviços de envelopagem mecânica com o seu pessoal e com todos os meios materiais que já eram seus e que já estavam nas suas próprias instalações, onde tais serviços eram prestados pela Recorrente.
28. A Recorrente não alegou, nem muito menos demonstrou, a continuidade da clientela, pelo que não pode agora, em sede de recurso, vir sustentar a sua manutenção.
29. Além do mais, não se encontram verificados os restantes outros elementos a transmissão de estabelecimento.
30. No caso dos autos, embora estando em causa uma actividade assente essencialmente na mão-de-obra, não se encontra verificada a manutenção de efectivos, uma vez que apenas um trabalhador da Recorrente foi integrado na Recorrida.
31. Relativamente à identidade da actividade, sempre se dirá que a Recorrida já antes de 2001 prestava serviços de envelopagem mecânica, tendo, após 2001, passado a prestar os mencionados serviços no âmbito do projecto do Grupo FF– A..., inicialmente recorrendo aos serviços da Recorrente e, posteriormente, de forma indiscriminada, através dos trabalhadores com quem, à data, já mantinha vínculo laboral.
32. Nem se alegue que, nos presentes autos, ocorreu uma reversão de estabelecimento.
33. Aliás, quer a Recorrente, na sua contestação, quer o Autor, na sua petição inicial, sempre defenderam ter-se verificado uma transmissão de estabelecimento da Recorrente para a Recorrida.
34. Nos termos do n.º 3 do artigo 318.º do Código do Trabalho, a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores transmite-se para o adquirente também no caso de “transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica (...)”, considerando-se unidade económica, nos termos do n.º 4, “o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.
35. Exige-se ainda a conservação da identidade do estabelecimento e a prossecução da sua actividade.
36. Nos presentes autos não existiu qualquer reversão da exploração da unidade económica.
37. Os serviços de envelopagem mecânica prestados pela Recorrente à Recorrida não constituem uma verdadeira unidade produtiva autónoma, com organização específica.
38. A reversão de estabelecimento verifica-se quando uma empresa, por não ter meios para ela própria prestar determinada serviço, confia a outrem, por via contratual, a execução dos mesmos, após o que, decide, nem sempre com fundamento justificado, rescindir tal contrato e passar a assegurar directamente os referidos serviços.
39. A Recorrida nunca deixou de executar os serviços de envelopagem mecânica, apenas tendo recorrido à Recorrente para um projecto autónomo concreto, assegurando, paralela e directamente, como se disse, envelopagem mecânica no âmbito de outros projectos.
40. Os serviços de envelopagem mecânica prestados pela Recorrente à Recorrida estavam assim integrados numa — essa sim! — “unidade produtiva autónoma, com organização específica”.
41. A proceder a pretensão da Recorrente significaria, por absurdo, que cada um dos trabalhadores da Recorrida constituía uma unidade produtiva autónoma, tanto mais que a Recorrente apenas admitiu ao seu serviço um trabalhador da Recorrida, tendo passado a assegurar, ela própria, os serviços de envelopagem mecânica.
42. Além do mais, não corresponde à verdade que a Recorrida tenha retomado a actividade que anteriormente era por si desenvolvida.
43. Não só porque, no caso em concreto, a Recorrente não era a detentora originária da actividade de envelopagem mecânica, como também, aquela nunca deixou de executar, ela própria, os mencionados serviços ainda que no âmbito de outros projectos.
44. Não corresponde, também, à verdade que a Recorrida tenha retomado a actividade que anteriormente era por si desenvolvida, uma vez que, conforme se alegou, aquela nunca deixou de executar os referidos serviços.
45. Ao contrário do que a Recorrente alega, a jurisprudência pela mesma citada não tem qualquer aplicação aos presentes autos, não se tratando de uma “questão idêntica à discutida nos presentes autos”.
46. Enquanto que naquelas decisões a Recorrente deixou de prestar os serviços à EE, passando uma terceira entidade (JJ) a prestar os mesmos serviços, no presente processo a Recorrente deixou de prestar serviços à Recorrida, passando esta a executar, paralelamente, aqueles os serviços, sem recurso ao outsourcing.
47. Em momento algum dos referidos acórdãos se fala em reversão de estabelecimento.
48. Realce-se, além do mais, a dificuldade da Recorrente em reconduzir a situação dos autos à transmissão, cessão ou reversão de estabelecimento.
49. Importa referir que, paralelamente a este processo, existem outros 5 (cinco) processos em que se discute a alegada transmissão de estabelecimento da Recorrente para a Recorrida, sendo que, em três dos mencionados processos, o Tribunal do Trabalho de Lisboa decidiu pela inexistência da transmissão de estabelecimento, tendo tal entendimento sido recentemente confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo 1036/07.6 TT LSB.L1, assim como no presente processo.
50. A transmissão de estabelecimento visa garantir a manutenção dos direitos dos trabalhadores e, nomeadamente, salvaguardar o princípio constitucional da segurança no emprego.
51. Ficou demonstrado nos presentes autos que a Recorrida sempre procurou, por todos os meios ao seu alcance, manter os postos de trabalho dos diversos trabalhadores da Recorrente que prestavam serviços de envelopagem mecânica.
52. Se, por um lado, a Recorrida solicitou à Recorrente uma redução dos preços, com o objectivo de assegurar a manutenção do contrato de prestação de serviços com a Recorrida e, nomeadamente, manter todos os trabalhadores afectos à envelopagem mecânica.
53. Por outro lado, a Recorrida procurou integrar os referidos trabalhadores nos quadros da HH, empresa do grupo no qual aquela se insere (vide ponto 36. dos factos provados).
54. Tentou, no fundo, proteger os trabalhadores: quer os da Recorrente ao tentar manter o contrato e ao tentar integrá-los numa empresa do Grupo, quer os da Recorrida não despedindo estes para aceitar os trabalhadores da Recorrente.
55. Admitir a reversão de estabelecimento para a Recorrida seria desvirtuar a própria ratio do artigo 318.º do Código do Trabalho, uma vez que colocaria em risco diversos postos de trabalho dos trabalhadores da Recorrida que exerciam os serviços de envelopagem mecânica fora do projecto do Grupo FF– A....
56. Entende, por isso, a Recorrida que a reversão de estabelecimento nunca poderia ter-se verificado nos presentes autos, sob pena de se subverter o princípio constitucionalmente consagrado da segurança no emprego.
57. Em face do exposto, dúvidas não poderão subsistir quanto à não verificação da transmissão ou reversão de estabelecimento, sendo certo que, no entendimento da Recorrida, quer a sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, quer o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não merecem qualquer reparo.»

Termos em que sustenta a confirmação do julgado no acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso de revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da recorrente para discordar daquela posição, propugnando, em suma, que a actividade de envelopagem de correspondência da EE é uma actividade diferenciada e susceptível de ser explorada isoladamente, que se registou a transferência de meios materiais e humanos afectos à execução do serviço, da 1.ª para a 2.ª ré, que a actividade que era desenvolvida pela recorrente foi continuada pela CC e, finalmente, que esta actividade constitui uma unidade económica, que funciona como uma unidade autónoma, pelo que se verificam todos os requisitos para que seja aplicado, in casu, o disposto no art. 318.º do Código do Trabalho.

A 2.ª ré respondeu, igualmente, ao dito parecer, reiterando o entendimento de que não resultava «dos factos provados em sede de audiência de discussão e julgamento que a Recorrente tenha transmitido, por qualquer título, a titularidade do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica», pelo que o acórdão recorrido não merece reparo algum.

3. No caso vertente, a questão suscitada reconduz-se a saber se ocorreu uma transmissão da exploração de estabelecimento ou unidade económica deste relevante para efeito de aplicação do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
1) O autor foi admitido ao serviço da primeira ré em 1 de Fevereiro de 1999, celebrando o contrato de trabalho escrito que se mostra junto a fls. 9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2) O A. foi contratado para laborar sob as ordens, direcção e fiscalização daquela R., nas instalações do cliente desta, EE, sitas na Urbanização da ..., edifício ..., em Lisboa;
3) O autor possui a categoria profissional de chefe de secção;
4) O autor praticava o seguinte horário de trabalho, em regime de turnos: das 08h30 às 17h30 de 2.ª a 6.ª feira;
5) O A. auferia, mensalmente, € 767,19, a título de vencimento base, acrescidos de € 72,08, a título de subsídio de alimentação, e € 350,00, a título de prémio;
6) O autor desempenhava funções de envelopagem, no âmbito dos serviços prestados pela 1.ª ré à EE;
7) O trabalho desempenhado pelo A. integrava-se no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a 1.ª ré e a EE, em 15 de Março de 1999;
8) A EE, no final do ano de 2000, decidiu proceder a uma reorganização interna dos seus serviços;
9) Reorganização essa que a levou a que os serviços de “finishing” passassem a ser desempenhados em regime de outsourcing;
10) A partir de 1 de Janeiro de 2001, a EE cedeu à 2.ª ré a sua posição jurídica no âmbito do contrato de prestação de serviços que mantinha com a 1.ª ré;
11) A partir de meados de 2001, a prestação de serviços passou a ser executada em Sacavém, nas instalações da 2.ª ré;
12) O A. é associado do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas;
13) A quantia auferida a título de prémio de produção variava consoante o desempenho do A.;
14) Competia ao A. proceder à envelopagem mecânica da correspondência das empresas que faziam parte da EE;
15) O A. tinha a seu cargo as seguinte funções: manusear a máquina que procedia à envelopagem mecânica de objectos postais, expedir correspondência, preencher e controlar as guias de avença, elaborar mapas de produção diárias e mensais, controlar e proceder à manutenção de stock de consumíveis existentes;
16) A 1.ª ré iniciou a prestação de serviços à EE em 1996;
17) Antes dessa data já os serviços de arquivo eram executados por terceiras entidades, em regime de outsourcing;
18) Nomeadamente pelas empresas KK e LL;
19) Quando iniciou a prestação desses serviços, a 1.ª ré admitiu nos seus quadros trabalhadores que já desempenhavam funções de envelopagem ao serviço de empresas da EE;
20) Entre 1997 e 2001, sempre a 1.ª ré prestou para a EE serviços de envelopagem;
21) Por via desse contrato, competia à 1.ª ré, com o seu pessoal, prestar serviços de envelopagem, que consistiam em:
– Envelopagem mecânica dos objectos postais;
Expedição de correspondência via CTT;
Expedição via DHL ou outras de correspondência ou documentos de carácter urgente;
Preenchimento e controlo diário de guias de avença da correspondência expedida via CTT, DHL ou outros operadores;
Elaboração de mapas de produção diários e mensais; e
Controlo e manutenção de stock de consumíveis existentes;
22) A actividade a desenvolver era previamente definida pela EE;
23) Sendo essa empresa quem indicava os métodos de prestação de serviço;
24) Bem como as quantidades pretendidas;
25) Era também essa empresa quem fornecia todos os meios e materiais necessários para o desempenho dos serviços;
26) Não obstante a cessão da posição contratual, a 1.ª ré continuou a executar as mesmas actividades que vinha a desenvolver até então, no âmbito da envelopagem;
27) A 2.ª ré reconheceu perante a 1.ª ré que se mantinha plenamente em vigor o contrato de prestação de serviços celebrado em 15 de Março de 1999, tendo aceite a manutenção de todas as condições aí acordadas;
28) Todos os meios materiais e humanos associados a esta “operação” foram transferidos de Lisboa para Sacavém;
29) Entre 2001 e 2006, a 1.ª ré continuou a desenvolver para a 2.ª ré a actividade de envelopagem nos moldes acordados com a EE e plasmados no contrato celebrado em Março de 2005;
30) Durante o ano de 2006, a 1.ª ré obrigou-se a prestar, entre outros, os serviços seguintes:
– Envelopagem mecânica de objectos postais;
Expedição de correspondência via CTT;
Expedição via DHL ou outras de correspondência ou documentos de carácter urgente;
Preenchimento e controlo diário de guias de avença da correspondência expedida via CTT, DHL ou outros operadores;
Elaboração de mapas de produção diários e mensais; e
Controlo e manutenção de stock de consumíveis existentes;
31) A 1.ª ré não pagou ao A. o subsídio de Natal do ano 2006;
32) A 2.ª ré solicitou à 1.ª ré uma redução de preços;
33) Durante o mês de Abril de 2006, as partes tentaram, em vão, renegociar os preços do contrato;
34) Em Maio de 2006, visto não terem chegado a acordo quanto à redução dos preços, a 2.ª ré informou a 1.ª ré que pretendia, ela própria, passar a executar os serviços de envelopagem mecânica;
35) A 1.ª ré, em 4 de Maio de 2006, enviou à 2.ª ré a mensagem electrónica cujo print está junto a fls. 75 e cujo conteúdo damos aqui por reproduzido;
36) A 2.ª ré, na pessoa do Eng. GG, transmitiu à 1.ª ré, no âmbito de uma reunião então realizada, que iria tentar integrar nos seus quadros, ou, não sendo tal possível, nos quadros de uma outra empresa pertencente ao mesmo grupo, todos os trabalhadores que ali laboravam e que estavam afectos à envelopagem mecânica;
37) A 2.ª ré solicitou, verbalmente, à 1.ª ré a listagem de todos os trabalhadores a laborar no local, bem como informação sobre os respectivos vencimentos;
38) A 1.ª ré enviou à 2.ª ré, em 5 de Junho de 2006, uma listagem de todos os trabalhadores a laborar no local, bem como informação sobre os respectivos vencimentos;
39) Tendo ficado estabelecido, em Setembro, que a 2.ª ré passaria a executar esses serviços a partir do dia 1 de Outubro de 2006;
40) O Eng. GG, responsável da 2.ª ré que vinha conduzindo o supra referido processo de renegociação, deixou de o fazer no final de Julho de 2006;
41) Tendo sido substituído pelos Eng.s MM e NN;
42) No final Setembro de 2006, a 1.ª ré contactou o Eng. NN, de modo a que se operasse a passagem dos trabalhadores de uma empresa para a outra;
43) E, no dia 28 de Setembro de 2006, a 1.ª ré comunicou à 2.ª ré a listagem dos trabalhadores a laborar no local, anexando-a à carta que enviou e que se encontra junta a fls. 79;
44) No dia 1 de Outubro de 2006, a 2.ª ré não permitiu que o A. e alguns dos seus colegas iniciassem a sua prestação laboral;
45) A partir do dia 1 de Outubro de 2006, a 2.ª ré continuou a utilizar os meios materiais anteriormente utilizados pela 1.ª ré para a execução da actividade de envelopagem, nomeadamente os computadores, o mobiliário (secretárias e cadeiras), agrafadores, furadores, papel, software e 4 máquinas destinadas a executar a envelopagem (modelo BELL & HOWEL – Vitesse);
46) A 2.ª ré admitiu nos seus quadros o trabalhador II, que antes havia laborado para a 1.ª ré;
47) O A. apresentou-se no local de trabalho nos dias 2 a 9 de Outubro de 2006.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão nuclear suscitada no recurso.

2. A recorrente BB, L.da, sustenta que «[o] art. 318.º do Código do Trabalho e a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou estabelecimentos, consagram a teoria da empresa, nos termos da qual os contratos de trabalho devem acompanhar as vicissitudes da empresa», «[v]isando a protecção dos trabalhadores e a continuidade das relações existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente de uma mudança de proprietário» e que, «[d]e acordo com a interpretação que tem vindo a ser feita pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a “parte de estabelecimento”, para efeitos da directiva, em determinados sectores de actividade, pode corresponder a um simples conjunto de assalariados que são especial e duravelmente destinados a uma tarefa comum», acrescendo que, «[c]omo também tem decidido a nossa jurisprudência mais recente, para saber se determinado objecto constitui uma “unidade económica” deve apurar-se se a parte destacada de um estabelecimento desenvolve uma actividade económica e se essa actividade se mantém, com o novo prestador do serviço (Ac. STJ de 29-7-2005 e Ac. STJ de 27-5-2004)», pelo que «[o] critério essencial para determinar a aplicabilidade da norma passa por determinar se o cessionário continua a exercer a actividade ou, pelo menos, uma actividade similar, como tem considerado a jurisprudência comunitária».

Ora, prossegue a recorrente, «[n]a década de 90, a EE decidiu colocar em outsourcing algumas das actividades que eram por si desenvolvidas, a saber, o arquivo e a envelopagem», tendo esta última sido «adjudicada directamente à recorrente até ao final do ano 2000» e, posteriormente, por via da CC, mas, «[s]eja num momento, seja no outro, o destinatário da actividade da recorrente foi sempre a EE», «[a] recorrente não envelopava correspondência da CC», «[a] EE era cliente da CC», sendo que, «[a]pós 1 de Outubro de 2006, a CC passou a desenvolver, ela própria, a actividade de envelopagem desenvolvida pela recorrente», com «[o]s meios materiais afectos a essa actividade pela recorrente», admitindo a CC, nos seus quadros, pelo menos um trabalhador da recorrente, donde «[a] actividade de envelopagem, levada a cabo pela recorrente, constitui uma unidade económica de parte do estabelecimento, sendo uma actividade diferenciada, de funcionamento autónomo, passível de ser explorada isoladamente e actuar de forma independente», verificando-se «a manutenção do núcleo e natureza da actividade destacada, que é a de envelopagem, que foi prestada pela recorrente e passou a ser explorada pela CC», e «todos os pressupostos para que o art. 318.º possa funcionar, isto é, a actividade de envelopagem de correspondência da EE constitui uma actividade diferenciada, susceptível de ser explorada isoladamente, a qual foi continuada pela CC», ocorrendo «uma transferência da actividade, acompanhada de meios materiais e humanos, que consubstanciava uma ‘unidade económica’ do estabelecimento, nos termos do art. 318.º do CT», pelo que o acórdão recorrido violou o artigo 318.º Código do Trabalho de 2003 e a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001.

2.1. Estando em causa a invocada transmissão de uma unidade económica a partir de 1 de Outubro de 2006, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

O artigo 318.º, epigrafado «Transmissão da empresa ou estabelecimento», estabelecia que, «[e]m caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral» (n.º 1) e que «[d]urante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão» (n.º 2), sendo que «[o] disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica» (n.º 3), considerando-se «unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória» (n.º 4).

Assim, fora dos casos onde se verificasse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importava a modificação subjectiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, o sobredito artigo 318.º determinava que, configurando-se uma transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, ocorria uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 746), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador configurou inicialmente a sua relação laboral.

Consagrou-se, portanto, neste normativo o princípio de que a transmissão do estabelecimento não afecta, em regra, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar.

O que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.

O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na concepção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares, e corresponde, no plano do direito laboral, à efectiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico — cf. JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195).

No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 750), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação colectiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.»

Tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular.

Este é, aliás, o sentido e o alcance do n.º 1 do artigo 3.º da antedita Directiva n.º 77/187/CEE, que se manteve nas Directivas n.º 98/50/CE e n.º 2001/23/CE, ao estipular que «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos são, por este facto, transferidos para o cessionário».

2.2. Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 318.º, aliás em consonância com as directivas comunitárias relevantes na matéria e a jurisprudência comunitária, o bem objecto de transmissão, para efeitos da sujeição ao regime laboral da transmissão do estabelecimento, deve constituir uma unidade económica.

Adoptou-se com esta definição um critério material em que avultam dois elementos: um organizatório, a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas; um funcional, esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio de aplicação do artigo 37.º da LCT, tem entendido que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica, do que resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada actividade económica.

Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aquele artigo 318.º utiliza para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar «por qualquer título» (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

Por outro lado, a transmissão parcial de um estabelecimento é relevante para efeitos de se afirmar a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que laboravam na parte do estabelecimento cedida à data da transmissão.

Igualmente as directivas comunitárias, desde a Directiva n.º 77/187/CEE, se reportam especificamente à manutenção dos direitos dos trabalhadores «em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos», referindo-se expressamente na alínea b) do artigo 1.º da Directiva n.º 2001/23/CE, que «é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória».

Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

Tal como sublinha, neste conspecto, JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821), «[d]ecisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do activo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efectivos, a duração de uma eventual interrupção da actividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a actividade desenvolvida antes e a actividade desenvolvida depois da transferência».

É, assim, essencial que a transferência tenha por objecto um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa entidade económica na esfera do transmissário.

2.3. Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

«No caso concreto destes autos, atentos os critérios que acabamos de definir e a matéria de facto provada, não se pode falar de transmissão ou em reversão de uma unidade económica, nos termos e para efeitos do disposto no art. 318.º do CT, da primeira para a segunda ré.
Como resulta das suas conclusões de recurso, a recorrente fundamenta o seu entendimento de que o estabelecimento reverteu para a R. CC, na alegação de que, não obstante a EE ter cedido à CC a sua posição contratual em 2001, quando o contrato de prestação de serviços da recorrente terminou em 01/10/2006, a CC passou a desenvolver a mesma actividade, nos mesmos moldes que eram desenvolvidos pela recorrente (conclusão 13.ª).
Acontece que, salvo o devido respeito, este entendimento da recorrente não tem suporte na factualidade provada e esta não foi objecto de impugnação.
As funções de envelopagem que o A. exercia integravam-se no âmbito de um contrato de prestação de serviços que a 1.ª R. (BB), sua entidade patronal, tinha celebrado com a EE em Março de 1999 (facto 7), sendo que a EE, em 01/01/2001, cedeu a sua posição jurídica no âmbito de tal contrato de prestação de serviços, à aqui 2.ª R. “CC” (facto 10), passando a BB a prestar a esta, os serviços de envelopagem que prestava à EE.
O A. foi contratado pela recorrente e foi para ela que sempre trabalhou até 30 de Setembro de 2006, altura em que cessou aquele contrato de prestação de serviços que a mesma mantinha com a CC e o A. foi impedido de continuar a trabalhar.
Quando, em 30/09/2006, terminou o contrato de prestação de serviços efectuados pela recorrente, não foi efectuado qualquer outro contrato de prestação dos mesmos serviços com a CC.
Não tem, pois, razão de ser, o que a recorrente diz na conclusão 13.ª no sentido de que, aquela actividade de envelopagem passou a ser exercida, pela CC nos mesmos moldes em que era exercida pela recorrente.
E em termos de reversão da exploração, a recorrente não refere quaisquer factos concretos da matéria provada, vertida na sentença recorrida, de que se possa retirar a conclusão de estar em causa uma unidade económica, capaz de integrar aquele conceito de reversão para efeitos do art. 318.º do CT, não bastando dizer que “Todos os elementos de facto, constantes do processo, avaliados no sua globalidade, permitem concluir que estamos perante um caso de reversão…” conclusão 5.ª
Desde logo, “…os elementos de facto, constantes do processo…” só relevam se constarem, também, da matéria de facto provada e vertida na sentença, a qual não foi impugnada, pois esta Relação só pode ter em conta essa factualidade.
Por outro lado, entendemos que da factualidade provada, não se pode retirar aquela conclusão de reversão para efeito do citado art. 318.º, capaz de determinar a transmissão para a segunda R., do contrato de trabalho que o A. mantinha com a primeira R.
Na verdade, como resulta da factualidade provada (factos 22, 23, 24 e 25, nomeadamente), a recorrente prestava serviços de envelopagem, primeiro à EE (entre 1997 e 2001 — facto 20) e depois, nos mesmos moldes, à CC (de 2001 a 2006 — facto 29), sendo que essa actividade era previamente definida pela EE e pela CC, sendo estas empresas que indicavam os métodos de prestação do serviço, bem como as quantidades pretendidas e eram elas que forneciam todos os meios e materiais necessários para o desempenho do serviço.
A própria recorrente diz na conclusão 14.ª que a 2.ª R. CC passou a utilizar os mesmos meios materiais que estavam afectos à execução do serviço pelo recorrente, meios esses inicialmente pertencentes à EE e, posteriormente, à 2.ª R. por via da cessão de posição contratual operada, sendo, primeira da EE e depois da CC, as instalações, material de “hardware” e “software”, maquinaria, mobiliário, material de escritório, etc.
Ao fim e ao cabo, a recorrente só fornecia a mão-de-obra com trabalhadores seus.
E quanto a meios humanos, a CC apenas [admitiu] nos seus quadros um trabalhador (II), que antes havia laborado para a 1.ª R. — facto 46.
Acabado o contrato de prestação de serviços com a recorrente, porque não [conseguiu] acordar com esta uma redução dos preços, a CC assumiu esses serviços com o seu pessoal e com todos os meios materiais que já eram seus e que já estavam nas suas próprias instalações onde tais serviços eram efectuados pela recorrente.
Neste contexto, não pode dizer-se que os serviços de envelopagem prestados pela recorrente integravam uma unidade económica com uma identidade e autonomia próprias e que tenha conservado identidade e autonomia depois de 01/01/2006 quando aqueles serviços foram assumidos pela CC. Não existiu transmissão de qualquer activo, da recorrente para a CC, nem instalações, nem bens materiais, pois tudo isso já pertencia à própria CC.
Não pode, assim, concluir-se que tenha havido transmissão ou reversão de estabelecimento, enquanto unidade económica, da recorrente BB, para a segunda R. CC.
Aqui chegados, compete realçar que não faz qualquer sentido a recorrente dizer que a situação destes autos é idêntica à dos processos que menciona na conclusão 1.ª, nomeadamente do processo n.º 5083/06, de que consta cópia do acórdão a fls. 159 e segs. destes autos.
Pelo contrário, estão em causa situações bem diversas, pois que, naquele processo, estava em causa uma actividade de tratamento do serviço de arquivo, constituindo uma unidade autónoma, com meios organizativos próprios, cindível da restante actividade do proprietário (a EE), sendo essa actividade desenvolvida desde há vários anos (desde antes de 1997), por outras empresas.
Naquele processo 5083/06 ficou provado que uma dessas empresas foi, em determinado período de tempo a BB (aqui recorrente) e quando terminou esse contrato de prestação de serviços, teve logo início outro contrato de prestação de serviços realizado entre a EE e a empresa JJ, tendo-se transmitido para esta última os elementos corpóreos inerentes à empreitada e tendo a JJ admitido ao seu serviço 24 dos trabalhadores da BB. Por estas razões não admira que ali se tenha concluído pela transmissão do estabelecimento entre a BB e a JJ e da consequente transmissão da posição contratual da ali autora de uma para a outra empresa.
Ora a situação destes autos que agora nos ocupam, é totalmente diversa, conforme resulta de tudo o que supra exposto fica, não tendo havido qualquer sucessão de empreitadas como ocorria naquele outro caso.
E também não ocorreu reversão de estabelecimento pelos motivos supra expostos.
Assim, conforme se entendeu na sentença recorrida, não ocorreu transmissão do contrato de trabalho do A., celebrado com a recorrente BB, para à 2ª R. CC por força do disposto no art. 318.º do CT, pelo que o mesmo continuou a ser trabalhador da recorrente após a cessação do contrato de prestação de serviços que entre as RR. existia.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

De facto, no que ora releva, apenas se provou que, a partir de 1 de Outubro de 2006, a 2.ª ré continuou a utilizar os meios materiais anteriormente utilizados pela 1.ª ré para a execução da actividade de envelopagem, meios esses inicialmente pertencentes à EE e, posteriormente, à 2.ª ré, por via de cessão da posição contratual, e que «[a] 2.ª ré admitiu nos seus quadros o trabalhador II, que antes havia laborado para a 1.ª ré» [factos provados 10), 25) a 29), 45) e 46)].

Nestas circunstâncias, não ficou demonstrada a transmissão, por qualquer título, da titularidade ou da exploração de parte da empresa ou estabelecimento que constituísse uma unidade económica, nomeadamente não se provou a readmissão do essencial do pessoal ao serviço da 1.ª ré, mas tão-somente de um trabalhador, o que se trata de um indício importante, posto que era, em grande medida, esse complexo humano organizado que conferia individualidade à actividade desenvolvida.

E não se diga que a consideração do indício da manutenção do pessoal confunde uma consequência da aplicação do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003 — transferência dos direitos e obrigações resultantes dos contratos de trabalho do cedente para o cessionário — com uma premissa da sua própria aplicação, pois, tal como afirma JÚLIO GOMES (ob. cit., p. 825), «o paradoxo é mais aparente que real: naquelas entidades económicas em que o essencial é um conjunto organizado de pessoas, como tantas vezes sucede nas empresas de limpeza, a circunstância de o novo concessionário ou prestador de serviços vir “buscar” uma parte substancial dos trabalhadores do antigo mostra que, no fim de contas, pretendeu apropriar-se da organização de meios (sobretudo humanos) que se encontrava “no terreno”», sendo que, no caso, não se demonstrou qualquer alteração fraudulenta do referido indício.

Doutro passo, como salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não resulta da matéria de facto provada que «a 2.ª Ré (CC) seria “apenas” uma intermediária da EE, quando, por via do contrato de cessão […], esta deixou de ser o destinatário da sua actividade (da 1.ª Ré ora recorrente) passando a 2.ª Ré (CC) a ser a verdadeira destinatária dos seus (da 1.ª Ré ora recorrente) serviços», e que «a 2.ª Ré tivesse continuado a fazer tais serviços em regime de outsourcing para a EE», o que obsta à afirmação da pretendida continuidade da clientela.
Adite-se que a mera transmissão de uma actividade não é suficiente para configurar uma transmissão de unidade económica, como, aliás o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou no Acórdão de 11 de Março de 1997, Processo C-13/95, em cujo ponto 15 se refere que «uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada. A sua identidade resulta também de outros elementos, como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou, ainda, […] os meios de exploração à sua disposição».

Tudo para concluir que, no caso, não resulta dos factos provados que se tivesse verificado «uma transferência da actividade, acompanhada de meios materiais e humanos, que consubstanciava uma “unidade económica” do estabelecimento, nos termos do art. 318.º do CT», tal como alega a recorrente, e também não se configura a invocada violação do disposto no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003 e na dita Directiva n.º 2001/23/CE, termos em que o autor continuou a ser trabalhador da recorrente após a cessação do contrato de prestação de serviço ajustado entre as rés.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.

Lisboa, 24 de Março de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha